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Keywords: Violence against elderly people – Statute of the Elderly – Law 8,842/94 – 1988
Federal Constitution and elderly – Elder Law
Para citar este artigo: CRUZ, Clarisse Aparecida da Cunha Viana; HATEM, Daniela Soares. Direitos
do idoso: um estudo sobre a legislação brasileira e sua eficácia no que tange ao combate à violência
contra o idoso no país. Revista de Direito Privado. vol. 110. ano 22. p. 203-220. São Paulo: Ed. RT,
out.-dez./2021. Disponível em:
<http://revistadostribunais.com.br/maf/app/document?stid=st-rql&marg=DTR-2021-47790>. Acesso
em: DD.MM.AAAA.
Sumário:
1. Introdução - 2. O que significa ser idoso? - 3. A proteção ao idoso no cenário pátrio - 4. O dever de
cuidado para com os idosos - 5. A violência contra o idoso no Brasil - 6. Conclusão - 7. Referências
1. Introdução
É notório que o avanço nos estudos médicos e científicos voltados ao combate de doenças e
melhora da qualidade de vida, bem como o maior acesso ao tratamento de esgoto e à água potável
pela população, têm propiciado o aumento da expectativa de vida em todo o mundo.
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Direitos do idoso: um estudo sobre a legislação brasileira
e sua eficácia no que tange ao combate à violência contra
o idoso no país
Por esse motivo, o número de pessoas atingindo idade acima de 60 anos no Brasil vem crescendo
exponencialmente, o que torna a proteção dos direitos dos idosos um tema em destaque. Como
exemplo do citado crescimento, projeções da população brasileira realizada pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE, 2018), para todo o território brasileiro, apontam que o número de
idosos vai ultrapassar o de jovens em 2031, quando haverá 42,3 milhões de jovens (0-14 anos) e
43,3 milhões de idosos (60 anos e mais)1.
No Brasil, os direitos dos idosos foram destacados a partir da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988 e de leis ordinárias, como a Lei 8.842, de 1994 (LGL\1994\27) (Política Nacional do
Idoso), e a Lei 10.741, de 2003 (LGL\2003\582) (Estatuto do Idoso). Nesses dispositivos legais foram
definidos quais seriam esses direitos, como seriam efetivados, qual a punição em caso de sua
violação e a quem incumbia o dever de resguardá-los e cumpri-los, dando tal função ao Estado e à
família.
Entretanto, mesmo com a publicação dos textos normativos, ainda não há um sistema brasileiro de
amparo ao idoso tão eficiente quanto o previsto na Constituição Federal, que preceitua que é direito
fundamental de todo cidadão ter um envelhecimento digno e que tal responsabilidade deve recair
sobre o sistema público e familiar, conforme artigo 230, tendo em vista, por exemplo, os diversos e
atuais casos de violência e abandono veiculados na mídia, agravados durante a pandemia da
Covid-19.
Por esse motivo, o presente artigo tem como tema a análise das leis brasileiras vigentes relativas à
proteção dos direitos dos idosos, tendo como problemática a prática de violência contra tal parcela
da população.
Para tanto, o item 2 abordará a conceituação do termo idoso e a visão da sociedade sobre sua
importância na evolução histórica da humanidade, sendo também citados, resumidamente, os
recursos internacionais usados em sua proteção.
O item 3 trará a análise sobre a proteção nacional conferida ao idoso sob a redação da Constituição
Federal de 1988, da Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso.
O item 4 abordará o dever de amparo e assistência à pessoa maior de 60 anos, sendo função estatal
e familiar.
O item 5 trará notícias de abandono e violência contra o idoso veiculadas na mídia, bem como
estatísticas do governo e de outras organizações, para abordar as falhas no cumprimento da
legislação e dos deveres do Estado e da família para com essa faixa etária da população durante a
pandemia da Covid-19.
Com tal finalidade, partir-se-á de uma análise geral da visão da sociedade brasileira sobre o idoso e
da legislação vinculada a ele para debater-se casos de violência contra o idoso apesar da tentativa
de proteção conferida por lei e assim sugerir soluções para esse problema.
Até o século XIX, devido ao estilo de vida da sociedade pré-moderna que vivia de trabalhos
artesanais, modelo de subsistência familiar e sem uma nítida separação de função de cada membro
da família, não havia uma separação etária da população.
Atualmente, de acordo com o Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde3, “idoso é todo indivíduo
com 60 anos ou mais» (OMS, 2016), sendo tal conceito também usado no Brasil. Entretanto, para
efeito de formulação de políticas públicas, esse limite mínimo pode variar segundo as condições de
cada país, uma vez que a idade cronológica não é um marcador preciso para as alterações que
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acompanham o envelhecimento.
Fato que corrobora com essa informação é a Lei nº 13.466 (BRASIL, 2017), que define maior
prioridade para os idosos a partir de 80 anos de idade perante os demais, exceto em casos de
emergência, tendo em vista a maior debilidade física e até psicológica que aqueles tendem a ter em
consequência do desgaste provocado com o passar dos anos.
“Na sociedade atual, diversos estudos sobre representações sociais revelam que a idéia de idoso
está geralmente associada a aspectos negativos, como figura decadente, necessitada e dependente.
Enquanto fenômeno psicossocial, essas concepções contribuíram para os processos de formação de
condutas, orientação das comunicações sociais e estruturação da identidade do idoso, assim como
para as práticas sociais a ele dirigidas. Portanto, o envelhecimento é marcado por diversas
experiências, que são norteadas por valores, metas, crenças e formas próprias que o idoso utiliza
para interpretar o mundo.”
Entretanto, de acordo com os dados estatísticos divulgados pela Organização Mundial da Saúde em
âmbito internacional, e pelo IBGE, em âmbito nacional, em seus respectivos sites eletrônicos, a
expectativa de vida do ser humano cresce progressivamente sendo um erro considerar uma pessoa
acima de 60 anos como decadente ou improdutiva.
Ao mesmo tempo, o estilo de vida mais saudável começou a se disseminar para todas as classes de
aposentados, que passaram a assimilar as imagens de uma velhice associada à arte do bem viver,
surgindo então o termo “terceira idade” que torna pública e legítima a nova visão positiva investida
em tal faixa etária.
Quanto à proteção ao idoso em âmbito internacional, essa começou a ser uma preocupação política
a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, quando a Organização das Nações Unidas
(ONU) proclamou o direito à segurança na velhice no artigo XXV, 1, da Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 19485.
Em 1982, ocorreu a I Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento (ONU, 1982), resultando no Plano
de Ação Internacional de Viena, que definiu a idade de 60 anos como o início da velhice para uma
pessoa nos países em desenvolvimento e de 65 anos, nos países desenvolvidos6.
No Brasil, os direitos dos idosos foram mencionados apenas a partir da Constituição de 1934, sendo
tratados anteriormente como competência das entidades filantrópicas ou citados apenas quanto aos
aspectos médicos e previdenciários para aqueles que fossem cadastrados em quadros de produção.
Para Ramos (2014)10 , isto se deve ao fato de que, na vigência das primeiras constituições
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brasileiras, o constituinte não tinha a preocupação principal de garantia dos direitos fundamentais,
visto que a maior parte da população sequer chegou à velhice uma vez que as condições de vida no
Brasil eram as piores possíveis.
Graças à preocupação dos países desenvolvidos com a garantia dos Direitos Humanos
Fundamentais e depois da ditadura militar no Brasil, a Carta Magna trouxe como princípios básicos a
Cidadania, a Isonomia e a Dignidade da Pessoa Humana, o que refletiu na maneira como os direitos
dos idosos e a velhice eram tratados pela legislação e pela sociedade.
No que tange ao aspecto social, a norma tratou sobre o tema em seu Capítulo VII do Título VIII, em
que o artigo 230 determina que os “os programas de amparo aos idosos serão executados
preferencialmente em seus lares” e que “aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a
gratuidade dos transportes coletivos urbanos (BRASIL, 1988).
Outros artigos da Carta Magna também versam sobre o tema como o artigo 5º, XLVIII, determinando
que, em âmbito criminal, a pena será cumprida de acordo com a idade do apenado e ainda garante
ao idoso o seu cumprimento em estabelecimento penal distinto (BRASIL, 1988).
Quanto ao aspecto jurídico de proteção ao idoso, esse está previsto nos artigos 127 e 129 que
reservam ao Ministério Público a defesa dos direitos coletivos da sociedade, incluindo-se os idosos,
sendo que os carentes ainda podem contar com o apoio da Defensoria Pública, conforme artigo 134
(BRASIL, 1988).
A seguridade social está prevista no artigo 201, § 7º, inciso II, que estabelece a idade avançada
como risco a ser protegido pelo sistema previdenciário brasileiro. Nesse sentido, também o artigo
203, inciso V, no âmbito da assistência social, garante ao idoso que não possuir condições para sua
mantença o recebimento de um salário-mínimo como benefício mensal, independente de
contribuição à seguridade social (BRASIL, 1988).
Logo, não há dúvidas de que a Constituição da República não foge do objetivo de registrar e garantir
os direitos fundamentais do homem, sendo de suma importância que os idosos sejam vistos pela
sociedade brasileira como titulares de direitos, sendo esses imprescritíveis.
Apesar da inovação trazida pela Constituição Federal ao explicitamente proteger o direito do idoso,
ainda não existia no Brasil uma política nacional para tal público, havendo apenas ações
assistenciais em seu favor.
Assim, foi elaborada a Lei 8.842, de 1994 (LGL\1994\27), conhecida como Política Nacional do Idoso
(PNI), com objetivo central de “assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para
promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade”, consoante o artigo 1º do
texto normativo (BRASIL, 1994).
A lei foi regulamentada pelo Decreto Federal 1.948 de 1996 (LGL\1996\25), que, entre outras
importantes regras, definiu as várias modalidades de atendimento às pessoas idosas, sendo uma
delas o acolhimento institucional, que é compreendido como modalidade de atendimento, em regime
de internato, ao idoso sem vínculo familiar ou sem condições de prover a própria subsistência de
modo a satisfazer as suas necessidades de moradia, alimentação, saúde e convivência social,
devendo contar ainda com a assistência asilar quando, mesmo possuindo família, esta não tiver
condições de prover a sua manutenção (BRASIL, 1996).
Ademais, também criou o Conselho Nacional do Idoso, responsável por dirigir a implementação das
diretrizes trazidas na política e propor uma série de providências em âmbito municipal, estadual e
federal.
Não se pode negar o grande avanço que fez a Lei 8.842/94 (LGL\1994\27) ao lançar as bases de
uma Política Nacional do Idoso, prevendo a descentralização política e administrativa, o
reconhecimento do idoso como cidadão portador de direitos, que deve ser alvo de políticas públicas
e não de caridade e assistencialismo, a responsabilização da sociedade e, especialmente, da família
como participantes dessa política, e a restrição da política asilar a casos especialíssimos,
enfatizando a questão do vínculo familiar. Entretanto, tal legislação não foi bem aplicada, seja pelas
contradições legais ou pelo desconhecimento da população sobre sua existência, o que levou à
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criação de uma nova lei para tratar da proteção à terceira idade brasileira: o Estatuto do Idoso.
A Política Nacional do Idoso foi um lembrete para a sociedade da existência dos direitos dos idosos,
que estavam esquecidos nas páginas da Constituição, sendo gerado maior enfoque sobre o tema
com a criação da Lei 10.741, de 2003 (LGL\2003\582), conhecida como Estatuto do Idoso.
O propósito dessa lei é assegurar os direitos consagrados pelas políticas públicas voltadas à pessoa
idosa, priorizando o atendimento das necessidades básicas e a manutenção da autonomia como
conquista dos direitos sociais, por meio de serviços de atenção à saúde e assistência social,
concessão de benefícios permanentes e eventuais e programas educacionais para um
envelhecimento saudável.
Em sintonia com os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabeleceu planos
de ação para a política de assistência ao idoso, assinalando no artigo 8º que “o envelhecimento é um
direito personalíssimo e a sua proteção um direito social” e no artigo 9º que “é obrigação do Estado
garantir à pessoa idosa, proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas
que permitam seu envelhecimento saudável e em condições de dignidade” (BRASIL, 2003).
No primeiro título, “Disposições Preliminares”, encontra-se a definição dos idosos atingidos pela lei,
quais sejam, todas as pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, também, uma
ratificação do artigo 5º da Constituição Federal pelo segundo artigo da lei.
O artigo 3°, parágrafo único, prevê o princípio da prioridade absoluta, que determina que o idoso tem
o direito ao atendimento preferencial, imediato e individualizado dos órgãos públicos e privados, que
prestem algum serviço à população, deixando claro o uso do princípio da proteção integral, também
conferido às crianças e aos adolescentes pelo seu estatuto.
O Título II aborda os Direitos Fundamentais do Idoso, os quais devem ser assegurados pelo Estado
e pela sociedade, sendo direito à vida, à liberdade, ao respeito e à dignidade, a alimentos, à saúde,
entre outros, conforme dispõem os artigos 8º ao 42, sendo alguns assuntos abordados a seguir.
O direito à saúde está disposto no Capítulo IV, nos artigos 15 ao 19, e assegura a atenção integral à
saúde do idoso por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo-lhe o acesso universal
e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços.
O idoso tem direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas suas condições físicas,
intelectuais e psíquicas, sendo a questão relativa ao exercício de trabalho abordada no Capítulo VI.
É dever do Poder Público, entre outros, criar programas de profissionalização especializados para os
idosos e novos projetos sociais de seu interesse e estimular as empresas privadas à admissão de
idosos ao trabalho.
As medidas de proteção, previstas no Título III, nos artigos 43 a 45, serão aplicadas quando os
direitos previstos no Estatuto forem ameaçados ou violados por ação ou omissão da sociedade ou do
Estado, por falta, omissão ou abuso da família, de curador ou de entidade de atendimento ou ainda
em razão de sua condição pessoal.
O Título IV, nos artigos 46 a 68, dispõe sobre a Política de Atendimento ao Idoso que deve ser
desenvolvida em conjunto pela administração pública direta, sendo políticas sociais básicas, por
exemplo, os serviços especiais de prevenção e atendimento às vítimas de negligência, maus-tratos,
exploração, abuso, crueldade e opressão.
O Título V traz disposições sobre o acesso à justiça, facilitando-o às pessoas idosas, ficando
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Os crimes contra os idosos, previstos no Título VI e artigos 93 ao 108, são todos de ação penal
pública incondicionada, sendo previstos, por exemplo, crimes de discriminação, de abandono e de
exposição a perigo, apropriação ou desvio de bem ou qualquer rendimento do idoso, a indução de
pessoa idosa sem discernimento de seus atos a outorgar procuração para fins de administração de
bens ou deles dispor livremente, entre outros.
Ademais, como se pode observar, a maioria das disposições do Estatuto do Idoso necessita de
ações, sejam do Estado, da sociedade ou da família, para sua efetivação e, em muitos casos, se não
houver fiscalização, sabe-se que não se verá na prática muitos dos preceitos que garantirão mais
dignidade aos idosos.
De acordo com o disposto em lei e já mencionado no tópico anterior, é dever da família e do Estado
assegurar o cumprimento dos direitos do idoso e de prestar-lhe assistência.
É válido ressaltar, ainda, a obrigação de prestação de alimentos trazida no artigo 1.696 do Código
Civil de 2002, que menciona a reciprocidade do direito da prestação de alimentos entre pais e filhos
(BRASIL, 2002), razão importante da legislação quanto à preocupação com a proteção do idoso.
Assim, seja pela consciência acerca de seus direitos ou pelo vínculo afetivo, muitos idosos esperam
receber atenção e cuidados dos filhos e netos quando tiverem suas capacidades diminuídas, sendo
essa uma preocupação, pois, em certos momentos, algumas pessoas acabam sendo vistas como
um peso por suas famílias.
Logo, esse abandono pode resultar na procura por abrigos públicos ou particulares, o que pode
causar a eles uma sensação de exclusão, já que serão obrigados a se adaptarem às normas e ao
regulamento do local, tornando-se membros de uma nova comunidade e convivendo com pessoas
com as quais não tem nenhum vínculo afetivo.
Quanto ao dever do Estado de proteção aos idosos, esse deve assegurar-lhes participação na
comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar, direito à vida e a um envelhecimento saudável.
Além disso, a Administração Pública deve possibilitar o amparo da parcela de tal público que não
tem condições de permanecer em sua família, não a possui ou não tem condições de se manter.
Nesse sentido, Ramos (2014)11 destaca a importância dos dados estatísticos para se averiguar a
real situação brasileira em relação aos idosos e poder modificá-la, além de afirmar que o debate
sobre o processo de envelhecimento é essencial para que se desenvolvam meios de efetivar os
direitos da terceira idade de maneira eficiente.
De qualquer forma, o impacto que vem sendo causado pelo aumento da população idosa leva à
necessidade da implementação de políticas públicas sociais de desenvolvimento e qualidade de vida
específicas para este segmento populacional, que não mais pode passar despercebido aos olhos do
Estado, mesmo porque há tendência de a população envelhecer cada vez mais, de acordo com as
pesquisas demográficas já mencionadas neste estudo.
Corroborando com o conceito de violência ao idoso apresentado por tal dispositivo legal, a
Organização Mundial da Saúde (2016) entende que “a violência contra a pessoa idosa se define
como qualquer ato, único ou repetitivo, ou omissão, que ocorra em qualquer relação supostamente
de confiança, que cause danos ou incômodo à pessoa idosa”.
Segundo balanço realizado pelo Ministério dos Direitos Humanos, no período de 2011 a 201713 , o
número de denúncias de agressão à pessoa idosa subiu de 8.219 casos para 33.133, sendo 64%
das vítimas mulheres brancas com idade entre 71 e 80 anos, havendo uma parcela considerável
também entre 61 a 70 anos. Quanto ao perfil do agressor e local das agressões, constatou-se que
54% dos idosos são maltratados por seus filhos e em sua própria casa14 .
Nessa mesma pesquisa, conforme consta na página 20, constatou-se que em 2017 foram realizadas
25.458 denúncias de negligência, 18.709 de violência psicológica, 14.188 de abuso econômico e
8.955 de violência física em território brasileiro.
Ainda, conforme a “Cartilha sobre Violência contra Pessoa Idosa” (BRASIL, 2020)15 , no primeiro
triênio da pandemia, as denúncias aumentaram de três mil em março para 17 mil em maio/2020, o
que corresponde a um crescimento de 567% somente nesse curto tempo. Ainda, restou evidenciado
que tal prática é feita contra idosos com idades entre 60 e 90 anos e, em sua maioria, mulheres,
sendo a maior parte das denúncias por exposição de risco à saúde e tortura psíquica.
Tendo em vista a triste realidade supra apresentada, que foi atualmente exposta pelos canais de
denúncia ao poder público e pela mídia, há de saber o que consta na legislação brasileira como
forma de proteger os idosos vítimas de agressão.
Visando amparar o público da terceira idade desses abusos e violências, o legislador tipificou, nos
artigos 95 a 108 do Título VI da Lei 10.741, de 2003 (LGL\2003\582), os crimes cometidos contra o
idoso, englobando todas as formas de violência citadas alhures como, por exemplo, o abandono e a
violência física e psicológica.
O artigo 94 desse título preceitua que “aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de
liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei n° 9.099, de 1995
(LGL\1995\70)” (BRASIL, 1995)16 .
Ademais, os tribunais brasileiros discutem se poderia ser aplicado analogamente ao idoso o disposto
sobre alienação parental de crianças e adolescentes, em casos daquele ter seu direito de convívio
no seio familiar dificultado por algum parente, não poder exercer sua autoridade parental ou ter
familiares mudando para locais distantes, sem justificativa, a fim de evitar a sua responsabilidade de
cuidado para com ele, conforme requisitos para configuração da alienação parental, bem como
configurando também hipótese de abandono afetivo.
Desta maneira entendeu o Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1.159.242/SP17 em que a
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ministra Nancy Andrighi condenou um filho a indenizar seu genitor idoso pelos danos morais
suportados em decorrência de seu abandono:
“Civil e processual civil. Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Possibilidade. 1.
Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o
consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico
objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com
locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da
CF/88 (LGL\1988\3). 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica
em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere,
que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e
companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a
possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das
inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação
à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da
lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação
psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes
ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser
objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de
compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia
estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente
provido.”
Nesse sentido, há o Enunciado 08 do Instituto Brasileiro de Direito de Família18 que dispõe que o
abandono pode causar direito à reparação pelo dano sofrido, baseando-se no disposto no artigo 186
do Código Civil de 2002. Assim, diante do abandono afetivo, o idoso faria jus à reparação civil e
criminal, desde que comprovados a conduta humana, a culpa, o nexo causal e o dano sofrido pelo
agente, sendo de extrema importância identificar quem praticou o abandono, como a família, o
cuidador e até o poder público para ingressar com ação cabível.
Como exemplo da responsabilização criminal por abandono de idoso, cita-se caso julgado pelo
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul19 em que o filho foi condenado penalmente por abandonar
seu pai idoso em hospital:
“Apelação criminal. Abandono material. Desclassificação para o delito previsto no art. 98 do Estatuto
do Idoso (abandono de idoso em hospital). Mérito. Desclassificação para os lindes do art. 98 da Lei
n. 10.741/03 Materialidade e autoria plenamente comprovadas. O acusado abandonou seu pai,
idoso de 78 anos de idade à época do fato, durante internação hospitalar, mesmo após diversas
solicitações feitas pela administração do nosocômio, tendo sido, inclusive, ajuizada pelo Ministério
Público medida de proteção em favor da vítima. O denunciado, ainda, ameaçava os funcionários do
hospital quando aqueles lhe contatavam solicitando que acompanhasse seu genitor. Conjunto
probatório que confirma a prática delitiva. Dosimetria da pena. Pena-base fixada no mínimo legal,
diante da análise das circunstâncias do art. 59 do CP (LGL\1940\2). Ainda, aumentada a sanção em
02 meses porquanto presente a agravante do art. 61, II, e, do CP (LGL\1940\2). Regime de
cumprimento de pena. Mantido o regime aberto, com base no artigo 33, § 2º, c, do Código Penal.
Pena de multa. Reduzida a pena pecuniária para o mínimo legal. Pleito de isenção indeferido, em
respeito ao princípio da legalidade, uma vez que o crime do art. 98 da Lei n.º 10.741/03 prevê as
penas de detenção e multa a serem aplicadas cumulativamente. Substituição. Viável a substituição
da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos (artigo 44 do Código Penal),
consistente em prestação de serviços à comunidade. Apelação parcialmente provida.”
Há ainda a previsão legal de atuação dos órgãos da administração pública direta em casos de
suspeita de violência e maus-tratos para averiguação dos fatos.
Por fim, cabe ao Ministério Público as funções de instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para
a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos; individuais indisponíveis e individuais
homogêneos do idoso, promover a revogação de instrumento procuratório do idoso, nas hipóteses
previstas no artigo 43, quando necessário ou o interesse público justificar; instaurar sindicâncias,
requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, para a apuração de ilícitos
ou infrações às normas de proteção ao idoso; verificada qualquer das hipóteses previstas nesse
dispositivo, oferecer ao idoso orientação, apoio e acompanhamento temporários, entre outras
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obrigações.
6. Conclusão
Mesmo com tantos meios para proteção do idoso previstos em lei, os números de violações aos seus
direitos de integridade física e psicológica são altos em nossa sociedade, tornando-se assim uma
questão social e que deve ser discutida em todos os âmbitos, como acadêmicos, jurídicos e
familiares. Trata-se de uma situação que pode atingir a todos, sem distinção, uma vez que o
envelhecimento é fato natural, devendo ser buscadas formas de maior efetivação e cumprimento da
lei para que tais práticas violentas diminuam.
Fato é que para que os casos de violência contra o idoso não fiquem ocultos dentro das famílias e
das entidades de atendimento à terceira idade, seja pelas vítimas e suas testemunhas não saberem
onde denunciar ou por terem medo de seus agressores, seja pelos órgãos de fiscalização não terem
pessoal suficiente ou, ainda, pelo Judiciário moroso que demora a proteger a tutela de tal público,
devem ser propostas três formas de solução para a problemática ora tratada: uma voltada para a
conscientização da sociedade, outra para os órgãos de fiscalização e uma última para o Judiciário.
Além disso, cabe aparelhar adequadamente os abrigos públicos, com profissionais capacitados,
vagas suficientes e boas instalações; facilitar e incentivar o acesso e a participação das famílias no
cotidiano dos idosos ali presentes; fiscalizar os abrigos particulares para que preencham as
condições de funcionamento necessárias; e criar conselhos de idosos que fiscalizem a situação
deles em suas comunidades.
Vale frisar que, desta forma, haveria uma tranquilidade maior para o Ministério Público realizar seu
trabalho de fiscal juntamente com os conselhos municipais, estaduais e federais de proteção ao
idoso nos locais em que houver denúncias de violência.
A especialização de uma vara do Judiciário somente para os casos que envolvam idosos também
seria medida favorável ao combate às violações tratadas por este estudo. Primeiro, porque sabe-se
que o Judiciário está sobrecarregado com tantos processos e que o tempo para aguardar uma
decisão que pode levar anos é o que o idoso pode não ter e, além disso, com decisões mais rápidas,
serão detidos os agressores e os danos causados às vítimas serão menores pela diminuição do
tempo de exposição à violência.
Caberia também uma revisão das penas aplicadas nos casos de violência previstas no Estatuto do
Idoso, uma vez que sendo essas muito brandas e utilizando-se dos recursos de punição da Lei
9.099/95 (LGL\1995\70), os agressores não terão receio em praticar novamente o delito, não
havendo assim a eficácia do caráter punitivo e educativo do Estado, bem como estarão as vítimas
sujeitas a novas agressões e danos.
Assim, utilizando-se destas soluções e com uma maior educação social sobre o tema, os índices de
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violência e de violação dos direitos dos idosos diminuiriam, a lei seria mais eficiente e os idosos
poderiam contar com a tutela mais eficaz de seus direitos.
7. Referências
ALVES, José Eustáquio Diniz. O envelhecimento populacional segundo as novas projeções do IBGE.
EcoDebate, 2018. Disponível em:
[www.ecodebate.com.br/2018/08/31/o-envelhecimento-populacional-segundo-as-novas-projecoes-do-ibge-artigo-de-jo
Acesso em: 07.09.2019.
CÉSPEDES, Lívia; ROCHA, Fabiana Dias da (Orgs.). Vade Mecum. 23. ed. São Paulo: Saraiva,
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ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948.
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o idoso no país
Legislação
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 –Nós, os representantes
do povo brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos em Assembléia Nacional
Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a
justiça e o bem-estar social e econômico, decretamos e promulgamos a seguinte. Brasília, DF:
Presidência da República, 16 jul. 1934. Disponível em:
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BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1937 – Resolve assegurar à
Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um
regime de paz política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à sua
prosperidade, decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo o País.
Brasília, DF: Presidência da República, 10 nov. 1937. Disponível em:
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11 .RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Curso de direito do idoso. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 121.
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e sua eficácia no que tange ao combate à violência contra
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14 .BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos
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15 .BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Secretaria Nacional dos
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Federal, 2020. Disponível em: [cartilhacombateviolenciapessoaidosa.pdf (www.gov.br)]. Acesso em:
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16 .O STF em 16/6/2010, ADIn 3.096, limitou a interpretação desse artigo ao prazo de 02 anos, uma
vez que a lei a Lei 9.099/95 considera como da competência dos juizados especiais os crimes
apenados com penas de até 02 anos de prisão.
17 .BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp m. 1.159.242/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j.
24.04.2012, DJe 10.05.2012. Disponível em:
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Acesso em: 28.06.2021.
19 .BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime n. 70075015438, 6ª Câm.
Crim., rel. Des. Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, j. 29.03.2018. Disponível em:
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