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Os sistemas de atenção à saúde são respostas sociais deliberadas às necessidades de

saúde da população. Por consequência, deve haver uma forte sintonia entre a situação de
saúde da população e a forma como se estrutura o sistema de atenção à saúde para
responder, socialmente, a essa situação singular. A situação de saúde no Brasil se
caracteriza por uma transição demográfica acelerada e por uma situação epidemiológica de
tripla carga de doenças.

Como se observa no Gráfico 1, o efeito combinado de redução dos níveis de fecundidade e


de mortalidade, em especial a mortalidade infantil, resulta numa transformação da pirâmide
etária da população. O formato triangular, com base alargada, em 2005, irá ceder lugar, em
2030, a uma pirâmide com parte superior mais larga, típica de sociedades envelhecidas.

No Brasil, o percentual de jovens de 0 a 14 anos que era de 42% em 1960 passou para
30% em 2000 e deverá cair para 18% em 2050. Diversamente, o percentual de pessoas
idosas maiores de 65 anos que era de 2,7% em 1960 passou para 5,4% em 2000 e deverá
alcançar 19% em 2050, superando o número de jovens (8).

Uma população em processo rápido de envelhecimento significa um crescente incremento


relativo das condições crônicas, em especial das doenças crônicas, porque elas afetam
mais os segmentos de maior idade. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD
2008, demonstrou que na medida em que a idade avança aumentam as doenças crônicas,
de tal modo que 79,1% dos brasileiros de 65 ou mais anos relatam ser portadores de um
grupo de doze doenças crônicas. Ademais, 31,3% da população geral, 60 milhões de
pessoas, têm essas doenças crônicas e 5,9% dessa população total tem três ou mais
dessas doenças crônicas. É o que se mostra no Gráfico 2.

A conclusão do exame da situação demográfica mostra que, prospectivamente, o perfil


epidemiológico brasileiro será, cada vez mais, pressionado pelas doenças crônicas.
Pode-se presumir, portanto, que, no futuro, a transição demográfica muito rápida poderá
determinar uma elevação progressiva da morbimortalidade por condições crônicas no
Brasil, tanto em termos absolutos como relativos. A situação epidemiológica brasileira pode
ser analisada em várias vertentes: a mortalidade, os fatores de riscos e a carga de doenças.
A transição epidemiológica singular do país, observada pelo lado da mortalidade, como se
vê no Gráfico 3, indica que, em 1930, nas capitais do país, as doenças infecciosas
respondiam por 46% das mortes e que esse valor decresceu para um valor próximo a 5%
em 2000; ao mesmo tempo, as doenças cardiovasculares que representavam em torno de
12% das mortes em 1930, responderam, em 2009, por quase 30% de todos os óbitos.

A predominância relativa das mortes por doenças crônicas manifesta-se em todas as


regiões do País: 65,3% no Norte, 74,4% no Nordeste, 69,5% no Centro-Oeste, 75,6% no
Sudeste e 78,5% no Sul. Outra forma de analisar a situação epidemiológica é pela carga de
doenças. A análise da carga de doenças no Brasil (11), medida pelos anos de vida perdidos
ajustados por incapacidade (AVAIs), exposta na Tabela 1, mostra que o somatório das
doenças crônicas e das condições maternas e perinatais – que constituem condições
crônicas –, representam 75% da carga global das doenças no país.
Enquanto isso, as condições agudas, expressas nas doenças infecciosas, parasitárias e
desnutrição e causas externas, representam 25% da carga de doença. Mas deve-se
observar, ainda, que uma parte significativa das doenças infecciosas, aquelas de longo
curso, devem ser consideradas como condições crônicas, o que aumenta, além de dois
terços, a presença relativa das condições crônicas na carga de doenças. Esse predomínio
relativo das condições crônicas tende a aumentar em função da produção social de
condições crônicas, a partir de uma prevalência significativa e, em geral, crescente, dos
determinantes sociais da saúde proximais ligados aos comportamentos e aos estilos de
vida, como tabagismo, inatividade física, excesso de peso, uso excessivo de álcool e outras
drogas e outros (12).

A situação epidemiológica brasileira traz consigo uma epidemia oculta, a das doenças
crônicas. A taxa de mortalidade padronizada por idade por doenças crônicas no Brasil, em
pessoas de 30 anos ou mais, é de 600 mortes por cem mil habitantes, o que representa o
dobro da taxa do Canadá e 1,5 vezes a taxa do Reino Unido (13). Como consequência,
estima-se que morram, a cada dia, no Brasil, mais de 450 pessoas, somente em
decorrência de infartos agudos do miocárdio e acidentes vasculares encefálicos.
Concluindo, pode-se afirmar que, a partir das informações analisadas, o Brasil apresenta
um processo de envelhecimento de sua população e uma situação de transição
epidemiológica, caracterizada pela queda relativa das condições agudas e pelo aumento
relativo das condições crônicas.

A situação epidemiológica brasileira é muito singular e define-se por alguns atributos


fundamentais (14): a superposição de etapas, com a persistência concomitante das
doenças infecciosas e carenciais e das doenças crônicas; as contratransições, movimentos
de ressurgimento de doenças que se acreditavam superadas; as doenças reemergentes
como a dengue e febre amarela; a transição prolongada, a falta de resolução da transição
num sentido definitivo; a polarização epidemiológica, representada pela agudização das
desigualdades sociais em matéria de saúde; e o surgimento das novas doenças, as
doenças emergentes.

Essa complexa situação tem sido definida como tripla carga de doenças (15), porque
envolve, ao mesmo tempo: uma agenda não concluída de infecções, desnutrição e
problemas de saúde reprodutiva; o desafio das doenças crônicas e de seus fatores de
riscos, como tabagismo, sobrepeso, inatividade física, uso excessivo de álcool e outras
drogas, alimentação inadequada e outros; e o forte crescimento das causas externas.

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