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Organizadores
Flavio Benayon Guilherme Adorno
Liliane Anjos Mirielly Ferraça
Rogério Modesto Romulo Osthues
Todos os direitos desta edição reservados a Pontes Editores Ltda.
Proibida a reprodução total ou parcial em qualquer mídia
sem a autorização escrita da Editora.
Os infratores estão sujeitos às penas da lei.
A Editora não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta publicação.
Bibliografia.
ISBN: 978-85-217-0204-7
Rogério Modesto
1. Prelúdio à questão
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1 Da Sapphire Steven, personagem da série norte-americana Amos ‘n’ Andy (1928 a 1960),
até a Rochelle Rock, icônica personagem de Todo mundo odeia o Cris (no original Everybody
hates Chris), série televisiva americana superpopular no Brasil a partir de 2005, a televi-
são norte americana está repleta de figuras de mulheres negras que performam a angry
black woman (ABW). A expressão the Sapphire Caricature, que pode ser aplicada a essas
personagens, retrata “as mulheres negras como rudes, barulhentas, maliciosas, teimosas
e arrogantes [e que] têm língua afiada e desafiadora do homem, uma mão no quadril e
a outra apontando, balançando violentamente e ritmicamente a cabeça, zombando de
homens afro-americanos por ofensas que vão do desemprego à busca sexual de mulheres
brancas. Ela é uma ninhada estridente com estados irracionais de raiva e indignação e mui-
tas vezes é mesquinha e abusiva.” (Disponível em: <https://www.ferris.edu/HTMLS/news/
jimcrow/antiblack/sapphire.htm>. Acesso em: 12 de janeiro de 2019, tradução minha). No
Brasil, por sua vez, a personagem Dona Jura, da novela O clone, seria, dentre tantas outras
personagens, um protótipo desse lugar no imaginário social.
2 This stereotype does not acknowledge black women’s anger as a legitimate reaction to un-
equal circumstances; it is seen as a pathological, irrational desire to control black men, fami-
lies, and communities. It can be deployed against African American women who dare to ques-
tion their circumstances, point out inequities, or ask for help.
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queria trabalhar. Valéria não grita apenas com a voz, mas com o
corpo que atualiza uma memória discursiva que retoma as diver-
sas imagens do negro escravizado algemado ao chão. É preciso,
então, que Valéria produza formulações que gritam junto com
o corpo. A mulher negra precisa gritar para nos dizer que (tam-
bém) é gente.
É sobre isso que quero tratar neste texto em homenagem
à Suzy Lagazzi. Do grito. Do grito e da denúncia. Do grito
como denúncia em sua relação com as tensões raciais. Do
grito de uma mulher negra. Uma questão que se colocou para
mim como pauta possível de pesquisa em análise de discurso
porque aprendi com Suzy que o teórico, o político, o subjetivo
e o afetivo não se separam. Assim, foi aprendendo e fazendo
análise de discurso junto a ela que entendi a necessidade de
encontrar, na teoria, um lugar que me permitisse dar visibilidade
a uma discursividade da resistência de sujeitos negros – questão
que me atravessa pessoalmente – sem cair na ilusão narcísica
de que dou voz a esses sujeitos, mas, ao contrário, entendendo
que é preciso escutar uma voz já posta, potente e em circulação
dentro da trama das relações raciais tecida em nossa formação
social, cuja escuta muitas vezes lhe é negada (e talvez por isso
seja preciso gritar!).
Nesse contexto, ao grifar expressões específicas na narrati-
va jornalística, mobilizo um gesto discursivo que vi Suzy repetir
muitas vezes: chamo atenção para um material que faz ver um
social marcado por contradições que gritam em suas fronteiras;
chamo atenção para a necessidade de o analista de discurso se
colocar em posição de uma escuta sensível em relação “à dife-
rença constitutiva das relações sociais” (Lagazzi, 2010, p. 75);
chamo atenção para o papel do analista de discurso como sujei-
to no político frente a discursos que fazem doer.
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6 As resistências, conforme Pêcheux (1990, p. 17): “não entender ou entender errado; não
‘escutar’ as ordens; não repetir as litanias ou repeti-las de modo errôneo; falar quando se
exige silêncio; falar sua língua como uma língua estrangeira que se domina mal; mudar,
desviar, alterar o sentido das palavras e das frases; tomar os enunciados ao pé da letra;
deslocar as regras da sintaxe e desestruturar o léxico jogando com as palavras”.
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7 Trago de Mao Tsé-Tung (1999), teórico da contradição, a metáfora da bomba para marcar
o antagonismo. Para ele, o antagonismo é um conflito aberto que afeta a luta dos con-
trários, sendo o momento insustentável dessa luta. Conforme Tsé-Tung, numa bomba,
os opostos (as classes) coexistem numa mesma unidade, tendo em vista certas con-
dições materiais de produção e determinação. Só com o aparecimento de uma nova
condição, a ignição, é que a explosão é produzida. O antagonismo é a ignição da bomba.
8 Em Modesto (2018b), com base no estabelecimento de uma relação teórica entre Louis
Althusser e Frantz Fanon, desenvolvo uma análise em que chamo atenção para o pro-
blema da interpelação ideológica no que concerne às tensões raciais.
9 Fala em uma mesa-redonda referente ao lançamento do livro Discursos negros,
na Defensoria Pública do Estado da Bahia. Disponível em: <https://youtu.be/jPq_
HMXcN4Q>. Acesso em: 16 de março de 2019.
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10 Em seu livro, Fanon traz uma dessas situações-limite do riso e sua ausência: “‘Olhe, um
preto!’ Era um stimulus externo, me futucando quando eu passava. Eu esboçava um sor-
riso. ‘Olhe, um preto!’ É verdade, eu me divertia. ‘Olhe, um preto!’ O círculo fechava-se
pouco a pouco. Eu me divertia abertamente. ‘Mamãe, olhe o preto, estou com medo!’
Medo! Medo! E começavam a me temer. Quis gargalhar até sufocar, mas isso tornou-se
impossível” (Fanon, 2008, p. 105, grifos do autor).
11 Une tension psychique croissante conduisant de l’amusement, qui est une forme d’accep-
tation, au sentiment qu’il y a là quelque chose d’inacceptable, de proprement invivable, du
moins dans des conditions normales.
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terra, gritar: eis a saída para a mulher negra que exige seus direi-
tos. Como mulher, como negra, Valéria tece a sua resistência pos-
sível. Como qualquer sujeito negro que vive no Brasil, ela sabe
do incômodo que seu corpo produz, um corpo visto como a ser
contido. Não apenas contido como é feito com as algemas, mas
contido por lugares esperados e projetados por um estímulo
em terceira pessoa (Fanon, 2008; Modesto, 2018b) para o qual
a única forma aceitável para (o) ser negro é ter a alma branca.
Valéria recusa! Nem negra de alma branca, nem negra raivosa:
apenas mulher, apenas negra, apenas mulher-negra que resiste!
Nesse gesto de escuta de um grito potente em resistência
e denúncia, saúdo à Valéria Lúcia dos Santos pela potência de
sua voz, pela sua resistência, por ousar se revoltar. E agradeço e
homenageio à Suzy Maria Lagazzi por nos oferecer formas de
escutar o que importa, nos orientar a lutar e resistir com as pala-
vras, por ousar pensar, por ousar ensinar.
Referências
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