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ProfQ TONICO

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História do Pensamento Geográfico
1
Texto L\ /
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I
CAPÍTULO VI

A evolução das civilizações

I - Tendência natural para o aperfeiçoamento

2. a edição, revista J.: ~ . Observai num mostruário de museu o espólio de vestuários,


;;( .armas e adereços do mundo melanésio: nas conchas, escamas de
l!ilí"tartarugas, dentes, espinhas, madeira e fibras vegetais, reconhecer eis
~:: o cunho do meio litoral e equatorial; nos ornamentos brasilicos ,
21.' encontrareis as plumas das aves de cores variegadas da flores ta; nos
Tradução, notas e prefácio dos pastores cafres, as peles de rinocerontes e as correias de couro de
por / hipopótamo. Isto é, pressentis outras tantas adaptações a modos de
\t:v;ida directamente inspirados no meio ambiente. Excluindo os incên-
FERNANDES MARTINS
íi{dios e desbr avarnentos temporários, esse meio foi pouco modificado,
t. o ~~sistente de G·e~grafi~
na Faculdade de Letras de Coimbra ff;o· mundo vegetal e animal permanece no estado de natureza; por
~t(outro lado, quase nada se buscou no exterior. Lançai em seguida um
f-*iPlhar à vossa volta; vede essas regiões de alta civilização, onde os
o!!Z);'liossoscampos, os prados e mesmo as florestas são, em parte, obras
,;~;iartificiais, onde os nossos companheiros, animais e vegetais, são ex-
W:l."lusivamente aqueles que nós escolhemos, onde os produtos, os ins-
.tk;~t;uQJentos e o material são mais ou menos cosmopolitas. De um lado, '\
~,;:ivilizações francamente autônomas ,: do outro, civilizações nas quais '
P~'P'meio não se distingue senão através das complicações de elementos
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f4;':beterógeneos. Parece que há um abismo entre esses rudimentos de
,2.;" cultura, expressão de meios locais, e esses resultados de progresso
;~..(i; ~t!:;acumulados de que vivem as nossas civilizações superiores. Uns são
~'., tão exactamente decalcados sobre os lugares onde se encontram, que
t,:, D?9 podemos tr ansportá-Ios nem imaginá-Ias noutra parte; os outros

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Entretanto,
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e de ?e. :spa!har.
cada um destes tipos de civilização
que tem as mesmas raizes. Foi no meio ambiente
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Geo . Husn, - FoI. 18

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MARCHA DA HUMANIDADE DE GEOGRAFIA HUMANA 275
que, por toda a parte, os grupos de homens começaram a buscar OS',I:.. ~ Os in~trum~ntos .que o homem põe ao serviço da sua con-
meios de prover às necessidades da sua existência. Nesta busca, a" <:.epça? de existência derivam de mtenções e de esforços coordenados
maior parte deu provas de qualidades de engenho e de invenção que .'. , -ern ~Ista de um modo de vida. ,P.or isso, formam um conjunto. en-
demonstram na natureza humana maior igualdade original do que os , .. <:ad.ela~.se, e. revelam uma espécie de parentesco entre eles. Uma
nossos prejuízos de civilizados querem admitir: o homem não se .aplicação atrai outra. O caçador, para aperfeiçoar as suas armas de
contentou em utilizar o abrigo das árvores ou das rochas para garan- . .arremess~ - boomeranfi (I), ~zagaia ou dardo, sarabatana, arco' e
tir-se um lugar seguro, não se satisfez em colher à mercê do acaso», flecha=-, introduz modificações : recurva ou alonga o seu arco segundo
as raizes ou sementes nascidas espontâneamente do solo ou em caçar '. .0. alcance que deseja obter; protege com um bracelete o braço
à maneira dos animais de presa: tirou da palmeira, do bambu, dos " que pode ser magoado pelo ressalto da corda; guarnece a flecha com
despojos de animais marinhos ou terrestres, da pedra -ou da argila ," 'Plumas par~ lhe regularizar a trajectória, e embota-lhe a ponta
.~. do cobre e do ferro, uma infinidade de objectos que marcou com a quando receia estragar aplurnagern da ave que quer atingir. Arma se
sua sigla e criou para seu uso. O que mais tarde ele obteve aplicando -de um broquei que resiste ao ataque. O escudo, leve e manejável
ú na végação as energias naturais do ar e da água, e, mais tarde ainda, 'para enfrentar as armas :ie arremesso, alongou-se e tornou-se pe-
(v " utilizando a força de expansão dos gases, as fontes de calor e de luz sado, aliando- se co~ o. pIque e com a lança, para permitir a defesa
amontoadas pelas antigas idades nas entranhas do solo, e recente- ·cont!"a o ass2:lto do InImIgo ou das ·feras. Se o preto africano da zona
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mente, enfim, as energias mais misteriosas da electricidade- tudo tropical pratica a. metalurgia do ferro, executa na forma das facas,
isso o homem das civilizações primitivas começou, aplicando a esses mas curvaturas? cinzeladur as e farpados, uma variedade que visa a
fins os animais e plantas que tinha ao seu alcance e o solo que cal- outras tantas diversidades de emprego.
cava a seus pés. E por esta razão, estava condenado a encontrar O material. 9u.e o Kirghiz criou para usá-I o na sua vida de
condições mais ou menos. favoráveis. No espaço limitado de que dis- ..," :~eslocamentos. periódicos, a forma da tenda e dos vestuários rea-
punha, os auxiliares podiam ser. raros, e sabe-se que em certas re-,:: [izam um conjunto. onde tudo subsiste como, símbolo de um modo de
giões, como na Oceânia, a indigência da natureza nativa paralisou 0;;/ VIda. Igualmente, o material criado pelo Esquimo para ocorrer às
desenvolvimento. Todavia, mesmo aí o instrumento que supre o que.~j necessidades da pesca, da navegação marítima, dos rápidos per-
falta ao homem em fõrça e 'velocidade aparece em toda a parte como:~; .cur~os no gel? ou no solo d~ tundra - trenós e tiros, karaks ; e
um germe donde, por muito rudimentar que seja, pode sair, sendo./i ,.a~poes, vestuarlU_ e cabanas(~)-representa um todo no qual as
favoráveis as condições, urna longa sucessão de progresso, como um .n , diversas peças estao coordenadas.
acto de iniciativa, uma força de vontade. . Será. sàr:;ente o-estlmulo da utilidade prática o que preside a
A natureza forneceu ao homem materiais que têm exigências estas cqmbIl?açoes? Reconhec~-~se pelas um elemento que entra em
próprias, facilidades especiais e incapacidades também, que se, to~a a obra !mpregnada de pacI~ncla e de atenção cuidadosa, qualquer
prestam mais a certas aplicações do que a outras; nisso ela é suges- coisa de analogo ao que o artista sustenta na sua luta contra a ma-
tiva, mas por vezes restritiva. Contudo, a natureza age só corria esti- .. téria, no esf~rço que dispende para lhe comunicar aquilo que sente.
mulo. Ao criar instrumentos, o homem tinha em vista um desígnio .'. ',-.A e~te r~s~e.Ito, a ola~la não é. m~no~ significativa do que a meta-
aplicando-se cada vez mais a aperfeiçoar as suas armas, os seus :. Iurgia pnrnmva. A m.ao do o}e.lro indigena, na Guiana assim como
utensílios de caça, de pesca ou de cultura, as habitações onde podi '. 'tno Peru, desde a China meridional até à extremidade ocidental da
pôr em seg,urança a sua pes.soa .e bens, as suas alf~ias doméstic~s ~ .. r·'.~~rbéria, molda a matéria ao sabor da sua fantasia e das suas neces-
os ornamentos de luxo, fOI guiado por um desejo de apropnaça :?,sIdades. O ,aca~amento d~ alguns instrumentos fabricados, por exern-
melhor dirigida a um fim determinado; Nas-diferentes condições d i':lplo, pelos Esquímocom SImples espinhas ou ossos de peixes, ou por
meio em que o homem se encontrou, e tendo primeiro de assegura '. ~
a sua existência, concentrou tudo o que possuia de destreza e dé
engenho para alcançar esse fim. Os resultados que atingiu, por ínfe-
. (1) Arma australiana. É um bastão curvilineo, de curva tão bem calcu-
riores que DOS possam parecer, testemunham qualidades que não' lada que'jançado pelo atirador, volta.à mão deste se acaso falhou o alvo. (N. T.)
diferem daquelas que encontram o seu emprego nas nossas civiliza": . _ ,( ) Quanto aos abrigos ésquirno, os mais conhecidos do grande público
ções modernas senão pela menor soma de experiência acumulada:" sao os igloos, f:ltos de. blocos d: ge!o recoberros por uma poeira de neve. Con-
Há com certeza desigualdades e graus diversos na invenção; mas, 1l:ldo, O igloo nao é a uruca habitação de Inverno conhecida pelos Ésquimo : há
:alllda o qarmat, cabana feita de madeira e de pedras. E para o Verão dispõem
por toda a' parte, o estudo do material etnográfico denota engenhoç -da tenda, que consta de uma armação de quatro ou cinco varas recoberra por
mesmo num círculo restrito de ideias e necessidades. ;; <luas capas de peles de rena ou de foca. (N. T.)
..!":.,::~'~'i:i!r;~~.':y,:;'~?'7);!::I;~f~~:T~·r~~!i"1f.i~"'"
':?::'-·~~';\lEfS(~~~~r!1.~~';,,,>,.,;~,.,~.:,, ".:,.,
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certos Polinésios, graças a conchas de notável dureza, e entre os Maorr bitação,cabanas cilíndricas de taipa e de palha, e cabanas r ectan-
da Nova Zelãndia com as madeiras duras que usavam para cingir o gulare- , de tectos inclinados, apoiados em pilares, repetem-se à sa-
cavername das suas embarcações, denota uma paciência que não é ciedade , segundo as zonas, no Centro e no Oeste africanos. O ferreiro
mais do que o amor do artista pela sua obra. preto trabalha com o seu aparelho portátil, à semelhança dos seus
. Na Oce ânia, tal como no Japão primitivo, na China ou no longínquos antepassados. Os cestos de palma do Fellah egípcio ou,
México, o trabalho do homem obstinou- se sobre certas pedras de,,, os potes do país castelhano permanecem fiéis a tipos fixados em
grande dureza - jade, obsidiana, serpentina -, cujo brilho o seduzira, j tempos remotos e desde então invariáveis, e que estão representados
e delas fez uma multiplicidade de estatuetas ou objectos, todo urp,·~ nos monumentos figurados.
material de luxo que foi transmitido e, em parte, sobrevive nas civ.i~·)\ , . Nas próprias regiões de civilização avançada, o círculo dos
lizaçôes de apurado gosto. O espanto que sentimos diante da per- -}1 ~l:modos de vida fechou-se. As riquezas minerais que abundam na
feição que os pré-históricos do Norte da Europa souberam dar aos ,.!.,::China, não fizeram do Chinês um mineiro. Este engenhoso cultivador
instrumentos de pedra polida, e o que nos impressiona diante dessas .J não se dedicou nem à horticultura nem à criação de gados. Per-
pinturas rupestres , nas quais os artistas das grutas ele Espanha e do , sistern os mesmos trâmites sem mudança sensível; de tal forma que,
Sudoeste da França reproduziam com talento os animais que encon- depois de termos notado os indícios de uma evolução capaz de atingir
travam nas suas caçadas ('), revelam já naqueles longínquos antepas- uma perfeição relativa, verificamos uma certa impotência, quer em
sados o artista que existe no homem. , levar mais além, quer em abordar direcções diferentes. A série de es-
Assim, através dos materiais que a natureza lhe fornecia, e, forços pelos quais o homem, caçador ou pescador, agricul tor ou
por vezes, a despeito da rebelião ou da sua insuficiência, o homem pastor, assegurou a sua existência parece ter-lhe estimulado a inteli-
procurou realizar certas intenções, fez arte. Obedecendo aos seus gência em determinado sentido, de que não mais se desviou. Chega
impulsos e aos seus, gostos próprios, humanizou, para seu usov .a um momento em que estes esforços param; e se nada de novo vem
natureza ambiente; e assim vemos, em graus. diversos, uma série de solicitar a actividade, esta adormece sobre os resultados adquiridos.
desenvolvimentos originais. Por mais empobrecido que se nos depare .: Um .período de estagnação sucede a -periodos de progresso, tal como
hoje, o material das civilizações autónomas que se formaram nesses· :.aconteceu na China e noutras partes.
meios diferentes, que o conhecimento da terra nos revelou, representa: ': O homem é atraído para a inacção por um pendor natural.
não o princípio mas toda uma série de esforços levados a cabo. in situo ·Espreita.o uma tentação de torpor. Viu-se como náufragos reunidos
Estas civilizações rudimentares, que nos reportam aos períodos ar- pelo acaso no arquipélago de Tristão da Cunha se habituaram a
caicos das nossas próprias civilizações, são jái'não obstante, umponto .uma vida parada e indolente, a tal ponto que, ao fim de uma geração
de chegada, um resultado de progresso, para os quais contribuíram;' 'Au duas, estavam incapazes de afrontar uma existência diversa.
visivelmente a iniciativa, a vontade e o sentimento artístico. ·E preciso, pois, que uma .força estranha se faça sentir. Se acredi-
:','tarmos no que diz o poeta, «a actividade humana pode fàcilmente
'adorrriecer~. e não tarda em abandonar· se a um estado completo de
II - Estagnação e isolamento l'ep?uso. EIS porque me empenho. em lhe dar este companheiro que
\~splcaça e actua, e que, sendo o Diabo, deve criar» (1).
Verifica-se com surpresa que muitas destas civilizações esta-i, • . Demónio ou não, este princípio de inquietação e descontenta-
caram em plena marcha, que a série de progressos se interrompeu e:' 'mento, capaz de acção criadora, existe no recôndito da alma humana,
que, em muitos sítios, a seiva de invenções parece ter-se esgotado ..~'. ~as não age senão quando soar a sua hora, conforme o tempo e os
Repetem-se, sem modificações" os mesmos processos de cultura, no-' .hornens. Para que desperte é preciso que a ideia do mais perfeito
.,.'., I'; se apresente" com forma concreta, que se entreveja algures uma r e a-
Sudão (se bem que novas plantas, vindas da América, lá tenham"
sido introduzídas); entre os Berberes é ainda o mesmo arado que há" ·;{ização capaz de suscitar desejo. O isolamento, a ausência de impres-
vários milénios se usa nas margens do Mediterrâneo. Os tipos de ha- sões vindas do exterior, parecem pois ser o primeiro obstáculo que
se opõe a esta concepção de progresso. Efectivament~, as sociedades
·humanas que as condições geográficas conservaram afastadas, quer

(1) São sobretudo famosas as pinturas dos caçadores magclalenenses qu,e


dccor~l1?- as paredes ~ o tecto da caverna de Altarnira, próximo de Sanrander, •
nos Pirincus Cantábr icos (Espanha}. No SW da Franca. pode citar-se, entre:'~
ourrns, ;1 gruta de Fnnt-dc-Guurnc. (N. T) , , ,,:', (1) "Des Menschcn Tãngkeit.. :., F\"allst, cena L
1.
;':;~P;~;;li1~%:!'I.,nJ'~~;'-':'7;'·'
. .':.,ü;.".'".:

27.8 MARCHA ti A·· H U M ÀN I D A D E P R I N C ÍP I os. DE G E o G RA F IA HUMANA 279 •


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nas ilhas, quer no âmago das montanhas, quer nos desertos ou nasi Essas organizações pressupõem uma harmonia fundada em
clareiras, das florestas, parecem tocadas de imobilidade e de esta- experiências seculares e resumindo longos esforços de iniciativa; mas
gnação, Na Islândia, entre os Targui, e no Cufiristão, é que o indicam também que, repousando sobre resultados adquiridos, a inte-
arcaísmo nos oferece hoje os seus melhores tipos. ligência deixou de prosseguir em busca de outros. E, por isso, o
lVlas há também um outro isolamento, aquele que o homem que representava movimento, estacou; o que era iniciativa tornou-se
forja a si mesmo, pelas suas criações, por tudo quanto alicerça sobre- hábito,. e o que significava vontade caiu no domínio do inconsciente.
suas obras, Nessas invenções, nas quais pós alguma coisa de si pró- Foi assim que, entre as sociedades animais, certos grupos souberam
prio, nesses modos de vida que absorvem toda a sua actividade, ele: . guindar. se a uma organização superior. Para que a formiga ficasse
mistura os seus sentimentos, os seus preconceitos, todas as suas con-: ,ec' ligada ao seu formigueiro e a abelha ao cortiço foram necessários
cepções de vida social. E acrescenta a tudo isso uma consagração- incalculáveis progressos anteriores, mas estes pararam ou torna-
religiosa que lhe vem do culto dos seus maiores, do respeito por um . ram-se quase insensíveis. Das invenções passadas, nada mais resta
passado que se envolve de mistério. Ele acaba assim por tecer em do qu~ um impulso que se comunica autornàticamente às gerações
redor de si uma teia espessa qu~ o envolve e paralisa. sucessi vaso
. Toda a vida, do preto da Guiné está complicada por surpers-
tições e ritos que seria tão perigoso infringir como ao tabu polinésio,
O nosso -c amponês tradicionalista, e bem assim o cultivador hindu,
III - Os contactos
cambojano ou chinês,. são pessoas escrupulosas, fervorosos observa-
dores de práticas tais que o ..essencial não se destingue nelas do pa" Pode acontecer que o contacto de outras civilizações se ver i-
rasita. Cada operação complica se com regras de observância entre; fique sem. penetrar profundamente estes organismos bem consoli-
as quais a iniciativa não tem oportunidade para se exercer. O modo dados. E embora possa haver influências, estas não deixam de ser
de vida, penetrando a tal ponto nos hábitos, torna-se um quadro limi •. · superficiais entre sociedades mal preparadas para reagirem uma
tado . para a evolução da inteligência. O que surge de novo parece: sobre outra. Quando, por intermédio. dos Portugueses e dos Es-
hostil; sob estas influências vêem-se cristalizar organismos sbc1ais; ,-panhóis, o Continente Negro entrou em contacto com a América,
e, por falta de renovação, obras dispostas ·para o bem comum tor- ;,:~, , um grandé número de plantas comestíveis foi introduzido na agricul-
num-se conservadoras de rotina. !i,i.:, - tura africana. «A mandioca, o milho, o amendoim, o ananás, e talvez
Disse-se com razão que a base. da .sociedade chinesa. é a fa: ~ o.Jnhame .e a batata doce, foram levados, cerca do século xv, para o
mília.Uma hierarquia rigorosa ~iga os seus membros, unidos pelO'J Continente Negros('), isto. é, a maior parte das plantas que servem_.
culto comum dos antepassados. E incontestável que a força do laç();:' hoje de baseá. alimentação. Ora, este acolhimento demonstra uma,'
familiar ajudou poderosamente esta sociedade a aumentar as fileiras.' .. certa, aptidão para' 0 progresso. Entretanto, vê-se que os processos
da sua população, a fazer prevalecer uma disciplina comum e foi: da .. agricultura tropical .aíricana hajam sido' sensivelmente rnodifi-
também uma fonte de virtudes sociais. Mas, não teria acaso entra- cados, que a enxada tenha dado lugar ao arado, ou que os modos de
vado o progresso? r
O qU convém a uma sociedade patriarcal, não . fertilização ou de renovação do solo tenham substituído
dicionais ? De maneira
os usos tr a-
serve a uma sociedade moderna. Somos levados a perguntar se este nenhuma! As rotineiras práticas agrícolas li,
poder do chefe de família não restringe o espírito de iniciativa e se-i .gadas ao modo de vida persistiram tom os organismos sociais a que
não se opõe ao desenvolvimento do indivíduo. O individualismo, desf estavam adaptadas e quehaviam nascido com elas. A vida da aldeia,
truidor de rotinas, não tem de forma alguma lugar num quadro que,' . num círculo de cultura limitado, permaneceu a característica dom i,
desde o nascimento, se ajusta a todos os actos da existência e nenf nante . de civilização; a adição de algumas plantas nada mudou.
sequer afrouxa depois da morte. . . O horizonte destas pequenas comunidades isoladas entre si e ex-
Como já foi muitas vezes notado, o desenvolvimento excessivi .postas, por isso, às empresas deconquista vinda do exterior, mante-
das instituições comunais restringe o horizonte e produz, mesmo n ye-se tão restrito quanto era antes. Exceptuada a periferia do Sáara,
seio de populações muito densas, ,um isolamento factício. A comun não houve nenhuma vida urbana sólida que tivesse criado raízes
dade de aldeias, tal como é na lndia do Norte, o mil- russo (oi
comuna) e a antiga organização das aldeias agrupadas numa parte
da Europa Ocidental são como arquivos persistentes de ofícios esp~;
cializados, de processos agrícolas, de tipos de afolhamento, dós (l)A.Chevalier, Histoire de l'Agriwlture en Af rique Occidentale Fran-
quais, uma vez fixados, ninguém se pode afastar. çaise, T. J, fase. 1.
·PRINCÍPIOS DE GÉOGRÁFIA HUMANA 281

neste solo, não porque este fosse rebelde à civilização, mas, pelo simples; deixou de andar-se armado. A alma do cidadão harmoni-
contrário; porque uma civilização exclusiva lá encontrou lugar. zou-se com o aspecto da cidade. Elaborada e engrandecida por
. A introdução do cavalo, pelos Europeus, nas planícies da Roma, a noção de cidade tornou- se uma forma de civilização capaz
América do Norte deu lugar a uma espécie de crise na vida dos in- de se comunicar e transmitir a grupos cada vez mais numerosos.
dígenas. Certas tribos, mais aptas para utilizar este meio de guerra, A rede de estradas romana serviu-lhe de veículo. Da bacia mediter-
deveram à mobilidade que ele lhe forneceu uma superioridade de rânea, a revolução ganhou uma grande parte da Europa Central.
ataque e um aumento súbito de poderio. Viu-se, por exemplo, que; A· par com a conquista, marchou o comércio: o uso do vinho e do
no Noroeste, a dos Pés-negros, primitivamente acantonada entre trigo generalizou se; abriram se mercados, propagaram· se culturas.
Saskatchewan e Peace River , estendeu subitamente até YeUowstone Entretanto,. nesta Europa, erguia-se perante o mundo romano um
e às Montanhas Rochosas a área das suas conquistas em detrimento tipo de civilização muito menos avançado, e sem dúvida muito dife-
dos vizinhos, logo que, no começo do século XVIlI, entrou na posse rente, para que a sua originalidade tivesse chocado o espírito obser-
do cavalo. Sem dúvida, o nomadismo mais ou menos acentuado, que vador de Tácito. Ora, entre estes dois mundos não houve apenas
era inerente à vida de caça, recebeu deste auxiliar vindo da Europa conflito, mas também infiltração. Decorreram séculos difíceis e dolo-
um reforço e uma possibilidade de maior expansão. Mas o éfeito rosos antes que se efectuasse uma fusão; e esta realizou-se graças a
. produzido limitou se a este fenômeno efémero. A vida indígena; na uma fórmula religiosa, saída do crisol mediterrâneo, precedente da
posse de um meio novo que lhe permitia persistir na sua maneira de mistura de homens e de ideias que lá havia tido lugar. O Cristia-
ser e dominar os seus vizinhos, teria perseverado nas suas bases tra- nismo serviu de traçode união entre os dois mundos, romano e ger-
dicionais se a colonização européia não .tivesse intervindo. rnânico, que pareciam excluir- se. O que fizera Roma, fê-Io Carlos
Nos casos citados, os modos de vida formados in situ dão Magno por sua vez: foi fundador de cidades.
> ••••

: .. prova de bastante resistência pelo que respeita a adaptarem às suas Estas mudanças, ainda que tenham sido tão decisivas na his-
I"~. próprias necessidades as inovações que lhes são levadas por circuns- (tória das civilizações, estão longe de ter eliminado as formas sociais
tâocias estranhas à sua vontade. Encontram em si próprios forma de , anteriores. E preciso sempre' considerar as variedades e sobrevi-
se defenderem, e naquilo que aproveitam dos outros acham ainda vências no estudo das sociedades humanas, assim como nas socie-
maneira de fortificar-se no seu modo de ser. Não se modificam, dades vegetais e animais. Mesmo ao redor do Mediterrâneo, não
:. A substituição da marcha a pé pelo cavalo, tal como a do arco ou desapareceu completamente a vida de clã com os seus hábitos de
:.• ;. da zagaia pelas armas de fogo, não mudam nada do essencial nos circular armado, de sítios fortificados e de uendettas ; a Albânia
"hábitos contraídos, desde há muito, de harmonia com o meio local. actual é uma notável sobrevivência, e não a única, deste arcaísmo,
~. O choque directo de duas civilizações muito desiguais só produz mo- Mas essas imediatas ..influências dos meios locais tornaram-se ex-

j
vimentos de superfície. Mas sob a pressão das .necessidadesçnão há cepção. A par disso, outros germes frutificaram, outras formas de
resistências que se mantenham. Não faltam exémplosde transfor- :; vida surgiram e exerceram a sua atracção. A civilização viu enri-
mações essenciais que modificaram,. quer sob pressões do exterior, quecer quase até ao infinito o fundo sobre o qual actua.
quer pelo desenvolvimento de causas económicas, sociedades sólida- .....
mente constituídas, já vazadas num certo molde. E nós podernos.
formar um juizo sobre isto, vendo, em nossos dias, 'como, sob a in- IV - Contactos por invasão e oposição de modos de vida
fluência do mercado universal, se desenvolve a vida industrial e ur-
bana à custa da vida agrícola e rural, e verificando que de tal re-
sultam mudanças não só nos modos de exploração, mas também nas A Europa Ocidental mostra um desenvolvimento pouco menos
relações sociais, natalidade, laços de família, alimentação, etc. Senti- do- qu~ contínuo. Não sucedeu da mesma forma na Africa do Norte
mo-nos impressionados, comovidos, por vezes inquietos, com estes e na Asia, isto é, no ljmiar da zona dos desertos e das estepes.
factos, . e, contudo, o passado conheceu acontecimentos análogos. . Desde Marrocos até à India, desde a Rússia até à Arábia, as socie-
Do comércio, da segurança no mar e da colonização nasceu à dades nunca deixaram de estar em relações; mas, o contacto foi a
volta do Mediterrâneo uma forma social que atingiu a sua mais a lta i: maior parte das vezes hostil, como consequência da oposição dos
i.....:~,'. . modos de vida. Constituirarn-se grandes impérios, desde o dos
expressão na cidade. Foi urna revolução aquela que substituiu a ,_
aldeia urbana pela cidade, os santuários de famílias pelo culto da; •.. -Persas até ao dos Arabes e dos Mongóis; o Islão alargou o seu
pátria e os vínculos da clientela por um laço público: revolução inte- .;; 'II}- .vasto domínio. Mas nenhum destes impérios teve sequência no tempo
lectual, tanto quanto material. O trajo mudou, tornou-se ...rnaisf ':ttf em grau igual ao da China ou de Roma,' continuada esta pelo Cristia-
~~-
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'T~"282' ", MA RCH A DA' HU M À N I D A D E
PR I N ct P I o s DE G E O G RA F I A H UMA N A 283
nisrno. As invasões árabes, turcas emongólicas quebraram as ligações! domínios. A Turquia e a Pérsia sentem que o cerco se fecha à sua
na Afr ic« ,do Norte e na Espanna, na Asia Menor, na Pérsia e no volta (I).
Norte da Índia, bem como nas margens do Dnicpre e do Volga ~
foram como que um hiato no desenvolvimento normal das socie-
dades, deram origem a um desvio, a incessantes necessidades de re- V -,Contactos pelo desenvolvimento
começar. Se estas imigrações - de que já nos fala Heródoto, e que,' do comércio marítimo
sobretudo, dos século Iy ao x depois de Cristo, desfilam sem uma
pausa desde o Altai à Asia Ocidental- deixaram de ser em grande Noutro aspecto a vida foi estimulada. O mundo ocidental não
escala há um ou dois séculos a esta parte, não obstante continuam; havia tido senão rápidos e longínquos contactos com as grandes civi-
em ponto pequeno, entre tribos, entre clãs e aldeias vizinhas: dos. lizações do Extremo-Oriente: a ligação tornou- se hoje mais íntima e
.,,;.: '
Curdos para os Arménios, de Albaneses para os Eslavos, de Beduinos; é urna. das mais interessantes experiências efe ctuadas pelo homem.
para os Fellahs. .' A partir de 1860, a India, graças ao impulso de Lord Dalhousie, foi
.' . No entanto, e através destas vissicitudes, observamos a per- sulcada por caminhos-de-ferro sob o domínio de uma potência es-
i: . sistência, ainda que mal vincada, das antigas civilizações: o Egiptoj trangeira. Nestes últimos anos, o carril penetrou na China. Após a
sob os sucessivos disfarces, mantém na sua raça a fisionomia ele; es= data fatídica de 8 de Julho de 1853, dia em que a esquadra do como-
finge; o Persa vive das suas recordações e dos seus poetas. A Asia cloro Perry surgiu em Iedo, o Japão descerrou-se, de momento só
Menor, o Norte dá Pérsia e o Turquestão foram «otomanizados»; em parte e a. seguir completamente. Inaugurou a sua primeira via
mas - tal como, em Atenas, os costumes helénicos apar;ecem sob ~ férrea em 1872 j hoje, as suas fábricas, a ciência e o trajo são eu-
fendido reboco turco -não é impossível descobrir, na Asia Menor] ropeus. Ninguém partiu tão tarde, nem caminhou tão depressa. Tal
o fundo das antigas civilizações que lá deixaram os Trácios, Frigiosç' '. metamorfose é desconcertante e, no entanto, parece que, mais uma
Hititas e Arameus, bem como, na Atménia e no Irão, todos esses ::ivez, esse povo obedeceu apenas. a uma lei particular do seu desen-
velhos povos fundadores de santuários e de monumentos. As velhas" :volvimento; e esta última mudança não será mais do que uma repe-
rei igiões naturalistas da Síria fragmentaram-se-, em seitas diversas, .• '>tição daquela que outrora levou o velho Japão a aceitar a escola da
. O que as invasões' impuseram; aqui 'e além, foi a língua, o ,:,;:Coreia ,e da China. Quando, no século VI da nossa era, o Budismo
vestuário exterior. Ainda assim, para satisfazer 'as exigências deuma, {penetrou. na Japão, levou a termo uma revolução semelhante àquela
vida mais complicada que a das estepes; os dialectos turcos ou tár-. \'qUe, no nosso Ocidente, realizou o Cristianismo no mundo bárbaro.
taras, que su~stit~íram, r:o Norte d,o Irão e nos dois lados ~o Parnir.. ';,~.Sob tais influências, o Japão conservou ciosamente, no quadro de
os dialectos ir aruanos, nver arn de buscar numerosos vocabulos li .. '"montanhas e de recortes litorais, a sua originalidade de povo insular,
persa e no árabe. Quanto à linguagem militar, o Urdú, forrnadan ':as peregrinações aos santuários' sombreados pelas criptomérias, o
c6rte dos soberanos, mongóis de Delhi, não é mais do que a lingii }gosto pela ridente natureza florida e l\ arte religiosa que a interpreta.
hindustani impregnada .de vocabulário persa. ; ";Foi dos seus avatares anteriores que ele herdou a singular aptidão
O Islão, a despeito dos seus quadros simples e rígidos, não;~ ::paráse apropriar da' ciência europeia, para assimilar o que lhe pa-
escapou à regra, transformou-se de harmonia com os meios onde S!!.:' .:teceu essencial nas civilizações exteriores? Sentir-nos- íamos seria-
enr aizou : mar abuto na Berbériavxiita na Pérsia, modificou-se -\l~" ,;:'.ínente embaraçados para dizer se devemos atribuir tal às qualidades
India ao contacto do hihduísmo. Evoluiu segundo os meios. i" : da raça, à sua composição étnica ou à posição geográfica. Notemos
O resultado foi a pulverização de religiões em seitas, e de' ;, apenas que o presente não desmente o passado.
nações compactas em fragmentos de nacionalidades. Arrnénios,"
~:' . O caso insular do japonês oferece um flagrante contraste com
Parsis, Judeus e Sírios .são restos de povos cujo eixo foi deslocado,'
O comércio e a indústria tornaram-se seu monopólio, como outron
:a atitude das civilizações continentais que, se enraizaram, lançando
::~rebentos em redor: a da China ou a da India. O comércio da Eu-
o foram dos Fenícios e dos Gregos em torno das velhas civilizações
do Egipto e da Assíria. Trata se de enxames que vivem e pululamã
margem de grandes sociedades e prestam o serviço de manter UI
resto de circulação entre agrupamentos com tendência para a inérci :;:: (1) Tal como La Blache se exprimiu, adivinha-se a insinuação da passi-'
Contra essa pulverização reagiu a çpo.ca ,presente. Mas' '(vidade demonstrada por esses Estados perante o imperialismo de certas potên-
desde há pouco,a balança se inclina de novo. A Africa do Norte" \. cias. Hoje, essa passividade está longe de ser um facto e, pelo contrário, sentimos
Asia Central, a India e o Egipto,. entraram no circulo dos grand :.::'que, na. sua maioria, esses Estados e Povos desejam ser senhores dos seus des-
'.tlnos. (N. T.)
-- ---------'!

P R I NC Í P I O S DE G E OG R A F I A H U Iv!A N A 285
ropa e o dos Estados Unidos faz:ID .à porfi~o cerco do. Chinês : to~, .
da via , ainda não consegUiram, senao imperfeitamente, cna:,lhe n.oy;as
necessidades; e se o alcançam relativamente a alguns artlg<?s, e sob VI - Caracter geográfico do progresso
a condição de cederem aos gostos e costu.mes d~le. H abituada a
irradiar em torno a própria civilização, a China r~slgna-se a custo ,ao
Quando Pascal fala da sucessão dos .homens como de um
papel de discípulo: en!rincheira se na S.il~ mentahdad~ orgul~~sa. As
urnco homem que subsiste sempre e que aprende continuamente, ex-
ideias subversivas da Europa e da Amenca,. e ao~ artigos exotlc?s~da
prime uma visão filosófica do espírito, confirmada pelo estado actual
mesma origem, opõe a sua mora}, a sua filosofia, as suas tradições
da civilização. Mas isso não implica de maneira alguma que o pro-
literárias os seus hábitos domésticos, a sua concepção de luxo e de
gresso se taça em marcha regular e uniforme. O decurso da História
bem esta~. Aos ciosos competidores que lhe ofere~em, este, os seus;:
desmente pràdigamente que assim 'seja. Ainda hoje, nós vemos em
tecidos de algodão e máquinas, aquele.. o se~ petroleo, e aqueloutro, '
cerca de metade da Terra sociedades que nada mais aprenderam
os seus fósforos, a China opôs, durante muito t~f!lPo, uma fleugma .»

. desde há milhares de anos, agarradas, como num ponto de par8gem,


desdenhosa. No entanto, cede e começa a adquirir .algumas merca-
a uma soma de progressos que, uma vez atingidos, não foram ultra-
dorias. O Chinês; dizem os Lioneses, torna-se «uma interessante per-,
passados. Tais progressos permitiram a essas sociedades locais viver
sonagem econórnica», Iniciou-se um princípio de ferme~tação, cujas .
,esub'sistir no próprio lugar, mas não que fossem mais longe.
etapas não é possível prever. Contudo; e. tar;to da China c?mo do
Todavia, há partes da Terra onde. através de muitas vicissi-
Japão, pode dizer-se a me~m3: coisa: a Imlta~ao do estrangeiro ve~:
tudes, os progressos só raramente foram detidos, onde, e não sem
apenas do desejo. de prescindir de~e" e, por ISSO, na base dessa ati- .
"acidente, o facho foi passando de mão em mão. A que se deve este
tude está um senttmento de xenofobia. .. '.'.,
privilégio e porque existem tais diferenças? Há, nestes factos, uma
Ao contacto dos seus dorninadores britânicos, a Indiaevoluiu
distribuição relativamente à qual as causas puramente geográficas
sem dúvida. Mas em que sentido ? ~udo quanto. o~ ~ngles~s, supon?~ não deverão ser estranhas.
isso vantajoso, tentaram para modificar a constl!U1çaO s.oclal do .pals,
. Porventura terá sido por acaso que as terras do Velho Mundo
para criar, por exemplo em Bengala, um~ ans.tocracla ?e grandes
. localizadas no hemisfério boreal, entre o Mediterrâneo e os mares da
proprietários agrícolas, favorecendo os zemindari em detnme?t.o do.s
China, foram testemunhas da maior parte dos grandes acontecimentos
rrotts (179;~), .fracass?u ou deu mau r~sultado; p:lo ~ontrano, t1
4
·que gui9ram as civilizações?
verarn bom êxito apoiando-se nos orgamsmos tradlclO~als,. de~envol .•
." E impressionante a envergadura aí alcançada pelos factos
vendo o regime municipal e respeit~ndo as sobera~las IAndl.genas.
;'.sociais, religiosos ou políticos que servem de pontos de referência na
As castas não afrouxaram de maneira nenhuma a influência qu~
'marcha do progresso. Foi lá, por exemplo, que se operou a difusão
exercem' o edifício social ficou mais ou menos intacto. A educação,
:.das mesmas famílias de linguas, expressões dos mesmos hábitos de
a impre~sa, as .un~versidades e a difusã.o da .língua inglesa afectaralll:.
, espírito - arianas, desde a India até à Germânia, semíticas, da
a mentalidade indigena, mas num sentl~o dlfen;nt: d~ que.!ora pre·
,,' Arábia ao Magrebe. Foi lá também que se fez :1 difusão de credos
visto, De entre os indígenas saíram médicos e hábeis cIrurglOes; mas
r:-reiigiosos com bases morais e filosóficas. Duas das principais religiões
o eixo do pensamento não foi deslocado ". Nun~a,a atenção dos le-
:;que partilham a humanidade, o Cristianismo e o Islão, lá tiveram o
trados hindus se voltou tanto para os antigos Iivros sagrados cemo
seu berço e a sua área de propagação. E se é duvidosa a existência,
depois da ciência europeia os ter roçado com a ponta da sua asa; e
rio sentido em que a entendeu Oscar Peschel, de uma «zorra de fun-
quanto ao povo, noto~-se que um <;Ias'princ~pais resultados das JaC:i-
dadores de religião» C), é lícito admitir que há regiões da terra onde
lidades dadas pelas vias de co~u::lIcaçao ~Ol o aumento da afluência "
as formas religiosas dispuseram de,facilidades especiais de expansão.
de peregrinos aos velhos santuartos. Assim, o ramo vergado pelo.
;0 próprio Budismo, nascido na India, não se propagou através da
vento retoma a sua antiga direcção. . ,..' A •

.Ásia Central graças às estradas de comércio que tinham já revelado


Uma consequência, e esta capital, do domllllO. b('Jtant::o,.r~~-
ao Ocidente a região chamada Serica ?
salta desde agora: é a consciência de, uma ~ert~ un,tda.de de CIVlh-,.
zação entre membros dispares que se desconheciam na India de ontem.::,' O mesmo se pode anotar sobre os modos de vida. A maior
dos processos agrícolas, os métodos de irrigação, as culturas

(') O. Pcschel, Võllcerkuude, etc,


·.,.d"~!fll~1:1~7.f~:r~lf1~~~1~~
..:tr ::···.:·~T'·~·\1~,

DE G''EOGRAFIA HUMANA 287


". / ... ':
de árvores de fruto o uso do arado, difundiram-se largamente na., Atenas; 'Corinto e Mileto espalha-se ao longo do Mediterrâneo
regiücs que aquele c~nj,unto, abrange. A v,!da pastoril, sempre tão de- ; em frente das cclóniasoriginárias de Sídon, Tiro e Cartago. O po-
senvolvida nesta zona, implica um nornadismo gue, !Ia verdade;, a fez derio da Etrúria funde-se no de Roma; e, a conquista romana, por
considerar geralmente como U~ modo çle. vida inferíor ; na rea~ldade; por seu turno, absorve a civilização de tipo HaIlstatt previamente
este tipo, tal como se organizou na ASlae n~ Norte de África, do. formada ao Norte dos Alpes.
Altai ao Atlas - nos confins das estepes, com pontos de apoIO e re-. .' Assim, estes fenómenos, cuja amplidão nos assombra, não
lações de comércio nos oás~s ou nas regiões agríc~l~s. lim}trofes -1::" !;fazem mais do que o resumo de desenvolvimentos anteriores. O que
representa
das caravanas
uma forma rela,tlvament~
e dos bazares, mantem
e)e~ada de clvll~açao.
dilatadas relaçoes;
Mer
favorece;
r,: '".s.e distingue na origem é a multiplicidade de focos distintos, a acção
:'<ie sociedades de dimensões minúsculas, microcosmos a agirem cada
nos pontos de contacto, a criação de mercados e de. ci?~des; custei~} ',Alm na sua esfera. Foram essas sociedades que serviram de núcleos
enfim, o luxo patriarcal da tend~. Grandes. factos h~stO~I<:OS, que agH' ',·à~organizações mais vastas que herdaram a sua obra. Formaram-se
taram fortemente os homens, tiveram origem neste meio : vrram-se, ,por si próprias, mercê das circunstâncias regionais, em condições
as rarnilias e as tribos conluiarem-se. em confederações, aglomera- particulares de meio. As aluviões fluviais do Nilo e do Eufrates,
rem-se' em ~ordas que foram as?i!Ialadas por ~elâmpa&os de pod~r :~$ articulações do litoral mediterrâneo, as vias de penetração das
quase mundial. O caso. do Imp,eno m.ongol, que no s~culo XIII fei; ~fregiões interiores do continente, pelo Ródano, pelo Danúbio .e pelo
tremer a Europa, não fOI um fenomeno Isolado e sem raizes., .. -Norte do Mar Negro. ou pela Siria - tais foram, sumàriamente resu-
;midas,as vantagens que, neste canto do mundo, concorreram para
. anter a vida.a estas sociedades de formação distinta e original.
VII - Os núcleos Da aproximação e da mistura destes diversos elementos nas-
/
" "

eram impérios, religiões e .. Estados, sobre os quais passou, com


Há reaiões onde a cadeia do progresso foi quebrada (Europ".~;·· maior ou menor rigor, o cilindro 'da História, com as suas decadên-
Oriental, Asi~ Ocidental),.e nas quais não foi reatada senão ~~1' :das e as suas vicissitudes, suas acções e reacções, seus flagelos e
tarde ou imperfeitamente. Há outras on~~ o progresso nunc,a .fOI I~~ benefícios: numa palavra, todas as contingências que implica o con-
teiramente interrompido, que não experunentaram esses hiatus fü- junto das coisas humanas. Todavia, através dessas contingências fil-
nestos : nelas as formações políticas sucederam-se em relação umas ,:Jrarri-se as influências geográficas. . .
com a~ outras (Europa Ocidental e Central, o próprio Egipto, etc·F, ~.". . Quase em nenhum momento deixaram de agir influências
Em suma na história das sociedades humanas os factos geral~ ;'recíprocas entre as sociedades que viveram os seus destinos diversos
nunca se produz~m de uma só vez. E necessário triunfar préviamente '~o espaço que é circunscrito pela Europa, a Asia Ocidental e a
dos obstáculos acumulados em volta de cada grupo, quer pelasdis :,A-frica d<: Norte. ~las gerara~ a~ relações que anunciam aquelas que
tâncias quer pela natureza dos lugares; ou pelas hostilidades .rect , 'extensão das vias de comercio CrIOU no mundo nosso contempo-
procas.' Um desenvolvimento embrionário precede o pleno desa ~râneo. O alargamento dos horizontes foi progressivo. As vias ro-
brochardo ser. E preciso, pOIS, remontar um tanto no encadeameh~ ",uianas e a navegação marítima permitiram um desenvolvimento ur-
dos factos. 'c,' bano de que Roma e Alexandria são os tipos. Roma teve o seu
O Cristianismo romano inscreveu-se nos quadros do Impérf -celeiro no Egipto (I), tal como a nossa Europa urbana e industrial
do Ocidente, como o Cristianismo grego nos do Império do Oriept ';tem o seu para além dos mares. Estabeleceu-se um equilíbrio entre
Foi à custa deste Império e dos Impérios persa ~ dos Sa~sân,I~. ~:os' paises . exportadores e os consumidores; e assim, no espectáculo
que o Islão constituiu o se? ~omínio. Mas estes dlfere!ltes lmpen, ;~conómico do mundo romano, podemos aperceber já, entre a Itália,
haviam-se formado ~les propnos ~om elemento~ ~nter!Ore~, tinha .....Gália e a província de Africa, algumas das relações que, numa es-
absorvido os do, Egipto, da Caldeia-e da Macedónia. .Continuando "~.; ~çala infinitamente mais vasta, vieram a ter pleno desenvolvimento no
recuar na cronologia do passado, estas gra?d~s formas.~de orgarn 'mundo contemporâneo.
zações políticas deco~l?õem-se em pequelll~slmas, r~gloes, nu~, '.. . Esta precocidade singular depende de causas geográficas r não
quantidade de focos distintos e do!a~os com VIda propna. O poderi 'e causas simples, mas de um conjunto muito complexo cuja força
faraónico ergueu-se sobre a multidão de nomos .que, brotaram D~
margens férteis do Nilo; pequenos rem~os, dos. qua}~ so algu~s nom
chegaram até nós, entram na construçao dos impenos do TIgre e.:
Eufrates. Um enxame de cidades análogas àquelas que se formara; (1) Anteriormente, na Sicilia. (N.T,)
~,
:'\,:"",',f:/:,::'
: ~1;lf;B'~!?ts~·)j~~1\{fif:g~~{'~{~~1iY::'
,x
se revela graças à continuidade de, relações, 'Nem os grandes (';ÍC:)j
ricos de aluviões, nem o activo Mediterr âneo, .nem as férteis planiciei
do Danúbio e da Rússia meridional bastam v.par a explicar pors,i
mesmo a persistência, ainda que sob formas diversas, de civilizações
progressivas. Mas a repartição das terras e dos mares, o intercala"
mente de planícies e de montanhas; a vizinhança de regiões de.es
tepes e de países florestais realizam nesta: zona do globo um arranji
tal, que, melhor do que noutra parte, as condições geográfica$p1:J
deram combinar aí os seus efeitos. Houve como que uma séried:
inicrações recíprocas. Estefenómeno histórico não se produziu senª~
lá;, pois as civilizações americanas ficaram confinadas ea civili~açãr
chinesa, -tão notável sob tantos aspectos, permaneceu quase exclusi
vamenteagarrada às planícies. A civilizaçâovde' que a Europa mq t,
derna é a herdeira final, alimentou-se no princípio de- uma rnultidãé
de focos distintos, absorveu a substância de um grandenúmerouf
meios locais, Destes antecedentes, desta' longa elaboração seculái
que, relações mútuas mantiveram activa, foi que essa civilizaçãotiro
a sua riqueza e fecundidade. A convergência de formas 'de confígii Terceira parte
ração e de relevos a proximidade de 'regiões descobertas e de regiõe
arborizadas, prepararam um concurso de relações e, de energiasgeiJ
I

'gráficas que nenhuma outra região do globo conheceu no mesmogrà.ri~:

A CIROULAÇÃO

",

eco. Ll um, - FuI, 19

•.

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