Você está na página 1de 4

ARCADISMO EM PORTUGAL (1756/1825)

1. O Iluminismo ou Enciclopedismo em Portugal

Durante o século XVIII, a Europa passou por transformações econômicas, políticas e


culturais que reacenderam a chama do racionalismo e do materialismo pagãos, já vividos durante
o Renascimento. O universo da produção manufaturada perdeu seu lugar para o universo da
produção industrial; o mundo da fidalguia ruiu diante do mundo da burguesia; a cultura de
inspiração religiosa e barroca foi questionada e substituída por uma cultura mais laica, mais
ilustrada e mais prática.

“Burguesia” e “Iluminismo” aproximados, respondendo, ainda, a outros determinismos


históricos, levaram o mundo europeu às chamadas Revoluções Industrial e Burguesa.

As Revoluções contra o despotismo político e contra o catolicismo contrarreformista foram


decisivas para a ascensão da Burguesia ao poder, para o estabelecimento de um mundo em que o
“Capital” se tornou sinônimo de “Poder”, em que a vida urbana e ilustrada ganhou o sentido da
realização prática da felicidade.

Como enciclopedistas, destacaram-se filósofos como Voltaire, Diderot, Rousseau,


D’Alembert e Hobbes.

A euforia iluminista chegou a Portugal no reinado de D. João V (1707/1750) e estendeu-se


durante o reinado de D. José I (1750/1777), sob o propósito de modernizar Portugal, promovendo
as reformas políticas, econômicas e culturais, capazes de atender aos anseios da burguesia
mercantilista e colonialista portuguesas.

A educação dos jovens portugueses foi a grande preocupação de Luís António de Verney,
incumbido da modernização do “ensino” em Portugal. Suas idéias pedagógicas ficaram
registradas na obra Verdadeiro Método de Estudar (1746), de inspiração enciclopedista.

Em 1759, já no reinado de D. José I, o Marquês de Pombal, então Ministro, expulsou os


jesuítas do território português, tentando expurgar da cultura portuguesa as influências da cultura
contrarreformista.

Esse processo de renovação cultural levou ao aparecimento das Academias, que objetivavam
o permanente debate sobre a produção cultural portuguesa. As duas principais Academias
Portuguesas foram A Arcádia Lusitana e A Nova Arcádia, sendo que, desta segunda, fez parte o
poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage, sinônimo de Arcadismo e polêmica na literatura
portuguesa do século XVIII.

2. O Arcadismo

O Arcadismo consagrou-se como literatura durante o século XVIII. Surgiu em consonância


com as filosofias do “bom selvagem” e a da “felicidade bucólica” que constituíram exceções
dentro do arcabouço urbano-ilustrado do Iluminismo.

Objetivava recuperar a razão, o equilíbrio e a clareza, princípios clássicos da literatura do


século XVI, obscurecidos pelo Barroco. Marcou a recuperação de valores pastoris da Antiguidade
e, nesse sentido, configurou-se como uma Literatura Neoclássica. Vejamos:

➢ Fingimento poético
Os poetas árcades “fingiram” ser camponeses, vivenciando situações camponesas na poesia,
apesar de serem invariavelmente burgueses. Criaram para si pseudônimos pastoris, a partir da
língua latina.

➢ Fugere Urbem

A poesia árcade negou a vida urbana com seus luxos e barroquismos e indicou a “fuga da cidade”
para o campo como possibilidade de felicidade.

➢ Ambiente Bucólico (Locus Amoenus)

O campo foi visto pelos árcades como lugar de paz, tranqüilidade, serenidade, à semelhança do
paraíso cristão, lugar de perfeição natural. Essa idéia vinha, entretanto, da cultura greco-romana.
Na Antigüidade clássica, numa montanha-refúgio de nome Arcádia, viviam pastores, flautistas,
pastoras belas, poetas etc., afastados das atribulações da cidade. A imitação da natureza
encontrada na Arcádia constituiu um dos principais cânones neoclássicos.

➢ Carpe Diem e Equilíbrio: o Epicurismo e o Estoicismo filosófico

Na cultura dos gregos e romanos, o prazer estava relacionado à beleza, à saúde e à transitoriedade
do corpo (Epicurismo – Epicuro, séc. IV e III a.C.); deveria ser aproveitado na juventude.

No entanto, a moderação, o equilíbrio e a serenidade seriam mais aconselháveis. Os excessos


provocados pelas paixões podiam trazer dissabores e deviam ser contidos pelo equilíbrio e pela
Razão (Estoicismo — Zenão, séc. IV e III a.C.).

➢ Antibarroquismo na linguagem (Inutilia Truncat)

A linguagem devia refletir a simplicidade das situações bucólicas; o vocabulário simples e a frase
direta, clara e objetiva deviam substituir o “gongorismo barroco”. A descrição e a narração
deveriam ocupar o lugar da argumentação.

➢ A Aurea Mediocritas

Os árcades pregavam a simplicidade da vida: a vida material deveria ser humilde; já a vida interior
deveria ser rica em realizações intelectuais e “espirituais”.

➢ Registro de um universo mitológico greco-romano

Tornou-se comum na poesia árcade, a substituição do universo cristão pelo universo clássico
pagão: deuses, ninfas, mitos e crenças greco-romanos recuperavam o clima mitológico da Arcádia
antiga.
Para não esquecer: o Arcadismo se constitui em oposição ao Barroco. Inutilia Truncat
era um princípio de composição: a poesia deve ser simples. O retorno ao classicismo
significava um retorno ao prestígio do racionalismo, do credo na ciência, em oposição
à religiosidade pregada pelo Barroco. Por fim, as críticas ao despotismo, o louvor à
liberdade e à individualidade são valores liberais, forte influência Iluminista,
movimento ideológico que marcam esta corrente estética.

Orientações para leitura:


1 – Utilize um dicionário para identificar as palavras desconhecidas.
2 – Procure encontrar nos textos os valores acima relatados: locus amoenus, fugere urbem, crítica
ao despotismo, simplicidade formal (inutilia truncat).
3 – O primeiro texto é de autoria de Filinto Elísio, pseudônimo de Padre Francisco Manuel do
Nascimento. Os demais são de Manuel Maria du Bucage, conhecido também como Elmano
Sadino em pseudônimo.
I
Já vem a Primavera desfraldando
Pelos ares as roupas perfumadas,
E os rios vão, nas águas jaspeadas,
Os frondíferos troncos retratando.

Vão-se as neves dos montes debruçando


Em tortuosas serpes argentadas;
Pelas veigas, o gado, alcatifadas,
A esmeraldina felpa vai tosando.

Riem-se os céus, revestem-se as campinas;


E a Natureza as melindrosas cores
Esmera na pintura das boninas.

Ah! Se assim como brotam novas flores,


Se remoça todo o orbe... das ruínas
Dos zelos renascessem meus amores!

II

Já sobre o coche de ébano estrelado


Deu meio giro a noite escura e feia;
Que profundo silêncio me rodeia
Neste deserto bosque, à luz vedado!

Jaz entre as folhas Zéfiro abafado,


O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, às trevas costumado:

Só eu velo, só eu, pedindo à sorte


Que o fio, com que está minha alma presa
À vil matéria lânguida, me corte:
Consola-me este horror, esta tristeza;
Porque a meus olhos se afigura a morte
No silêncio total da natureza.

III

Liberdade, onde estás? Quem te demora?


Quem faz que o teu influxo em nós não caia?
Porque (triste de mim!) porque não raia
Já na esfera de Lísia1 a tua aurora?

Da santa redenção é vinda a hora


A esta parte do mundo, que desmaia:
Oh! Venha... Oh! Venha, e trêmulo descaia
Despotismo feroz, que vos devora!

Eia! Acode ao mortal, que frio e mudo


Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo:

Movam nossos grilhões tua piedade;


Nosso númen tu és, e glória, e tudo
Mãe do gênio e prazer, oh Liberdade!

IV

Já se afastou de nós o Inverno agreste,


Envolto nos seus úmidos vapores;
A fértil Primavera, a mãe das flores
O prado ameno de boninas vestes.

Varrendo os ares, o sutil Nordeste


Os torna azuis; as aves de mil cores
Adejam entre Zéfiros e Amores,
E toma o fresco Tejo a cor celeste.

Vem, ó Marília, vem lograr comigo


Destes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo

Deixa louvar da corte a vã grandeza:


Quando me agrada mais estar contigo,
Notando as perfeições da Natureza!

1
Lísia = Portugal.

Você também pode gostar