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IESUS

Trajetória das Doenças Infecciosas: da Eliminação da


Poliomielite à Reintrodução da Cólera*
Infectious Diseases Trends: from P
Trends: olio Elimination to the
Polio
Reintroduction of Cholera
Eliseu Alves Waldman
Faculdade de Saúde Pública/Universidade de São Paulo

Luiz Jacinto da Silva


Faculdade de Ciências Médicas/UNICAMP

Carlos Augusto Monteiro


Faculdade de Saúde Pública/Universidade de São Paulo

Resumo
Nas últimas décadas o perfil de morbimortalidade da população brasileira foi
substancialmente alterado, sendo um traço marcante das modificações o declínio no peso
relativo das doenças infecciosas e parasitárias. No presente trabalho procura-se resgatar
tendências de evolução das principais doenças transmissíveis no País, buscando
compreender, em cada momento, o papel desempenhado pelas ações de controle e o papel
que se pode atribuir a outros fatores. Os dados reunidos neste trabalho, quando analisados
em grupos específicos de doenças, permitem vislumbrar três situações paradigmáticas: 1)
situações favoráveis que indicam que o controle está a caminho no qual destacam-se o
declínio substancial das gastroenterites; a redução notável das doenças imunopreveníveis,
em particular da poliomielite, doença considerada eliminada do país a partir de 1994; o
declínio das enteroparasitoses; as perspectivas para a interrupção da transmissão natural
da Doença de Chagas e a redução das formas graves da esquistossomose; 2) situações
que sugerem que a doença subsistirá por longo tempo em nosso meio, representadas pelas
grandes endemias urbanas - a tuberculose e a hanseníase e outras endemias como a
malária e as leishmanioses; e 3) situações que apontam para doenças com grande potencial
de expansão no país como a dengue e a cólera.
Palavras-Chave
Doenças Infecciosas e Parasitárias; Doenças Transmissíveis; Tendência das Doenças
Infecciosas no Brasil.
Summary
In the last decades the pattern of morbidity and mortality in the Brazilian population has undergone
important changes. One of the main changes corresponds to the decrease in the relative weight of
infectious and parasitic diseases. Trends in the evolution of the main transmissible diseases in the
country are reviewed in this work and the role of controle measures and other factors is considered.
Three different situations are apparent when data are analyzed in specific grups of diseases: 1)
favorabel situations in which control measures were followed by a marked decrease in the following
diseases and conditions: gastroenteritis, vaccine preventable diseases (in particular poliomyelitis,
considered eliminated since 1994), enteroparasitosis, severe forms of schistosomiasis and the
interruption of the natural transmition of Chagas `disease; 2) situations where diseases may
persist for a long time as in the case of urban endemic diseases, such as tuberculosis and Hansens´
disease and other endemic diseases, such as malaria and leishmaniasis; and 3) situations that
point to diseases with a great expansion potential, such as dengue and cholera.
Key Words
Infectious and Parasitic Diseases; Transmissible Diseases; Infectious Diseases Trends in
Brazil.
* Trabalho originalmente publicado no livro: “Velhos e novos males da saúde no Brasil - a evolução do país
e de suas doenças”; organizado por Carlos Augusto Monteiro. Editora HUCITEC/NUPENS/USP. Republicado
com autorização da editora HUCITEC. Está prevista uma segunda edição revista e ampliada da obra original.
Endereço para correspondência: Av. Dr. Arnaldo, 715, Cerqueira César - São Paulo/SP. CEP: 01246-904
E-mail: eawaldma@usp.br

Informe Epidemiológico do SUS 1999; 8(3):5-47.


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Nas últimas décadas, o perfil de habitantes, próximo das taxas encontradas


mortalidade da população brasileira foi na Colômbia e Suriname e bem acima das
substancialmente alterado, sendo um verificadas em países como o Chile (19,2
traço marcante das modificações o por 100.000 habitantes), Costa Rica (11,8
declínio no peso relativo das doenças por 100.000 habitantes) e Cuba (9,1 por
infecciosas e parasitárias. Responsáveis 100.000 habitantes).3
por quase metade de todos os óbitos A tendência geral da morbidade por
ocorridos nas capitais dos estados doenças infecciosas e parasitárias nos
brasileiros na primeira metade do século, últimos vinte anos foi igualmente
as causas infecciosas determinaram declinante. No entanto, houve, no mesmo
35,9% do total de mortes em 1950, período, o ressurgimento de doenças
25,9% em 1960, 15,7% em 1970, 11,4% infecciosas há muito consideradas
em 19801 e apenas 6,0% em 1989.2 erradicadas e o aparecimento de outras
A Figura 1 evidencia que não é até então desconhecidas.
apenas relativo o declínio da mortalidade O ressurgimento de antigas
por doenças infecciosas. As taxas de enfermidades tem sido interpretado, com
mortalidade, que expressam o risco de freqüência, como evidência da deterioração
morte por enfermidades infecciosas, das condições sanitárias do país e do seu
mostram-se efetivamente declinantes em retrocesso à situação vigente no início do
todo o país. século. Na realidade, esse raciocínio
Entre as causas infecciosas de expressa equívocos que resultam da falta
da compreensão mais ampla de como se
mortalidade foram as gastroenterites as
dá a dinâmica do processo infeccioso, de
que apresentaram queda mais acentuada
erros conceituais a respeito do que venha
na última década (Figura 2).
ser controle e erradicação de doenças
Apesar dessa evolução favorável, o transmissíveis e da ausência de informações
Brasil ainda apresentava, na segunda sistematizadas sobre o comportamento do
metade da década de 80, coeficiente de conjunto das doenças infecciosas, lacuna
mortalidade por doenças infecciosas e essa que se procurará suprir, ao menos em
parasitárias em torno de 33,0 por 100.000 parte, no correr deste capítulo.

ÓBITOS/100.000
ÓBITOS/ 100.000hab.
hab.
70

60

50

40

30

20
Brasil
Nordeste
10
Sudeste
0
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89

ANO Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 1 - Evolução das taxas de mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias.


Brasil, Regiões Nordeste e Sudeste, 1980-1989.

Informe Epidemiológico
do SUS
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ÓBITOS/100.000
O hab.
BITO S/ 100.000 hab.
50
Brasil
Nordeste
40
Sudeste

30

20

10

0
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89

ANO
Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 2 - Evolução das taxas de mortalidade por gastroenterites.


Brasil, Regiões Nordeste e Sudeste, 1980-1989.

As novas doenças e o ressurgimento aprimoramento de técnicas de diagnóstico


de antigos problemas e vigilância, seja por modificações no
comportamento de microrganismos já
Nas últimas décadas, o
conhecidos, seja ainda pelo surgimento
comportamento das doenças infecciosas
de novos agentes etiológicos.
tem mudado em todo mundo. Por trás das
mudanças estão, entre outros aspectos, o Como exemplo de doença infecciosa
próprio progresso científico e recentemente reconhecida pelo
tecnológico, transformações econômicas desenvolvimento de novas técnicas de
e sociais de caráter mundial que diagnóstico, pode citar-se a doença dos
determinam transformações radicais na legionários, que pode apresentar
vida do homem e a influência de manifestações respiratórias graves, com
tecnologias médicas. letalidade elevada, quando não tratada
A probabilidade de introdução de adequadamente. A caracterização desse
agentes patogênicos exóticos nos países novo agravo deu-se no final dos anos 70.
foi significativamente ampliada pela Seu agente etiológico, com alguma
intensificação do intercâmbio freqüência, mantém-se e multiplica-se em
internacional. Um exemplo é o dengue, instalações hidráulicas e de ar
cujo vírus é disseminado por indivíduos condicionado, especialmente de grandes
infectados que se deslocam de países edifícios, afetando, na forma de casos
afetados para outros ainda indenes, isolados ou de surtos, pessoas expostas a
enquanto os vetores responsáveis pela esse tipo de ambiente.4
transmissão da doença invadem Em meados da década de 80, além
continentes utilizando vias de transporte do notório exemplo da Aids, assiste-se a
inusitadas, como o comércio internacional introdução, em amplo espaço do território
de pneus usados. nacional, de um novo enterovírus, o
Há que se reconhecer, também, o EV-70, identificado poucos anos antes
aumento na velocidade de identificação na África e originário, provavelmente, da
de “novas” doenças, seja pelo mutação de um vírus que normalmente

volume 8, nº 3
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infecta a população felina.5 Sabe-se que a Por fim, deve-se lembrar que, com
infecção por ele determinada está alguma freqüência, as próprias
relacionada a manifestações neurológicas, autoridades sanitárias declaram algumas
algumas delas similares à síndrome doenças como erradicadas quando não o
poliomielítica. foram, passando para a população uma
Alterações de ambientes naturais visão incorreta da situação.
também podem favorecer o contato do Foi o que aconteceu com o tracoma
homem com vírus que circulam no Estado de São Paulo. Após a
naturalmente entre animais silvestres. desmobilização dos serviços de controle
Como conseqüência desse contato, dessa doença, por cerca de duas décadas,
podem ocorrer epidemias, muitas vezes verifica-se hoje sua ampla disseminação
graves, geralmente causadas por no território paulista, ainda que
arbovírus e que, posteriormente, podem apresentando quadro de menor
tornar-se endêmicas na população gravidade.11
humana. Enquadra-se nessa situação a O último exemplo mostra a
epidemia de encefalite pelo vírus Rocio, importância de se conhecer os
no vale do Ribeira, Estado de São Paulo, significados precisos, em saúde pública,
no final dos anos 70. 6,7 dos termos erradicação, eliminação e
A erradicação de controle.
doença Outra nova doença, que tem
transmissível assumido características de problema de De modo sucinto, pode-se dizer que
implica a extinção, saúde pública no Brasil, é a febre purpúrica a erradicação de doença transmissível
por métodos brasileira (FPB). O H. ægyptius, bactéria implica a extinção, por métodos artificiais,
artificiais, do responsável pela doença, é conhecido do agente etiológico em questão, ou de
agente etiológico desde o final do século passado; até a seu vetor, sendo por conseqüência
em questão, ou de
década de 80, pelo que se sabe, era impossível sua reintrodução e totalmente
seu vetor, sendo
por conseqüência responsável, exclusivamente, por doenças desnecessária a manutenção de quaisquer
impossível sua de pequena gravidade, como a conjuntivite medidas de prevenção. Cumpre salientar
reintrodução e aguda purulenta, comum em regiões de que esse objetivo raramente é factível,
totalmente clima tropical. A alteração do sendo a erradicação da varíola uma
desnecessária a comportamento da bactéria, determinando exceção e não a regra em Saúde Pública.12
manutenção de o aparecimento da nova doença, deve-se,
quaisquer medidas Uma alternativa próxima à
possivelmente, a uma modificação de sua erradicação, mais viável, é a eliminação
de prevenção.
estrutura genética que resultou em de uma doença, que se obtém pela
aumento de virulência, tornando-a capaz cessação da sua transmissão em extensa
de invadir o organismo humano.8 área geográfica, persistindo, no entanto,
Outro problema que chama a atenção o risco de sua reintrodução, seja por falha
são os riscos derivados do na utilização dos instrumentos de
desenvolvimento da biotecnologia. controle, seja pela modificação de seu
Constituem exemplos desses riscos o comportamento. 13 Por outro lado, no
desenvolvimento dos chamados controle aceita-se a convivência com
inseticidas biológicos e de algumas determinadas doenças, desde que em
vacinas de quarta geração, produtos níveis considerados toleráveis.
elaborados com vírus modificados por
meio de técnicas moleculares e de Tanto na eliminação como no
engenharia genética. Ainda que a controle de doenças, é indispensável a
comercialização desses produtos seja, ao manutenção, regular e contínua, não só
menos em países desenvolvidos, das medidas de intervenção pertinentes,
cuidadosamente controlada, não se pode mas também de instrumentos que
afastar a possibilidade, mesmo que permitam acompanhar o comportamento
remota, de um acidente com grandes das doenças e o desempenho dos serviços
repercussões. 9,10 de saúde.13

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O sistema de informação relativo às em todo país, com apoio do Ministério


doenças transmissíveis da Saúde, de 515 unidades de laboratório
A vigilância epidemiológica foi com diferentes níveis de complexidade.
introduzida no Brasil, como atividade dos Por fim, merece menção especial o
serviços gerais de saúde, durante a recente esforço do Centro Nacional de
Campanha de Erradicação da Varíola, no Epidemiologia (CENEPI) em compilar,
início da década de 70. 14 analisar e publicar informações
A partir de 1976, o Ministério da anteriormente dispersas pelos diferentes
Saúde inicia, efetivamente, a implantação órgãos do Ministério da Saúde, as quais
em todo o território nacional do Sistema facilitaram, significativamente, a análise
de Vigilância Epidemiológica, com a que segue.
finalidade de organizar a coleta e análise Evolução das doenças transmissíveis
da informação voltada à agilização e ao
aperfeiçoamento das atividades de Fazer um balanço do desempenho do
controle das doenças infecciosas. país no controle das doenças
transmissíveis nas últimas décadas é
Direta ou indiretamente ligadas à tarefa a ser cumprida com cautela. Não
implantação da vigilância epidemiológica só pela qualidade das informações, mas
no país, várias medidas contribuíram para também pelos múltiplos fatores que
o aperfeiçoamento da qualidade da interferem na efetividade das ações de
informação sobre doenças infecciosas. controle, ora predominando questões
Dentre as medidas mais notáveis, cabe técnicas, ora operacionais, sempre
mencionar a implantação do formulário influenciadas por determinantes sociais e
padronizado de declaração de óbito, que políticas.
permitiu o desenvolvimento, a partir de O presente trabalho procura resgatar
1976, do sistema nacional de informações tendências de evolução das principais
de mortalidade, um marco no doenças transmissíveis no Brasil,
aprimoramento das estatísticas vitais no buscando compreender, em cada
país. Outras medidas importantes momento, o papel desempenhado pelas
envolveram a padronização das fichas de ações de controle e o papel que se pode
notificação e de investigação das doenças atribuir a outros fatores.
de notificação compulsória, assim como
Na análise apresentada a seguir,
o estabelecimento de fluxos de
ainda que se enfoque por vezes esta ou
informação e a delimitação das
aquela doença, em virtude da ausência de
responsabilidades no nível nacional e um denominador epidemiológico comum,
estadual. procurar-se-á, sempre que possível,
Apesar de serem ainda elevadas, agrupar as enfermidades segundo a
tanto a proporção de óbitos de causa não existência de medidas comuns de controle.
especificada, como a subnotificação das
doenças notificáveis, o sistema nacional Doenças imunopreveníveis
de informações de mortalidade e de Trata-se aqui de avaliar o
doenças de notificação compulsória comportamento da poliomielite, do
permite identificar tendências, sarampo, do tétano, da coqueluche e da
constituindo, portanto, importante difteria, doenças que, não obstante
instrumento de análise epidemiológica de situações sociais e econômicas as mais
situação. diversas, são controláveis e
Entre os esforços despendidos, para potencialmente elimináveis mediante
aprimorar a qualidade das informações imunização em massa.
disponíveis relativas à morbimortalidade, Outras doenças imunopreveníveis,
cabe citar a implantação a partir de 1977 como por exemplo a rubéola e a caxumba,
do Sistema Nacional de Laboratórios de não serão aqui analisadas, em face da
Saúde Pública, que propiciou a criação, precariedade das informações disponíveis.

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O Programa Ampliado de início da década de 90 foram conseguidas,


Imunizações (PAI) instituído em 1974 de forma razoavelmente homogênea para
pela Organização Mundial da Saúde o país, coberturas de vacinação de rotina,
(OMS), incluindo seis doenças - em menores de um ano, em torno de 70%
poliomielite, sarampo, tétano, difteria, a 80%. O pior desempenho é o da
coqueluche e tuberculose — constituiu vacinação de rotina contra a poliomielite,
marco importante para a ampliação do compensado largamente por bem-
controle de doenças por meio de vacinas. sucedidas campanhas de vacinação em
Quando do início do PAI, a massa. 15
cobertura vacinal em nível mundial girava Na análise que segue não se inclui a
em torno de apenas 5% e a meta do tuberculose, que será objeto de um item
programa era imunizar, até 1990, todas específico.
as crianças menores de um ano do Poliomielite
planeta.
Entre as atividades de controle das
Como resultado efetivo do doenças imunopreveníveis nos anos 80,
programa, tem-se atualmente uma sem dúvida alguma, a que obteve melhor
cobertura vacinal mundial média, em resultado foi a de combate à poliomielite.
torno de 80,0%. Na Europa e nas Desde 1980, com o início das campanhas
Américas foram alcançadas coberturas nacionais de imunização em massa, a
vacinais geralmente superiores às da queda na incidência da doença foi rápida
média mundial. Por outro lado, na África e intensa, tendo o último caso confirmado
e na Ásia, excetuando-se alguns poucos da doença ocorrido em 1989 (Figura 3).
países, as coberturas ficaram entre 40% Os resultados obtidos no Brasil com
e 70%. Apesar de a meta de os Dias Nacionais de Vacinação foram tão
universalização da imunização não ter sido importantes, que serviram de subsídio para
atingida, os resultados alcançados pelo a elaboração da estratégia do programa
PAI são, no mínimo, animadores. global de erradicação do poliovírus
No Brasil, o PAI foi incorporado às “selvagem”, promovido pela Organização
metas do Ministério da Saúde e das Mundial da Saúde a partir de 1987.16,17
Secretarias Estaduais de Saúde no início Vale assinalar, no entanto, que a
da década de 80. Porém, somente no trajetória da eliminação da poliomielite no

CASOS
CASO S DE
DEPÓLIO/100.000 hab.
PO LIO / 100.000 hab.
1,6
Brasil
1,4
Nordeste
1,2 Sudeste

0,8

0,6

0,4

0,2

0
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94

ANO
Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 3 - Evolução da incidência da poliomielite. Brasil, Regiões Nordeste e Sudeste, 1980-1994.

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Brasil não foi tranqüila. Em 1986, em concentração de casos nos dois primeiros
conseqüência, sobretudo, das baixas anos de vida possivelmente não se
coberturas vacinais atingidas no Nordeste alteraram no país. 21 Essa hipótese é
e da menor imunogenicidade do reforçada pela distribuição etária dos
poliovírus 3 vacinal, houve extensa casos da doença na epidemia verificada
epidemia em estados daquela região em 1986 no Nordeste. 18
(Figura 3). A situação atual da poliomielite nas
Essa situação foi solucionada por Américas constitui exemplo típico do que
meio da ampliação das atividades de se conceitua, neste texto, como
imunização em massa, que passaram a ser eliminação de uma doença transmissível.
aplicadas três vezes ao ano na Região A propósito, vale lembrar que, no
Nordeste, e por modificações na início de 1993, como repercussão de uma
composição da vacina utilizada no país, epidemia de poliomielite na Europa, que
com aumento da concentração do atingiu grupo religioso que recusa a
poliovírus 3.18 vacinação, foi identificada, no Canadá, o
Assim feito, o Brasil retomou sua ressurgimento da circulação do poliovírus
caminhada em direção à eliminação do “selvagem”. Tal fato vem demonstrar
poliovírus “selvagem”; desde 1989 não que, apesar do sucesso do programa,
são detectados casos clínicos ainda há o risco da reintrodução da
determinados pelo poliovírus “selvagem” poliomielite nas Américas. 22
ou mesmo a presença desse vírus em Os excelentes resultados obtidos no
portadores assintomáticos ou ainda no continente americano pelo programa de
meio ambiente. Estágio semelhante do erradicação do poliovírus “selvagem”
programa foi alcançado, a partir de 1991, foram atingidos mediante estratégia muito
em todo o continente americano. semelhante à desenvolvida pela campanha
A eliminação do poliovírus de erradicação da varíola. Naquela
“selvagem” não afasta a possibilidade de oportunidade, houve o uso combinado da
ocorrência, ainda que rara, de casos vacinação em massa, vigilância
paralíticos, semelhantes à poliomielite, epidemiológica e vacinação seletiva. Essa
associados à vacina de vírus vivos estratégia pressupõe a participação de um
atenuados, ou a infecções causadas por grupo reduzido de técnicos responsáveis
outros enterovírus. A ocorrência de pelo planejamento e acompanhamento do
paralisias por outros enterovírus, que não programa, cabendo à rede básica de
o poliovírus, pode apresentar-se na saúde atividade mais intensa somente nas
comunidade tanto na forma de casos épocas de vacinação em massa.
esporádicos como de epidemias. Um O pequeno envolvimento dos
exemplo são as epidemias de serviços básicos de saúde nesse programa
“poliomielite-like” que ocorreram no Leste explica, ao menos em parte, as baixas
Europeu, no final dos anos 70, causadas coberturas de rotina alcançadas pela
pelo enterovírus-71 (EV-71). 19,20
vacinação antipólio, sobretudo na Região
Deve-se notar que a virtual Nordeste (Figura 4).
eliminação do poliovírus “selvagem” foi
Considerando que o programa de
obtida no Brasil por meio de campanhas
erradicação do poliovírus “selvagem” é
sucessivas de vacinação em massa, com
coberturas próximas a 90% da população ainda incipiente em muitos países da
de menores de cinco anos. Essa estratégia África e da Ásia, haverá que se manter,
permitiu uma ampliação significativa da por muitos anos, no Brasil, as campanhas
proporção de indivíduos imunes, de vacinação em massa e a rigorosa
especialmente entre as crianças maiores vigilância sobre o problema.
de seis meses. No entanto as condições As demais doenças imuno-
determinantes da infecção precoce pelo preveníveis não tiveram no país a ênfase
poliovírus que se expressavam pela conferida à poliomielite. Ainda assim,

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COB.VAC.PÓLIO
CO (%)
B.VAC.PO LIO (%)
100

80

60

40

Brasil
20
Nordeste
Sudeste
0
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91

ANO
Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 4 - Evolução da cobertura da vacinação de rotina contra a poliomielite em menores de um ano.


Brasil, Regiões Nordeste e Sudeste, 1980-1991.

como se verá a seguir, progressos sarampo. 23 É interessante notar que


substanciais foram obtidos com relação alguns estudos estimam que o controle
a todas elas. do sarampo, pela imunização, poderia
Sarampo prevenir 0,6% a 3,8% de todos os
episódios de diarréia, podendo também
Considerando a severidade e,
diminuir a mortalidade por diarréias numa
principalmente, a magnitude do dano, o
proporção que varia entre 6% a 26% dos
sarampo é, em termos mundiais, a doença
óbitos.24
prevenível por vacinação de maior
importância em saúde pública. Em Vários problemas operacionais
populações não vacinadas, praticamente dificultam o controle do sarampo, entre
todos os indivíduos devem apresentar a eles as diferenças regionais quanto à
velocidade de perda da proteção conferida
doença. Estima-se que, nos países em
pelos anticorpos maternos, fator que
desenvolvimento, as taxas de letalidade
determina a idade oportuna da vacinação
pelo sarampo variem entre 1% e 5%. contra a doença. De modo geral, ainda
Pesquisa realizada em Sri Lanka, verificou que por mecanismos não completamente
que mais de 50% dos casos estudados esclarecidos, verifica-se que a proteção
demandaram assistência médica. Os conferida pelos anticorpos maternos
custos associados à doença são também esvai-se mais rapidamente nos países
elevados; mesmo nos EUA, cerca de 15% pobres. Por outro lado, justamente nesses
dos casos notificados necessitam países, observa-se maior risco de
hospitalização.23 infecção precoce pelo vírus do sarampo,
Os esforços do PAI permitiram, a o que resulta em elevadas taxas de
partir de 1974, substancial elevação das mortalidade já no primeiro ano de vida.
coberturas vacinais em todo mundo; A cobertura da vacinação de rotina
ainda assim, estima-se que, em 1990, contra o sarampo no Brasil flutuou entre
tenham morrido em todo o globo cerca 60% e 70% ao longo da maior parte da
de 880.000 crianças em decorrência do década de 80. Coberturas superiores à

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média foram registradas na Região epidêmicos e endêmicos, o


Sudeste e coberturas inferiores na Região comportamento da incidência do sarampo
Nordeste. No início dos anos 90, a sugere declínio da enfermidade em todo
vacinação contra o sarampo é país (Figura 6).
intensificada em todo o país, propiciando A tendência declinante da
cobertura de 80% na Região Nordeste e de morbidade por sarampo na década de 80
quase 90% na Região Sudeste (Figura 5). é mais bem evidenciada no Estado de
Ainda que alternando ciclos São Paulo, onde também se observa a

CO B.VAC.SARAMPO(%).
COB.VAC.SARAMPO (%)
100

80

60

40

Brasil
20
Nordeste
Sudeste
0
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91

AN O
Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 5 - Evolução da cobertura da vacinação de rotina contra o sarampo em menores de um ano.


Brasil, Regiões Nordeste e Sudeste, 1980-1991.

CASOS
CAS DESSARAMPO/100.000
OS DE ARAMPO/ 100.000 hab.
140
Brasil
120 Nordeste
Sudeste
100

80

60

40

20

0
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91

ANO
Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 6 - Evolução da incidência do sarampo. Brasil, Regiões Nordeste e Sudeste, 1980-1991.

volume 8, nº 3
julho/setembro 1999
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redução da mortalidade pela doença como meta a eliminação da doença nas


(Figura 7). Ainda que a qualidade dos três Américas. Tal proposta merece
dados recomende cautela, o alguns comentários. Como sugere a
comportamento da relação morbidade/ experiência do Estado de São Paulo, para
mortalidade sugere queda na letalidade da o controle do sarampo é necessário
doença, o que estaria de acordo com a manter, com regularidade, coberturas de
melhoria na nutrição infantil. vacinação, em menores de um ano,
As metas estabelecidas em 1989 pela superiores a 80,0%. Por sua vez, para a
Organização Mundial da Saúde eram reduzir virtual eliminação do sarampo seria
a morbidade e a mortalidade por sarampo, necessária uma proporção de imunes,
até 1995, em, respectivamente, 90% e 95%. homogeneamente distribuída na

COEF./100.000
CO hab.
EF. / 100.000 hab.
100

10

0,1

0
Incidencia
M ortalidade
0
80 81 82 83 84 85 86 87 88

AN O
Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 7 - Evolução da incidência e da mortalidade por sarampo.


Estado de São Paulo, 1980-1988.

Tomando o número de casos notificados em comunidade, de aproximadamente


1982 e 1992, tem-se uma queda de cerca de 95,0%. Considerando ser esta a eficácia
80% da morbidade no país e de 95% no da vacina, o sucesso da proposta de
Estado de São Paulo. Por outro lado, no eliminação estaria condicionado a uma
período 1980-1988, a diminuição da cobertura vacinal contra o sarampo de
mortalidade foi de 88% no Brasil como um 100,0%, algo certamente não muito fácil
todo e de 93% no Estado de São Paulo. de alcançar com a estrutura de serviços
De fato, no Estado de São Paulo, a de saúde de que dispõe o país. Vale
mortalidade por sarampo praticamente lembrar que a eliminação do sarampo não
deixou de existir nos últimos anos: 75 foi alcançada mesmo em países
óbitos em 1987, 20 óbitos entre 1988 e industrializados.22 Um exemplo claro se
1990 e apenas 2 óbitos entre 1991 e 1993, refere aos Estados Unidos: após ter quase
sendo os dois casos de morte por eliminado a doença em meados dos anos
sarampo em adultos (Antonio B.M. 80, o país voltou a enfrentar sérias
Camargo, Fundação SEADE, epidemias, especilmente em suas grandes
Comunicação pessoal). cidades, no início da década seguinte.25
Como conseqüência dos bons Tétano neonatal e acidental
resultados obtidos no controle do O tétano caracteriza-se mais como
sarampo no Estado de São Paulo e na enfermidade relacionada a riscos
Região do Caribe, a Organização Pan- ambientais do que como doença
Americana da Saúde (OPAS) propôs transmissível; como tal, não se apresenta

Informe Epidemiológico
do SUS
14
Eliseu Alves Waldman e cols. IESUS

de forma epidêmica na comunidade. Tanto Em estudo realizado no final da


crianças como adultos adquirem a década de 80, em onze países do
infecção tetânica por meio de ferimentos continente americano, abrangendo 2.212
tratados inadequadamente. Entre áreas geográficas, verificou-se que
mulheres adultas, é causa relativamente somente 9% das áreas estudadas
freqüente de tétano a contaminação apresentavam alto risco para tétano
uterina por falta de assepsia no parto ou neonatal, concentrando 79% de todos os
em abortos. casos notificados de tétano neonatal.
Tanto o tétano acidental como o Preocupa notar que 58% dos casos
neonatal são causas importantes de ocorreram em áreas urbanas, em
morbimortalidade na maioria dos países populações que tinham acesso a serviços
do Terceiro Mundo. de pré-natal e, ainda, que 78% dos casos
se deram em crianças cujas mães já
Depois do sarampo, o tétano haviam tido ao menos duas gestações e
neonatal é a doença imunoprevinível que que, portanto, poderiam ter sido
determina o maior número de mortes, facilmente alcançadas pelo programa de
tendo sido estimados em 400 mil os óbitos vacinação.28
causados pela doença, em todo mundo,
em 1992. Pequena parcela desses óbitos, O controle do tétano implica manter
cerca de 2%, ocorreu nas Américas, cobertura vacinal elevada, não só no
sendo a grande maioria das mortes primeiro ano de vida, mas ao longo de
originárias da África e do Sudeste toda a existência dos indivíduos, até
Asiático.26 mesmo, no caso das mulheres, durante a
O controle do
gestação. No entanto, a experiência da
Ainda nos anos 50, o tétano neonatal tétano implica
maioria dos países industrializados
virtualmente desapareceu dos países manter cobertura
demonstra que o controle do tétano passa vacinal elevada, não
industrializados, antes, portanto, da igualmente pela assistência adequada ao só no primeiro ano
disseminação do uso da vacina parto e a ferimentos que possam de vida, mas ao
antitetânica em crianças e adultos. A determinar a instalação da doença. Na longo de toda a
incidência da doença nos EUA, no início verdade, em boa parte dos países existência dos
da década de 60, era de 1 caso por industrializados, o desaparecimento do indivíduos, até
100.000 nascidos vivos. 27 tétano neonatal e o significativo mesmo, no caso
O tétano acidental também é decréscimo do tétano acidental foram das mulheres,
responsável por taxas elevadas de obtidos quando ainda eram precárias as durante a gestação.
mortalidade. Algumas projeções elaboradas coberturas vacinais, devendo-se o
em meados da década de 80 estimavam a controle da doença essencialmente a um
ocorrência no mundo, excluída a China, de bom padrão de assistência médica. De
120 a 300 mil óbitos anuais pela doença, fato, tudo leva crer que o caminho para
boa parte deles atingindo indivíduos em que se elimine a doença dos países do
idade economicamente ativa.27 Terceiro Mundo passa, simultaneamente,
As taxas de letalidade nas duas pela elevação da cobertura vacinal e pelo
formas de apresentação da doença são aperfeiçoamento da assistência à saúde.
altas; para o tétano neonatal variam entre A partir de 1980, com a implementação
50% e 90%; para o tétano acidental ficam do PAI no Brasil, as coberturas vacinais de
em torno de 40% a 50%. Os custos do menores de um ano com a vacina tríplice
tratamento hospitalar são muito elevados. tenderam a aumentar, alcançando níveis
Todas essas características conferem ao próximos a 80% em todo o país no ano de
tétano grande importância em saúde 1991 (Figura 8).
pública, especialmente nos países não Tendências declinantes caracterizam a
industrializados.27 evolução da evidência do tétano acidental em
A Organização Mundial da Saúde, todo o país (Figura 9). Situação semelhante é
em 1989, estabeleceu como meta para o vista quanto à incidência do tétano neonatal,
PAI a eliminação do tétano neonatal até ainda que, nesse caso, o declínio seja bastante
1995. 26 mais intenso na Região Sudeste (Figura 10).

volume 8, nº 3
julho/setembro 1999
15
IESUS Trajetória das Doenças Infecciosas: da Eliminação da Poliomielite à Reintrodução da Cólera

A mortalidade por tétano também se expressa, possivelmente, o menor


apresenta em declínio em todo o país sucesso das atividades de imunização
(Figuras 11 e 12). com adultos, apontando a existência de
É interessante notar o deficiências quanto à qualidade da
crescimento relativo dos óbitos por tétano assistência médica prestada à população.
em indivíduos com cinqüenta ou mais Essa tendência é encontrada mesmo em
anos de idade (Tabela 1). Tal fato, unidades da Federação mais

COB.VAC.TRÍPLICE
COB.VAC.TRIPLICE (%)(%)
100

80

60

40

Brasil
20
Nordeste
Sudeste
0
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91

ANO
Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 8 - Evolução da cobertura da vacinação tríplice de rotina em menores de um ano.


Brasil, Regiões Nordeste e Sudeste, 1980-1991.

CASOS
CAS DE
OS DE TETÉTANO ACIDENTAL/100.000
TANO ACIDE hab.
NTAL/ 100.000 hab.
2,5

1,5

Brasil
0,5
Nordeste
Sudeste
0
82 83 84 85 86 87 88 89 90 91

ANO
Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 9 - Evolução da incidência do tétano acidental. Brasil, Regiões Nordeste e Sudeste, 1982-1991.

Informe Epidemiológico
do SUS
16
Eliseu Alves Waldman e cols. IESUS

CASO
CASOSS DE
DETÉTANO
TETANONEONATAL/1.000
NEO NATAL/ 1.000 nasc.vivos
nasc.vivos
1

0,1

Brasil
Sudeste
Nordeste
0
82 83 84 85 86 87 88 89 90 91

ANO Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 10 - Evolução da incidência do tétano neonatal.


Brasil, Regiões Nordeste e Sudeste, 1982-1991.

OÓBITOS
BITO S PPOR
O R TETANO ACIDENTAL/ 100.000
TÉTANO ACIDENTAL/100.000 hab. hab.
1

0,9 Brasil
Nordeste
0,8
Sudeste
0,7

0,6

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89

ANO
Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 11 - Evolução da mortalidade por tétano acidental.


Brasil, Regiões Nordeste e Sudeste, 1980-1989.

volume 8, nº 3
julho/setembro 1999
17
IESUS Trajetória das Doenças Infecciosas: da Eliminação da Poliomielite à Reintrodução da Cólera

CO EF./ 1.000
COEF./1.000 nasc.vivos
nasc. vivos
1
Brasil
Nordeste
Sudeste

0,1

0
81 82 83 84 85 86 87 88

ANO Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 12 - Evolução da mortalidade por tétano neonatal.


Brasil, Regiões Nordeste e Sudeste, 1981-1988.

desenvolvidas economicamente, como é caso, pequena a proteção conferida pelos


caso do Estado de São Paulo. 29 anticorpos maternos.30
Coqueluche e Difteria Nas Américas, entre 1980 e
A coqueluche ainda constitui sério 1990, observa-se redução de 67% nos
problema de saúde pública nos países em casos de coqueluche notificados.
desenvolvimento. Estima-se a ocorrência Essa redução coincide com o aumento
anual de 60 milhões de casos em todo o da cobertura vacinal em menores de um

Tabela 1 - Distribuição proporcional (%) dos óbitos por tétano (acidental e neonatal), por faixa etária.
Brasil e Regiões Nordeste e Sudeste, 1979 e 1989.

Regiões
Faixa Etária Brasil
(anos) Nordeste Sudeste
1979 1989 1979 1989 1979 1989
0-4 8,7 1,7 10,1 1,2 8,7 2,8
5 - 14 26,9 12,8 18,4 8,5 25,0 11,7
15 - 29 16,3 16,7 12,7 11,0 16,4 13,5
30 - 49 27,4 25,9 25,1 19,5 23,0 22,8
50 e + 20,7 42,9 33,7 59,8 27,0 49,2
Fonte: Ministério da Saúde. Estatísticas de Mortalidade.

mundo, o que leva, aproximadamente, a ano, que passou de 36,6% para 75,5%.
350 mil óbitos. O grupo etário submetido No período houve também uma queda
a maior risco de mortalidade é constituído expressiva na mortalidade, algo em
pelos menores de um ano, sendo, nesse torno de 70%. 30

Informe Epidemiológico
do SUS
18
Eliseu Alves Waldman e cols. IESUS

Vale assinalar, porém, uma série de que tal objetivo dependerá do controle
restrições à qualidade das informações da doença na população adulta, o que
disponíveis para o continente americano; implica a utilização de vacinas produzidas
entre elas a falta de padronização na com tecnologias mais avançadas e,
definição de caso e o reduzido número portanto, mais caras.
de países que fornecem dados de Em síntese, pode-se afirmar que
morbimortalidade com regularidade. as medidas de controle das doenças
No Brasil, os dados disponíveis imunopreveníveis no Brasil, durante a
apresentam tendências semelhantes às do década de 80, obtiveram resultados muito
resto do continente americano. O favoráveis. Tendências de diminuição
aumento de cobertura da vacina tríplice acentuada das taxas de morbimortalidade
em menores de um ano coincide com a por essas doenças são verificadas em
queda da incidência da coqueluche todo o país, sem que, entretanto, as
(Figura 13). A mortalidade pela doença desigualdades historicamente existentes
igualmente demonstra tendência entre regiões tenham sido
declinante no período (Figura 14). significativamente alteradas.
Os coeficientes de incidência O Estado de São Paulo foi a unidade
relativos à morbidade por difteria nos anos da Federação onde o programa de
80 apresentam nítido decréscimo (Figura controle das doenças imunopreveníveis
15), observando-se também a relação manteve maior regularidade e onde foram
inversa com a cobertura por vacina tríplice colhidos os melhores resultados. A
em menores de um ano e a relação direta prioridade conferida à questão pelo
com a queda da mortalidade (Figura 16). estado propiciou o fortalecimento do seu
Tanto no caso da difteria, quanto sistema de vigilância epidemiológica,
no da coqueluche, o conhecimento tendo também salutar efeito sobre o
epidemiológico é ainda insuficiente, fato desenvolvimento de tecnologias médico-
que tem impedido a elaboração de estraté- sanitárias como, por exemplo, as
gias seguras que levem à eliminação da destinadas à operacionalização de
doença. De qualquer maneira, acredita-se vacinações em massa e de bloqueio.

CASO
CASOSSDE
DECOQUELUCHE/100.000
CO Q UELUCHE/ 100.000
hab. hab.
50
Brasil
Nordeste
40
Sudeste

30

20

10

0
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91

ANO
Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 13 - Evolução da incidência de coqueluche. Brasil, Regiões Nordeste e Sudeste, 1980-1991.

volume 8, nº 3
julho/setembro 1999
19
IESUS Trajetória das Doenças Infecciosas: da Eliminação da Poliomielite à Reintrodução da Cólera

ÓBITOS POR
O BITO S COQUELUCHE/100.000
PO R hab. hab.
CO Q UELUCHE/ 100.000
12
Brasil
10 Nordeste
Sudeste
8

0
81 82 83 84 85 86 87 88

ANO Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 14 - Evolução da mortalidade por coqueluche em menores de um ano.


Brasil, Regiões Nordeste e Sudeste, 1981-1988.

CASOS
CAS DEDIFTE
OSDE DIFTERIA/100.000 hab.
RIA/ 100.000 hab.
10

Brasil
Nordeste
Sudeste
0,1
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91

ANO Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 15 - Evolução da incidência de difteria. Brasil, Regiões Nordeste e Sudeste, 1980-1991.

O BITO SPOR
ÓBITOS PO RDIFTERIA/100.000
DIFTERIA/ 100. 000
hab.hab.
1

0,1

Brasil
Nordeste
Sudeste
0
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89

AN O Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 16 - Evolução da mortalidade por difteria. Brasil, Regiões Nordeste e Sudeste, 1980-1989.

Informe Epidemiológico
do SUS
20
Eliseu Alves Waldman e cols. IESUS

Evolução da Tuberculose e da Tem merecido destaque o fato de que


Hanseníase a queda contínua da tuberculose nos países
Tratar-se-á em um mesmo item das industrializados tenha sido interrompida em
tendências da tuberculose e da hanseníase, meados da década de 80 e que venha
considerando que o comportamento de mesmo elevando-se nos últimos anos. 31
ambas é muito influenciado, de um lado, Essa situação está relacionada a um
pelo nível de desenvolvimento conjunto de fatores, destacando-se, entre
sócioeconômico e condições de vida da eles, a epidemia de aids, o aparecimento de
população e, de outro, pela qualidade dos cepas multi-resistentes de M. tuberculosis
serviços de saúde na implementação de e a ampliação, por problemas políticos e
programas específicos de controle. econômicos, da migração em direção aos
Para o estudo apropriado das tendências países industrializados. Nesses países,
da morbidade por tuberculose e hanseníase, certos segmentos sociais - minorias étnicas,
é indispensável a obtenção de informações, imigrantes e habitantes de áreas urbanas
não só relativas às notificações dos casos que deterioradas - apresentam taxas de
espontaneamente procuram as agências de tuberculose iguais ou, algumas vezes,
saúde, mas também por meio da busca ativa superiores às encontradas em países não
desenvolvidos.33 No começo do
de novos doentes entre os contatos do- século, a
miciliares. Importante para a avaliação do A perspectiva do recrudescimento da tuberculose era,
desempenho dos programas são as tuberculose tem levado a previsões possivelmente em
informações relativas à evolução pessimistas quanto à tendência da doença todo mundo, a
clínico-laboratorial dos pacientes e a nos próximos anos. Estima-se que a moléstia infecciosa
freqüência com que ocorrem os abandonos incidência global da tuberculose que determinava o
de tratamento. aumentará de 7,5 milhões de casos em maior número de
1990 para 10,2 milhões no ano 2000; mortes. A melhora
Tuberculose das condições de
cerca de 70% dos casos atingirão pessoas
No começo do século, a tuberculose vida, no correr do
na faixa etária de 15 a 59 anos, grupo etário século, a
era, possivelmente em todo mundo, a
de grande importância econômica. No introdução, na
moléstia infecciosa que determinava o
final do século, estima-se que ocorrerão, década de 40, de
maior número de mortes.
anualmente, 1,4 milhões de casos de quimioterapia
A melhora das condições de vida, tuberculose atribuíveis à infecção pelo eficaz e o
no correr do século, a introdução, na vírus da aids.34 desenvolvimento
década de 40, de quimioterapia eficaz e o subseqüente de
Antes de que se inicie a análise dos tecnologias para a
desenvolvimento subseqüente de dados disponíveis sobre a
tecnologias para a operacionalização de operacionalização
morbimortalidade por tuberculose no de programas
programas permitiram o controle da Brasil, cabe registrar que, desde a permitiram o
tuberculose no mundo desenvolvido. Na introdução da quimioterapia específica nos controle da
década de 70, alguns países, como por anos 40, houve queda importante na tuberculose no
exemplo os Estados Unidos, chegaram a letalidade da doença no Brasil, tornando mundo
pensar na eliminação da doença. Nos os coeficientes de mortalidade desenvolvido.
países não desenvolvidos, a introdução instrumentos menos sensíveis para avaliar
da quimioterapia determinaria a queda a tendência de evolução da doença. Esse
significativa da mortalidade, sem afetar aspecto é assinalado por Guimarães,35 que
de modo substancial o risco da infecção registra, no período 1945-1960, queda de
tuberculosa. 31 73% nas taxas de mortalidade por
Estima-se que atualmente ocorram tuberculose nas capitais brasileiras, sem
em todo o mundo cerca de 2,7 milhões de diminuição correspondente na prevalência
óbitos anuais por tuberculose, 95% dos e incidência da doença.
quais nos países não desenvolvidos; Por sua vez, o estudo da tendência da
nesses países a tuberculose é a única, entre tuberculose pela evolução dos coeficientes
as principais causas de óbito, que atinge, de morbidade deve ser efetuado com
de forma importante, praticamente todas cautela, pois a subnotificação da doença é
as faixas etárias.32 certamente importante, podendo variar

volume 8, nº 3
julho/setembro 1999
21
IESUS Trajetória das Doenças Infecciosas: da Eliminação da Poliomielite à Reintrodução da Cólera

conforme as condições dos serviços de primeiros cinco anos de vida (Figura 19).
saúde. Esse fato provavelmente expressa o
Os coeficientes de morbidade por impacto do aumento da cobertura da
tuberculose relativos ao período vacinação com BCG intradérmico em
1980-1990 apresentam decréscimo a partir menores de um ano. A eficácia da vacina
de 1985 (Figura 17). No entanto, essa BCG tem gerado controvérsias, mas
tendência deve ser analisada com cuidado vários autores aceitam-na, no que tange
em face ao processo de reorganização por à prevenção da meningite tuberculosa em
que passam os serviços de saúde no país. crianças.36
Com referência aos dados de Um ponto que deve merecer atenção,
mortalidade, observa-se queda dos pois expressa tendência que futuramente
coeficientes na primeira metade da poderá atingir todo o país, é o aumento da
década de 80 seguida de estabilidade mortalidade por tuberculose na população
(Figura 18). As taxas mais elevadas jovem da Região Sudeste (Figura 20). Tal
observadas na Região Sudeste, devem- aumento, observado nos últimos anos da
se, provavelmente, à melhor qualidade da década de 80, quase que certamente resulta
notificação da doença nessa região. do crescimento da epidemia de aids.37 Dados
Chama a atenção, no entanto, a mais recentes da Fundação SEADE relativos
queda importante e contínua da à população de 15 a 49 anos da cidade de São
mortalidade por tuberculose nos Paulo indicam que a mortalidade por

CASOS
CA SO SDE
DETUBERCULOSE/100.000 hab. hab.
TU BERC U LO SE/100.000
80

60

40

20

0
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90

AN O
Series 1 Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.
Figura 17 - Evolução da incidência da tuberculose. Brasil, 1980-1990.

ÓBITOS
O BITO SPOR TUBERCULOSE/100.000
PO R TUBERCULO SE/ 100. hab.
000 hab.
7

2
Brasil
Nordeste
1
Sudeste
0
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89

AN O Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 18 - Evolução da mortalidade por tuberculose. Brasil, Regiões Nordeste e Sudeste, 1980-1989.

Informe Epidemiológico
do SUS
22
Eliseu Alves Waldman e cols. IESUS

O BITO S
ÓBITOS PO TUBERCULOSE/100.000
POR R TUBERCULO SE/100. 000 hab.
hab.
3

2,5

1,5

0,5

0
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89

AN O Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 19 - Evolução da mortalidade por tuberculose em crianças menores de cinco anos.


Brasil, 1980-1989.
tuberculose aumentou em cerca de 50% em social da doença, pois ela atinge justamente o
um período de apenas seis anos: 235 óbitos grupo economicamente ativo, o da faixa etária
em 1987 e 359 óbitos em 1993. de 20 a 49 anos. Segundo Hijjar, 39 em 1986, a
Para que se tenha uma idéia da tuberculose foi responsável no Brasil por 4,7%
magnitude da tuberculose como problema de e 1,2% dos anos potenciais de vida perdidos,
saúde pública no país, toma-se como exemplo respectivamente, por Doenças Infecciosas e
o ano de 1991. Nesse ano foram identificados Parasitárias e por todas as causas de óbitos
78.581 casos novos da doença, sendo que bem-definidas.
67.363 deles eram formas pulmonares, das A intervenção com que contam os
quais 61,4% bacilíferas. Sabendo-se que serviços de saúde para o controle da
esses números são subdimensionados e ainda tuberculose restringe-se ao diagnóstico
que cerca de 17% dos pacientes com e tratamento precoce, uma vez que a
manifestações respiratórias não se submete a vacina BCG apresenta, como referido
exames bacteriológicos, não é difícil imaginar anteriormente, impacto limitado na
em que nível se encontra o risco de infecção incidência e prevalência da doença.
tuberculosa no Brasil. 38 Dados relativos ao desempenho do
Outro aspecto a ser considerado na programa de controle da tuberculose no
dimensão do problema da tuberculose é o custo Estado de São Paulo são preocupantes.

ÓBITOS
O TO SPOR
BI TUBERCULOSE/100.000
PO R TUBERCULO SE/100. hab.
000 hab.
7

0
81 82 83 84 85 86 87 88 89

AN O Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 20 - Evolução da mortalidade por tuberculose na população de 20 a 49 anos de idade. Região Sudeste, 1981-1989.

volume 8, nº 3
julho/setembro 1999
23
IESUS Trajetória das Doenças Infecciosas: da Eliminação da Poliomielite à Reintrodução da Cólera

Em 1992, a avaliação dos resultados do A adoção, na década de 80, da


tratamento de 13.414 pacientes com poliquimioterapia constituiu significativo
tuberculose, sete meses após a introdução avanço na tecnologia disponível para o
da terapêutica, verificou 40,8% de casos controle da hanseníase. Os bons resultados
curados e 18,4% de abandono de obtidos com a utilização do novo esquema
tratamento (Centro de Vigilância terapêutico ensejaram que a Organização
Epidemiológica da Secretaria de Estado Mundial da Saúde propusesse o controle
da Saúde de São Paulo, comunicação da doença, estabelecendo, como meta,
pessoal). Deve-se notar que, certamente, taxas inferiores a 1 caso por 10.000
a qualidade do programa de controle da habitantes. 41
tuberculose no Estado de São Paulo não A partir de 1991, o programa de
é inferior à média do país. controle da hanseníase obteve
Resumindo, pode-se afirmar que a consideráveis progressos em quase todo
tuberculose continua sendo uma das mais mundo. Entre os resultados favoráveis
importantes endemias urbanas no Brasil, devem ser assinalados a redução da
não se afastando a hipótese de prevalência mundial da doença de 7 para
recrudescimento do problema ante a 3 por 10.000 habitantes entre 1990 e
rápida expansão da epidemia de aids, ao 1994 e a ampliação da cobertura média
possível surgimento de cepas mundial da poliquimioterapia para 89%
multi-resistentes de M. tuberculosis, e à dos casos conhecidos de hanseníase.41
fragilidade da rede pública de serviços Apesar do progresso, a hanseníase
públicos de saúde do país. ainda se situa entre os principais
Hanseníase problemas de Saúde Pública dos países
A hanseníase é das doenças mais desenvolvidos. Segundo estimativas
antigas da humanidade. Os primeiros recentes da Organização Mundial da
relatos a seu respeito são originários da Saúde, existiriam atualmente cerca de 2,2
Índia, de onde, acredita-se, a hanseníase milhões de hansenianos em todo o
se teria disseminado para a China, o Japão mundo, estando mais de 80%
e, posteriormente, para os países banhados concentrados em apenas cinco países:
pelo Mediterrâneo. A epidemia de Índia, Brasil, Bangladesh, Indonésia e
hanseníase na Europa teria atingido seu Mianmá.41
pico no século XIV, perdendo depois O número de casos de hanseníase
progressivamente sua importância em no Brasil é o segundo mais elevado do
Saúde Pública, para praticamente mundo, sendo superado somente pelo
desaparecer a partir do século XIX, muito encontrado na Índia. Estimativa de 1994
antes, portanto, da existência de situa a prevalência da doença no país em
terapêutica específica.40 torno de 14,3 por 10.000 habitantes, três
A queda na incidência da hanseníase vezes maior do que a média do continente
na Europa é atribuída, sobretudo, às americano. 41
mudanças sociais e econômicas Dados publicados pelo Ministério
determinadas pela revolução industrial.40 da Saúde, relativos a 1991, revelam a
Até a introdução da moderna existência de 250.000 casos conhecidos
quimioterapia, a evolução da hanseníase da doença no país. Esses casos
caracterizava-se por sua cronicidade. A aparecem concentrados nas Regiões
importância da doença para a Saúde Pública Sudeste (40,0%) e Norte (22,9%), mas
derivava não do seu impacto sobre a também são encontrados nas Regiões
mortalidade, mas das severas mutilações que Nordeste (12,7%), Centro-Oeste
determinava nos doentes. Entre pacientes (12,7%) e Sul (11,7%). 42
não tratados, estima-se a freqüência de Analisando a tendência da
formas leves de incapacidade em cerca de hanseníase no Brasil no período de 1980
50%, ao passo que a freqüência das formas a 1990, chamam a atenção os elevados
severas ficaria em torno de 30%.40 coeficientes de prevalência,

Informe Epidemiológico
do SUS
24
Eliseu Alves Waldman e cols. IESUS

especialmente nas Regiões Norte e hanseníase em Recife (PE), durante o período


Centro-Oeste, e a alta taxa de 1960 a 1985. Nesse trabalho, os autores
crescimento da endemia, cerca de 11,0% verificaram o predomínio da forma
ao ano, no Nordeste brasileiro (Figuras tuberculóide e elevado porcentual de doentes
21 e 22). É possível que parte desse menores de quinze anos, dados que sugerem
aumento esteja relacionado ao a expansão da endemia. Relatam também os
autores que, a partir de 1979, ocorreu a
fortalecimento do programa específico
diminuição e estabilização do intervalo de
de controle da doença, porém não se pode
tempo decorrido entre o aparecimento dos
descartar a hipótese de a hanseníase estar primeiros sintomas e o diagnóstico da doença,
em fase de expansão no país. fato que sugere a melhora do desempenho
Reforça a hipótese de expansão a análise do programa e, por decorrência, a melhora
feita por Albuquerque e cols.43 a respeito da no registro da doença.

CASOSSDE
CASO DEHANSENÍASE/100.000 hab. hab.
HAN SEN IASE/ 100.000
70
Norte
N ordeste
60 Sudeste
Sul
50 Centro-Oeste

40

30

20

10

0
80 82 84 86 88 90

AN O Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 21 - Evolução da incidência de hanseníase. Macrorregiões brasileiras, 1980-1990.

CASOS DE
DEHANS
HANSENÍASE/100.000 hab.
ENIASE/ 100.000 hab.
25

20

15

10

5
Brasil
Nordeste
0
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91

ANO Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 22 - Evolução da incidência de hanseníase. Brasil e Região Nordeste, 1980-1991.

volume 8, nº 3
julho/setembro 1999
25
IESUS Trajetória das Doenças Infecciosas: da Eliminação da Poliomielite à Reintrodução da Cólera

Publicação recente da Organização doença, e a usual desarticulação dos


Mundial da Saúde assinala que, nos últimos serviços de saúde compromete a eficácia
quatro anos, a média anual do decréscimo dos programas de controle. No entanto,
da incidência da hanseníase, em várias os avanços recentes da quimioterapia
partes do mundo, variou de 7% a 18%; específica podem oferecer perspectivas
revela, também, que o único país a relatar favoráveis para o futuro.
um aumento de incidência foi o Brasil. Vale notar o contraste que se
Analisando a situação brasileira, a estabelece no país entre o êxito do
organização internacional considera que o
controle de doenças como a poliomielite,
aumento verificado pode refletir tanto uma
o sarampo e o tétano e a imensa
expansão da endemia, como a ampliação
dificuldade em se combater a tuberculose
das atividades de controle, ou, mesmo,
e a hanseníase. Tal situação reflete, em
uma combinação dos dois fatores. No
essência, o fato de o primeiro grupo de
entanto, alerta para a cobertura muito baixa
doenças poder ser controlado mediante
da poliquimioterapia - menos de 40%.41
intervenções pontuais, como as
Outro dado preocupante é o fato de campanhas de vacinação, ao passo que
49,2% dos casos identificados de hanseníase tuberculose e hanseníase dependem para
apresentarem-se nas formas virchowiana ou seu controle da existência de uma rede
dimorfa, o que sugere o diagnóstico tardio básica de saúde bem estruturada que
da doença e a existência de maior proporção garanta a qualidade e regularidade dos
de casos multibacilares (Tabela 2). serviços prestados.
Ao lado de indicadores preocupantes, Evolução das endemias parasitárias
como os que acabam de ser apresentados,
Tratar-se-á aqui do comportamento
há pelo menos um dado sugestivo de que
de antigos flagelos da humanidade, típicos
possa estar havendo melhora do programa
das sociedades essencialmente rurais.
de controle da doença: a diminuição da
proporção de incapacidades severas Malária
detectadas em casos novos, que passa de A malária destacou-se na primeira
15,9%, em 1987, para 8,8%, em 1991. Outro metade deste século como um dos mais
dado positivo é o aumento da cobertura da importantes problemas de Saúde Pública do
poliquimioterapia que de 0,6%, em 1985, Brasil. As áreas originalmente atingidas pela
passa para 38,8%, em 1994. endemia abrangiam quatro quintos do
Não resta dúvida de que o combate à território nacional. A área malarígena
hanseníase em países não desenvolvidos praticamente se sobrepunha à dos seus
é difícil: as precárias condições de vida da vetores biológicos: Anopheles darlingi,
população facilitam a disseminação da Anopheles aquasalis e a Kertezia cruzi. Os
Tabela 2 - Distribuição dos casos conhecidos de hanseníase por forma clínica.
Brasil e Macrorregiões, 1991.

Formas Clínicas
Macrorregião Total de Casos
I Ignorada
V/D T Conhecidos
% % % %
Norte 45,6 29,3 23,8 1,2 57.492
Nordeste 37,0 22,9 15,4 24,6 32.819
Sudeste 48,3 13,0 17,6 20,9 100.097
Sul 61,2 17,8 20,6 0,2 29.325
Centro-Oeste 59,6 19,7 16,6 4,0 31.333
Brasil 49,2 19,4 18,9 12,3 250.066

V = Virchowiana; D = Dimorfa; T = Tuberculóide; I = Indeterminada.


Fonte: Ministério da Saúde.

Informe Epidemiológico
do SUS
26
Eliseu Alves Waldman e cols. IESUS

dados de incidência da malária no Brasil Sudeste do país, o que determinou a


nunca foram precisos no país: estimativas rápida expansão da proporção de
para o ano de 1954 registravam a ocorrência indivíduos altamente suscetíveis à
de 8 milhões de casos.44 malária. Entre as atividades econômicas
Nos anos 40, chegam ao Brasil os que exerceram papel mais importante
inseticidas de ação residual e as drogas eficazes nesse processo, cabe mencionar o
para o tratamento da malária; na década garimpo, pelo elevado número de
seguinte, a utilização racional e articulada indivíduos envolvidos, por sua
desses novos instrumentos em programas disseminação na região e pelo baixo nível
específicos de controle possibilitaria quedas de organização da atividade, fatores que
acentuadas da morbimortalidade em todo o dificultavam qualquer ação de controle da
país; em 1970, atingem-se os menores níveis doença.
de ocorrência da malária: “apenas” cerca de Há que se registrar também as
50.000 casos notificados.45 A partir de 1970, repercussões nos estados que deram
no entanto, observa-se o aumento origem às correntes migratórias, com
progressivo e acentuado da incidência da freqüentes reintroduções da malária,
malária, que somente se estabilizaria, a partir também sob a forma de epidemias, em
de 1989, quando mais de meio milhão de casos áreas em que a doença havia sido
da doença passam a ser anualmente eliminada. Foi o que aconteceu no Estado
notificados pelos serviços de saúde (Figura de São Paulo, onde o número de casos
23). identificados passou de 651, em 1970,
A significativa ascensão da para 3.038, em 1987; aumento
incidência da malária deu-se à custa, determinado, em sua maior parte, por
principalmente, do aumento da indivíduos infectados em outros estados
transmissão da doença na Amazônia legal. (Figura 24). Analisando a origem dos
Esse fato resultou da forma pela qual se casos importados de malária identificados
deu a ocupação da floresta por projetos em São Paulo, verifica-se que eles
agropecuários, pela mineração e pela refletem, em linhas gerais, a variação da
construção de grandes usinas incidência da malária nos diferentes
hidroelétricas, além da abertura de estados da Amazônia Legal (Figura 25).
rodovias, que facilitaram o acesso à região A distribuição geográfica da malária
(Tabela 3). Deve-se notar que as no Brasil, nas duas últimas décadas,
correntes migratórias que se dirigiram à apresenta alguns aspectos que merecem
Amazônia - assim como os capitais - registro. Dos casos ocorridos em 1970,
tiveram sua origem nas Regiões Sul e 55,6% atingiram a Amazônia Legal. Já em

CASOSSDE
CASO DEMALÁRIA
M ALARIA(x (x
1.000)
1. 000)
600

500

400

300

200

100

0
65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92

AN O
Series 1 Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 23 - Evolução da incidência de casos de malária. Brasil, 1965-1992.

volume 8, nº 3
julho/setembro 1999
27
IESUS Trajetória das Doenças Infecciosas: da Eliminação da Poliomielite à Reintrodução da Cólera

1992, essa proporção aumenta para 98,0%, projetos agropecuários e do ritmo de


reforçando a hipótese de que a malária, construção de hidroelétricas em
nesse período, foi progressivamente decorrência da recessão econômica
controlada fora da Amazônia. Mesmo na enfrentada a partir daquele ano. Outro
Amazônia, os maiores coeficientes de fator diz respeito às pressões
incidência da malária concentram-se em internacionais para a proteção do ambiente
alguns poucos municípios, ainda que a que resultaram em mudanças positivas na
doença ocorra, de forma endêmica, em política de ocupação da Amazônia. Vale
grande número deles. assinalar, entretanto, que em alguns
A estabilização da incidência da estados, como no Mato Grosso, por
malária a partir de 1989 deve estar exemplo, a tendência da doença ainda é
associada, em boa parte, à diminuição dos de ascensão.

Tabela 3 - Casos de malária.


Brasil, 1979 - 1992
Unidade
1979 1982 1985 1987 1989 1992
Federada
Acre 5.500 7.373 10.120 21.943 15.765 12.248
Rondônia 45.370 58.936 168.690 228.866 244.808 137.426
Amazonas 5.116 3.803 11.198 15.233 34.944 37.885
Roraima 7.880 15.882 15.836 11.170 21.018 23.964
Amapá 3.730 5.139 7.461 7.481 11.156 6.969
Pará 36.876 71.172 113.649 119.120 127.941 129.291
Mato Grosso 9.050 15.780 12.832 21.828 58.751 200.746
Sub-Total 113.522 178.085 339.786 425.641 514.383 558.529
Amazônia Legal 135.770 214.650 384.603 488.233 557.787 570.345
Outros Estados 8.445 7.289 14.859 20.631 19.733 6.753

Brasil 144.215 221.939 399.462 508.864 577.520 577.098


Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

CASO S DE MALARIA
1000000

100000

10000

1000
Brasil
Sao Paulo
100
65 67 69 71 73 75 77 79 81 83 85 87 89 91 92

ANO Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 24 - Evolução da incidência de casos de malária. Brasil e Estado de São Paulo, 1965-1992.

Informe Epidemiológico
do SUS
28
Eliseu Alves Waldman e cols. IESUS

1983
54%
30% 1992

39%
8% 7%

12%
22% 27%
(n = 1.611) (n = 817)
M ATO G RO SSO RO N DO N IA PARA DEM AIS ESTADO S

Fonte: SUCEN.

Figura 25 - Distribuição (%) dos casos importados de malária identificados no Estado de São Paulo
segundo o local de transmissão, 1983-1992.

Vê-se, assim, que o efetivo controle Uma das características da


da malária no Brasil está condicionado, de esquistossomose no Brasil é a
um lado, ao estabelecimento de um modelo concentração da sua transmissão em
ordenado de desenvolvimento da Amazônia, áreas razoavelmente delimitadas, os
que privilegie o desenvolvimento humano chamados focos de transmissão. Tal fato
e, de outro lado, à solução de questões torna pouca informativa a análise de
técnicas relativas aos instrumentos de prevalência em nível estadual,
controle da doença, destacando-se o recomendando-se que ela se faça em
desenvolvimento de uma vacina eficaz. unidades geopolíticas menores.
Esquistossomose mansônica Em 1974, entre 1.287 municípios
Nunca se conheceu de forma muito pesquisados pelo Ministério da Saúde,
precisa as dimensões da esquistossomose abrangendo uma população de
no Brasil. Projeções feitas para a década aproximadamente 40 milhões de
de 70, fundamentadas em inquérito habitantes, verificou-se a presença da
realizado por Pellon & Teixeira,46 o único esquistossomose em 944 deles. Desse total,
inquérito nacional realizado até hoje, 478 apresentaram índices superiores a 4%
estabeleciam algo em torno de 8 milhões de infecção. À essa época, as maiores
de infectados em todo o país. 47 prevalências de infecção pelo S. mansoni
Na década de 70, a área endêmica eram encontradas em regiões dos Estados
da esquistossomose era muito extensa, de Pernambuco, Alagoas e Sergipe,
distribuindo-se, em regiões descontínuas, atingindo taxas, respectivamente, de 16,3%,
desde o Estado do Pará até Santa 23,0% e 32,0%.49,50
Catarina, adquirindo maior importância De grande importância para a Saúde
nas áreas quentes e úmidas da Região Pública foi o aparecimento na década de
Nordeste. A distribuição dos hospedeiros 70 de drogas terapêuticas de grande
intermediários do parasita abrange eficácia no controle da esquistossomose.
território maior do que o da doença, A incorporação dessas drogas no
sugerindo um perigoso potencial de tratamento em massa da esquistossomose
expansão. 48 tem oferecido resultados animadores, seja

volume 8, nº 3
julho/setembro 1999
29
IESUS Trajetória das Doenças Infecciosas: da Eliminação da Poliomielite à Reintrodução da Cólera

na diminuição da prevalência, logo após a quatro anos em que foi implementado,


intervenção, seja pela diminuição de efetuaram-se cerca de 3 milhões de
formas graves da parasitose. As ações tratamentos com “oxamniquine”, menos
sistematizadas de controle da da metade do número estimado de
esquistossomose em âmbito nacional, já infectados pelo S. mansoni, no Brasil.
utilizando esse novo instrumental A quimioterapia como forma de
tecnológico, iniciam-se efetivamente na intervenção para o controle da
segunda metade da década de 1970, com esquistossomose manteve-se mesmo
o Programa Especial de Controle da após a desativação do PECE. No ano de
Esquistossomose (PECE). 1980, já descaracterizadas as atividades
O PECE foi um programa de controle da doença na forma prevista
extremamente ambicioso, que almejava o pelo programa, foram realizados
controle da esquistossomose no país. 1.640.191 tratamentos. Esse número
Adotando um modelo baseado no conceito ficou acima de 700 mil tratamentos anuais
estocástico da transmissão da parasitose, até 1986. A partir desse ano, houve
o ponto crucial da estratégia era a significativa redução no emprego do
diminuição da probabilidade de o “oxamniquine” como conseqüência da
Schistosoma mansoni completar seu ciclo realocação dos recursos da SUCAM para
biológico, por meio do ataque simultâneo combater as epidemias de dengue que
a cada uma das etapas desse ciclo. O PECE então se espraiavam pelo país.
preconizava a quimioterapia em massa, O controle da esquistossomose vem
acompanhada da aplicação de lentamente passando para os serviços
moluscocidas no momento mais vulnerável estaduais e locais de saúde, principalmente
da vida do planorbídeo. Desenvolveu-se, em decorrência de a quimioterapia
em paralelo, um programa combinado de constituir a principal, quando não a única,
saneamento e educação sanitária. forma de intervenção utilizada.
A proposta era logicamente A distribuição da esquistossomose
atraente. A experiência na ilha de Santa em 1991 não era muito diferente da
Lúcia, no Caribe, já apontava para a encontrada há vinte anos. As áreas
efetividade da intervenção combinada, tal endêmicas continuam predominando no
como a proposta por Machado, 51 mas litoral nordestino, do Ceará à Bahia, com
reconhecia a dificuldade prática e o alto maior intensidade em Pernambuco,
custo das medidas. Alagoas, Sergipe e Bahia. Outras áreas
Por motivos vários, o PECE não endêmicas, ainda que apresentando
conseguiu atingir sua meta - reduzir a importância secundária, podem ser
prevalência nas áreas hiperendêmicas a encontradas no Maranhão, no Ceará, em
4% - e as obras de saneamento, com Minas Gerais e no Paraná. No restante
algumas exceções, não foram realizadas. do território a transmissão é focal, não
O programa foi extinto em 1980, sendo constituindo um contínuo.48
substituído por ações regulares da A crescente urbanização da
SUCAM. população brasileira e a gradual ocupação
A área de abrangência do PECE, nos e modificação do espaço geográfico têm
seus quatro anos de existência, limitou- determinado a lenta e contínua expansão
se ao Nordeste. Foi um programa da endemia. A constante deterioração do
extremamente verticalizado, podendo ser ambiente urbano cria condições para o
usado como exemplo da visão estabelecimento de focos de transmissão
marcadamente tecnocrática que nas cidades, como já ocorreu em Belo
caracterizou os governos militares Horizonte, São Paulo e, mais recentemente,
pós-1964. Foi uma tentativa de reviver os em Fortaleza.52 No entanto, vale notar que
princípios dos programas de erradicação as áreas de transmissão urbana da
da malária da década de 50. Durante os esquistossomose são, geralmente, mais

Informe Epidemiológico
do SUS
30
Eliseu Alves Waldman e cols. IESUS

instáveis do que as rurais, determinando cardiopatia crônica chagásica, atingindo


infecções mais leves no homem, especialmente homens na faixa etária de
diminuindo, portanto, a gravidade dos 35 a 50 anos.
casos. No final dos anos 70, Camargo e
55
O avanço da esquistossomose para cols, em inquérito sorológico de âmbito
o oeste do país, em virtude dos processos nacional, estimou a prevalência da doença
migratórios iniciados na década de 70, de Chagas no meio rural brasileiro em
não se fez da maneira temida, ainda que torno de 4,4%. Segundo estimativas feitas
existam condições para que a transmissão com fundamento nesse levantamento, as
ocorra, como é o caso de Rondônia. 48 taxas mais altas ocorriam nas áreas rurais
Nos Estados de São Paulo e do Paraná, o do Rio Grande do Sul (8,84%), Minas
avanço da esquistossomose em direção Gerais (8,83%) e Goiás (7,40%). Ainda
ao oeste tem sido limitado. Apenas à mesma época, estimava-se a incidência
recentemente, a endemia parece ter-se anual da doença de Chagas no Brasil em
disseminado para o sudoeste e oeste de cerca de 100.000 casos novos, a grande
Minas Gerais. maioria transmitidos por vetor, cabendo
Analisando a situação atual da à transmissão transfusional a maior parte
54
esquistossomose no Brasil, verifica-se do restante.
que ainda existem localidades na Região A partir de 1983, o programa
Nordeste com prevalências superiores a nacional de controle da doença de Chagas
20%. A evolução da mortalidade por recebe maiores recursos, ampliando seu A área de
esquistossomose, no país, apresenta espectro de ação, logrando borrifar mais transmissão da
tendência de queda nos anos 80, de 700.000 casas por ano e fazer doença de Chagas
especialmente na Região Sudeste; na levantamento triatomínico em 5 a 7 ocupa ampla porção
Região Nordeste a mortalidade tem-se do território
milhões de residências por ano. Em 1986
mantido estável, não acusando, brasileiro, algo em
o programa estava consolidado, torno de 3,5
aparentemente, o impacto do tratamento observando-se em dezenas de municípios milhões de km 2 ,
em massa promovido pelo PECE. 53 54
o controle da transmissão da doença. espalhando-se
Em suma, embora não se deva A partir de 1986, mais uma vez em desde os estados
esperar, para os próximos anos, uma do Nordeste até o
virtude da necessidade de combate ao
queda substancial da prevalência da Rio Grande do Sul,
dengue, houve diminuição da regularidade abrangendo 2.450
esquistossomose no país, a urbanização das atividades desenvolvidas pelo municípios e uma
da população e a disponibilidade de programa de controle da doença de população de cerca
drogas eficazes criam condições para a Chagas. Tal fato permitiu um lento de 35 milhões de
diminuição da magnitude dos danos ressurgimento de colônias domiciliares de pessoas expostas
causados pela doença. triatomínios, sem que houvesse, porém, ao risco de
54
infecção.
Doença de Chagas um retorno à situação anterior.
A área de transmissão da doença de Em 1988, as infecções transmitidas por
Chagas ocupa ampla porção do território transfusões sanguíneas passam a receber
brasileiro, algo em torno de 3,5 milhões maior atenção em conseqüência,
de km2 , espalhando-se desde os estados principalmente, da epidemia de Aids. Tem-se,
do Nordeste até o Rio Grande do Sul, então, significativa melhora no controle do uso
abrangendo 2.450 municípios e uma terapêutico de sangue e hemoderivados, fato
população de cerca de 35 milhões de que repercute favoravelmente no combate à
54
pessoas expostas ao risco de infecção. doença de Chagas.
A doença só não é endêmica na Região No início dos anos 90, a área
Amazônica. endêmica da doença de Chagas
A importância em Saúde Pública da apresentava-se semelhante a existente na
doença de Chagas decorre, década de 70, porém com a densidade
54
principalmente, das formas graves da triatomínica sensivelmente reduzida. O

volume 8, nº 3
julho/setembro 1999
31
IESUS Trajetória das Doenças Infecciosas: da Eliminação da Poliomielite à Reintrodução da Cólera

T. infestans desapareceu de 85% dos tenham diminuído em mais de 90%, graças


municípios brasileiros onde era encontrado às medidas de controle exercidas sobre a
há uma década, determinando uma redução hemoterapia. Estudo recente estima que
significativa na transmissão natural da 94% dos serviços de hemoterapia do
doença. Estado de São Paulo estejam fazendo
Cabe lembrar que a redução na triagem sorológica para doença de Chagas
transmissão da doença não resulta e que 94,7% deles utilizem dois ou mais
somente das ações do programa testes. 56
específico de controle, mas também dos Em suma, desde que sejam mantidas
intensos processos migratórios que as medidas de controle da enfermidade,
diminuíram relativa e absolutamente o as perspectivas de evolução da doença de
contingente rural da população. A Chagas são favoráveis. Mais ainda, a
migração fez com que cerca de 90% dos intensificação das referidas medidas
5 milhões de infectados pelo Trypanosoma poderá levar, em prazo não muito longo,
cruzi estejam hoje nas cidades, reduzindo à interrupção definitiva da transmissão da
assim o reservatório humano do agente doença em todo o país.
na zona rural. Considerando que a Leshmanioses
transmissão vetorial da doença de Chagas A leishmaniose tegumentar tem
não ocorre na zona urbana, não é difícil ampla distribuição no continente
perceber o grande impacto que a americano; sua presença já foi assinalada
urbanização exerceu sobre a trajetória da desde o Sul dos EUA (Texas) até a
enfermidade no país. República Argentina, alcançando maior
Dada a evolução crônica da doença importância no Brasil e Peru.57,58
de Chagas, a diminuição do risco de Como boa parte das zoonoses, a
infecção não teve ainda impacto intensidade com que a leishmaniose
significativo na mortalidade pela doença. tegumentar atinge o homem depende,
Como se pode ver na Figura 26, os principalmente, de alterações do meio am-
coeficientes de mortalidade pela doença biente. As descrições clássicas da doença
de Chagas, principalmente nas Regiões caracterizavam-na como de distribuição
Sudeste e Centro-Oeste, permanecem em essencialmente rural e intimamente
níveis elevados. vinculada a atividades profissionais
Quanto aos riscos de transmissão exercidas na mata ou próximas a ela,
pela transfusão sanguínea, anteriormente ainda que existam relatos do início do
muito importantes, estima-se que hoje século a respeito da transmissão da

ÓBITOS POR
O BITO S DOENÇA
PO R DE CHAGAS/100.000
DO EN CA DE CHAGAS/ 100.hab.
000 hab.
25
Nordeste
Sul
20
Sudeste
Centro-O este
15

10

0
81 83 85 87 89

AN O
Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 26 - Evolução da mortalidade por doença de Chagas. Macrorregiões brasileiras, 1981-1989.

Informe Epidemiológico
do SUS
32
Eliseu Alves Waldman e cols. IESUS

doença em áreas urbanas e suburbanas da doença, principalmente nas Regiões


das cidades do Rio de Janeiro e de São Norte e Nordeste (Figura 27). Vale notar
Paulo.57 que cerca de um terço dos casos
A importância da leishmaniose ocorridos no Nordeste referem-se ao
tegumentar para a Saúde Pública está Estado do Maranhão, cujo território
relacionada ao fato de a doença poder pertence, em parte, ao ecossistema
comportar-se de forma epidêmica em amazônico.59 Na Região Sudeste, ainda
áreas recém-desmatadas. Também que em patamares inferiores aos das
relevante é a diminuição da capacidade Regiões Norte e Nordeste, observa-se,
de trabalho dos indivíduos afetados pela nos últimos cinco anos, a elevação da
doença. incidência da endemia.
A leishmaniose tegumentar ocorre, O que tem se visto nos últimos anos,
praticamente, em todo país, destacando-se particularmente nas Regiões Nordeste e
como área de alta endemicidade, como Sudeste, é que a leishmaniose tegumentar
conseqüência do desmatamento, a Região está deixando de ser uma doença com
características epidêmicas e própria de
Norte.
trabalhadores em contato com a mata. A
O comportamento da leishmaniose distribuição dos casos da doença em
tegumentar no Brasil varia de acordo com cidades do vale do Ribeira e da região de
diversos fatores; entre eles estão: as Campinas, no Estado de São Paulo, ilustra
características ecológicas de cada região; a adequadamente o processo de urbanização
infectividade das espécies de leishmânias; e endemização da leishmaniose
os hábitos e a biologia dos flebotomíneos de tegumentar no Brasil. 60
importância na transmissão da doença; a
Gomes, 59 buscando estabelecer um
diversidade dos ciclos biológicos dos
perfil da leishmaniose tegumentar no Brasil,
parasitas; e, ainda, a proporção de indivíduos
resume os três tipos básicos de
suscetíveis existente em cada área.59 comportamento da doença: leishmaniose
Acreditava-se, até recentemente, epidêmica da floresta virgem; leishmaniose
que a incidência de leishmaniose endêmica com surtos epidêmicos isolados
tegumentar tenderia a diminuir no país, ou casos esporádicos, na ausência do
acompanhando a das florestas tropicais, processo de domiciliação do vetor; e,
até ficar restrita a regiões próximas das finalmente, a leishmaniose endêmica com
matas residuais. No entanto, de 1985 a casos esporádicos e na presença do
1988, viu-se um incremento da incidência processo de domiciliação do vetor.

CASO S DE L
CASOS EISHMANIO SE/ 1 00 .0 00hab.
LEISHMANIOSE/100.000 hab.
1 0 00

1 00

10

Brasil
1
Norte
Nordeste
Sudeste
0 ,1
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91

ANO Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 27 - Evolução da incidência de leishmaniose tegumentar. Brasil e Macro-Regiões, 1980-1991.

volume 8, nº 3
julho/setembro 1999
33
IESUS Trajetória das Doenças Infecciosas: da Eliminação da Poliomielite à Reintrodução da Cólera

A outra leishmaniose de importância leishmânia; e a possível participação do


em Saúde Pública é a leishmaniose visceral indivíduo infectado, não sintomático, como
ou calazar, endemia de ampla distribuição fonte de infecção.63 Vale também mencionar
geográfica, podendo ser encontrada na que, em várias cidades da Região
Ásia, Europa, África e nas Américas. Nordeste, a urbanização está relacionada a
Nessa última região, são encontrados processos migratórios resultantes de
focos de transmissão desde o México até períodos de secas mais intensas. Nessas
a Argentina.61 oportunidades, os migrantes trazem
Na década de 70, as principais áreas consigo cães infectados para as regiões
de transmissão do calazar, em território urbanas, onde existe o vetor, propiciando,
brasileiro, encontravam-se no Piauí, no assim, condições para a transmissão da
Ceará, na Bahia e em Minas Gerais.61 A doença.
princípio, o calazar foi considerado uma Parasitoses intestinais
endemia parasitária exclusivamente rural; Os parasitas intestinais apresentam
datam, porém, dos anos 50 os primeiros ampla distribuição geográfica, alcançando
relatos da ocorrência da doença em áreas prevalências elevadas nos países do
urbanas. 61 Terceiro Mundo. Algumas estimativas
A tendência do calazar a partir do recentes assinalam que mais de um terço
final dos anos 70 mostra duas da população mundial estaria infectada
características: a primeira sinaliza um por um ou mais enteroparasitas, sendo
aumento do número de casos, em sua as crianças o grupo de maior risco.64
maioria concentrados na Região Nordeste A presença de parasitas intestinais
(Figura 28). A segunda apresenta representa um fator agravante da
indícios de uma acentuação do processo desnutrição, seja pela diarréia crônica,
de urbanização da endemia com o seja pela competição pelo alimento
aparecimento de novas áreas de ingerido. 65,66 Nos países não
transmissão localizadas em grandes desenvolvidos o papel patogênico das
cidades, incluída a área metropolitana de enteroparasitoses faz-se sentir com
São Paulo.62 maior intensidade pela existência de
O processo de urbanização do calazar amplos segmentos populacionais vivendo
no país não está suficientemente explicado, em áreas sem saneamento, sob condições
porém entre os fatores possivelmente habitacionais precárias e submetidos a
implicados estão: a domiciliação do condições alimentares deficientes.
principal vetor da doença; a maior Desde a década de 40, é elevado o
importância do cão como reservatório da número de trabalhos buscando

CASOS
CAS DECAL
O S DE CALAZAR/100.000 hab.
AZAR/ 100.000 hab.
10

0,1

0 Brasil
Nordeste
Sudeste
0
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91

ANO
Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 28 - Evolução da incidência do Calazar. Brasil e Regiões Nordeste e Sudeste, 1980-1991.

Informe Epidemiológico
do SUS
34
Eliseu Alves Waldman e cols. IESUS

dimensionar a prevalência das parasitoses década de 70, tanto para a região


intestinais no Brasil. No entanto, essas metropolitana quanto para o interior do
publicações refletem, em sua maioria, a estado. A evolução da positividade para
realidade de pequenas localidades, ancilostomíase indica declínio no interior
tornando difícil um diagnóstico e estabilidade na região metropolitana,
abrangente da situação do país. onde o problema, de qualquer forma,
Levantamentos sistemáticos permitem alcança menor magnitude. A freqüência
avaliar a tendência de evolução do de exames positivos para giardíase pouco
problema no Estado de São Paulo. se modifica ao longo de todo o período
Alguns levantamentos feitos em São estudado (entre 10 e 15% de exames
Paulo, no final da década de 30, relativos positivos, seja na região metropolitana,
à ascaridíase, indicavam prevalência em seja no interior do Estado de São Paulo).
torno de 55% para toda a população, e em Informações complementares às de
escolares essa taxa ficava próxima dos Chieffi e col67 (1982), relativas ao ano
70%. 57 Outros levantamentos
de 1987, confirmam as tendências
parasitológicos realizados nas décadas de
apontadas na década de 70, envolvendo
40 e 50 obtiveram como resultado taxas
o declínio da ascaridíase e da
igualmente elevadas de ancilostomíase em
ancilostomíase e a relativa estabilidade
escolares: 53% no Município de São
Paulo, 87% em Ribeirão Preto e 100% na da giardíase. Analisando esses mesmos
região litorânea do Estado de São Paulo.57 dados, dessa vez por regiões
administrativas do estado, verifica-se que
Levantamento feito por Chieffi e
a freqüência da ascaridíase nas regiões
col 67 relativo a séries históricas de
do vale do Ribeira e na Baixada Santista
resultados de exames parasitológicos
é duas a três vezes maior do que nas
realizados nas décadas de 60 e 70 pela
demais regiões. O mesmo acontece com
clientela das unidades sanitárias da
a ancilostomíase nas regiões do vale do
Secretaria Estadual de Saúde traz
importantes informações sobre a evolução Ribeira e Araçatuba.68
das enteroparasitoses no Estado de São A comparação de inquéritos
Paulo (Figuras 29 e 30). Expressivos domiciliares realizados nas décadas de 70
declínios na freqüência de exames (1973/74) e 80 (1984/85), em amostras
positivos para ascaridíase - a representativas da população de menores
enteroparasitose mais prevalente no de cinco anos residentes na cidade de São
estado - são observados ao longo da Paulo, evidenciam redução de cerca de

% DEPOSITIVIDADE
% DE PO SITIVIDADE
50
Ascaridiase
Ancilostomose
40
Giardiase

30

20

10

0
67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79

ANO Fonte: Chieffi.67

Figura 29 - Evolução da freqüência de exames positivos para enteroparasitoses na clientela das


unidades sanitárias da Secretaria Estadual de Saúde. Região Metropolitana de São Paulo, 1967-1979.

volume 8, nº 3
julho/setembro 1999
35
IESUS Trajetória das Doenças Infecciosas: da Eliminação da Poliomielite à Reintrodução da Cólera

% DE PO
POSITIVIDADE
SITIVIDADE
40
Ascaridiase
Ancilostomose
30 Giardiase

20

10

0
60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79

ANO Fonte: Chieffi.67

Figura 30 - Evolução da freqüência de exames positivos para enteroparasitoses na clientela das


unidades sanitárias da Secretaria Estadual de Saúde. Interior do Estado de São Paulo, 1960-1979.

50% na prevalência da ascaridíase e da no caso da ancilostomíase, deve existir


triquiuríase e declínio de 29% na prevalência também uma relação com o processo de
de giardíase.69 urbanização, especialmente no interior do
No estudo realizado na cidade de estado.
São Paulo em meados da década de 80, A menor variação das taxas de
verificou-se que 30,9% das crianças infecção por giardíase, nos diversos
examinadas abrigavam ao menos uma estudos citados, e a freqüência elevada
espécie de enteroparasita, sendo, da infecção mesmo em estratos da
respectivamente, de 16,4%, 14,5% e população de melhor nível
12,6% as prevalências da ascaridíase, socioeconômico sugerem uma estrutura
giardíase e triquiuríase (apenas uma das epidemiológica mais complexa para a
695 crianças examinadas encontrava-se giardíase. Esse comportamento poderia
infectada pela ancilostomíase). Ainda ser explicado, ao menos em parte, pela
nesse estudo, observou-se que 13,1% e existência da transmissão direta da
4,8% das crianças examinadas abrigavam, protozoose, fato que também justificaria
respectivamente, mais de uma e mais de o aparente menor impacto sobre a doença
duas espécies de parasitas. Tanto o determinado pela ampliação das redes de
poliparasitismo intestinal quanto a água e tratamento de esgoto verificada
prevalência específica de ascaridíase e nas últimas duas décadas no Estado de
triquiuríase variaram intensamente São Paulo.
conforme o estrato sócioeconômico da Tendências de evolução da Febre
família, observando-se menores Amarela
contrastes sociais com relação à
A febre amarela silvestre é uma
giardíase.69 zoonose cujo principal reservatório é o
O conjunto de evidências aponta macaco; acidentalmente pode atingir o
para um substancial declínio da homem não vacinado ao entrar em contato
prevalência da ascaridíase, da triquiuríase com a mata. Sob o aspecto
e da ancilostomíase no Estado de São epidemiológico, a febre amarela urbana
Paulo. Considerando a inexistência de distingue-se da forma silvestre, por ter o
programas específicos de controle, o homem como reservatório.
declínio deve estar relacionado, As regiões silvestres, nas quais o vírus
principalmente, à melhora das condições amarílico circula entre animais, são
do saneamento básico. Especificamente denominadas áreas enzoóticas. Por sua vez,

Informe Epidemiológico
do SUS
36
Eliseu Alves Waldman e cols. IESUS

as regiões que são invadidas, periodicamente, ameaça potencial de sua urbanização, em


pelo vírus, provocando surtos epidêmicos, conseqüência da reintrodução do Aedes
são denominadas áreas epizoóticas. ægypti e da ocorrência de surtos
O Brasil possui a maior área periódicos atingindo a área enzoótica, é
enzoótica de febre amarela silvestre do doença cuja ocorrência vem diminuindo
mundo, compreendendo as zonas de mata nos últimos anos (Figura 31). Vale notar
das Regiões Amazônica e Centro-Oeste que a disponibilidade de uma vacina efetiva
(a segunda área, em extensão, situa-se na e a existência de condições de fabricação
região do Congo, na África). de grandes quantidades de doses coloca,
No início da era republicana, a febre como remota, a perspectiva de um retorno
amarela situava-se entre os principais à situação vigente no início do século.
problemas de Saúde Pública do país, por Endemias recentemente reintroduzidas
causar epidemias devastadoras nas regiões no país
urbanas economicamente mais
importantes, entre elas a cidade do Rio Cólera
de Janeiro e as sedes dos municípios do A cólera foi descrita, pela primeira
interior paulista produtores de café. vez, como entidade mórbida distinta das
A transmissão urbana da febre amarela demais diarréias, na Índia, no século
deixa de existir no Brasil, em 1942, graças XVI. Permaneceu desconhecida no
ao combate eficaz ao Aedes ægypti. Ocidente até o século XIX, quando uma
Entretanto, o mosquito, que foi virtualmente epidemia originária do subcontinente
indiano atingiu a Europa, a África e a
eliminado do país na década de 50, reaparece
América do Sul. A partir do início do
transitoriamente no final dos anos 60, 49
século XX, a cólera é aparentemente
voltando a infestar permanentemente o
eliminada do hemisfério ocidental,
território nacional a partir de 1976.
desaparecendo mesmo em regiões onde
O Brasil possui duas áreas bem as condições sanitárias eram precárias. 70
definidas de circulação do vírus amarílico:
Em 1961, tem início a sétima
a enzoótica, abrangendo Pará, Amazonas,
pandemia de cólera que prossegue até
Acre, parte de Mato Grosso e Rondônia,
hoje. Dessa vez, o Vibrio choleræ, biotipo
Amapá, Roraima, Mato Grosso do Sul, clássico, responsável pela pandemia
Goiás, Tocantins e Maranhão; e a anterior, é substituído pelo biotipo El Tor.
epizoótica, que abrange Rio Grande do Duas principais repercussões dessa
Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e substituição, do ponto de vista
Minas Gerais. epidemiológico, são o fato de o biotipo
A febre amarela, em que pese a El Tor determinar menor proporção de

CASOS DE FEBREAMARELA/ 100.000 hab.


0,1

0
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91

ANO
Series 1
Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Figura 31 - Evolução da incidência da Febre Amarela. Brasil, 1980-1991.

volume 8, nº 3
julho/setembro 1999
37
IESUS Trajetória das Doenças Infecciosas: da Eliminação da Poliomielite à Reintrodução da Cólera

doentes entre os infectados e sua grande porte que varreriam as metrópoles


capacidade de permanecer no meio brasileiras foi muito comentada desde
ambiente como um organismo de vida quando a doença surgiu no país (1991).
livre, o que torna pouco viável sua Essa expectativa felizmente não se
eliminação.71 confirmou. A disseminação da cólera se
Merece destaque a recente deu, fundamentalmente, nas pequenas
identificação, no subcontinente indiano, cidades do Norte e Nordeste e apenas em
de nova cepa toxigênica do V. choleræ, o algumas capitais; entre essas, a mais
V. choleræ sorogrupo 0139. Esta cepa tem atingida, a partir de 1993, foi Fortaleza
elevada patogenicidade e determina (Tabelas 4 e 5). Tal fato sugere que as
quadro diarréico grave. Caso essa nova condições de saneamento das cidades
bactéria venha substituir a cepa El Tor, brasileiras, ainda que não satisfatórias,
na atual pandemia, haverá aumento estão melhores do que se suspeitava. De
fato, a diminuição expressiva da
significativo da importância da doença para
morbimortalidade por diarréias, na última
a Saúde Pública, quer pelo aumento da
década, já evidenciava bem esse ponto.
letalidade, quer pela elevação do custo do
tratamento hospitalar.72 Tudo sugere que a cólera tende a
assumir, no Brasil, o papel de doença de
Em 1991, 54 países em todo o
cidades e vilas, nas quais inexiste
mundo, 13 dos quais localizados na
A cólera, o saneamento básico. Aparentemente, a
problema de Saúde
América Latina, notificaram à simples disponibilidade de água potável
Pública mais Organização Mundial de Saúde cerca de seria suficiente para evitar um número
recente introduzido 600.000 casos e 20.000 óbitos causados maior de casos.
no país, traz uma pela cólera.73
conotação de Os bolsões de miséria existentes nos
A América Latina foi a última região centros urbanos constituem, porém,
miséria e ausência
a ser atingida pela sétima pandemia de
de infra-estrutura ameaça constante de epidemias de
urbana. Realmente, cólera, que se iniciou no Peru em 1991. maiores proporções.
trata-se de doença Nesse país, a epidemia foi explosiva com
Independentemente da magnitude
que somente taxas de incidência chegando a 15 casos
ocorre, sob a
das repercussões da doença sobre a
de cólera por 1.000 habitantes. 74 Nos
forma epidêmica, morbimortalidade da população, a cólera
quinze meses seguintes à introdução da
em áreas com certamente vem determinando efeitos
cólera na América do Sul, a Organização
precárias desastrosos sobre atividades econômicas
condições de vida.
Pan-Americana da Saúde recebeu cerca
importantes, como o turismo e a
de 460.000 notificações de casos da
produção de alimentos para exportação.
doença com 4.300 óbitos, de dezenove No Peru, uma estimativa conservadora
países. 70 Essas cifras dão uma idéia da aponta em 500 milhões de dólares os
magnitude do problema da cólera na prejuízos causados pela doença para a
América Latina. indústria pesqueira e para o turismo. 75
Os primeiros casos de cólera surgem Espera-se que esse fato possa sensibilizar
no Brasil em abril de 1991, inicialmente na autoridades governamentais
região amazônica, em área limítrofe ao eventualmente ainda não convencidas da
Peru e Colômbia, disseminando-se, a necessidade de se dotar todo o país das
seguir, principalmente para os estados do condições mínimas de saneamento
Norte e Nordeste do país. básico.
A cólera, o problema de Saúde Dengue
Pública mais recente introduzido no país, Na atualidade, o dengue situa-se
traz uma conotação de miséria e ausência entre as mais importantes doenças
de infra-estrutura urbana. Realmente, causadas por vírus. Sua distribuição
trata-se de doença que somente ocorre, geográfica é ampla, abrangendo a África,
sob a forma epidêmica, em áreas com a Ásia, a América Latina e o Caribe e tudo
precárias condições de vida. indica que sua incidência esteja
A possibilidade de epidemias de aumentando.

Informe Epidemiológico
do SUS
38
Eliseu Alves Waldman e cols. IESUS

No Sudeste asiático, entre 1970 e Tabela 4 - Morbimortalidade por cólera nos dez municípios
1987, a incidência da doença aumentou mais atingidos pela doença. Brasil, 1993
de 15 para 170 casos por 100.000 Taxas (por 100 mil hab.)
habitantes. Em 1987, as taxas de No de
Município (UF)
incidência do dengue na Tailândia e Vietnã Morbidade Mortalidade
casos
atingiram níveis de 3.700 e 6.400 por
Galinhos (RN) 147 11.593,1 7,9
100.000 habitantes, respectivamente.
São Bento do Norte (RN) 375 4.084,1 21,8
Ainda que parte desse aumento possa ser
Cubati (PB) 194 3.109,1 -
atribuída à melhora da notificação, em
Oliveiros (PB) 87 2.591,2 -
conseqüência do maior conhecimento do
Pedra Grande (RN) 91 2.579,0 -
problema, a tendência da doença é de
Mojeiro (PB) 294 2.197,2 14,9
crescente ascensão. 76
Parazinho (RN) 83 2.063,0 49,7
A importância em Saúde Pública Floresta Azul (BA) 250 1.890,3 15,1
atribuída ao dengue deve-se Santa Rosa (AC) 12 1.762,1 -
particularmente a suas formas graves, Cacimbinhas (AL) 290 1.749,1 8,4
especialmente ao dengue hemorrágico.
Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.
Em 1987, foram notificados no sudeste
asiático mais de 600.000 casos de dengue
hemorrágico que determinaram 24.000 Tabela 5 - Morbimortalidade por cólera por estado.
óbitos, dos quais 95% atingiram Brasil, 1993
indivíduos menores de quinze anos.76 Taxas (por 100 mil hab.)
O impacto do dengue nos serviços Estado No de Letalidade
Morbidade Mortalidade
de saúde tem sido enorme. Em 1981, casos (%)
durante uma epidemia de dengue Rondônia 5 - 0,4 -
hemorrágico em Cuba, em pouco mais Acre 41 4,9 9,3 0,5
de três meses foram hospitalizados cerca Amazonas 909 4,8 40,4 2,0
de 116.000 pacientes, mais de 1% da Pará 346 2,6 6,2 0,2
Amapá 46 - 10,8 -
população da ilha. Entre os custos diretos
Maranhão 664 3,3 13,0 0,4
e indiretos, estima-se que os gastos Piauí 1.144 2,5 42,8 1,1
atingiram 100 milhões de dólares Ceará 12.926 0,6 196,5 1,2
americanos. 76 Rio G. do Norte 2.920 1,1 115,8 1,3
Entre os determinantes que podem Paraíba 6.930 0,7 204,8 1,4
estar facilitando a disseminação do Pernambuco 9.033 1,2 123,5 1,5
dengue, merecem registro: a Alagoas 5.087 0,3 193,9 0,6
intensificação das trocas comerciais entre Sergipe 930 0,9 59,4 0,5
Bahia 4.760 1,9 38,6 0,7
países; os movimentos migratórios; a alta
Minas Gerais 61 14,8 0,4 0,1
densidade populacional nas áreas Espírito Santo 100 5,0 3,7 0,2
metropolitanas; o crescimento Rio de Janeiro 268 3,7 2,1 0,1
desordenado das cidades, onde o São Paulo 11 18,2 0,0 0,0
abastecimento irregular da água e a Paraná 6 - 0,1 -
inadequada coleta e armazenamento do Brasil 45.975 1,1 30,1 0,3
lixo facilitam a proliferação de Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.
mosquitos. 77
Os vetores mais eficientes na albopictus possui a capacidade de
transmissão do dengue são o A. aegypti infectar seus descendentes, em
e o A. albopictus. Este último, originário sucessivas gerações, pela transmissão
da Ásia, pode vir a assumir importante transovariana.
papel na manutenção da endemia, pois é A reintrodução do A. aegypti no
capaz de perpetuar a circulação do vírus Brasil, em 1976, e sua progressiva
do dengue, mesmo sem a participação do disseminação por todo o país, sugeriam,
homem ou de outro reservatório. O A. já no final da década de 70, previsões

volume 8, nº 3
julho/setembro 1999
39
IESUS Trajetória das Doenças Infecciosas: da Eliminação da Poliomielite à Reintrodução da Cólera

sombrias quanto à ocorrência de risco de uma grave epidemia de dengue


epidemias de dengue. hemorrágico é uma séria ameaça. A
O primeiro surto de dengue, após a estratégia adotada pelos sanitaristas
reintrodução do A. aegypti, deu-se em brasileiros do início do século não pode
Roraima, em 1982, com 12.000 casos ser adaptada à atual realidade urbana do
notificados. país. Na impossibilidade de se eliminar
Após o surto de Roraima, o dengue novamente o A. aegypti, em face do
volta a ocorrer de forma epidêmica, em elevado custo e à necessária adesão de
1986, nos Estados do Ceará, Alagoas e Rio todos os países do continente, não parece
de Janeiro. O mais atingido, nesse ano, foi restar outra alternativa a não ser a busca
o Rio de Janeiro, onde foram notificados, de formas aceitáveis de conviver com o
entre 1986 e 1987, cerca de 93.000 casos. problema.
Esses dados estavam possivelmente Vale registrar que, além da presença
subestimados, pois levantamento do A. aegypti, houve também a
epidemiológico efetuado, na mesma introdução, no Brasil, durante a década de
oportunidade, em escolares do Rio de 80, do Aedes albopictus, cuja origem e
Janeiro, encontrou uma taxa de ataque de dispersão no país se deve, em parte, à
22,4%. 77 comercialização de pneus usados. O
A partir de 1986, o dengue controle desse mosquito é difícil, pois ele
dissemina-se pelo país, determinando a prolifera tanto em criadouros artificiais
ocorrência de epidemias em vários centros como em naturais. Hoje, o A. albopictus
urbanos, de grande e pequeno porte, em tem ampla distribuição no território
estados do Nordeste, Sudeste e brasileiro. Apesar de ser considerado
Centro-Oeste (Tabela 6). transmissor do dengue, não foi
comprovada sua participação em nenhuma
As maiores epidemias ocorreram em
Fortaleza e na área metropolitana do Rio das epidemias ocorridas no país.
de Janeiro. O episódio mais preocupante O controle do dengue constitui
ocorreu no Rio de Janeiro entre 1991 e enorme desafio para as autoridades
1992, quando foram notificados quase sanitárias, não existindo, ainda, vacina
100.000 casos, sendo 237 deles eficaz contra a doença.
classificados como dengue hemorrágico, Na realidade, a doença constitui um
com três pacientes evoluindo para óbito. dos mais sérios problemas de Saúde
Do Rio de Janeiro a Tocantins, o Pública, na atualidade, em vastas regiões
Tabela 6 - Distribuição dos casos de dengue notificados no Brasil, por Unidade Federada.
Brasil, 1986 - 1992
Unidade
1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992
Federada
Tocantins - - - - - 2.194 -
Ceará 4.419 22.513 55 4.126 15.656 6.703 165
Pernambuco - 2.118 - 27 - - -
Alagoas 9.383 3.225 65 60 294 1.317 285
Bahia - 623 - - - - -
Minas Gerais - 527 - - - 286 -
Rio de Janeiro 33.568 60.342 60 1.111 21.005 78.702 1.224
São Paulo - 46 10 10 2.081 3.661 36
Mato G. do Sul - - - - 1.606 4.465 846
Mato Grosso - - - - - - 981

Total 47.370 89.394 190 5.334 40.642 97.328 3.537


Fonte: MS/FUNASA/CENEPI.

Informe Epidemiológico
do SUS
40
Eliseu Alves Waldman e cols. IESUS

do mundo, preocupando não só países em fortalecimento da pesquisa científica e


desenvolvimento, mas também os tecnológica no âmbito do sistema de
industrializados. saúde.
Novas tecnologias no controle das Como modelo da primeira vertente
doenças transmissíveis se destacou o Instituto Adolfo Lutz de
São Paulo; na segunda vertente desponta
Em que pese a ausência, no passado
recente, de políticas bem-definidas de como a maior e mais complexa instituição
incorporação de novas tecnologias no a Fundação Osvaldo Cruz do Rio de
setor saúde, alguns avanços são Janeiro. Deve ser lembrado também por
inegáveis. seu bom desempenho o Instituto Evandro
Chagas sediado no Pará.
Um dos mais importantes foi o
desenvolvimento da tecnologia necessária No âmbito do SNLSP foi criada a
para a utilização eficaz da imunização pela figura do Laboratório Nacional de
rede básica de saúde. A campanha de Referência com o credenciamento de
vacinação em massa contra a meningite várias unidades para áreas específicas.
meningocóccica, em 1975, foi um marco Merecem destaque três Laboratórios de
que merece registro especial: não só Referência Nacional: o laboratório de
porque, a partir dela, passou-se a arbovírus, localizado no Instituto
dominar a tecnologia indispensável à Evandro Chagas, com serviços relevantes
utilização regular de campanhas de principalmente na Amazônia; o
vacinação, como também pela maior laboratório de enterovírus, sediado na
aceitação que as vacinas passaram a ter Fundação Osvaldo Cruz e principal
na população. suporte técnico do programa de
As campanhas de vacinação, apesar eliminação da poliomielite no Brasil; e o
de serem alvo de críticas severas, muitas laboratório para meningites bacterianas,
vezes procedentes, de inúmeros de responsabilidade do Instituto Adolfo
sanitaristas, são as principais Lutz.
responsáveis pelos bons resultados no Vale destacar ainda a Fundação
controle das doenças imunopreveníveis Osvaldo Cruz, reorganizada, a partir de
no país; em conseqüência, claro está, das 1975, em torno de quatro núcleos: a
deficiências da rede básica de saúde. Escola Nacional de Saúde Pública; um
Merece também registro a complexo laboratorial destinado a
incorporação, pela rede de serviços de pesquisas no campo da Medicina
saúde, de técnicas de tratamento Experimental; outro complexo laboratorial
simplificado para doenças infecciosas de formando o Instituto Nacional de
grande importância na morbidade e Controle de Qualidade em Saúde (INCQS)
mortalidade, como é o caso das diarréias voltado, principalmente, ao controle de
e, em menor grau, das doenças qualidade de produtos de consumo
respiratórias agudas. humano e de tecnologias médicas; e,
Um aspecto importante na finalmente, um centro de produção de
incorporação e no desenvolvimento de imunobiológicos (Bio-Manguinhos).
tecnologias no campo da Saúde Pública O Instituto Butantã, de São Paulo,
foi a já citada criação do Sistema Nacional passa também, a partir de 1983, por um
de Laboratórios de Saúde Pública processo de reorganização de menor
(SNLSP), em 1977. Esse sistema foi dimensão que o da Fiocruz, mas de
implementado em duas vertentes, uma inegável importância. Essa instituição, que
voltada para a ampliação e aprimoramento segue o modelo do Instituto Pasteur, de
do apoio laboratorial, visando Paris, ergue-se sobre dois pilares, um
principalmente o diagnóstico das doenças voltado à pesquisa científica e tecnológica
transmissíveis e a fiscalização de e outro à produção de imunobiológicos.
alimentos, e a outra centrada no Nos últimos anos, o Instituto Butantã

volume 8, nº 3
julho/setembro 1999
41
IESUS Trajetória das Doenças Infecciosas: da Eliminação da Poliomielite à Reintrodução da Cólera

conseguiu bons resultados na ampliação Comentários finais


e no aprimoramento da qualidade de sua Os dados reunidos neste trabalho
produção de vacinas, porém o marco indicam grande variedade de situações no
principal do período talvez tenha sido a que se refere à trajetória das doenças
criação do seu Centro de Biotecnologia. transmissíveis no Brasil. Levando-se em
Finalmente, cabe notar que dois projetos conta a evolução da mortalidade geral por
de grande relevância para o desenvolvimento doenças infecciosas e parasitárias, o
e de tecnologias de controle de doenças panorama é, sem dúvida, favorável e induz
infecciosas foram implementados com mesmo a certo otimismo. Outro é o
sucesso na década de 80. quadro, entretanto, quando se analisam
O primeiro desses projetos foi a grupos específicos de enfermidades e
criação da rede de hemocentros, com quando se atenta para a evolução
unidades distribuídas em vários pontos do simultânea da mortalidade e da
país. Esse programa permitiu não só a morbidade. Esquematicamente e,
incorporação de novas tecnologias para portanto, correndo risco de simplicar
produção de hemoderivados, mas também demasiadamente a questão, vislumbram-
se três situações paradigmáticas:
melhorou de forma significativa a
qualidade e segurança das transfusões 1) situações favoráveis que indicam que
sanguíneas, com a conseqüente o controle da enfermidade está a caminho;
diminuição da ocorrência de infecções 2) situações que sugerem que a
transfusionais. Cabe salientar que o enfermidade deverá permanecer em seus
surgimento da aids constituiu fator de níveis costumeiros ainda por longo tempo;
importância na priorização desse 3) situações preocupantes que apontam
programa. expansão da enfermidade.
O segundo projeto foi o Programa Como exemplos marcantes de
de Auto-Suficiência Nacional em situações favoráveis, destacam-se o
Imunobiológicos (PASNI), criado em declínio substancial das gastroenterites -
1986. Sua origem está ligada à principal causa da mortalidade infantil no
implantação, em 1981, de um sistema de Brasil - e a redução notável das doenças
controle de qualidade de vacinas utilizadas imunopreveníveis - em particular da
pelo Programa Nacional de Imunizações poliomielite, enfermidade considerada
(PNI) e com a própria criação do INCQS, eliminada do país a partir de 1994. A
nesse mesmo ano. Outro fator foi a esses exemplos poder-se-iam acrescentar
expansão operacional do PNI na década o declínio das enteroparasitoses (bem
de 80, quando o país passou a ser o demonstrado no Estado de São Paulo) e
terceiro mercado consumidor de as boas perspectivas para a interrupção
imunobiológicos do mundo. Como da transmissão natural da doença de
exemplo, tem-se a vacina contra a Chagas em grande parte da área endêmica
poliomielite, cujo consumo anual saltou do país e para a redução das formas
de 20 milhões para 80 milhões de doses severas da esquistossomose.
em decorrência das campanhas de No grupo das enfermidades
vacinação em massa.78 infecciosas que aparentemente subsistirão
Durante o período de 1985 a 1990, por longo tempo em nosso meio, avultam
o PASNI centrou sua atuação na as grandes endemias urbanas
recuperação e modernização da representadas pela tuberculose e pela
infra-estrutura e equipamentos, hanseníase e, em áreas mais restritas do
construções de novas unidades, apoio à território nacional, a malária e as
incorporação e desenvolvimento de novas leishmanioses.
tecnologias e formação de recursos Finalmente, são exemplos de
humanos. 78 doenças com grande potencial de

Informe Epidemiológico
do SUS
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Eliseu Alves Waldman e cols. IESUS

expansão no Brasil: o dengue (e sua forma âmbito dos sistemas e subsistemas


clínica mais temida - o dengue envolvidos. Com fundamento nesse
hemorrágico), a cólera (em extensas referencial teórico, apresentado de forma
áreas do país) e a aids. sintética e simplificada, pode-se entender
As diferenças no comportamento da melhor fenômenos como o
evolução das doenças infecciosas no país recrudescimento da malária na Amazônia
revela a complexidade dos fatores a partir dos anos 70, o aparecimento de
envolvidos em sua determinação. A novas doenças como a febre purpúrica
apreciação da evolução de diferentes brasileira e mesmo a introdução e
enfermidades, tal como feita neste disseminação da aids no país.
trabalho, indica a importância de um Finalizando, vale comentar que os
amplo conjunto de determinantes, que resultados favoráveis quanto ao controle
incluem desde a industrialização e das doenças transmissíveis foram
conseqüente urbanização do país, até o obtidos, em grande parte, com
grau de organização e cobertura da rede fundamento em estratégias que se
dos serviços de saúde, ambos fatores mostrarão progressivamente menos
permeados pelas profundas desigualdades
viáveis à proporção que avança o
sociais e regionais que caracterizam o
processo de descentralização dos
Brasil. Uma análise mais específica das
serviços de saúde. O grande desafio,
diferentes enfermidades infecciosas leva
também a considerar o surgimento e a daqui para frente, para o Sistema Único
incorporação de diferentes tecnologias de Saúde (SUS), é, justamente, gerenciar
médico-sanitárias, a expansão do o processo de mudanças, garantindo
comércio internacional e das correntes saltos quantitativos e qualitativos na
migratórias, a variação na virulência de assistência integral à saúde. Para tanto,
microorganismos e parasitas e mesmo o o SUS deverá estabelecer políticas
aparecimento de novos agentes institucionais de médio e longo prazo no
patogênicos. setor e oferecer os recursos humanos e
Uma abordagem interessante e a infra-estrutura necessários para que
abrangente para o estudo e a discussão todas as regiões do país incorporem
do comportamento da evolução das conhecimentos científicos e tecnológicos
doenças infecciosas é apresentada por que garantam o aprimoramento constante
Cherkasskii. 79 Esse autor, aplicando dos serviços prestados à população.
enfoque sistêmico, afirma que, para Agradecimentos
melhor compreensão do comportamento
das doenças infecciosas, estas devem ser Os autores agradecem a Mauricio
estudadas não só por sua distribuição no Lima Barreto (Universidade Federal da
tempo, espaço e segundo os atributos da Bahia), Pedro Luiz Tauil (Universidade
população, mas, também, com de Brasília), Luiz Augusto Marcondes
fundamento em seus determinantes ao Fonseca (pesquisador do Nupens/USP)
nível dos sistemas biológico, econômico e Alvaro Escrivão (Secretaria de Estado
e político, estes entendidos como um todo da Saúde de São Paulo), por valiosas
inter-relacionado e interdependente. O críticas e sugestões em matérias em que
antagonismo e a heterogeneidade da são especialistas.
estrutura dos sistemas e subsistemas que
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