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VIOLÊNCIA NA ESCOLA: O QUE FAZER?

Cláudia Elisângela Barbosa da Silva1


Tiago Pereira Leite2

Resumo

Este artigo apresenta o resultado do trabalho realizado com os estudantes dos anos finais do ensino
fundamental do Colégio Estadual Esperança Favaretto Covatti – Ensino fundamental e Médio, do
município de Toledo – PR. Em relação ao histórico de violência escolar. Com o objetivo inicial de
proporcionar reflexões com os alunos que apresentavam esse quadro violento na escola, a proposta
é de levá-los a refletir sobre os motivos que estavam provocando descontentamentos e como
estavam reagindo ante à situações conflitantes. Buscando o fortalecimento afetivo e entender o fato
em si através do diálogo, cooperação, reflexões, negociação, respeito e autonomia, o grupo foi
amadurecendo e procurando formas diferentes de resolver situações de conflito do cotidiano escolar.
Foi utilizado a técnica de círculo de construção de paz de Boyes-Watson e Pranis (2011), para que,
primeiramente, os educandos fossem se sentindo seguros com o grupo, colocando suas angústias e
propondo formas de melhorar o ambiente educativo. Também foi realizado visitas juntamente com a
direção e equipe pedagógica em instituições que trabalham com os adolescentes em situações de
risco e vulnerabilidade social para conhecer e propor parcerias. Esse trabalho possibilitou a reflexão
do que estava levando os alunos a reagirem de forma violentas e como as atitudes de toda a
comunidade escolar vinha favorecendo essas reações violentas.

Palavras-chave: violência; conflito; diálogo; afetividade.

Introdução

A escola sempre foi vista como um lugar importante, na qual o conhecimento


é transmitido, sendo um ambiente confiável, prazeroso, com liberdade de expressão,
onde as regras de convivência, normas e o respeito mútuo deveria comparecer.
Atualmente, este espaço vem sendo tomado pela violência, situação esta muito
grave, pois as crises da sociedade estão desembocando no ambiente escolar e o
adolescente que utiliza da ação de forma impulsiva, antes da fala ou do próprio
pensamento, vem respondendo aos conflitos de forma violenta.

1Professora-Pedagoga da Rede Estadual de Ensino do Paraná. E-mail de contato:


cebs@seed.pr.gov.br
2Orientador PDE da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. E-mail de contato:
tpleite@hotmail.com
Segundo Tavares-dos-Santos e Machado (2015), a violência é sempre
construída, em função das necessidades, desejos paixões, sonhos e loucura, mas
também dos governantes. Ela é adquirida pela educação. A compreensão da
relação entre a escola e a prática da violência passa pela reconstrução do complexo
social, cultural e simbólico que estão presentes na escola, muitas vezes formando
ambientes turbulentos, seria uma violência institucional, onde a escola não seria
capaz de repensar seus modos de agir e acabaria utilizando de punições para
manter o controle.
Precisamos entender que na escola o conflito está presente em todos os
momentos e faz parte de sua dinâmica, porém a forma como estão sendo resolvidos
é que está nos preocupando pois estão usando da violência verbal e física e não do
diálogo.
O adolescente, assim como todo ser humano, precisa de reconhecimento,
sentir-se reconhecido e valorizado pelos outros e a mídia, no caso da televisão em
especial, vem procurando sensacionalizar o uso da força, mediante a dramatização
de fatos: a televisão, que pretende ser um instrumento de registro, torna-se
instrumento de criação da realidade. Assim, a violência para o adolescente passa a
ser a forma de autoafirmação na sociedade em que vive.
Percebemos esta dinâmica social no Colégio Estadual Esperança Favaretto
Covatti que vem modificando seu perfil ano após ano, visto que é uma escola
pequena com apenas cinco salas de aula disponíveis para cada período. Em 2005, o
perfil era de escola de interior, onde todos se conheciam, se respeitavam, os
professores conseguiam dar suas aulas e os alunos podiam aprender.
Atualmente, existem turmas, as quais está difícil para o professor, explicar o
conteúdo, o educador passa boa parte da aula tentando evitar que os próprios
alunos se agridam, não havendo respeito entre eles e com os professores. Várias
intervenções já foram realizadas desde as mais brandas no sentido de orientação e
encaminhamento das famílias para os órgãos de assistência social, até as mais
drásticas, como convocação de pais para acompanhar aulas, intervenção do
Conselho Tutelar, da Patrulha Escolar e do Ministério Público. Com este quadro,
pais, professores, funcionários e os próprios estudantes estão com medo de ir para
a escola.
Diante desta realidade é necessário que a violência na escola seja enfrentada
como um problema a ser trabalhado no próprio processo pedagógico, buscando
conhecimento científico e psicológico que dê subsídios para utilizarmos as situações
de conflitos do cotidiano escolar para crescimento dos envolvidos, baseando-se na
confiança mútua e no poder do diálogo como forma de negociação saudável.
Em sala de aula, a professora Tânia Maria Rechia Schoeder coloca que a
escola deve aprender a conviver com os conflitos, pois eles sempre estarão
presentes, e é necessário buscar formas de conduzi-los para melhora, inicialmente,
do ambiente escolar e posteriormente da comunidade onde vivem.
Sabe-se que muitos fatores interferem nas atitudes do dia-a-dia escolar, e
dependendo do nível sócio-econômico em que a comunidade escolar é formada, a
violência se apresenta de forma diferente, podendo ser física ou simbólica. Muitas
vezes as pessoas a veem como algo corriqueiro, ou seja, atitudes de violência são
vistas como normais, culminando dessa forma com a legitimação da violência. A
desestruturação familiar é um dos fatores para o aumento da violência, juntamente
com o tráfico de drogas e a presença de gangues no entorno escolar e até dentro
dos colégios.
Não podemos tolerar em qualquer ambiente, atos de violência; eles precisam
ser mediados e as possíveis inquietações dos alunos dialogadas e trabalhadas pelo
grupo. As regras de convivências devem ser negociadas e readaptadas para com
tolerância driblar as agitações que estão gerando a violência, pois é pela
conscientização e adoção de educação para a cidadania e autonomia, às
alternativas possíveis para minimizar conflitos.
Atualmente se apresenta no discurso de boa parte da comunidade educativa,
que a solução para os conflitos violentos no interior das escolas deve vir da
presença de forças externas como: polícia, psicólogos, assistente social, ou medidas
punitivas mais rígidas via Ministério Público. A mediação de conflitos e a educação
para a cidadania e autonomia vem contrapor esta visão, pois acredita que os
conflitos da escola devem ser resolvidos na própria escola.
Assim sendo, percebe-se a necessidade de buscar alternativas que, se não
erradiquem ao menos minimizem as situações de violência na comunidade
educativa do Colégio Estadual Esperança Favaretto Covatti.
Violência

A violência é vista como um comportamento que causa intencionalmente


dano ou intimidação moral a outra pessoa ou ser vivo. Tal comportamento pode
invadir a autonomia, integridade física ou psicológica e até mesmo a vida do outro.
É o uso excessivo de força, além do necessário ou esperado.
Conforme Ferrreira (2016) “[...] a violência é o abuso da força, tirania,
opressão, constrangimento exercido sobre alguma pessoa para obrigá-la a fazer
um ato qualquer”. Ou seja, a violência seria um dano contra alguém ou a um grupo
social e pode se expressar de diferentes formas.
Segundo Tavares-dos-Santos e Machado (2015), podem ser formas de
violência, as cometidas contra o gênero, a classe, a etnia, a negação de direitos
essenciais à vida, ou dos direito à educação, participação política, ao trabalho
digno, também pode ser simbólica; portanto compreendemos a violência como um
ato de excesso, que se verifica no exercício de cada relação de poder presente nas
relações sociais de produção do social; supõe o reconhecimento das normas
sociais vigentes, pertinentes a cada sociedade, em um período histórico
determinado; a violência define-se então como um fenômeno cultural e histórico.
Todos os dias milhares de indivíduos são vítimas de violência no mundo
todo, entre elas podemos destacar: agressões, abusos físicos, sexuais e
psicológicos.

No mundo todo, registram-se anualmente mais de 1,3 milhão de mortes em


consequência da violência, em todas as suas formas – auto-direcionada,
interpessoal e coletiva –, o que corresponde a 2,5% da mortalidade global.
Para indivíduos entre 15 e 44 anos de idade, a violência é a quarta principal
causa de morte em todo o mundo. (RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE A
PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA 2014, 2015, p.02).

Tavares-dos-Santos e Machado ainda colocam que estamos sob forte aflição


com a crescente manifestação da violência física na sociedade contemporânea que
ameaça as próprias possibilidades da participação social. Força, coerção e dano,
em relação ao outro, como ato de excesso presente nas relações de poder que são
observadas desde o Estado até entre os próprios grupos sociais.

Segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério


da Saúde, em 2014 houve 59.627 homicídios no Brasil – o que equivale a
uma taxa de homicídios por 100 mil habitantes de 29,1. Este é o maior
número de homicídios já registrado e consolida uma mudança no nível
desse indicador, que se distancia do patamar de 48 mil a 50 mil homicídios,
ocorridos entre 2004 e 2007, e dos 50 a 53 mil mortes, registradas entre
2008 a 2011. Para situarmos o problema, estas mortes representam mais
de 10% dos homicídios registrados no mundo e colocam o Brasil como o
país com o maior número absoluto de homicídios. Numa comparação com
uma lista de 154 países com dados disponíveis para 2012, o Brasil, com
estes números de 2014, estaria entre os 12 com maiores taxas de
homicídios por 100 mil habitantes (CERQUEIRA et al., 2016, p.06).

Tendo como fonte de pesquisa o IBGE/2014, percebemos a evolução das


taxas de homicídios por regiões do Brasil entre 2004 a 2014, destacamos que o
Paraná apresenta 26,6 homicídios para cada 100 mil habitantes ficando a frente de
estados com São Paulo, 13,4, e Minas Gerais 22,5 homicídios.
Tais tragédias trazem implicações econômicas e sociais, haja vista que as
mortes, em sua grande maioria são de homens na faixa etária de 15 a 29 anos,
idade de grande produtividade, e muitos deixam suas famílias desamparadas
financeiramente, sem falar no impacto psicológico dos familiares. Ocorre também
que indivíduos com pouca escolaridade têm maiores chances de serem vítimas de
homicídios, já que este índice é 5,4 vezes maior entre pessoas com menos de oito
anos de estudos; portanto investir em educação pode diminuir a incidência de
homicídios.
Outros dados apontam que a mortalidade por homicídios de adolescentes é
um fenômeno grave que precisa ser combatido no Brasil, pois segundo Cerqueira
et al. (2016), os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), 7.592
pessoas com idade entre 12 e 18 anos foram vítimas de morte por agressão em
2012. (...) Considerando a taxa de homicídios para o conjunto da população, a
UNODC (2014), com dados de 2012, situa o Brasil na 16ª posição de um total de
156 países que fornecem informação. Por sua vez, em relação à taxa de
homicídios contra jovens, Weiselfi sz (2013) cita dados da OMS de 2007 a 2011
que colocam o Brasil na 7ª posição num ranking de 95 países.
Analisando índice de Homicídios na Adolescência (2014), o cálculo das 27
Unidades da Federação Brasileira, apresenta o Paraná em décimo quinto lugar com
índice de 3,12. O município de Toledo não participou da coleta de dados, pois esta
é feita com municípios de população superior a 200 mil habitantes, porém
Cascavel, que é vizinho, apresenta taxa de 6,42, superando a taxa do Estado.
Estes índices nos preocupam muito, porque nossos adolescentes estão
vulneráveis, e viver nestas regiões está perigoso, pois o risco de mortes precoces e
violentas é muito grande.

Adolescência

Sabe-se que o desenvolvimento do indivíduo tem base genética, social e


afetiva e que essa última impulsiona a aquisição do conhecimento ao longo da vida.
Muitas vezes os profissionais da educação focam o processo de ensino
aprendizagem somente no desenvolvimento fisiológico, dando ênfase apenas no
cognitivo e deixando de trabalhar as demais dimensões do ser humano.
Teóricos vêm estudando o desenvolvimento integral do indivíduo e Jean
Piaget, Lev Vygotsky e Henry Wallon trouxeram grandes contribuições para
entendermos como ocorre o desenvolvimento do ser humano, em especial para este
estudo, o adolescente.
A adolescência segundo o dicionário Aurélio, Ferrreira (2016) “[...] é a Quadra
da vida entre os primeiros assomos da puberdade e o termo do completo
desenvolvimento do corpo”.

[...] adolescência é: a fase da vida humana entre a infância e a idade adulta,


aproximadamente entre os 12 e os 18 anos, que se caracteriza por
mudanças físicas e psicológicas que ocorrem desde a puberdade até ao
completo desenvolvimento do organismo (PRIBERAM, 2016, p. 01).

Piaget classifica este período de Operatório formal, desenvolvido a partir de


aproximadamente 12 anos de idade; o adolescente começa a raciocinar lógico e
sistematicamente, seu raciocínio não necessita mais dos objetos concretos, seu
pensamento passa a ser formal e abstrato, sendo capaz de deduzir e criar
conceitos e idéias; o grupo social ocupa lugar importantíssimo e ele age sobre esse
social transformando-o, nem sempre positivamente, pois ainda não possui o
equilíbrio para discernir realidade do pensamento. De acordo com Piaget (1996),
esse indivíduo passa a criar hipóteses para tentar resolver os problemas
(pensamento hipotético-dedutivo).
Piaget destaca também, a importância da interação social no
desenvolvimento humano; para ele a inteligência humana somente se desenvolve
no indivíduo em função de interações sociais que são, em geral, demasiadamente
negligenciadas”.
Portanto, é no social que o indivíduo forma sua personalidade, “[...] se
submete voluntariamente as normas de reciprocidade e de universalidade” (SOUZA;
COSTA, 2004,).
Piaget em seus estudos apresenta o vínculo entre inteligência e afetividade;
para ele a inteligência está na dimensão cognitiva, como fonte de transmissão do
conhecimento e a afetividade na dimensão dos sentimentos, em especial, os
sentimentos morais. Logo, o desenvolvimento afetivo-social e cognitivo estão tão
ligados, que a mudança em um afeta positiva ou negativamente o outro (SOUZA;
COSTA, 2004).
Já para Vygotsky (1989), o desenvolvimento se dá com a aproximação do
indivíduo, que é um ser biológico, com sua cultura. O ser biológico desenvolve sob o
comando do cérebro, este possui plasticidade, ou seja, uma estrutura herdada pela
espécie (biológico- DNA) e uma estrutura adquirida pela cultura na qual o sujeito
está inserido.
Ele, apresenta também, a mediação como importante fator no
desenvolvimento do indivíduo. Esta se dá quando o sujeito em relação ao contexto
sócio-cultural, através dos símbolos adquiridos socialmente, faz uso da linguagem
para compreender e agir na realidade, operando nos sistemas simbólicos (tudo o
que é criado pelo homem), quanto mais ele for capaz de operar neste sistema,
maior será o desenvolvimento do raciocínio, da capacidade de pensar, de
reconhecer aquilo que está diante dele e a possibilidade de realizar abstrações e
generalizações, levando a capacidade superior de aprendizagem com a qual o
indivíduo compreende os conceitos criados culturalmente pela sociedade, que
podem ser adquiridos espontaneamente, conforme vai vivendo, sendo de forma
positiva ou negativa. Por outro lado, existem os conceitos científicos, que são
apreendidos pelos processos formais de aprendizagens.
A personalidade é constituída através das funções psicológicas superiores
como atenção, memória, imaginação, pensamento e linguagem, cuja finalidade é
organizar o pensamento dos indivíduos. É na adolescência que aparecem as
mudanças emocionais tais como a intensidade afetiva, angústias, ansiedade,
mudanças de humor, vergonha, raiva, gratidão, piedade, remorso, dever, admiração,
culpa, desprezo. Estas emoções não possuem correspondências naturais e
orgânicas, e sim culturais.
Segundo Souza; Costa (2004) tal como a percepção e a memória, as
emoções compõem o quadro de nossas funções psicológicas e, assim como as
primeiras, apresenta uma dimensão social que a determina. Sendo, pois, um
fenômeno psico-social, as emoções dependem de uma consciência social fornecida
pela cultura que dite as diretrizes para o sentimento, no tocante a quando, onde e o
que sentir; e que estas estabeleçam, enfim, códigos legais, morais e sociais que as
sustentem.

A qualidade socialmente mediada das emoções reflete o fato de que as


emoções servem a propósitos comunicativos, morais e culturais complexos.
O significado complexo de cada emoção é resultado do papel que as
emoções desempenham em toda a gama de valores culturais, relações
sociais e circunstâncias econômicas dos povos. (RATNER, 1995, p.68)

Portanto, para Vygotsky (1989) as emoções estão a serviço da cultura, a


afetividade resulta dos valores que a sociedade passa para o indivíduo e esta o
ajuda a se desenvolver biológica e culturalmente.
Nas contribuições de Wallon (2008), o homem está em constante
transformação, pois é uma estrutura orgânica que se relaciona com a cultura, ele se
desenvolve inicialmente a partir do ato motor, que Segundo o autor o ato mental se
desenvolve a partir do ato motor. Conforme vai crescendo, o sujeito se concentra
nas ações reflexivas, nas ações mentais, nos diálogos internos. Conforme vai
ganhando maturidade as reflexões internas se tornam mais comuns que as
manifestações físicas e motoras.
Wallon (2008) nos apresenta tipos de desenvolvimentos, inicialmente os atos
reflexivos, onde a criança age por reflexos, depois atos involuntários e por último
quando o individuo já se conhece, já está formado enquanto estrutura orgânica e
dotado de cultura ele estará no ato voluntário.
Dentre as cinco fases do desenvolvimento da teoria walloniana, destaca-se a
puberdade que é de relevância para o atual estudo, na qual ele coloca como fase de
auto-afirmação, quem é , o que gosta ou não, ora ela deve manter sua
individualidade, ora se integrar ao grupo, não sabe até que ponto está sendo
coerente ou não. Também é fase de amadurecimento sexual, de conflitos inclusiveis
existenciais.
Para Souza, Costa ( 2004), a dimensão afetiva ocupa lugar central na teoria
de Wallon (2008), pois é considerada um instrumento de sobrevivência do qual o
bebê humano se utiliza para suprir a insuficiência da articulação cognitiva por meio
da significação de sua atividade motora; o que a torna a primeira manifestação do
psiquismo em busca de abstrair, compreender e utilizar-se do universo simbólico que
o cerca.
Ao longo de toda a vida a construção do sujeito se dá nos momentos afetivos
do desenvolvimento, na interação com outros sujeitos

[...] ela é também uma fase do desenvolvimento, a mais arcaica. O ser


humano foi, logo que saiu da vida puramente orgânica, um ser afetivo. Da
afetividade diferenciou-se, lentamente, a vida racional. Portanto, no início da
vida, afetividade e inteligência estão sincreticamente misturadas, com
predomínio da primeira. (LA TAILLE, 1992, p. 90)

Wallon (2008) define etapas na evolução da afetividade: de afetiva emocional


– de construção exclusiva do eu, inteiramente dependente da presença do outro
para fazer trocas afetivas, depois da afetividade simbólica, onde a criança não tem
a noção do que realmente está pensando até que conclua a ação; a puberdade é o
momento da vida no qual a razão se impõe às relações afetivas; como por exemplo
o respeito, a justiça, a igualdade de direitos.
Após refletir sobre os autores, Piaget, Vygotsky e Wallon, destaca-se a
afetividade como elemento importante no desenvolvimento psíquico e social do
indivíduo, é a mola propulsora no processo de aprendizagem.
Para uma escola deixar de ser violenta é necessário que o indivíduo se sinta
parte do ambiente, que mude a forma em que as pessoas se tratam entre si, que
estabeleça relações afetivas, que tenha possibilidade de diálogo, de respeito mútuo,
e vivencie diferentes formas de socializações.

Muito embora as violências das escolas não sejam um simples reflexo das
violências perpetradas na sociedade, uma vez que pela sua
natureza de funcionamento as escolas também produzem as suas
próprias violências, é necessário ressaltar que ela pode se constituir em
um espaço de exercício para vivências éticas e dialógicas onde alunos e
professores ouvem e falam, onde se discutem ideias, onde alunos e
professores são respeitados em suas peculiaridades. Quando há falta
de diálogo e apenas imposições aos alunos a sala de aula poderá se tornar
em um espaço de violência contra o professor, por múltiplas razões, caso
não sejam detectadas a origem dos conflitos. (BUSS; SCHROEDER, 2013,
p.10)

Por outro lado, se o indivíduo não estabelecer laços afetivos com a


comunidade educativa ou não desenvolver relação afetiva com ao menos uma figura
de apego, podendo ser inicialmente apenas no ambiente familiar e paulatinamente ir
se estendendo à escola, ele pode apresentar problemas emocionais tais como
falta de concentração, diminuição do interesse escolar e baixo rendimento, evoluindo
até mesmo para problemas de conduta dentre os quais podemos citar:
agressividade, mentira, roubo, vandalismo, resistência a frequentar a escola,
protestar, molestar e praticar bullying. Portanto, é necessário que todo o coletivo da
escola se envolva com o desenvolvimento integral do estudante, acolha, esteja
disposto a orientar em todos os momentos.

Nessa perspectiva e visando alcançar ainda melhores resultados


o trabalho coletivo é fundamental, pois articula os diversos
segmentos da comunidade escolar e é fundamental para sustentar a ação
da escola em torno de um objetivo comum. Toda proposta pedagógica,
efetivamente transformadora, pressupõe a constituição de um trabalho
coletivo. O trabalho coletivo não é meta fácil de atingir. Todavia, para uma
escola que deseja ser democrática, é o caminho para um processo
pedagógico eficiente e para a qualidade de ensino desejada por todos. Para
tanto, é necessário que os educadores e alunos sejam valorizados,
respeitados e ouvidos, que tenham liberdade para expor suas
ideias, que suas experiências sejam valorizadas, que haja troca dessas
experiências e por meio disso, superem as dificuldades e conquistem sua
autonomia. (BUSS; SCHROEDER, 2013, p.10)

Refazer a vida emocional de nossos estudantes, estabelecendo pelo menos


uma figura de apego adequada é a única via possível para que possamos ensiná-los
habilidades sociais, empatia, formas de resolução de conflitos, técnicas de
enfrentamentos não agressivas. Quando interferirmos de forma eficaz, reforçamos
sua autoestima, o sentimento de controle e sua assertividade. Focando no respeito
como um valor que o indivíduo adquire não por medo de punição do adulto e sim por
medo de decepcionar o adulto que o adolescente toma como referência, como figura
de apego.

Reflexões e Ações

Diantes das angústias dos educadores, da equipe diretiva, dos pais e dos
próprios estudantes, buscou-se entender o fenômeno da violência em toda a sua
complexidade e não simplesmente como transgressão de normas e leis, mas
também como lutas, onde os confrontos são necessários nas relações sociais.
(MAFFESOLI – 1987)
Partindo deste princípio, o projeto de intervenção buscou alternativas para
refletir as inquietações e propor soluções saudáveis para as situações conflitantes.
Segundo Buss e Schroeder (2013). O estresse causado por situações conflituosas
mal administradas podem influir na saúde dos docentes que não estão conseguindo
lidar com tais questões, acabam adoecendo.
Assim, em 2016, reuniram-se os educadores, juntamente com a professora
PDE e identificaram a necessidade de se trabalhar com alguns adolescentes, que
tinham grande potencial de liderança, porém utilizavam de violência psicológica,
verbal e física para manter o controle.
Analisando os registros de ocorrências, identificamos os estudantes que
apresentavam comportamentos agressivos, e diante do exposto, foi feito uma
conversa inicial com eles e apresentado a proposta de formarmos um grupo para
analisar, refletir e buscar soluções para as ocorrências do colégio.
Os alunos gostaram da idéia e prontamente se colocaram a disposição para
participar dos encontros.
Em um primeiro momento foi realizado uma entrevista com todo o ensino
fundamental, com a finalidade de levantar os conhecimentos prévios e como veem a
violência em sua escola.
Constatou-se que para a maioria dos alunos violência é agressão, seja ela
verbal, física, ataque de ira, brigas ou abuso sexual. Para 50% dos alunos o
problema de violência no Colégio Estadual Esperança Favaretto Covatti é
controlável, para 30% é tranqüilo; portanto eles não veem a escola como um
ambiente violento e se sentem seguros na instituição.
Para eles a ação da polícia na escola é necessária, pois impede que atitude
de raiva se manifeste. Também citaram que a principal causa de violência na escola
é a falta de diálogo, pois as agressões mais comuns são os constantes palavrões,
bulling e intimidações.
Quando questionados sobre qual seria a atitude correta diante de uma
agressão, 45% responderam que era denunciar para um superior, 25% chamar a
direção da escola, 15% avisar a polícia e 15% imobilizar o agressor.
Para acabar com a violência na escola, 27% dos estudantes sugeriram a
presença da polícia, 27% falaram que é necessário mais respeito, o restante
colocaram suspender, castigar e somente 1% falou em dialogar.
Diante da realidade constatada nas entrevistas foi possível perceber que
diferente do que os educadores relataram em relação ao perfil da escola que veem
se tornando violenta, os alunos não percebem o colégio da mesma forma que os
professores, para eles é um lugar seguro, possuem poucos problemas de violência e
é controlável, no entanto acreditam que não é através do diálogo que se resolve as
situações da escola e sim com a presença e ações da polícia.
Foi realizado visitas nas residências da comunidade do entorno do colégio,
para sabermos como a escola é vista por quem está fora dela. Constatamos que as
pessoas percebem o colégio como um lugar organizado, onde tudo funciona bem,
seguro e harmonioso. A comunidade também sabe quem são os alunos que utilizam
de atividades ilegais, porém acreditam ser uma quantidade pequena e que não
interferem negativamente na rotina da escola.
Para a comunidade do entorno, a escola é o pilar que sustenta o bairro,
segundo eles graças ao colégio sempre tem gente circulando das sete da manhã às
vinte e três horas da noite, todos os dias de aula da semana, tudo fica iluminado e
faz o comércio progredir. Se a escola fechasse seria muito ruim e perigoso para todo
o bairro.
Os encontros com os estudantes tiveram início com a apresentação do
objetivo do trabalho e como seria a aplicação do círculo de construção de paz de
Kay Pranis. Neste encontro foi trabalhado as diretrizes do grupo e os adolescentes
criaram as regras para o funcionamento dos encontros. Também trabalhamos a
socialização e o conhecer-se e conhecer o grupo.
O outro encontro iniciou-se com reflexões sobre conflitos, autoconhecimento,
respeito, justiça, construção de relacionamentos saudáveis e atitudes que
contribuem para termos paz. O encontro foi muito revelador, eles perceberam os
problemas e dificuldades dos colegas e buscaram se ajudar.
Com o decorrer dos encontros o grupo foi estabelecendo intimidade, a
professora PDE já havia conquistado a confiança dos adolescentes do grupo, com a
figura do adulto que ela representa. Foram respeitando as limitações e angústias
dos colegas e se tornando mais calmos, pois os encontros estimularam, levando-os
a libertar-se dos pré-conceitos e colocar-se no lugar do outro. Foi revelador trabalhar
com o texto: “Eu queria ter tido autoestima suficiente para ficar fora deste buraco do
inferno...” (BOYES-WATSON; PRANIS, 2011, p. 169)
Eles perceberam que envolver-se em situações de violência reflete como
estão interiormente, pois quando estão em paz conseguem manter o controle e
buscar boas soluções para os conflitos, no entanto quando estão agitados,
geralmente estouram e não respeitam os posicionamentos contrários aos seus,
sendo assim, responsáveis pelos atos de violência que vivenciam.
O trabalho busca mudanças significativas nas atitudes dos alunos e já foi
possível perceber algumas melhoras, segundo o que alguns professores e os
próprios alunos relataram, já houve uma postura diferente em sala, no que se refere
ao respeito e a tolerância dos alunos que participaram dos encontros. No entanto, a
dinâmica tumultuada da escola e dos colegas acabam levando-os a retornarem aos
antigos hábitos, por isso é necessário que o trabalho não finalize com o término da
implementação e sim seja incorporado ao Projeto Político Pedagógico da Escola,
pois mudanças de atitudes significativas e duradouras demanda de um longo
período de tempo.
Outro fator relevante para a implementação foi o Grupo de Trabalho em Rede
(GTR), que é parte integrante do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE,
no qual os colegas cursistas debateram a produção didática e o projeto de
implementação, sugeriram mais atividades e relataram que é possível aplicar a
produção didática na realidade de suas escolas. Muitos elogios foram feitos e o
debate durante o período do GTR contribuiu para o aprimoramento das ações na
implementação da professora PDE.

Considerações Finais

Refletir com os estudantes e toda a comunidade educativa sobre o foco


gerador de violência no ambiente do Colégio Estadual Esperança Favaretto Covatti,
buscando estabelecer relações afetivas de qualidade no meio educacional,
propondo ações que busquem minimizar as situações de violência na escola, foi o
objetivo principal do Projeto de Intervenção Pedagógica. Compreender o fenômeno
social da violência, entender a fase de desenvolvimento em que o adolescente se
encontra e as implicações em suas atitudes é de fundamental importância para
propor ações que os levem a vivenciar formas diferentes de resoluções de conflitos.
A implementação do projeto nos mostrou que a comunidade educativa não vê
como um problema a incidência de violência no colégio e que para eles é
controlável, no entanto trabalhando com o grupo de alunos que utilizavam de
atitudes violentas para resolver seus conflitos, foi possível perceber que reagir de
forma agressiva ao que lhes causam descontentamentos é visto por eles como
normal e corriqueiro. Quando levados a se colocarem no lugar do outro, dialogar,
trabalhar a empatia, tolerância e o respeito, relataram que descobriram uma forma
nova e gratificante de conviver socialmente. Para Buss e Schroeder (2013),
“Um caminho possível é o diálogo na construção do sentimento de
pertencimento do aluno para com a escola. É urgente a promoção de uma melhor
convivência e prática do diálogo entre as partes envolvidas”
A dinâmica de trabalhar no grupo onde sentimentos foram externalizados, nos
mostrou o quanto os adolescentes do grupo são carentes afetivamente e utilizam de
atitudes violentas por medo de expor suas fragilidades emocionais, pois já
vivenciaram e vivenciam situações que seriam difíceis mesmo para um adulto
considerado emocionalmente equilibrado lidar. Eles vivenciam grande sofrimento e
buscam forças sozinhos para superar suas dores.
O Grupo de Trabalho em Rede (GTR), nos permitiu a troca de experiências
com os colegas educadores de todo o Estado do Paraná, conhecer outras
realidades e um bom aprofundamento do conhecimento sobre a temática. Também
constatamos tanto nos diálogos, quanto em bibliografias consultadas que as escolas
estão passando pela mesma dificuldade em lidar com situações conflitantes e que
muitas experiências positivas já foram realizadas. A grande dificuldade apresentada
é que ainda há educadores resolvendo as situações de conflitos do dia-a-dia escolar
de acordo com suas próprias vivências e poucos buscam reflexões e estudos sobre
a problemática.
É necessário saber que a violência na escola existe, entender o fenômeno
que está gerando esta violência, refletir com os envolvidos sobre a melhor forma de
resolução de conflito e construir coletivamente as regras de convívio, torna a escola
um ambiente agradável, onde as pessoas podem se sentir acolhidas, respeitadas e
que estabeleçam vínculos afetivos de qualidade, e que sejam coorresponsáveis pelo
seu bom funcionamento.
Referências

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práticas circulares - o uso de círculos de construção da paz para desenvolver a
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