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em simetria com aquilo que estuda, como seu “equivalente funcional”. Tal diferen-
ciação é chamada sistêmica por ser trazida “para dentro” do próprio sistema, assim,
o sistema total, a sociedade, aparece como meio ambiente dos próprios sistemas
parciais, que dele e entre si se diferenciam por reunirem certos elementos, ligados
por “relações”, nas operações do sistema, formando uma “unidade”.
Portanto, uma “unidade”, também pode parecer como meio ambiente para
outras unidades, além de diferenciada no sistema do meio ambiente, permitindo
que por ela se aplique, recorrentemente, a diferença ente sistema/meio ambiente,
sem com isso perder sua “organização”.
A “organização” é o que qualifica um sistema como complexo ou como uma
simples unidade que possui características próprias decorrentes das relações entre
seus elementos, mas que, no entanto, não são características desses elementos.
O fato de haver a organização do sistema pela unidade de seus elementos não
quer dizer que não variem os elementos componentes do sistema e as suas relações.
Essas possíveis mudanças ocorrem na “estrutura” do sistema, que é formada por
elementos componentes do sistema relacionados entre si.
Nesse sentido para a organização do sistema o que importa é o tipo peculiar
de relação, circular e recorrente, entre os elementos, enquanto para estrutura o que
importa é que há elementos em interação, ação e reação mútua, elementos esses
que podem se fornecidos pelo meio ambiente ao sistema, sem que por isso a ele
não se possa atribuir o atendimento de suas “condições gerais”, para que se tenha
“sistemas autopoiéticos”, como Luhmann propõe que se considere os sistemas
sociais: a “autonomia” e a “clausura” do sistema.
2. Para uma análise mais aprofundada dos sistemas autopoiéticos, cf. GUERRA FILHO,
Willis Santiago. Autopoiese do direito na sociedade pós-moderna: introdução a uma teoria
social sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. Para o estudo pioneiro na
literatura pátria sobre a aplicação desta proposta ao estudo do direito, cf. GUERRA
FILHO, Willis Santiago. O direito como sistema autopoiético. In: Revista Brasileira de
Filosofia. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia, v. 39, n. 163, jul./ago, 1991, p.
186 e segs.
3. O conceito de autopoiesis, desenvolvido no campo da biologia por Maturana e Varela,
foi adotado por Luhmann para enfatizar que os subsistemas funcionais da sociedade são
sempre auto-referenciais, ou seja, produzem e reproduzem a si próprios. Eles constituem
seus componentes pelo arranjo próprio desses componentes, o que constitui propria-
mente sua unidade e, portanto, seu fechamento autopoiético. A extensão do conceito de
Ele se afigura como um sistema autônomo, pois nele o que se passa não é
determinado por nenhum componente do ambiente mas sim por sua própria or-
ganização, formada por seus elementos.
O fato de ser autônomo indica sua condição de clausura, ou seja, ser “fechado”
diante do ponto de vista de sua organização, não havendo nem entrada (inputs) e
nem saídas (outputs) para o ambiente, pois os elementos interagem no e por meio
dele.
Para Luhmann apenas a comunicação se autoproduz, razão pela qual qualifi-
cam-se como autopoiéticos os sistemas de comunicação da sociedade.
O sentido da comunicação varia de acordo com o sistema no qual ela está sendo
veiculada e as pessoas são meios (media) dessas comunicações. Esses componentes,
contudo, não pertencem aos sistemas sociais e, sim ao seu meio ambiente. Para
tentar esclarecer um pouco: os seres humanos enquanto seres biológicos, são sis-
temas biológicos autopoiéticos e enquanto seres pensantes, são também sistemas
psíquicos autopoiéticos.
Certo é, portanto, que sem a consciência decorrente do aparato psíquico, é
claro, não haveria comunicação e logo também não haveria sistemas sociais.
É a linguagem, então a primeira condição para que se dê o acoplamento (es-
trutural) entre sistemas auto(conscientes) e sistemas sociais (autopoiéticos) de
comunicação.
Tal acoplamento necessita ser viabilizado por certos meios (media). O meio
principal que Luhmann usa como exemplo de acoplamento entre o sistema de
direito e o sistema de política são as constituições, o que nos remete para o en-
tendimento de que o judiciário é a organização que ocupa o centro do sistema
jurídico – as cortes constitucionais nesse caso situar-se-iam no “centro do centro”
do sistema jurídico – pois determina em ultima instância o que é ou não direito, da
mesma forma que os demais poderes do Estado – legislativo e executivo – ocupam
o centro do sistema político.
É no “centro do centro”, então, que se daria o acoplamento estrutural do sis-
tema jurídico com os outros sistemas. Todos os demais sistemas, não só o político,
mas também a economia, a arte, a religião etc. penetram no direito e por ele são
penetrados, principalmente por via de interpretações do que se acha disposta na
constituição. Interpretações essas que são feitas por juristas, juízes e demais opera-
dores jurídicos e, mesmo, por jornalistas, padres, cientistas, enfim todos os cidadãos,
4. As traduções para o português destas obras foram as adotadas na produção deste ca-
pítulo. Cf. LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. Vol. I. Rio de Janeiro: Edições
Tempo Brasileiro, 1983 e Sociologia do direito. Vol. II. Rio de Janeiro: Edições Tempo
Brasileiro, 1985.
5. Para uma abordagem completa e muito bem elaborada sobre o pensamento de Luhmann
e o direito, Cf. NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil: o estado
democrático de direito a partir e além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins
Fontes, 2006. Seria também recomendável a leitura do capítulo VI da nossa obra Teoria
da ciência jurídica. Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago e CARNIO, Henrique Garbellini
(col.). Teoria da ciência jurídica. São Paulo: Saraiva, 2009.
grupos e órgãos colegiados de juízes (tribunais, por exemplo); ou, ainda, 3) quando
se restringem simplesmente ao conjunto das opiniões que os diversos grupos e
indivíduos têm a respeito do direito.
Para Luhmann, em todas essas abordagens do fenômeno jurídico é o próprio
direito que desaparece da sociologia do direito.6
Luhmann propõe que o fenômeno essencial que caracteriza o direito na socie-
dade industrial moderna, e que, justamente, tem escapado às diversas perspectivas
da sociologia do direito, é a positividade do direito, entendendo por positividade o
processo legislativo que, no século XIX, concebeu de forma inédita que a modi-
ficação do direito é parte integrante do próprio direito e imanente a ele. Ou seja,
ao contrário da suposição sociológica tradicional de que a positividade é um cons-
tructo da ortodoxia jurídica, e que esta, por sua vez, é simplesmente o resultado
das condições sociais gerais.
Na realidade, a positivação significa que o direito passa a ser visto pela le-
gislação como modificável em princípio.7 Segundo a formulação de Luhmann,
somente condições legalmente fixadas na legislação podem fundamentar objeções
contra a vigência e a validade das leis.8 A proposta de Luhmann modifica de modo
bastante específico e substancial o foco das teorias sociológicas tradicionais sobre
o direito, como demonstrando no livro, principalmente estabelecidas nas teses de
Marx, Weber, Durkheim.
Para Luhmann, a sociologia do direito está interessada somente nas conexões
entre variáveis legais e extralegais e, embora todas elas falem de unidade do sistema
legal, esta unidade nunca é claramente percebida.9
A proposta de Luhmann acrescenta um aspecto original à sociologia do direi-
to, quando analisa a forma como o sistema jurídico cria realidades descortinadas
pelo código lícito e ilícito com efeitos sensíveis nas comunicações dos indivíduos,
ou seja, nas relações sociais. O direito, nessa perspectiva, não representa um “in-
dicador externo” das moralidades sociais, como na expressão de Durkheim, ou
um documento autenticado das relações de dominação entre as classes sociais,
ou, ainda, um reflexo dos interesses estratégicos de grupos de qualquer natureza.
Sem desconhecer esses aspectos, todos influentes no direito, ou qualquer outro
estímulo do ambiente moral, político, artístico e científico da criação dos sistemas
jurídicos, a teoria sistêmica problematiza a relação entre direito e sociedade a partir
6. LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. Vol. I. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro,
1983, p. 9-12.
7. LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. Vol. I, cit., p 34.
8. LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. Vol. I, cit., p. 35
9. MELLO, Marcelo Pereira de. A perspectiva sistêmica na sociologia do direito: Luhmann e
Teubner, cit., p. 362.
10. MELLO, Marcelo Pereira de. A perspectiva sistêmica na sociologia do direito: Luhmann e
Teubner, cit., p. 367.
11. Cumpre lembrar os importantes estudos feitos por Luhmann com Talcott Parsons e
a projeção diferenciada do sistema social proposta por este. De maneira generalizada,
Talcott Parsons define sistema social como constituído pela interação direta ou indireta
dos seres humanos entre si. Ele consiste numa pluralidade de atores individuais intera-
gindo mutuamente numa situação que tem pelo menos um aspecto físico ou ambiental.
Estes atores são motivados relativamente a uma tendência ao máximo de satisfações, e
a relação de cada qual com uma situação e com os outros é definida e mediatizada por
um sistema comum de símbolos culturalmente elaborados. Nesse sentido cf. PARSON,
Talcott. Os componentes dos sistemas sociais. In: Homem e sociedade: leituras básicas de
sociologia geral. Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni (orgs). 3 ed. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1966. p. 59, Papel e sistema social. In: Homem e sociedade:
leituras básicas de sociologia geral, cit., p. p. 63-68 e O sistema das sociedades modernas.
Trad.: de Dante Moreira Leite. São Paulo: Livraria Pioneira, 1974. p.15-42. Outro ponto
importante que merece estudo apartado e complementar ao que se propõe é a proposta
de Gunther Teubner que parte do pensamento de Luhmann indicando diferentes apon-
tamentos. Cf. TEUBNER, Gunther. O direito como sistema autopoiético. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1989.