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O câncer é uma doença celular, do ponto de nos desenvolvidas, por que muito mais rela
vista biológico e médico,já que os diversos cionados são com baixas condições sócio-
tipos de tumores malignos mantêm um pon econômicas. Relativamente ao sexo, é inte
to comum: a perda do controle da divisão ressante observar que as mulheres adoecem
celular. Porém, o seu estudo pode também mais,porém morrem menos de eâneer do que
expressar as condições de vida das popula os homens. Estes, além de ainda pagarem
ções e de desenvolvimento das sociedades. mais o ônus das doenças cárdio-vasculares,
Por ser uma doença crôniea, degenerativa, o desenvolvem cânceres mais letais, como os
câncer é, por assim dizer, uma eonseqüência de pulmão e de estômago.
da sociedade industrial, não significando com Porém, mais do que a migração, é o número
isto dizer que exclusiva da sociedade econo de nascimentos e mortes que configura a
micamente desenvolvida. Quanto mais sobre composição etária de uma população. Um
vive um grupamento humano, maior será a país de população jovem apresenta altas ta
incidência de neoplasias malignas entre ele. xas de fecundidade e mortalidade. Quando
No Brasil, os brasileiros vimos aumentando em fase de explosão demográfica, ele se ca
gradativamente a nossa expectativa de vida racteriza por uma taxa de mortalidade
ao nascer, e demos um grande salto de so deelinante e por uma alta taxa de fertilidade.
brevivência nos anos sessenta, a partir dos Na fase de transição demográfica,a sua taxa
quais modifica-se a composição etária da de mortalidade é baixa e a de fertilidade, pro
nossa população. De 1940 a 1991, o nosso gressivamente decrescente. Considerando-se
envelhecimento pode ser atestado pela que as taxas brasileiras em eem anos (de 1891 a
da do pereentual de menores de 15 anos e 1991), vê-se, uma vez mais, como os anos
pelo aumento dos grupos etários aeima de 35 sessenta são marcantes na história da socie
anos, embora ainda nos caraeterizássemos dade brasileira: a partir deles, a queda da taxa
como um país de jovens e adultos jovens. da natalidade se faz mais abrupta e se alinha
Isto visto como Brasil, pois, quando se eom a queda da taxa de mortalidade,que pas
descortinam as diferenças regionais e entre sa a tender a estabilizar-se, fazendo o Brasil
os sexos, verifica-se que o envelhecimento entrar na transição demográfica. Esta situa
se dá em maior grau entre as mulheres e nas ção pode ser indicada pela convivêneia que
regiões mais desenvolvidas do país. Some- se passou a ter de doenças agudas e crônicas;
se que as regiões subdesenvolvidas também de eânceres em adultos jovens e em idosos;
têm a sua composição etária influenciada pela de cânceres de países pobres e de países ri
cos.
emigração de homensjovens,que,junto com
a menor expectativa de vida do homem, faz De novo, é em tomo dos anos sessenta que
com que lá restem mais mulheres e crianças... se verifica como as variáveis aqui analisadas
Adianta-se que o câneer também diferencia sofreram as suas modificações mais abrap-
esta situação, sendo, assim, um indicador do tas, senão inversões. O rápido processo de
grau de desenvolvimento regional: os tumo urbanização não só deslocou o homem da
res próprios dos adultos jovens (eâncer de terra, como subverteu a ordem urbana e mul
boca, de pênis e do colo uterino, por exem tiplicou as diferenças regionais, que se tor
plo) são mais encontrados nas regiões me naram metropolitanas - e o câncer de regiões
subdesenvolvidas e de populações pobres com ele se relacionem assim também o se
passou a compor também o perfil de morbi- rão. Dá-se um exemplo do que se observa
mortalidade das cidades, constituindo-se, entre o grau de alcance escolar e fatores de
então, em um indicador de classes sociais risco de doenças, existindo uma relação
conviventes em espaços comuns. diretamente proporcional: quanto maior o
grau escolar, menor a prevalência do risco.
O que de tão poderoso e inexorável ocorreu
Em termos de câncer,essa relação se faz com
em nosso país para que esses fenômenos co
localizações tumorais: por exemplo, câncer
incidentes acontecessem? O que havia-se ini
de boca e do colo uterino, mais freqUente
ciado pelo menos vinte anos antes, na déca
entre adultos jovens de baixa renda e escola
da de quarenta: a industrialização. Se esta traz
ridade; câncer de pulmão e de próstata, mais
consigo o desenvolvimento econômico e so
freqUente entre velhos de condição sócio-
cial e o controle de doenças agudas, que re
econômica melhor. Isto porque o câncer di
sulta em maior expectativa de vida, também
ferencia classes sociais? Não; o câncer se
traz mudanças de hábitos de vida. Esses dois
desenvolve diferentemente entre os grupos
fatores, acumulados, constituem o maior
sociais, porque eles têm diferentes expecta
componente de geração de doenças crônico-
tivas de vida e apresentam ou se submetem a
degenerativas: a longevidade e a maior ex
diferentes fatores de risco de adoecimentos
posição a fatores de risco dessas doenças. Daí
e morte.
dizer-se que o câncer é uma doença do de
senvolvimento e da civilização. E, se esses A distribuição percentual das causas de morte
processos se dão de forma desenfreada, de por doença (ou seja, excluídas as causa ex
sigual e incompleta,o câncer passa a ser tam ternas que são no Brasil, exceto pela Região
bém um indicador de uma população reta Sul, a segunda maior causa de morte) bem
lhada por desigualdades sanitárias, em que demonstra a disparidade regional do risco de
6 tumores da pobreza e tumores da riqueza adoecer e morrer, em nosso país. É doloroso
convivem no mais democrático dos gráficos verificar-se que, na Região Norte, a percen
de incidência e de mortalidade. tagem de óbitos de crianças no período
O tabagismo é um bom exemplo dessa perinatal é praticamente igual a de óbitos por
câncer. Também, verifica-se que, à medida
dualidade com que se reveste a industriali
que se caminha para o Sul, a percentagem
zação: se por um lado ela permitiu a disse
minação do vício, também se acompanhou, das mortes por doenças cárdio-vasculares e
câncer distingue-se mais das demais, confir
após um período de latência de quase 30 anos,
mando-se, mais uma vez, o caráter indicativo
de uma mortalidade progressivamente ascen
que as condições de saúde das populações
dente por câncer de pulmão. Entre as mulhe
res, para quem tardou a incorporação ao mer dão do seu grau de desenvolvimento.
cado de trabalho e as consequências da revo O nosso atual perfil de mortalidade se defi
lução industrial sobre os costumes, somente niu a partir dos anos sessenta, devendo-se,
a partir dos anos 70 passou a verificar-se a porém, mais à diminuição das mortes por
linha de mortalidade por esse mesmo tumor. doenças infecto-parasitárias (conseqüência
Situação que continua seguindo o seu curso, positiva da urbanização planejada, que, in
visto que, atualmente, é o câncer de pulmão felizmente não foi acessível a todo os brasi
entre mulheres a causa de morte por câncer leiros) do que propriamente ao controle de
que mais cresce no Brasil. O câncer, de novo, doenças crônico-degenerativas, como as
aqui se ilustra como um indicador social e cárdio-vasculares e o câncer.
econômico direto do processo de desenvol
Estabelecendo-se como um indicador sócio-
vimento de uma dada sociedade.
econômico, e vendo-se o aumento da expec
Se esse desenvolvimento gera desigualdades, tativa de vida e o desenvolvimento industri
as suas consequências serão igualmente de al como os dois maiores fatores relacionáveis
siguais. Sendo o grau de escolaridade um in com ele, o câncer também passa a ser um
dicador sócio-econômico, as variáveis que indicativo da condição geral de saúde de uma
população: Se as pessoas vivem mais tempo, de pessoas de baixa renda, tabagistas e
é porque foram superadas as causas de mor alcóolatras. Ele teria diagnóstico mais pre
te precoce, típicas do subdesenvolvimento. coce, caso essas pessoas tivessem melhor
Porém,se as pessoas vivem mais e se expõem instrução, melhor alimentação e maior aces
mais a fatores de risco de câncer, é porque as so à assistência médica. Porém, assim tendo,
suas condições de vida não são tão saudá certamente elas não desenvolveríam câncer
veis como poderiam ser. de boca...