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História do Pensamento Geográfico
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CAPÍTULO VI
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MARCHA DA HUMANIDADE DE GEOGRAFIA HUMANA 275
que, por toda a parte, os grupos de homens começaram a buscar OS',I:.. ~ Os in~trum~ntos .que o homem põe ao serviço da sua con-
meios de prover às necessidades da sua existência. Nesta busca, a" <:.epça? de existência derivam de mtenções e de esforços coordenados
maior parte deu provas de qualidades de engenho e de invenção que .'. , -ern ~Ista de um modo de vida. ,P.or isso, formam um conjunto. en-
demonstram na natureza humana maior igualdade original do que os , .. <:ad.ela~.se, e. revelam uma espécie de parentesco entre eles. Uma
nossos prejuízos de civilizados querem admitir: o homem não se .aplicação atrai outra. O caçador, para aperfeiçoar as suas armas de
contentou em utilizar o abrigo das árvores ou das rochas para garan- . .arremess~ - boomeranfi (I), ~zagaia ou dardo, sarabatana, arco' e
tir-se um lugar seguro, não se satisfez em colher à mercê do acaso», flecha=-, introduz modificações : recurva ou alonga o seu arco segundo
as raizes ou sementes nascidas espontâneamente do solo ou em caçar '. .0. alcance que deseja obter; protege com um bracelete o braço
à maneira dos animais de presa: tirou da palmeira, do bambu, dos " que pode ser magoado pelo ressalto da corda; guarnece a flecha com
despojos de animais marinhos ou terrestres, da pedra -ou da argila ," 'Plumas par~ lhe regularizar a trajectória, e embota-lhe a ponta
.~. do cobre e do ferro, uma infinidade de objectos que marcou com a quando receia estragar aplurnagern da ave que quer atingir. Arma se
sua sigla e criou para seu uso. O que mais tarde ele obteve aplicando -de um broquei que resiste ao ataque. O escudo, leve e manejável
ú na végação as energias naturais do ar e da água, e, mais tarde ainda, 'para enfrentar as armas :ie arremesso, alongou-se e tornou-se pe-
(v " utilizando a força de expansão dos gases, as fontes de calor e de luz sado, aliando- se co~ o. pIque e com a lança, para permitir a defesa
amontoadas pelas antigas idades nas entranhas do solo, e recente- ·cont!"a o ass2:lto do InImIgo ou das ·feras. Se o preto africano da zona
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mente, enfim, as energias mais misteriosas da electricidade- tudo tropical pratica a. metalurgia do ferro, executa na forma das facas,
isso o homem das civilizações primitivas começou, aplicando a esses mas curvaturas? cinzeladur as e farpados, uma variedade que visa a
fins os animais e plantas que tinha ao seu alcance e o solo que cal- outras tantas diversidades de emprego.
cava a seus pés. E por esta razão, estava condenado a encontrar O material. 9u.e o Kirghiz criou para usá-I o na sua vida de
condições mais ou menos. favoráveis. No espaço limitado de que dis- ..," :~eslocamentos. periódicos, a forma da tenda e dos vestuários rea-
punha, os auxiliares podiam ser. raros, e sabe-se que em certas re-,:: [izam um conjunto. onde tudo subsiste como, símbolo de um modo de
giões, como na Oceânia, a indigência da natureza nativa paralisou 0;;/ VIda. Igualmente, o material criado pelo Esquimo para ocorrer às
desenvolvimento. Todavia, mesmo aí o instrumento que supre o que.~j necessidades da pesca, da navegação marítima, dos rápidos per-
falta ao homem em fõrça e 'velocidade aparece em toda a parte como:~; .cur~os no gel? ou no solo d~ tundra - trenós e tiros, karaks ; e
um germe donde, por muito rudimentar que seja, pode sair, sendo./i ,.a~poes, vestuarlU_ e cabanas(~)-representa um todo no qual as
favoráveis as condições, urna longa sucessão de progresso, como um .n , diversas peças estao coordenadas.
acto de iniciativa, uma força de vontade. . Será. sàr:;ente o-estlmulo da utilidade prática o que preside a
A natureza forneceu ao homem materiais que têm exigências estas cqmbIl?açoes? Reconhec~-~se pelas um elemento que entra em
próprias, facilidades especiais e incapacidades também, que se, to~a a obra !mpregnada de pacI~ncla e de atenção cuidadosa, qualquer
prestam mais a certas aplicações do que a outras; nisso ela é suges- coisa de analogo ao que o artista sustenta na sua luta contra a ma-
tiva, mas por vezes restritiva. Contudo, a natureza age só corria esti- .. téria, no esf~rço que dispende para lhe comunicar aquilo que sente.
mulo. Ao criar instrumentos, o homem tinha em vista um desígnio .'. ',-.A e~te r~s~e.Ito, a ola~la não é. m~no~ significativa do que a meta-
aplicando-se cada vez mais a aperfeiçoar as suas armas, os seus :. Iurgia pnrnmva. A m.ao do o}e.lro indigena, na Guiana assim como
utensílios de caça, de pesca ou de cultura, as habitações onde podi '. 'tno Peru, desde a China meridional até à extremidade ocidental da
pôr em seg,urança a sua pes.soa .e bens, as suas alf~ias doméstic~s ~ .. r·'.~~rbéria, molda a matéria ao sabor da sua fantasia e das suas neces-
os ornamentos de luxo, fOI guiado por um desejo de apropnaça :?,sIdades. O ,aca~amento d~ alguns instrumentos fabricados, por exern-
melhor dirigida a um fim determinado; Nas-diferentes condições d i':lplo, pelos Esquímocom SImples espinhas ou ossos de peixes, ou por
meio em que o homem se encontrou, e tendo primeiro de assegura '. ~
a sua existência, concentrou tudo o que possuia de destreza e dé
engenho para alcançar esse fim. Os resultados que atingiu, por ínfe-
. (1) Arma australiana. É um bastão curvilineo, de curva tão bem calcu-
riores que DOS possam parecer, testemunham qualidades que não' lada que'jançado pelo atirador, volta.à mão deste se acaso falhou o alvo. (N. T.)
diferem daquelas que encontram o seu emprego nas nossas civiliza": . _ ,( ) Quanto aos abrigos ésquirno, os mais conhecidos do grande público
ções modernas senão pela menor soma de experiência acumulada:" sao os igloos, f:ltos de. blocos d: ge!o recoberros por uma poeira de neve. Con-
Há com certeza desigualdades e graus diversos na invenção; mas, 1l:ldo, O igloo nao é a uruca habitação de Inverno conhecida pelos Ésquimo : há
:alllda o qarmat, cabana feita de madeira e de pedras. E para o Verão dispõem
por toda a' parte, o estudo do material etnográfico denota engenhoç -da tenda, que consta de uma armação de quatro ou cinco varas recoberra por
mesmo num círculo restrito de ideias e necessidades. ;; <luas capas de peles de rena ou de foca. (N. T.)
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276 M A R C H A D A / H ti M ~ N ~.D A D E PRINCípios DE G E O G R A F'I A HUMANA 277
certos Polinésios, graças a conchas de notável dureza, e entre os Maorr bitação,cabanas cilíndricas de taipa e de palha, e cabanas r ectan-
da Nova Zelãndia com as madeiras duras que usavam para cingir o gulare- , de tectos inclinados, apoiados em pilares, repetem-se à sa-
cavername das suas embarcações, denota uma paciência que não é ciedade , segundo as zonas, no Centro e no Oeste africanos. O ferreiro
mais do que o amor do artista pela sua obra. preto trabalha com o seu aparelho portátil, à semelhança dos seus
. Na Oce ânia, tal como no Japão primitivo, na China ou no longínquos antepassados. Os cestos de palma do Fellah egípcio ou,
México, o trabalho do homem obstinou- se sobre certas pedras de,,, os potes do país castelhano permanecem fiéis a tipos fixados em
grande dureza - jade, obsidiana, serpentina -, cujo brilho o seduzira, j tempos remotos e desde então invariáveis, e que estão representados
e delas fez uma multiplicidade de estatuetas ou objectos, todo urp,·~ nos monumentos figurados.
material de luxo que foi transmitido e, em parte, sobrevive nas civ.i~·)\ , . Nas próprias regiões de civilização avançada, o círculo dos
lizaçôes de apurado gosto. O espanto que sentimos diante da per- -}1 ~l:modos de vida fechou-se. As riquezas minerais que abundam na
feição que os pré-históricos do Norte da Europa souberam dar aos ,.!.,::China, não fizeram do Chinês um mineiro. Este engenhoso cultivador
instrumentos de pedra polida, e o que nos impressiona diante dessas .J não se dedicou nem à horticultura nem à criação de gados. Per-
pinturas rupestres , nas quais os artistas das grutas ele Espanha e do , sistern os mesmos trâmites sem mudança sensível; de tal forma que,
Sudoeste da França reproduziam com talento os animais que encon- depois de termos notado os indícios de uma evolução capaz de atingir
travam nas suas caçadas ('), revelam já naqueles longínquos antepas- uma perfeição relativa, verificamos uma certa impotência, quer em
sados o artista que existe no homem. , levar mais além, quer em abordar direcções diferentes. A série de es-
Assim, através dos materiais que a natureza lhe fornecia, e, forços pelos quais o homem, caçador ou pescador, agricul tor ou
por vezes, a despeito da rebelião ou da sua insuficiência, o homem pastor, assegurou a sua existência parece ter-lhe estimulado a inteli-
procurou realizar certas intenções, fez arte. Obedecendo aos seus gência em determinado sentido, de que não mais se desviou. Chega
impulsos e aos seus, gostos próprios, humanizou, para seu usov .a um momento em que estes esforços param; e se nada de novo vem
natureza ambiente; e assim vemos, em graus. diversos, uma série de solicitar a actividade, esta adormece sobre os resultados adquiridos.
desenvolvimentos originais. Por mais empobrecido que se nos depare .: Um .período de estagnação sucede a -periodos de progresso, tal como
hoje, o material das civilizações autónomas que se formaram nesses· :.aconteceu na China e noutras partes.
meios diferentes, que o conhecimento da terra nos revelou, representa: ': O homem é atraído para a inacção por um pendor natural.
não o princípio mas toda uma série de esforços levados a cabo. in situo ·Espreita.o uma tentação de torpor. Viu-se como náufragos reunidos
Estas civilizações rudimentares, que nos reportam aos períodos ar- pelo acaso no arquipélago de Tristão da Cunha se habituaram a
caicos das nossas próprias civilizações, são jái'não obstante, umponto .uma vida parada e indolente, a tal ponto que, ao fim de uma geração
de chegada, um resultado de progresso, para os quais contribuíram;' 'Au duas, estavam incapazes de afrontar uma existência diversa.
visivelmente a iniciativa, a vontade e o sentimento artístico. ·E preciso, pois, que uma .força estranha se faça sentir. Se acredi-
:','tarmos no que diz o poeta, «a actividade humana pode fàcilmente
'adorrriecer~. e não tarda em abandonar· se a um estado completo de
II - Estagnação e isolamento l'ep?uso. EIS porque me empenho. em lhe dar este companheiro que
\~splcaça e actua, e que, sendo o Diabo, deve criar» (1).
Verifica-se com surpresa que muitas destas civilizações esta-i, • . Demónio ou não, este princípio de inquietação e descontenta-
caram em plena marcha, que a série de progressos se interrompeu e:' 'mento, capaz de acção criadora, existe no recôndito da alma humana,
que, em muitos sítios, a seiva de invenções parece ter-se esgotado ..~'. ~as não age senão quando soar a sua hora, conforme o tempo e os
Repetem-se, sem modificações" os mesmos processos de cultura, no-' .hornens. Para que desperte é preciso que a ideia do mais perfeito
.,.'., I'; se apresente" com forma concreta, que se entreveja algures uma r e a-
Sudão (se bem que novas plantas, vindas da América, lá tenham"
sido introduzídas); entre os Berberes é ainda o mesmo arado que há" ·;{ização capaz de suscitar desejo. O isolamento, a ausência de impres-
vários milénios se usa nas margens do Mediterrâneo. Os tipos de ha- sões vindas do exterior, parecem pois ser o primeiro obstáculo que
se opõe a esta concepção de progresso. Efectivament~, as sociedades
·humanas que as condições geográficas conservaram afastadas, quer
nas ilhas, quer no âmago das montanhas, quer nos desertos ou nasi Essas organizações pressupõem uma harmonia fundada em
clareiras, das florestas, parecem tocadas de imobilidade e de esta- experiências seculares e resumindo longos esforços de iniciativa; mas
gnação, Na Islândia, entre os Targui, e no Cufiristão, é que o indicam também que, repousando sobre resultados adquiridos, a inte-
arcaísmo nos oferece hoje os seus melhores tipos. ligência deixou de prosseguir em busca de outros. E, por isso, o
lVlas há também um outro isolamento, aquele que o homem que representava movimento, estacou; o que era iniciativa tornou-se
forja a si mesmo, pelas suas criações, por tudo quanto alicerça sobre- hábito,. e o que significava vontade caiu no domínio do inconsciente.
suas obras, Nessas invenções, nas quais pós alguma coisa de si pró- Foi assim que, entre as sociedades animais, certos grupos souberam
prio, nesses modos de vida que absorvem toda a sua actividade, ele: . guindar. se a uma organização superior. Para que a formiga ficasse
mistura os seus sentimentos, os seus preconceitos, todas as suas con-: ,ec' ligada ao seu formigueiro e a abelha ao cortiço foram necessários
cepções de vida social. E acrescenta a tudo isso uma consagração- incalculáveis progressos anteriores, mas estes pararam ou torna-
religiosa que lhe vem do culto dos seus maiores, do respeito por um . ram-se quase insensíveis. Das invenções passadas, nada mais resta
passado que se envolve de mistério. Ele acaba assim por tecer em do qu~ um impulso que se comunica autornàticamente às gerações
redor de si uma teia espessa qu~ o envolve e paralisa. sucessi vaso
. Toda a vida, do preto da Guiné está complicada por surpers-
tições e ritos que seria tão perigoso infringir como ao tabu polinésio,
O nosso -c amponês tradicionalista, e bem assim o cultivador hindu,
III - Os contactos
cambojano ou chinês,. são pessoas escrupulosas, fervorosos observa-
dores de práticas tais que o ..essencial não se destingue nelas do pa" Pode acontecer que o contacto de outras civilizações se ver i-
rasita. Cada operação complica se com regras de observância entre; fique sem. penetrar profundamente estes organismos bem consoli-
as quais a iniciativa não tem oportunidade para se exercer. O modo dados. E embora possa haver influências, estas não deixam de ser
de vida, penetrando a tal ponto nos hábitos, torna-se um quadro limi •. · superficiais entre sociedades mal preparadas para reagirem uma
tado . para a evolução da inteligência. O que surge de novo parece: sobre outra. Quando, por intermédio. dos Portugueses e dos Es-
hostil; sob estas influências vêem-se cristalizar organismos sbc1ais; ,-panhóis, o Continente Negro entrou em contacto com a América,
e, por falta de renovação, obras dispostas ·para o bem comum tor- ;,:~, , um grandé número de plantas comestíveis foi introduzido na agricul-
num-se conservadoras de rotina. !i,i.:, - tura africana. «A mandioca, o milho, o amendoim, o ananás, e talvez
Disse-se com razão que a base. da .sociedade chinesa. é a fa: ~ o.Jnhame .e a batata doce, foram levados, cerca do século xv, para o
mília.Uma hierarquia rigorosa ~iga os seus membros, unidos pelO'J Continente Negros('), isto. é, a maior parte das plantas que servem_.
culto comum dos antepassados. E incontestável que a força do laç();:' hoje de baseá. alimentação. Ora, este acolhimento demonstra uma,'
familiar ajudou poderosamente esta sociedade a aumentar as fileiras.' .. certa, aptidão para' 0 progresso. Entretanto, vê-se que os processos
da sua população, a fazer prevalecer uma disciplina comum e foi: da .. agricultura tropical .aíricana hajam sido' sensivelmente rnodifi-
também uma fonte de virtudes sociais. Mas, não teria acaso entra- cados, que a enxada tenha dado lugar ao arado, ou que os modos de
vado o progresso? r
O qU convém a uma sociedade patriarcal, não . fertilização ou de renovação do solo tenham substituído
dicionais ? De maneira
os usos tr a-
serve a uma sociedade moderna. Somos levados a perguntar se este nenhuma! As rotineiras práticas agrícolas li,
poder do chefe de família não restringe o espírito de iniciativa e se-i .gadas ao modo de vida persistiram tom os organismos sociais a que
não se opõe ao desenvolvimento do indivíduo. O individualismo, desf estavam adaptadas e quehaviam nascido com elas. A vida da aldeia,
truidor de rotinas, não tem de forma alguma lugar num quadro que,' . num círculo de cultura limitado, permaneceu a característica dom i,
desde o nascimento, se ajusta a todos os actos da existência e nenf nante . de civilização; a adição de algumas plantas nada mudou.
sequer afrouxa depois da morte. . . O horizonte destas pequenas comunidades isoladas entre si e ex-
Como já foi muitas vezes notado, o desenvolvimento excessivi .postas, por isso, às empresas deconquista vinda do exterior, mante-
das instituições comunais restringe o horizonte e produz, mesmo n ye-se tão restrito quanto era antes. Exceptuada a periferia do Sáara,
seio de populações muito densas, ,um isolamento factício. A comun não houve nenhuma vida urbana sólida que tivesse criado raízes
dade de aldeias, tal como é na lndia do Norte, o mil- russo (oi
comuna) e a antiga organização das aldeias agrupadas numa parte
da Europa Ocidental são como arquivos persistentes de ofícios esp~;
cializados, de processos agrícolas, de tipos de afolhamento, dós (l)A.Chevalier, Histoire de l'Agriwlture en Af rique Occidentale Fran-
quais, uma vez fixados, ninguém se pode afastar. çaise, T. J, fase. 1.
·PRINCÍPIOS DE GÉOGRÁFIA HUMANA 281
neste solo, não porque este fosse rebelde à civilização, mas, pelo simples; deixou de andar-se armado. A alma do cidadão harmoni-
contrário; porque uma civilização exclusiva lá encontrou lugar. zou-se com o aspecto da cidade. Elaborada e engrandecida por
. A introdução do cavalo, pelos Europeus, nas planícies da Roma, a noção de cidade tornou- se uma forma de civilização capaz
América do Norte deu lugar a uma espécie de crise na vida dos in- de se comunicar e transmitir a grupos cada vez mais numerosos.
dígenas. Certas tribos, mais aptas para utilizar este meio de guerra, A rede de estradas romana serviu-lhe de veículo. Da bacia mediter-
deveram à mobilidade que ele lhe forneceu uma superioridade de rânea, a revolução ganhou uma grande parte da Europa Central.
ataque e um aumento súbito de poderio. Viu-se, por exemplo, que; A· par com a conquista, marchou o comércio: o uso do vinho e do
no Noroeste, a dos Pés-negros, primitivamente acantonada entre trigo generalizou se; abriram se mercados, propagaram· se culturas.
Saskatchewan e Peace River , estendeu subitamente até YeUowstone Entretanto,. nesta Europa, erguia-se perante o mundo romano um
e às Montanhas Rochosas a área das suas conquistas em detrimento tipo de civilização muito menos avançado, e sem dúvida muito dife-
dos vizinhos, logo que, no começo do século XVIlI, entrou na posse rente, para que a sua originalidade tivesse chocado o espírito obser-
do cavalo. Sem dúvida, o nomadismo mais ou menos acentuado, que vador de Tácito. Ora, entre estes dois mundos não houve apenas
era inerente à vida de caça, recebeu deste auxiliar vindo da Europa conflito, mas também infiltração. Decorreram séculos difíceis e dolo-
um reforço e uma possibilidade de maior expansão. Mas o éfeito rosos antes que se efectuasse uma fusão; e esta realizou-se graças a
. produzido limitou se a este fenômeno efémero. A vida indígena; na uma fórmula religiosa, saída do crisol mediterrâneo, precedente da
posse de um meio novo que lhe permitia persistir na sua maneira de mistura de homens e de ideias que lá havia tido lugar. O Cristia-
ser e dominar os seus vizinhos, teria perseverado nas suas bases tra- nismo serviu de traçode união entre os dois mundos, romano e ger-
dicionais se a colonização européia não .tivesse intervindo. rnânico, que pareciam excluir- se. O que fizera Roma, fê-Io Carlos
Nos casos citados, os modos de vida formados in situ dão Magno por sua vez: foi fundador de cidades.
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: .. prova de bastante resistência pelo que respeita a adaptarem às suas Estas mudanças, ainda que tenham sido tão decisivas na his-
I"~. próprias necessidades as inovações que lhes são levadas por circuns- (tória das civilizações, estão longe de ter eliminado as formas sociais
tâocias estranhas à sua vontade. Encontram em si próprios forma de , anteriores. E preciso sempre' considerar as variedades e sobrevi-
se defenderem, e naquilo que aproveitam dos outros acham ainda vências no estudo das sociedades humanas, assim como nas socie-
maneira de fortificar-se no seu modo de ser. Não se modificam, dades vegetais e animais. Mesmo ao redor do Mediterrâneo, não
:. A substituição da marcha a pé pelo cavalo, tal como a do arco ou desapareceu completamente a vida de clã com os seus hábitos de
:.• ;. da zagaia pelas armas de fogo, não mudam nada do essencial nos circular armado, de sítios fortificados e de uendettas ; a Albânia
"hábitos contraídos, desde há muito, de harmonia com o meio local. actual é uma notável sobrevivência, e não a única, deste arcaísmo,
~. O choque directo de duas civilizações muito desiguais só produz mo- Mas essas imediatas ..influências dos meios locais tornaram-se ex-
j
vimentos de superfície. Mas sob a pressão das .necessidadesçnão há cepção. A par disso, outros germes frutificaram, outras formas de
resistências que se mantenham. Não faltam exémplosde transfor- :; vida surgiram e exerceram a sua atracção. A civilização viu enri-
mações essenciais que modificaram,. quer sob pressões do exterior, quecer quase até ao infinito o fundo sobre o qual actua.
quer pelo desenvolvimento de causas económicas, sociedades sólida- .....
mente constituídas, já vazadas num certo molde. E nós podernos.
formar um juizo sobre isto, vendo, em nossos dias, 'como, sob a in- IV - Contactos por invasão e oposição de modos de vida
fluência do mercado universal, se desenvolve a vida industrial e ur-
bana à custa da vida agrícola e rural, e verificando que de tal re-
sultam mudanças não só nos modos de exploração, mas também nas A Europa Ocidental mostra um desenvolvimento pouco menos
relações sociais, natalidade, laços de família, alimentação, etc. Senti- do- qu~ contínuo. Não sucedeu da mesma forma na Africa do Norte
mo-nos impressionados, comovidos, por vezes inquietos, com estes e na Asia, isto é, no ljmiar da zona dos desertos e das estepes.
factos, . e, contudo, o passado conheceu acontecimentos análogos. . Desde Marrocos até à India, desde a Rússia até à Arábia, as socie-
Do comércio, da segurança no mar e da colonização nasceu à dades nunca deixaram de estar em relações; mas, o contacto foi a
volta do Mediterrâneo uma forma social que atingiu a sua mais a lta i: maior parte das vezes hostil, como consequência da oposição dos
i.....:~,'. . modos de vida. Constituirarn-se grandes impérios, desde o dos
expressão na cidade. Foi urna revolução aquela que substituiu a ,_
aldeia urbana pela cidade, os santuários de famílias pelo culto da; •.. -Persas até ao dos Arabes e dos Mongóis; o Islão alargou o seu
pátria e os vínculos da clientela por um laço público: revolução inte- .;; 'II}- .vasto domínio. Mas nenhum destes impérios teve sequência no tempo
lectual, tanto quanto material. O trajo mudou, tornou-se ...rnaisf ':ttf em grau igual ao da China ou de Roma,' continuada esta pelo Cristia-
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'T~"282' ", MA RCH A DA' HU M À N I D A D E
PR I N ct P I o s DE G E O G RA F I A H UMA N A 283
nisrno. As invasões árabes, turcas emongólicas quebraram as ligações! domínios. A Turquia e a Pérsia sentem que o cerco se fecha à sua
na Afr ic« ,do Norte e na Espanna, na Asia Menor, na Pérsia e no volta (I).
Norte da Índia, bem como nas margens do Dnicpre e do Volga ~
foram como que um hiato no desenvolvimento normal das socie-
dades, deram origem a um desvio, a incessantes necessidades de re- V -,Contactos pelo desenvolvimento
começar. Se estas imigrações - de que já nos fala Heródoto, e que,' do comércio marítimo
sobretudo, dos século Iy ao x depois de Cristo, desfilam sem uma
pausa desde o Altai à Asia Ocidental- deixaram de ser em grande Noutro aspecto a vida foi estimulada. O mundo ocidental não
escala há um ou dois séculos a esta parte, não obstante continuam; havia tido senão rápidos e longínquos contactos com as grandes civi-
em ponto pequeno, entre tribos, entre clãs e aldeias vizinhas: dos. lizações do Extremo-Oriente: a ligação tornou- se hoje mais íntima e
.,,;.: '
Curdos para os Arménios, de Albaneses para os Eslavos, de Beduinos; é urna. das mais interessantes experiências efe ctuadas pelo homem.
para os Fellahs. .' A partir de 1860, a India, graças ao impulso de Lord Dalhousie, foi
.' . No entanto, e através destas vissicitudes, observamos a per- sulcada por caminhos-de-ferro sob o domínio de uma potência es-
i: . sistência, ainda que mal vincada, das antigas civilizações: o Egiptoj trangeira. Nestes últimos anos, o carril penetrou na China. Após a
sob os sucessivos disfarces, mantém na sua raça a fisionomia ele; es= data fatídica de 8 de Julho de 1853, dia em que a esquadra do como-
finge; o Persa vive das suas recordações e dos seus poetas. A Asia cloro Perry surgiu em Iedo, o Japão descerrou-se, de momento só
Menor, o Norte dá Pérsia e o Turquestão foram «otomanizados»; em parte e a. seguir completamente. Inaugurou a sua primeira via
mas - tal como, em Atenas, os costumes helénicos apar;ecem sob ~ férrea em 1872 j hoje, as suas fábricas, a ciência e o trajo são eu-
fendido reboco turco -não é impossível descobrir, na Asia Menor] ropeus. Ninguém partiu tão tarde, nem caminhou tão depressa. Tal
o fundo das antigas civilizações que lá deixaram os Trácios, Frigiosç' '. metamorfose é desconcertante e, no entanto, parece que, mais uma
Hititas e Arameus, bem como, na Atménia e no Irão, todos esses ::ivez, esse povo obedeceu apenas. a uma lei particular do seu desen-
velhos povos fundadores de santuários e de monumentos. As velhas" :volvimento; e esta última mudança não será mais do que uma repe-
rei igiões naturalistas da Síria fragmentaram-se-, em seitas diversas, .• '>tição daquela que outrora levou o velho Japão a aceitar a escola da
. O que as invasões' impuseram; aqui 'e além, foi a língua, o ,:,;:Coreia ,e da China. Quando, no século VI da nossa era, o Budismo
vestuário exterior. Ainda assim, para satisfazer 'as exigências deuma, {penetrou. na Japão, levou a termo uma revolução semelhante àquela
vida mais complicada que a das estepes; os dialectos turcos ou tár-. \'qUe, no nosso Ocidente, realizou o Cristianismo no mundo bárbaro.
taras, que su~stit~íram, r:o Norte d,o Irão e nos dois lados ~o Parnir.. ';,~.Sob tais influências, o Japão conservou ciosamente, no quadro de
os dialectos ir aruanos, nver arn de buscar numerosos vocabulos li .. '"montanhas e de recortes litorais, a sua originalidade de povo insular,
persa e no árabe. Quanto à linguagem militar, o Urdú, forrnadan ':as peregrinações aos santuários' sombreados pelas criptomérias, o
c6rte dos soberanos, mongóis de Delhi, não é mais do que a lingii }gosto pela ridente natureza florida e l\ arte religiosa que a interpreta.
hindustani impregnada .de vocabulário persa. ; ";Foi dos seus avatares anteriores que ele herdou a singular aptidão
O Islão, a despeito dos seus quadros simples e rígidos, não;~ ::paráse apropriar da' ciência europeia, para assimilar o que lhe pa-
escapou à regra, transformou-se de harmonia com os meios onde S!!.:' .:teceu essencial nas civilizações exteriores? Sentir-nos- íamos seria-
enr aizou : mar abuto na Berbériavxiita na Pérsia, modificou-se -\l~" ,;:'.ínente embaraçados para dizer se devemos atribuir tal às qualidades
India ao contacto do hihduísmo. Evoluiu segundo os meios. i" : da raça, à sua composição étnica ou à posição geográfica. Notemos
O resultado foi a pulverização de religiões em seitas, e de' ;, apenas que o presente não desmente o passado.
nações compactas em fragmentos de nacionalidades. Arrnénios,"
~:' . O caso insular do japonês oferece um flagrante contraste com
Parsis, Judeus e Sírios .são restos de povos cujo eixo foi deslocado,'
O comércio e a indústria tornaram-se seu monopólio, como outron
:a atitude das civilizações continentais que, se enraizaram, lançando
::~rebentos em redor: a da China ou a da India. O comércio da Eu-
o foram dos Fenícios e dos Gregos em torno das velhas civilizações
do Egipto e da Assíria. Trata se de enxames que vivem e pululamã
margem de grandes sociedades e prestam o serviço de manter UI
resto de circulação entre agrupamentos com tendência para a inérci :;:: (1) Tal como La Blache se exprimiu, adivinha-se a insinuação da passi-'
Contra essa pulverização reagiu a çpo.ca ,presente. Mas' '(vidade demonstrada por esses Estados perante o imperialismo de certas potên-
desde há pouco,a balança se inclina de novo. A Africa do Norte" \. cias. Hoje, essa passividade está longe de ser um facto e, pelo contrário, sentimos
Asia Central, a India e o Egipto,. entraram no circulo dos grand :.::'que, na. sua maioria, esses Estados e Povos desejam ser senhores dos seus des-
'.tlnos. (N. T.)
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P R I NC Í P I O S DE G E OG R A F I A H U Iv!A N A 285
ropa e o dos Estados Unidos faz:ID .à porfi~o cerco do. Chinês : to~, .
da via , ainda não consegUiram, senao imperfeitamente, cna:,lhe n.oy;as
necessidades; e se o alcançam relativamente a alguns artlg<?s, e sob VI - Caracter geográfico do progresso
a condição de cederem aos gostos e costu.mes d~le. H abituada a
irradiar em torno a própria civilização, a China r~slgna-se a custo ,ao
Quando Pascal fala da sucessão dos .homens como de um
papel de discípulo: en!rincheira se na S.il~ mentahdad~ orgul~~sa. As
urnco homem que subsiste sempre e que aprende continuamente, ex-
ideias subversivas da Europa e da Amenca,. e ao~ artigos exotlc?s~da
prime uma visão filosófica do espírito, confirmada pelo estado actual
mesma origem, opõe a sua mora}, a sua filosofia, as suas tradições
da civilização. Mas isso não implica de maneira alguma que o pro-
literárias os seus hábitos domésticos, a sua concepção de luxo e de
gresso se taça em marcha regular e uniforme. O decurso da História
bem esta~. Aos ciosos competidores que lhe ofere~em, este, os seus;:
desmente pràdigamente que assim 'seja. Ainda hoje, nós vemos em
tecidos de algodão e máquinas, aquele.. o se~ petroleo, e aqueloutro, '
cerca de metade da Terra sociedades que nada mais aprenderam
os seus fósforos, a China opôs, durante muito t~f!lPo, uma fleugma .»
A CIROULAÇÃO
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