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PSICANÁLISE E SUA APLICAÇÃO – PARA UMA RESENHA CRÍTICA DE

‘FREUD PEDAGOGO? PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO’

CIFALI, Mireille. Freud pédagogue? Psychanalyse et éducation. Paris: Inter Editions,


1982. 218 p.

Mireille Cifali nasceu em 1946, na comuna de Le Locle, na Suíça. Mireille


Pierrette originalmente e Mireille Cifali Bega atualmente, desde o seu casamento com
Estref Bega, tendo recebido o sobrenome Cifali quando de seu casamento com Mario
Cifali. É historiadora e psicanalista, tendo se dedicado longamente em sua vida à área
das Ciências da Educação, notoriamente na Universidade de Genebra, onde desde 2010
é professora honorária – sua carreira universitária lá se iniciou em 1973, como assistente
na faculdade de Psicologia (de 1986 até 2010 lecionou como professora, quando então
se aposentou). Estudou letras (francês) e literatura, história e filosofia, realizando a sua
formação psicanalítica entre Paris e Genebra, entre 1979 e 1988, além de uma análise
didática (Lehranalyse) em Paris com o lacaniano Pierre Thèves, entre 1975 e 1984.
Fundou revistas, sociedades e arquivos, além de colaborar com muitas instituições de
pesquisa, estando sempre fundamentalmente interessada na relação entre pedagogia e
psicanálise, bem como na história da psicanálise na Suíça. Mais ainda,
responsabilizando-se por um curso denominado “Dimensões relacionais e emocionais
das profissões humanas”, cuidou visceralmente de capacitar aqueles que exercem tais
profissões de compreenderem a importância de seus gestos e palavras. Entre tantos
mais, vale destacar seus trabalhos: (1982) Freud pédagogue? Psychanalyse et éducation,
Paris, InterEditions; (1994) Le lien éducatif : contre-jour psychanalytique. Paris, Puf, 6e
éd., 2012; (2018) S'engager pour accompagner. Valeurs des métiers de la formation,
Puf.; (2019) Préserver un lien. Éthique des métiers de la relation, Paris, Puf, 352 p.;
(2020) Tenir parole. Responsabilités des métiers de la transmission, Paris, Puf, 336 p.

Notoriamente, ‘Freud pedagogo?’ gira e faz girar o encontro entre psicanálise e


educação ao redor de uma palavra-chave: aplicação. Aplicação possível? Inconsciente,
reprimido, ou mais, não é objeto confinável ou que se circunscreve facilmente, não é
delimitável tal como ocorre com os objetos da psicologia ou da linguística. Tem que se
trabalhar um pouco mais. Psicanálise é trabalho com lacuna, com borda, com resto, com
furos de conhecimentos constituídos, é busca por ruptura e furo do mais visível.
Trabalho do não-óbvio, comumente em negativa. Daí, então: aplicação? Aplicação de
quê? Do desóbvio? Do furo? Bom, Mireille acompanha Freud e seu largo interesse
(pelo menos dezesseis textos com aportes diretos, antre 1909 e 1937) em “aplicar”,
mostrando que a própria observação desta intenção e seus esforços de realização nos
educam largamente sobre as vicissitudes desta empreitada, lançando mão especialmente
dos interlocutores imediatos de Freud e também dos seus posteriores leitores e eleitores,
comumente dedicados a desvincular um campo do outro. Nada de teorias mestras,
colonizadoras e infecundas: interessa o explosivo, alquimia complexa e difícil,
arriscada, arriscadíssima mesmo, que certamente não deixará de deixar marcas nos
partícipes: mas não é para acabar com tudo! É para que se atente ao que for atentado e
para que se cuide justamente da difícil transa de impossibilidades, de dois impossíveis,
ou mais.

Dito isto, o livro é genial. E caberia acabar o texto aqui. Justamente para não se
correr qualquer risco de, ao acrescentar uma palavra mais à série, se perder por mínimo
que fosse de vista a força desta afirmativa, atenuando por pouco que fosse a sua marca.
O livro é genial. E é genial a despeito do que gasta de energia rebatendo ou ponderando
sobre assertivas de sua época que tanto e pobremente sustentavam a impertinência da
relação psicanalítico-pedagógica. Alegações que eram nitidamente levianas, embora
talvez só tenham se tornado tão nitidamente enganosas após a análise preciosa e genial
que a nossa autora realizou aqui – provavelmente isso também justificando a
genialidade mencionada: isto é, é genial ao fazer isso, mesmo que isso seja uma
desgaste e que haja coisa até mais genial para além do tanto disso. Portanto, vale o friso
de lamento: lamento que custou muito tempo para demonstrar certos óbvios, porque
poderíamos ter tido já aqui ainda mais menos óbvios. Outrossim: quem é que vai querer
resolver tudo de uma só vez? De fato, não faz sentido. Do absoluto ao absolvido há
importante caminho.
Mas haveria que retornar Freud ao atual da época, recapitulando algo do que ele
pensou, do que ele considerou que fosse Psicanálise, Educação, Psicanálise Aplicada e
Psicanálise Aplicada à Educação, para então demarcar algo desta relação. Pois a relação
importa. Relação deveras negada, seja tida na dimensão de uma impossibilidade, de
uma Educação Impossível (MANNONI, 1977), seja encarnada na pele de um Freud
Anti-pedagogo (MILLOT, 1987): não havia saída. Os que liam Freud, o liam assim,
terminantemente irrelacionado, desistido e desiludido de um desejo não realizado, ou
seja, não sonhado. Não sonhado? Foi exatamente a tais coisas que Cifali (1982)
respondeu com esta pergunta: será mesmo? Historicamente, será mesmo que não
sonhou? Ou mesmo que sonhou, mas despertou? Como se psicanaliticamente não se
soubesse que só se acorda para se continuar sonhando acordado. Não, muita gente
queria apenas a não relação, o não sexo. A isso a autora rebateu bem. A isso, a essas e a
tantos mais. Foi atrás do enredos, das tramas, das trocas, das cartas, das relações de
Freud, dos interlocutores diretos, dos acontecimentos indiretos, sempre montando uma
panorama riquíssimo dos desenlaces e dos momentos-chaves.
Bem, houveram também aqueles que fundiam a psicanálise à educação. Cifali
(1982) bem remontou a Pfister (1913) e à sua Pedanálise, embora nele houvesse mesmo
uma união de psicanálise, educação e religião até. Freud de fato ‘aplicou’ a sua
psicanálise à arte, à educação, à religião e mesmo à história; e, de fato, como bem
salienta a autora (CIFALI, 1992, p. 18), ele “não fez nenhuma teoria da aplicação” – e,
aliás, nesse sentido, consideraremos um fracasso completo o nosso trabalho aqui se não
conseguirmos teorizar minimamente o que seria uma aplicação, realizar e defender uma
tese sobre ‘psicanálise aplicada’ (tamanha a nossa prepotência; ou bem mais seria
seriedade? Responsabilização por um desfalque, arranjo mínimo para um entrevero,
embora, talvez, apenas um esforço de oferecer algo que, por força de expressão, não
necessariamente há de ser bom) – muito embora tenha aventado de tudo, sim:
psicanalista-pedagogo como profissional, psicanalista atuando psicanaliticamente
noutro campo, etc. E bem se poderia dizer que assumir a psicanálise como uma
pedagogia, bem poderia ser uma forma de eliminar a relação, o hífen (psicanálise-
educação). Mas isso poderia ser útil?
No ano de 1992, MD Magno (1993, orelha do livro) realizou um seminário onde
bem podemos ler “A psicanálise é uma Pedagogia”, prontamente acrescentando “Desde
Freud, trata-se de inquirir que Pedagogia é a psicanálise (e não apenas de estabelecer
suas (não)relações com a educação)”. É o início mesmo assim, daquele seu seminário:
“Intitula-se, este ano, Pedagogia Freudiana, apesar de tantos fazerem a suposição de
que a pedagogia nada tem a ver com o freudiano. Tentarei mostrar que, muito pelo
contrário, tem tudo a ver” (MAGNO, 1993, p. 1). E logo marcará: “A psicanálise, que
diabo é isso? Lacan a definia como sendo esta pergunta” (MAGNO, 1993, p. 2). Para
ele, a pedagogia tem a ver com o singular, e lembrará Lacan mencionando em seu 21°
Les non-dupes errent que haveria o “resultado da boa pedagogia”, no caso, uma
pedagogia do nó borromeano, inobstantemente Magno (1993, p. 10) demarcando que:
“Não é o meu caso. O nó borromeano me serve muito, mas quero constituir uma
Pedagogia do Revirão”, ao que de fato dedicar-se-á longa e novamente.
Magno provoca bem, e posso finalizar a sua lembrança com isso aqui:
Terei tempo mais adiante de comentar – de novo, porque já fiz isso
uma vez – esses autores que querem que a psicanálise nada tenha a ver
com a pedagogia. O que me parece demissão, se não mesmo entrega
do ouro ao bandido. Ao contrário, quero dizer que a psicanálise é uma
pedagogia, nada mais. O último livro de Gilles Deleuze – junto com
Félix Guattari , o qual não tenho que necessariamente seguir em seus
passos – mas, contra a vontade de assassinato no campo do saber e da
universidade, é preciso tirar o chapéu e fazer reverência a quem existe
pensadamente –, Qu’est-ce que la philosophie?, na página 17, diz
alguma coisa que serve para ilustrar muito bem o espírito, se não a
carne, pelo menos, do que quero vir a colocar como pedagogia
freudiana: “Os pós-kantianos giravam em torno de uma enciclopédia
universal do conceito, que remetia sua criação a uma pura
subjetividade, em vez de se darem uma tarefa mais modesta, uma
pedagogia do conceito, que devesse analisar as condições de criação
como fatores de momentos que restam singulares. Se as três idades do
conceito são a enciclopédia, a pedagogia e a formação profissional
comercial, só a segunda pode nos impedir de cair dos cimos da
primeira no desastre absoluto da terceira, desastre absoluto para o
pensamento, quaisquer que sejam, é claro, os benefícios sociais do
ponto de vista do capitalismo universal” (MAGNO, 1993, p. 7).

Uma pedagogia, assim, que se opõe à enciclopédia, ao uso enciclopédico do


saber, bem como ao manejo capitalista do mesmo – este que transtorna tudo em nada,
que vende sete passos para um objetivo e tanto mais. Aliás, isso também faz lembrar de
uma fala de Humberto Haydt de Souza Mello:
... todo mundo quer aprender. Resta saber o quê é que as pessoas
querem aprender. As pessoas querem aprender – isso é o mais comum
–, querem aprender a se aproveitar daquilo que está ao alcance para se
dar bem na vida. Se o que está ao alcance é o diploma, (então) eles
querem aprender para terem o diploma. E uma vez conseguido o
vestibular ou o diploma, essa coisa está “aprendida”: isso não tem
nada a ver com ‘sabedoria’. Isso tem a ver com o cumprimento de um
trajeto maníaco de saltar obstáculos para ter o prazer imediato. [...]
buscar na vida, contra o desejo de se conhecer, as coisas para se ter
esse prazer imediato, (como) gente que estuda para ter gratificação de
nível superior: isso não é estudo! Gente que estuda porque agora se
aposentou, gente que estuda porque acha que é bonito estudar, isso
tudo... [...]. [A Universidade não está sem o instrumental para poder
modificá-los, mas] Eu já encontrei n pessoas que dizem ‘eu só queria
uma oportunidade de trabalho’, com o seu diploma na mão, e, na
verdade, são pessoas que não transaram a vida em dimensão nenhuma.
E que ainda acreditam que ter um diploma é ter direito a ter emprego,
como se estivessem na casa do papai e da mamãe. Quer dizer, a
Universidade não deu nem a possibilidade deles se mancarem disso
durante o curso, saberem que eles não estão adquirindo direito de
coisa nenhuma, que eles têm lá apenas o privilégio de aprender, se é
que há o desejo de aprender, que é a coisa mais rara... (MELLO, 2023,
n. p.).

Saber capitalista que só pode levar ao maníaco, comumente através do


assimilado universitário – numa relação promíscua com o saber, perversa, no sentido de
pura instrumentalidade banal dos partícipes, forçosamente canalhas desimplicados que,
por excelência, não podem criar intimidade (eis a promiscuidade, a venda barata e
infecunda – houvesse nisso prazer além de gozo, até se poderia considerar). Haveria que
haver cura, curadoria, relação e ‘subjetividade’ no aprender, implicação subjetiva
(singularidade, aqui). Nada de relação distante objetiva ou comercial. Pedagogia.
Psicanálise, em um final de análise, inescapavelmente incorrerá em uma mudança na
relação com o saber, implica uma verdadeira transformação neste processo de saber.
Haveria como não chamar de Pedagogia do Desejo?
E haveria como não chamar de cura pela fala, bem aí a nomeando como só mais
uma medicina? Haveria como não ser nem uma medicina e nem uma pedagogia?
“Para forjar a sua descoberta, Freud teve que arrancar a psicanálise daquilo que a
precedia, isto é, teve que diferenciá-la da pedagogia e da medicina, campos igualmente
advindos de encontros nos quais o futuro do ser humano entra enfaticamente em jogo”
(CIFALI, 1992, p. 140), não sem justamente, com fins mais ou menos didáticos, a ter
comparado efetiva e constantemente a tais práticas para expressar e explicar o de que se
tratava esse seu ‘novo negócio’. Inclusive comparando ao papel de um confessor,
portanto, lançando mão da ideia de um sacerdócio (médico de almas?). “Não foi apenas
em 1895, em seus Estudos sobre a histeria, que uma argumentação assim se deu. Lá no
início de suas descobertas, era realmente normal que ele tivesse recorrido a tais
analogias com ofícios existentes e comuns” (CIFALI, 1992, p. 142).
É como uma medicina, pois trata de doença, e a pessoa há de ‘melhorar algo em
sua saúde, terá remissão de sintoma’, mas não é medicina. É como uma pedagogia, pois
oferece ‘esclarecimentos onde a ignorância produziu um temor’, mas não é educação.
Por vezes ocorre de agirmos como ‘confessores que, pela persistência de interesse e
estima, concedem a absolvição após a confissão’ – efeito sempre catártico –, mas não é
religião. É mesmo difícil criar algo novo, parir uma novidade. Acima de tudo, como
fazer notar a diferença de tudo o mais, como mostrar em que se difere? “Freud levou a
cabo um processo de desprendimento, pois a relação analítica não é assimilável a uma
relação médica ou pedagógica. Não obstante, tais questões prévias não deixam de
retornar” (CIFALI, 1992, p. 140). Direta ou inconscientemente.
Mas Freud não era bobo, ou melhor, não era não-tolo: sem erro sabia, por
trabalho transferencial, que “o único desejo do psicanalista é o de ‘ver que o paciente
toma sozinho as suas próprias decisões’” (FREUD, apud CIFALI, 1992, p. 141), com
isso de saída assumindo que o analista não seria nem um guru e nem um conselheiro,
facilmente salientando e mesmo criando um campo novo de trabalho: o do desejo.
Medicina do desejo soa muito peculiar. Fico mais próximo da pedagogia do
desejo, tal como Cifali (1992) conjugou, ou mais bem ponderou:
Quando Freud constata, em 1938, que uma palavra que trata da
realidade sexual não impede em nada uma criança de seguir as suas
crenças fantasmáticas [Em "Análise terminável e interminável", Freud
escreve o seguinte: "... quando fornecemos às crianças
esclarecimentos sexuais [...] Após tais esclarecimentos, as crianças
sabem algo que não conheciam antes, mas não fazem uso do novo
conhecimento que lhes foi presenteado. Viemos a perceber que sequer
têm grande pressa de sacrificar, a esse novo conhecimento, as teorias
sexuais que poderiam ser descritas como um crescimento natural e que
elas construíram [...]. Por longo tempo após receberem
esclarecimentos sexuais, elas se comportam como as raças primitivas
que tiveram o cristianismo enfiado nelas, mas que continuam a adorar
em segredo seus antigos ídolos" ("Análisis terminable e interminable"
op. cit., t. XXIII, p. 236)], ele mostra bem o lugar desse saber na
criança: é uma informação com pouco efeito. Quando ele afirma que o
fantasma não é corrigido com a ajuda de um juízo de realidade, que
uma realidade exterior de modo algum pode se parear a reconstrução
que dela faz um sujeito e que uma informação é incapaz de substituir
um saber proveniente de uma busca pessoal, Freud proporciona os
meios para que possamos isolar o processo mediante o qual não
apenas o sexo da criança poderia tornar-se suscetível de ser convertido
em um objeto pedagógico, senão que igualmente o seu brincar, a sua
criação, a sua personalidade e, por que não, o seu desejo e seu
inconsciente, porque, vejam, já não é mais monstruoso afirmarmos a
existência de uma pedagogia do desejo hoje em dia (CIFALI, 1992, p.
129 – grifos nossos).

Nada nesse parágrafo se perde. Tudo se amplifica e multiplica, divide e inflama.


Está nele tudo do mais precioso do livro, ‘informação x formação’, ‘origem
transferencial do saber’, ‘pedagogia do desejo’ e ‘aplicação’ – embora, neste caso,
esteja muito em jogo o reverso, já a devolutiva da educação à psicanálise, à
‘escolarização do saber analítico’ tão corrente em muitas escolas (quer dizer, um reflexo
sobre modos de ensino).
Como querer transar a vida? Como infectar e transmitir a doença venérea (de
Vênus) da erotização de todas as coisas – já que a morte é sempre hereditária, de
nascença, inato –? Quer dizer, haveria que transar para pegar. Confusão de língua
armada, potencialmente desmentido, só por “sorte” transicionalizada (haja trabalho!
Decisão e dedicação – espontâneas). ‘Cura pelo amor’ fora um nome utilizado também
(a Gradiva de Jensen servindo de modelo, de musa). Como convidar a brincar,
seriamente? Mas, acima de tudo: como mostrar que conhecimento não é saber e que pra
saber, há que amar? É claro que nesse amor há ódio, amódio comendo, geralmente
carecendo-se de destruir também. Que pai que deseja ser destruído? Que mestre deseja
não ser amado? Que mãe não deseja devorar a cria? Crônica de Cronos e Cornos. Como
desejar apenas que alguém deseje? Como atravessar os descaminhos do Eu e do Outro,
não perdendo de vista que Eu e Outro são miragens, necessárias, mas miragens,
enganosas, e que mesmo que Eu se instale, um Desejo sempre será Desejo do Outro?
Outro que deseja em mim, por mim, sem que nada retorne: Gozo! Como transar a
castração? E como fazer isso dando-se conta sem dar conta da mancada aí inclusa?
Pedagogia Freudiana, Educação Psicanalítica. Ética não faz aluno.
Acho que adiantadamente me antecipei. Melhor dar passos para trás. E valerá
capitular algo. Vamos com calma.

Michel de Certeau

Cifali se encontrou com Certeau quando Michel foi à Genebra, entre 1977-1978
para ensinar na seção das Ciências da Educação. Ela lhe pediu que orientasse a sua tese
sobre ‘Elementos para uma abordagem psicanalítica no campo da educação’ (Éléments
pour une démarche psychanalytique dans le champ éducatif) que fora defendida em
1979 e que fora parcialmente publicada em 1982 sob o título “Freud Pedagogo?
Psicanálise e Educação”. Portanto, se trata de alguém que deu boa mirada no trabalho e
no percurso1. E, então, foi ele que prefaciou o livro, teceu-lhe um perspicaz prólogo. E o
que ele diz ali?

1
“Michel de Certeau certamente me autorizou a realizar uma tese e, à sua maneira, me acompanhou.
Mas nesse tempo que passei esporadicamente com ele, "adquiri" - para o meu modo de ensinar e de
compreender - uma ética, uma postura com relação à investigação, uma seriedade no riso, e também a
confirmação de meu gosto pela escritura. Aprendi dele, sem que ele soubesse, até o momento de sua
morte. Ou seja, estou muito ligada a este homem, me reconheço em dívida com ele e trato de reduzi-la a
cada dia. Ele nunca quis ser mestre. E nem fundou uma escola. Privilegiou um lugar em que o importante
era permitir aos outros, a mim mesma, que desenvolvessem o seu pensamento, o seu caminho. [...] Me
lembro de ir a Square d'Allery, onde ele vivia em Paris, para falar de minha tese. Ele me recebia, vinda de
Genebra, estudante curiosa e um pouco prolixa. Eu me sentava. Tínhamos fragmentos de conversações.
Eu lhe dizia onde estava e ele me animava a continuar, afirmando que estava bom. Saía à praça, aturdida
pelas histórias que ele me contava, com as poucas referências suplementares que deveria buscar, mas
“A psicanálise ‘aplicada’ é o centro deste duro e afiado livro. É também o seu
alvo e, em última instância, o seu ponto cego” (CERTEAU, 1992, p. 7).
Há como ser mais certeiro? Preciso? Necessário?
“Toda vez que há ‘colonização’ ou ‘aplicação’ de uma ciência à sua vizinha,
ocorre de o terreno de chegada compensar este movimento com interrogantes
dificilmente sustentáveis no campo base, revelando também o que lhes serve de
antídoto” (CERTEAU, 1992, p. 8). Quem aplica recebe ‘aplicação’ de volta. Não há
aplicação neutra, tampouco objetiva e incólume, mais que tudo, o aplicado sendo
transformado, no melhor dos casos, tendo devolvida a insuficiência da aplicação, o
questionamento da inserção. O que se insere é questionado, potencialmente botado em
xeque. Mostra onde não vale? Onde não passa? Onde não se aplica? Enfaticamente:
“não vai haver nenhuma pedagogia psicanalítica sem uma boa crítica daquilo que há de
pedagógico na psicanálise” (CERTEAU, 1992, p. 8) – Mireille o mostra genialmente.
“A pedagogia vai sendo reveladora à medida que, ao modo de um lapsus, ela acaba
manifestando o conservadorismo social que anima o campo freudiano e que ainda segue
o organizando inconscientemente” (CERTEAU, 1992, p. 8). O que há de pedagógico na
psicanálise? O que não há de pedagógico nela?
Certeau (1992) nomeia seu prefácio, brincando com fogo, de ‘Brincar com
fogo’, jogando com a metáfora utilizada por Freud (bem explorada por Cifali no
decorrer do livro) em carta a Pfister de 9/2/1909 (metáfora ícone e até definidora de
‘aplicação’): “Esperamos que a centelha, que no nosso chão protegemos com tão penoso
esforço, na sua terra [a pedagogia] possa tornar-se um incêndio no qual nós, então,
poderemos ir buscar uma brasa flamejante” (FREUD, apud CERTEAU, 1992, p. 9).
Quem brinca com fogo acaba se queimando! Faz xixi na cama e muito mais. O sonho é
bonito, de poder buscar uma brasa até mesmo no caso de meu fogo apagar aqui – ter
dado a você me permitirá ir aí buscar de volta para mim. E fogo tem dessas, quanto
mais se divide, mais tem e não o perde no processo. Não perco a minha tocha ao
acender ao sua. Relacionaram isso ao ‘conhecimento’.
No livro se questiona tal propósito incendiário. Agressivo ou mortífero. Quer-se
tacar fogo! Estaria disposto a se queimar? É um voto de esperança, mas não se sabe bem

sobretudo com um sentimento de liberdade em minha escrita e em meu projeto. Não me recordo das
palavras exatas, mas era algo assim: "É a tua tese, o teu objeto, o teu modo de levá-lo adiante", e que não
pensava em intervir a esse respeito. Também me repetia: "Está bom". Eu não tinha o costume de escutar
este tipo de afirmação. Cresci mais comumente com outros estímulos, com um padre que raramente
achava que eu fazia bem as coisas, que geralmente considerava meu desempenho ruim. A confiança que
ele me dava me autorizava a correr riscos e a elaborar o meu projeto” (CIFALI, 2012, p. 324-325).
se o fogo beneficiaria mesmo a ambos. E, mais obviamente: por que é que não o
contrário? O fogo que a pedagogia cultivou poderá ser recolhido na psicanálise a quem
se passou a tocha? Pode a psicanálise ser hospedeira, hospitaleira com o fogo amigo?
Fogo amigo. Sempre é fogo amigo. De onde não se o esperava.
O que esta obra carrega à praia? A experiência educacional seria a experiência
psicanalítica fracassada, ou aquilo que nela sempre fracassa? Há que se pensar. Mas
para pontuar e marcar: “há no livro uma grande ausência, a saber, a da instituição
pedagógica. Sem problemas tal tema ficar de fora, posto que a obra esteja debruçada no
exame da posição freudiana”, mas, porém, “quando se identificam em Freud os efeitos
de uma dogmatização ou de uma defesa da instituição psicanalítica”, – o que é corrente
– “não nos veríamos remetidos àquilo que funciona nesta precisamente como instituição
pedagógica: o ensino do mestre, a transmissão do pai, a defesa da ordem?” (CERTEAU,
1992, p. 11).

Poder-se-ia fazer uma injúria maior a um psicanalista do que chamá-lo de


pedagogo?

É como Cifali (1992) inicia a sua pré-face livresca. Por que dói tanto esse calo?
“Ser médico e psicanalista evidentemente não evoca maiores problemas, o antagonismo
é até memorável” (CIFALI, 1992, p. 15), mas ‘pedagogo e psicanalista’ é coisa de
louco, fusão monstruosa, desastrosa, que agride aos olhos e aos ouvidos de quem
capitaliza (Freud e Ferenczi eram médicos. Bion e Lacan foram psiquiatras. Winnicott e
Dolto foram pediatras. Anna Freud fora pedagoga. Melanie Klein não teve formação em
ensino superior. Filósofo, bioquímico, antropólogo, artista, assistente social, linguista,
psicólogo: tudo isso houve. O que estava em jogo? O que qualifica? Analisantes?).
Outrossim, para Cifali, eis duas perguntas que a guiam fundamentalmente:
Seria possível, por exemplo, estabelecer modalidades de um trabalho
analítico em outro campo sem querer professorá-lo com uma teoria
que, assim, só poderá estar convertida em mestre de ignorantes,
certamente induzindo mais resistências do que potencialidades
criativas? [...] Poderíamos empreender tal tarefa sem nos iludirmos
com um sonhado lugar de “plenitude” desde o qual a psicanálise se
exportaria, sem por tal sonho cedermos a uma definição de “pureza”,
o que não poderia não levar a uma nova caça às bruxas? (CIFALI,
1992, p. 19)
Realmente parece muito difícil não se ser um animal moral, condenador por
vocação, colonizador por impulso e destruidor por debilidade. Estupidez e maldade não
costumam se separar. Martelo das feiticeiras, guia completo.

As incursões de Freud, o Missionário

Freud esteve em missão. Serviu soberbamente. Exército da salvação, médico


sem fronteiras, na Companhia de Jesus. Levou a peste também, pariu um sintoma capaz
de atravessar o mundo, legando a escuta que não havia a todos que se dispusessem à
transferência. Àqueles que, como ele, tivessem a coragem de se despir ou despojar-se
das vergonhas culposas, de labutar lutos e também de comportar-se como um artista que
compra tintas com o dinheiro do orçamento doméstico da esposa, ou aquece o ambiente
queimando os móveis da casa para que a musa não sinta frio. Desespero curioso, algo
honroso, algo intemperado.
“Freud joga o incêndio, a morte e o saber no outro campo; a psicanálise
continuaria intacta” (CIFALI, 1992, p. 25). “Para os outros campos: a espera de um
novo nascimento. Para a psicanálise: a certeza de uma vida eterna” (CIFALI, 1992, p.
26).
Seja como incendiária, propagadora da peste ou como ponta de lança,
em nenhum dos casos a psicanálise deixaria de ser feita de luz.
Sempre estaria em ação um mesmo imaginário ideal: uma psicanálise-
chama que irradia um resplendor violento sobre toda esta sombra de
ignorância à qual estão reduzidas as ciências e na qual estão atolados
alguns dos problemas humanos essenciais. A expressão, já trivial, de
uma “pedagogia à luz da psicanálise” confirma este aspecto
explorador que Freud desejou lhe dar, por assim dizer (CIFALI, 1992,
p. 27).

É certo que Freud deseja honestamente contribuir, desejava que outros tirassem
proveitos de sua contribuição, sabendo mesmo que havia contribuído com a
humanidade. Mas como criar e diferenciar um vínculo inédito e ainda reinseri-lo no
resto velho? Definitivamente a psicanálise altera, mas, ainda mais recém-primeva, já
poderia suportar ser também adulterada? Ela não poderá ser mais a mesma. Como ela
era mesmo? Mal era. Nem era. Empreendimento fadado ao abrupto. Freud o sabia, não
era burro. Mesmo assim, o fez. Fez o que pode, como pode e com o que pode. Aplicou
aplicando-se junto. Definitivamente ele não foi mais o mesmo. Era um psicanalista
efeito de seu sonho, sonhado por seu sonho, efeito de sua causa e coisa.
Ele a defendia de ser assimilada a outras práticas, como a médica. Defendia sua
laicidade, seu traço. Seu corpo? Então ela o tem?
Psicanálise versus Cultura. É sempre o risco de ser mastigada, engolida, digerida
e cagada como nada, completamente absorvida pelo Corpo Social – o que lhe tornaria
potencialmente ineficiente. Ela que pretenderia dissolver a Cultura, as culturas, que são
sintomas, facilmente poderia ser psicologia, se domesticada, de solvente passando a
sorvida, servida de bandeja e como bandagem. Passe Merthiolate e ponha um curativo
analítico por três dias e ficará bem.
Escutar não é qualquer escutar e não cabe em qualquer lugar. Seria bonito que
todos cultivassem escutas, escutas variadas. Seria necessário fazê-lo. Seria humano e
civilizatório. Sonho de eliminar os sintomas? Sonho de higienizar o povo? Saneamento
básico é questão de saúde pública. Escutamento básico também. Isso não acabará com
escuta ‘própria’ e ‘apropriada’ – sempre difícil não ser privada e latrina. A psicanálise
que saiu da pedagogia não fez a pedagogia desaparecer com a sua existência. Tampouco
tornou os pedagogos psicanalistas.
Agora, amadorismo é um negócio. Psicanalista se meter noutro campo ou
Profissional de outro campo se meter no analítico é sempre um negócio. Freud foi falar
de arte: o chamaram de amador. Foi falar de história: o chamaram de amador. Se
médico se metesse a falar ou a fazer psicanálise ‘selvagem’, era chamado de amador. Se
professor lançasse mão de interpretação, era amador. Lacan se metendo com lógica ou
matemática é chamado de amador. Psicanalista se metendo com psicanálise, Lacan
chama de amador. Oskar Pfister, pastor, pedagogo e ‘psicanalista’: Cifali (1992, p. 131)
o considera, se não amador, ao menos alguém cujos comprometedores antecedentes
‘filosóficos e religiosos’ bem limitaram a visão e a atuação, sempre tentado a “modelar”
um paciente ou estudante aos seus ideais moralmente elevados. O filósofo e inveterado
amador da psicanálise (nunca deitado ao divã) Badiou foi parafrasear um primeiro-
ministro francês (Clemenceau, Ministro da Guerra em 1917, dizia que a guerra era
importante demais para ficar nas mãos dos militares) dizendo que a psicanálise era
importante demais para ficar “nas mãos apenas dos psicanalistas” (BADIOU &
ROUDINESCO, 2012, p. 95), iconicamente dizendo também:
BADIOU - ... Nunca tive vontade de ser psicanalista. E acho –
voltamos ao início de nossa discussão – que a psicanálise é uma
necessidade para o filósofo. Já expliquei por que – aliás, a relação com
a psicanálise. Mas acho, também, que não é necessariamente bom para
o filósofo ser psicanalista. Não é a mesma coisa. Acho que, quando se
é psicanalista, tem-se uma certa relação com a psicanálise que é
também uma relação prática, profissional, um engajamento pessoal
etc. E é totalmente particular, e acho que não é necessário e nem
sequer é produtivo para o filósofo ter essa relação com a psicanálise.
Acho que se deve ter uma relação com o que eu chamaria de
intelectualidade da psicanálise. Suas propostas, seus conceitos, seu
pensamento. Mas a psicanálise prática, real, organizada é outra coisa.
Então eu sempre disse: eu gosto de psicanálise, acho-a fundamental,
acho que é uma grande invenção na história humana, mas não tenho a
necessidade de me tornar psicanalista. Eu posso encontrar, na história
da psicanálise, todas as lições de que preciso. Posso ler Freud, posso
ler Lacan, posso ler colegas psicanalistas. Mas não acho que haja
necessidade, para o filósofo, de ser psicanalista, porque inclusive isto
pode ser um obstáculo, ele vai ficar até um pouco incomodado, um
pouco perturbado. Há razões de perturbação entre as duas disciplinas
se você é psicanalista de fato. E, em particular, porque neste ponto, o
que se torna prioritário é a prática, e a prática psicanalítica é muito
exigente, muito particular. E, assim como Lacan falava muito dos
filósofos, de Hegel, de Heidegger, de Descartes etc., e, ainda assim,
era um pouquinho antifilósofo, da mesma maneira eu falo muito da
psicanálise…
HORENSTEIN - … sendo um pouquinho antipsicanalista…
BADIOU - (risos) Exatamente! Em simetria!
HORENSTEIN - É um tipo de vingança… Você nunca pensou em
fazer análise?
BADIOU - Não
HORENSTEIN - E alguns filósofos trabalham com conceitos
psicanalíticos como Zizek, Laclau, você… Quais as principais
diferenças que você encontra entre seu estilo, seu modo de pensar e
seu modo de usar ferramentas psicanalíticas para pensar, e o que
fazem Zizek e Laclau?
BADIOU - Acho que quando estamos muito próximos à psicanálise,
ou muito próximos à subjetividade do psicanalista… há sempre uma
pequena forma de ceticismo no psicanalista. Ceticismo filosófico.
Quero dizer com isto que a psicanálise é também uma disciplina que
reúne um certo número de construções intelectuais ao redor de uma
raiz neurótica. Não sempre, mas frequentemente. Quer dizer: os
psicanalistas sabem ver a pequenez que há em tudo o que é grande,
enquanto o filósofo busca ver o que é grande em tudo o que é
pequeno. Não é exatamente a mesma coisa. E quero dizer, em
cumplicidade, que compreendo, às vezes, a maneira com que a
psicanálise é capaz de ver, em uma construção importante, intelectual,
criadora, o trabalho do sintoma. Há um lado redutor, mas em um
sentido racional, um sentido que eu compreendo. E é interessante.
Mas eu, filosoficamente, funciono mais no outro sentido. Isto é, eu
busco a promessa de grandeza que existe no que é pequeno.
HORENSTEIN - Não o ceticismo, mas a promessa.
BADIOU - A promessa. E isso não é uma crítica. Acho que é normal
que o psicanalista seja assim. Mas não aprecio aqueles que tentavam
demais jogar nos dois times ao mesmo tempo: ser, ao mesmo tempo,
psicanalista e filósofo. Porque, aí, não se distingue mais muito bem
entre a crítica e a idealização. Entre a crítica e a ideia, no sentido de
Platão. Não se sabe mais muito bem… Há uma desordem. Na minha
opinião, é isto o que sempre impediu Zizek de ser completamente
filósofo. Gosto muito dele, mas, aos meus olhos, ele não é
completamente filósofo(risos).
HORENSTEIN - Sobre sua amizade com Zizek, ele disse, acho que
em um diálogo que vocês tiveram: “Badiou e eu nos jogamos flores,
mas na realidade nos odiamos”. (risos) … É uma brincadeira.
BADIOU - Acho que para mim isto não é verdade. Eu não odeio o
Zizek de maneira alguma.
HORENSTEIN - Penso que ele não o odeia.
BADIOU - Uma vez, em um colóquio em Londres, Zizek disse:
“Badiou é o pai de todos nós. Ele é como Parmênides para Platão.
Mas Platão, em O sofista, mata o pai. Ele matou Parmênides. Então,
talvez o que eu vou dizer possa matar Badiou.” E eu disse, depois,
discutindo com ele: “Não é tão fácil matar o pai.”
HORENSTEIN - Ele se defende.
BADIOU - Isso. Claro! (HORENSTEIN, 2023, n. p. – grifos nossos)

Vale nos debruçarmos sobre os que nisso se debruçam, nas interfaces entre
campos, entre psicanálise e outras áreas, campos, disciplinas, discursividades. É sempre
difícil dizer se a psicanálise é uma área mesmo, se é um campo ou só uma praga, erva
daninha ou ciência. Como é que pego um gato e um cachorro para compará-los? Pior
ainda, pegando-os para dizer qual é o melhor cachorro – há quem o faça.
HORENSTEIN - A psicanálise tem uma história curta, cem anos, e a
filosofia tem milhares de anos… [...]
BADIOU - Acredito que possamos fazer uma comparação da
psicanálise com a filosofia. O problema é que o lugar do psicanalista é
mais do lado da medicina. Enquanto o lugar da filosofia é mais do
lado do ensino.
HORENSTEIN - Mas em ambos os casos são práticas marginais.
BADIOU - Concordo. O psicanalista é um estranho, um estrangeiro na
medicina, ao mesmo tempo que é um médico também. E o filósofo
não é exatamente um professor, mesmo se é professor. Então o lugar
deles é sempre um lugar ao lado (HORENSTEIN, 2023, n. p.).

Jogar nos dois times impediria distinção entre uma coisa e outra, se ficaria
afogado transferencialmente, positiva ou negativavente – somente um não analista para
dizer algo assim? Isto é, alguém que nunca fez análise, que nunca cuidou da
transferência.
No Roda Viva de 2009, Maria Rita Khel se referiu ao filósofo Zizek como
psicanalista, ao lhe dirigir uma pergunta, ao que este lhe respondeu:
Zizek - E primeiro lugar, deixe-me esclarecer uma coisa: sou
psicanalista, mas apenas num sentido teórico. Não tenho paciência ou
habilidade para tratar de pessoas reais. Olhe para mim, sou todo
nervoso e agitado. Coloque a mão em seu coração e pergunte a si
mesma: se você tivesse problemas psíquicos graves, você se
imaginaria me procurando como analista? (risadas) Provavelmente
não... (ZIZEK, 2023, n. p.)

Zizek que, bem ou mal, trabalhou a sua transferência em um divã. Disse mesmo
em uma outra entrevista, de 2014:
PERGUNTA - O senhor reescreve o idealismo de Hegel com Lacan.
Meno di niente é um livro de "autoajuda" psicanalítica?
ZIZEK - Sim. Mas para entender melhor o mundo, não para viver
melhor. A minha filosofia é scary, perturbadora, destrói as ilusões. Eu
não acredito no conhecimento de si mesmo: a psicanálise salvou a
minha vida quando, depois de uma decepção amorosa, eu queria me
matar, porque me ajudou a dilatar o desejo de autodestruição através
da relação burocrática com o analista (ZIZEK, 2022, n. p.).

Ele dizia que o simples ter a seção após a outra ajudava muito, dia após dia. Vale
não esquecer que Jacques-Alain Miller fora seu analista – embora na sua biografia,
escrita por Tony Myers (2003), se possa ler que:
Miller também conseguiu uma bolsa de ensino para Zizek e tornou-se
seu analista. Foi durante estas sessões analíticas com Miller, que
muitas vezes duravam apenas dez minutos, que Zizek descobriu a
verdade da sua afirmação frequentemente divulgada de que pacientes
instruídos relatam sintomas e sonhos apropriados ao tipo de
psicanálise que estão recebendo. O resultado da invenção de Zizek foi
que as sessões com Miller muitas vezes terminavam em um jogo
intelectual de gato e rato. Este jogo terminou num impasse quando
Zizek completou o seu segundo doutoramento em artes (desta vez em
psicanálise) na Universite Paris-VIII em 1985 (MYERS, 2003, p. 9).

Talvez seja melhor ouvir o próprio Zizek a respeito:


BETTONI - Quero fazer uma pergunta delicada sobre Jacques-Alain
Miller. Pessoalmente acho que ele exerce uma espécie de manipulação
do conhecimento, determinando o que deve e o que não deve ser
publicado dos seminários de Lacan e também sobre os seminários.
Quero saber o que você acha dessa postura e qual a sua relação com
Miller.
ZIZEK - Participei do círculo de Miller há uns trinta anos. Daí houve
uma série de mal-entendidos, alguns narcisistas, outros não. Primeiro,
eu era um autor relativamente jovem e queria publicar minha tese, O
mais sublime dos histéricos, e os lacanianos não se interessaram etc.
Segundo, ele queria me forçar mais na direção de ser analista. Ainda
que ele tratasse de filosofia, suas ideias eram muito mais kantianas
que hegelianas. Também havia o fato de ele não gostar da minha
abordagem à cultura popular, e é engraçado porque, nos últimos anos,
ele mudou totalmente de opinião e começou a escrever análises
populares, mais políticas etc. E infelizmente houve a última ruptura,
política. Eu diria que Miller é centro-liberal, até centro-direitista. Ele
publica com certa regularidade no semanário Le point e no diário Le
Figaro, que são centro-direitistas. Em termos mais simples, como
coloquei no último capítulo de Menos que nada, acho que ele adotou e
tenta reler em Lacan um tipo de saber cínico e tolerante, e chego a
citar o que considero ser de um autoritarismo bastante cínico. Em
determinado momento, ele adora essa típica estratégia conservadora
de que “embora saibamos que as aparências são falsas, devemos
respeitá-las; se perturbarmos as aparências, talvez haja uma
catástrofe” etc. Não acho que esse tipo de saber cínico seja a
verdadeira posição de Lacan.
Então, em primeiro lugar, preciso dizer que ainda o aprecio. Ele foi o
responsável por tornar Lacan acessível para mim — o início dos anos
1980 foi uma época maravilhosa, nós sentávamos toda semana durante
algumas horas e entrávamos nos detalhes dos textos de Lacan. Miller
tem essa capacidade absolutamente cirúrgica de clarificar o nada que
entendemos ao olhar uma página de Lacan pela primeira vez. Mas
depois acabei descobrindo outros textos sobre Lacan, de outros
pesquisadores e outras escolas, que também eram excelentes. Dois
nomes que quero mencionar: François Balmès, que escreveu sobre
Lacan e Heidegger e tem vários outros textos que cito bastante, e Guy
Le Gaufey, que escreveu um livro maravilhoso, Le Pastout de Lacan,
sobre o não-Todo de Lacan. E veja o que considero ser o sinal de que
a orientação de Miller deixou de ser produtiva: só ele publica. Uma
das coisas que me fizeram sair do grupo de millerianos foi que, nos
últimos anos com eles, havia uma espécie de proibição verbal de que
não deveríamos publicar livros: devíamos era fazer algumas
intervenções aqui e ali e depois publicar a transcrição. Conheço
pessoas como a matemática Nataly Sharo, que acho que ainda está
com ele. Ela terminou uma tese sobre Lacan e matemática e teve tanto
medo de publicar que acabou fazendo em segredo com uma editora
menor. Mas o que me incomoda um pouco no Miller é como ele muda
sua posição nas questões políticas.
BETTONI - Interessante você dizer isso, porque Belo Horizonte é a
segunda cidade da América Latina com o maior número de
lacanianos, mais propriamente millerianos. E sinto que aqui as pessoas
levam a ferro e fogo o que ele diz — veja bem, sou tradutor, não
psicanalista, mas tenho um contato muito grande com analistas que
trazem isso pra mim. Se hoje Miller diz “sigam para cá”, todos os
analistas vão atrás; amanhã ele diz “vamos para lá”, então todos os
analistas mudam de direção.
ZIZEK -Eu me livrei dessa transferência com ele, primeiro porque,
não sei se você se lembra do escândalo que houve com o seminário A
transferência, quando os inimigos publicaram o maravilhoso Le
transfert dans tous ses errata, citando literalmente centenas de erros
no texto publicado por Miller. Ele reconheceu isso em silêncio porque,
durante alguns anos, proibiu a reimpressão da sua primeira edição, até
que surgiu uma nova versão na qual, sem agradecer a eles, a maioria
das críticas foi adotada. Ou, por exemplo, veja o que aconteceu com o
seminário sobre Joyce, O sinthoma. A regra era publicar apenas o
texto, sem introdução, posfácio ou notas. Até que do nada, nesse
seminário, Miller acrescentou umas cem páginas de posfácio
recontando todas as histórias etc. E ainda há o papel social dele — até
cerca de dez ou quinze anos atrás, ele não fazia intervenções públicas,
ou quase nunca: queria ser um lacaniano isolado. Até que de repente, e
de uma maneira muito infeliz, ele começou a participar da vida social.
Os melhores amigos dele hoje são Phillipe Sollers e Bernard-Henri
Levy. Quando Levy se manifestou em 2011 para organizar um
bombardeio à Líbia, os lacanianos millerianos escreveram um texto
apoiando publicamente seu intervencionismo militar, dizendo que essa
era a política do “ne pas céder sur son désir”, de permanecer fiel ao
seu desejo etc. Tudo bem, Miller pode ser bacana, mas não é perfeito
— comete erros brutais, não entende o essencial etc. Quando você
encontra com ele pela primeira vez ou está à distância, ele pode ser
bastante sedutor.
Para mim, o grande problema dele, e eu já sabia disso há mais de 25
anos, é que ele não lê livros. Ele lê o suplemento literário do The
Times e a New York Review of Books. Por exemplo, nesta última ele
descobriu Richard Rorty, e de repente começou a dizer que a posição
de Lacan no Mais, ainda em relação à ética social é parecida com a de
Rorty etc. E para completar, veja bem, não tenho nada contra o poder
ditatorial, mas em vez de ser um bom ditador, ele é um estúpido
ditador. Não sei como é no Brasil, mas sei que nos Estados Unidos,
Alemanha, Inglaterra e Itália, ele conseguiu ter a inacreditável
capacidade de escolher exatamente as pessoas erradas para organizar e
dirigir o movimento lacaniano. Nos Estados Unidos, por exemplo, há
duas décadas, ele escolheu Ellie Ragland-Sullivan, uma maluca meio
psicótica. Ela entrava em conflito com todo mundo e nada acontecia.
É o mesmo na Inglaterra, e é por isso que os millerianos lá são tão
marginais, até mesmo o maior nome entre eles, Darian Leader, que
agora está um pouco afastado. É o mesmo na Alemanha, onde também
nada acontece. E essas mudanças políticas do Miller também são
muito desagradáveis. Veja o que aconteceu com Élisabeth
Roudinesco. Antes ele era ambíguo, e recentemente entrou em um
conflito enorme com ela a respeito da morte de Lacan.
É ridículo, aconteceu com Franz Kaltenbeck, australiano que mora em
Paris. Há vinte anos, quando a diretiva era “Élisabeth Roudinesco é
inimiga”, ele a atacava. Nesse ínterim, antes do conflito mais recente,
houve um momento em que, por conta daquela briga contra a
legalização da análise, eles de repente ficaram amigos. É ridículo, um
péssimo stalinismo. Você acha que está seguindo a diretiva do grupo,
de repente a diretiva muda e você é atacado etc. Minha medida é
simples: quer ser stalinista? Não me interessa. Produz boa teoria? Não
acho que ele esteja produzindo uma boa teoria.
Já escrevi sobre isso, Miller ainda segue essa linha ridícula de que o
jovem e o segundo Lacan era ingênuo, mas que no final Lacan
encontrou uma verdade final. Miller sempre quis definir um ponto
final em que Lacan chegou à verdade. Eu e meu grupo esloveno,
Alenka Zupančič e Mladen Dolar, chegamos à conclusão, depois de
anos de leitura, que o apogeu de Lacan aconteceu mais ou menos entre
A lógica da fantasia e Mais, ainda. Ali ele encontrou um impasse.
Depois, nos últimos seis, sete anos, por meio dos nós, aquelas
maluquices, ele tenta sair desse impasse, mas fracassa. Cheguei a citar
no final do capítulo sobre o não-Todo, em Menos que nada, a
passagem crucial em que o próprio Lacan admite isso abertamente, ele
diz mais ou menos que pensava que o nó borromeano daria certo, mas
que acabou descobrindo que não, que ele estava errado. Penso que
deveríamos estar abertos a essa constatação.
Vou contar uma história que pode ser interessante. Catherine Millot,
que é íntima de Miller, foi a última amante oficial de Lacan. Ela
estava com Lacan no momento em ele morreu. Não estou dizendo isso
para polemizar, apenas por razões teóricas. Depois que Lacan morreu,
surgiu todo um mito, que obviamente ela alimentou, de que, justo
antes de morrer, Lacan contou a ela uma fórmula secreta, a sabedoria
máxima etc. E todo mundo ficou na expectativa de que ela dissesse
que fórmula era essa.
Eu penso da mesma maneira a respeito dos filósofos. Acho que a
grande maioria dos filósofos, nos últimos anos de vida, ficou presa em
uma regressão sem sentido, como Schelling. Isso não quer dizer que o
apogeu de um pensador aconteça quando ele está prestes a morrer, não
é isso. E também não acho que Lacan tenha regredido, mas apenas que
ele estava lutando com um problema sem conseguir resolvê-lo. Minha
leitura, embora arriscada, é esta: se pararmos na produção intelectual
de Lacan mais ou menos em 1973-74, não perdemos nada (ZIZEK,
2021, n. p.).

Pensando bem, talvez não tenha ajudado muito (apesar de o ‘caso Zizek’
oferecer alguma lição ‘histórica’, ‘institucional’ ou ‘política’). Talvez ouvir ‘filósofo-
psicanalista’ não seja lá das melhores opções. O conceito lhes é sempre muito caro, o
intelectual. Tentaríamos psicanalistas-artistas, sócio-psicanalistas, historiadores-
psicanalistas? Certamente resultados análogos seriam encontráveis. O caso Freud, bem
analisado pela analista e historiadora Cifali, elucida muitas nuances das investiduras
pessoais do psicanalista em suas aventuras e desventuras noutros campos –
especialmente para aqueles que seguirem os rastros que a autora aponta nas cartas e
interlocuções do velho maestro. Transferências? Difícil encontrar uma elaboração das
transferências, talvez, em forma de queda liquefeita.
Cifali (1992, p. 30) nos lembra de que “falta em saber” não é problema,
psicanalista seria entusiasmado nisso até, obrigatoriamente: “não seria mesmo o
psicanalista sempre tomado como um amador pisando em um terreno no qual não foi
formado pelas instâncias institucionais reconhecidas e validadas socialmente?”. Não
seria mesmo p psicanalista sempre um amador em cada novo atendimento que se
propõe? Saber menos, estar um passo atrás, sempre. Lacan frisou para não nos
apressarmos em entender, Bion enfatizou o sem memória e sem desejo (sem conhecer
também), sem mencionar o próprio Freud enfatizando largamente o timing de uma
antecipação que só poderia acelerar a resistência. Winnicott se regozijava de anotar
interpretações que, na realidade, retinha para si, tendo como recompensa por tal
retenção a ocasião de quando a própria paciente fazia a mesma interpretação para si
mesma uma hora ou dias depois. Não há que saber demais e analista sabichão empaca
análise. Não era burro que empacava? Psicanálise é campo subverso mesmo. Os não-
burros erram e empacam. Só faltava essa de um elogio a burrice. Natureza sempre
peculiar a desse ‘campo’. Frutos estanhos. Mas é fato que valeria estar sempre fresco,
disposto à surpresa, achando-a ao invés de buscá-la. Deveria favorecer o arvorecer
noutros terrenos, então. Só que o como importa.
E a recíproca será complicada. O amador estrangeiro à análise, provavelmente
não se beneficiará tanto desta ‘falta em saber’. Trabalho do negativo não é moleza.
Suportar não saber, uma ignorância metódica, sem acabar com tudo. Mais fácil seguir
receita de bolo enciclopédica, informação fácil e rápida, de preferência pela qual nem
devo me implicar ou comprometer e facilmente chegar rápido onde quero – que será
sempre mercadorial.
A psicanálise só pode ser ferramenta estranha, disfuncional se não “sabe” de
pronto. Pode levar tempo. Pode não ser. Pode não funcionar. Ou, o que seria funcionar
aí? Ferramenta que nas mãos de uns só fica irreconhecível, mesmo. Antes apenas não se
reconhecesse – o duro é a função. ‘Eu mesmo’ usando chave inglesa é meio ridículo.
Outro dia o mecânico riu do modo como peguei uma peça lá do fusca. Nas mãos dele,
as coisas até faziam sentido.
Tem ferramenta que molda a mão de quem a sustenta. Ferramenta que já até
ensina a usar. Um revolver é anatomicamente feito para acomodar o polegar opositor
com indicativo de tiro, muito instintivo, ou melhor, intuitivo. Isso não quer dizer que a
mão relaxa, ainda mais se tiver noção do estrago, ainda que o uso possa bem moldar um
caráter. Caneta Bic, tesoura, cola tenaz. Controle de videogame. Pincel e broca. Até o
dente pode ter funções e permitir alcances. Agora, de novo, não adianta querer apertar
um parafuso de philips com chave allen. Ou usar chave de fenda para escrever em folha
de papel. Há ferramentas diferentes para trabalhos distintos. Para quê serve uma
ferramenta de não-saber? Como usa um balde furado quando se quer carregar água?
“O dilema em si não é novo: é a ferramenta que condiciona o movimento da mão
ou é a mão que transforma a ferramenta a seu bel-prazer?” (CIFALI, 1992, p. 33) “Ser
um ‘pau para toda obra’: Freud honestamente almeja preservar a psicanálise disso”
(CIFALI, 1992, p. 35). Utilitarismo filosófico, científico, democrático ou capitalista não
ofereceria guarida. Arte não precisa de dever, basta expressar. Mas pode ser mesmo que
ao ser levada a outro setting a ferramenta perca o uso, mude o uso. Impune não restará.
Até onde perder o fio da navalha? Corte cego pode servir de martelo.
Psicanálise na educação, sem interpretação?

Quem toca o sino não acompanha a procissão

Com efeito, Freud não praticou análise infantil.


em seu “Prefácio” a Aichhorn, Freud não deixa de declarar
prontamente que sua “contribuição pessoal nessa aplicação da
psicanálise foi muito pequena”, e na sua Autobiografia, quando
sentiu-se obrigado a iniciar com as seguintes palavras: “Eu
pessoalmente não contribuí em nada para com a aplicação da
psicanálise à educação”. Em todos os casos, Freud anuncia claramente
um “não tenho nada ou quase nada que ver com isso”, embora, e não
obstante, na sequência sempre venha um mas, expressando uma
preocupação idêntica: a de fazer compreender que esta abstenção
pessoal não implica nenhum desprezo diante desta aplicação, nem
tampouco que não se interessa por ela. É como se Freud pretendesse
que suas lacunas não fossem tidas como decorrentes de uma lei
psicanalítica e que não tomassem sua escassa contribuição como
pretexto para invalidar este desenvolvimento da psicanálise. Ele
arrisca inclusive um começo de justificativa quando escreve que já
“tem muito que fazer” com o segundo dos “três ofícios impossíveis:
educar, curar, governar”; em suma, Freud reconhece simplesmente
que não é possível tocar o sino e estar na procissão ao mesmo tempo
(CIFALI, 1992, p. 40-41).

Ora se pode ser filósofo, ora se pode ser psicanalista. Os dois ao mesmo tempo,
não. Quando estou receitando um remédio, medicando, não estou psicanalisando.
Quando estou ensinando, não estou sendo psicanalista. Ou poderia ser um psicanalista
fazendo outra coisa (e qual é o problema), o melhor que pensei caber naquela situação e
momento? Talvez seja o caso de assistência social. Ou simplesmente de dar um pouco
de comida a alguém. Ainda que existam fomes psíquicas, sim.
É Catherine Millot (1987, p. 119) que vai macetar: “Não existiria educação
‘analítica’ no sentido de aplicação da psicanálise à educação. Mas educador e educando
podem se beneficiar de uma cura analítica”. A única saída é cada macaco no seu galho.
Um pode até se beneficiar do descobrimento alheio, mas não se mistura.
Multidisciplinar não é Interdisciplinar. Mannoni não dista:
Freud, com efeito, retira duas lições da experiência positiva de
Aichhorn: a primeira se refere à formação analítica dos educadores; e
a segunda, escreve Freud, “soa mais conservadora”, acrescentando: “o
trabalho da educação é algo sui generis, que não pode ser confundido
com a influência mediante a psicanálise nem ser substituído por ela”.
Disso Freud deduz que “a psicanálise infantil pode ser utilizada pela
educação como recurso auxiliar; mas não tem condições de tomar o
lugar dela. Não somente razões de ordem prática o impedem, mas
também considerações teóricas o desaconselham”, Freud assegurando:
“A relação entre educação e tratamento psicanalítico será
provavelmente objeto de exame aprofundado num futuro pouco
distante”. Maud Mannoni conclui desta passagem que Freud separou
de uma vez por todas os dois processos (CIFALI, 1992, p. 134).

Leitoras fieis e dignas? Fecha a conta e passa a régua: caso encerrado. Ou Cifali
(1992, p. 79) seguiria correta em insistir no pensar: “o que é que um trabalho
psicanalítico em outro terreno envolve?” – embora seja dela, ali também, a ponderação:
E se não for possível à psicanálise se consumar sem morrer?
Enunciemos em alto e bom tom: E se a psicanálise não for mais do
que uma escuta viva, nunca garantida ante as ininterruptas derivas
humanas pelos confins de um reprimido, de uma coisa rechaçada por
todos os outros discursos oficializantes, na direção de um
encabestramento do corpo e da palavra, por um enfoque selvagem do
desejo? E se a psicanálise não existisse mais do que à custa de nunca
submeter-se, de não se conformar à ordem do discurso científico ou de
uma teoria, mesmo que fosse a sua própria teoria? E se...? Quer dizer,
talvez ela tenha a capacidade de provocar uma modificação sempre
revigorante no registro de uma aplicação, onde está mantida e onde
segue se atualizando a relação das ciências humanas com o campo da
educação: provocar uma comoção por meio do acréscimo atualizado
de um saber sobre a criança e por meio de uma reintegração mediante
a elaboração de uma pedagogia (CIFALI, 1992, p. 94-95).

Beco sem saída e bruxa sem caldeirão.

Aplicação de conceito (Conceito de aplicação)

O quinto capítulo do livro recebeu o título “Sem hesitação”, e a autora


prontamente oferece a sua razão de ser:
“A educação pode ser descrita, sem hesitação, como um incentivo à
superação do princípio do prazer, à substituição dele pelo princípio
da realidade” [Freud - Formulações sobre os dois princípios do
funcionamento psíquico (1911)]. E assim, sob a pena de Freud, a
psicanálise acaba de atribuir à educação seu objetivo. Talvez este seja
o summum do aporte psicanalítico: uma transposição de conceitos,
com a possibilidade de deduzir de sua teoria implicações pedagógicas.
O momento é solene, os conceitos de p.p. (princípio do prazer) e de
p.r. (princípio de realidade), tão custosamente articulados por Freud,
servem agora para solucionar um problema em outro terreno. Um
procedimento que fez escola. Recordemos as recentes proposições
afirmando que “a única finalidade da educação é a instauração do
princípio de realidade” (A. Armando - Freud et L'educacion, 1974, p.
31) e que “o processo de ajuste da vida pulsional à realidade é levado
a cabo mediante a atividade repressiva da educação” (ibid, p. 30). Tais
proposições são feitas em nome de Freud, datando de 1974, de modo
que tudo nos leva a crer que são fieis a ele; mas, precisamente sobre
este ponto: precisa ser assim? (CIFALI, 1992, p. 83)

Freud não vacila, não titubeia, afirma e assenta, aplica e replica. Mas seria esse o
mesmo Freud (2011, p. 92) que tantas e tantas vezes nos disse que “com conceitos é
perigoso retirá-los da esfera em que surgiram e evoluíram”? Que prevenia quanto aos
que buscavam a libido ou a pulsão em uma experiência imediata e empírica, que avisava
para que não se levasse de bate-pronto um diagnóstico à cultura, dizendo não ser fácil
transferir algo da psicologia individual para a psicologia de grupo, ou que dizia que o
inconsciente tal qual se trabalha em psicanálise não seria o mesmo filosoficamente
abordado, dizendo igualmente que entendimentos ‘psicanalíticos’ não tornariam um
artista mais artista ou criativo – seria o mesmo? Na aplicação à arte, à religião, à
ciência, à história, à mitologia, (à ‘linguística’) pareceu haver algum outro cuidado,
certa cautela ou aviso prévio de extrapolação. “Dito de outro modo, nestas ‘aplicações’,
Freud respeita uma diferença; o saber produzido na retroação de uma investigação
teórica não se confunde com aquele que nasce em um sujeito via transferência no
espaço de uma cura” (CIFALI, 1992, p. 108). Já na educação, sem qualquer educação,
se assegura que a adoção dos esclarecimentos conceituais garantirão melhoramentos; e
logo um Freud que sabia inclusive que a instalação de um princípio de realidade, em seu
sentido mais pleno, é mesmo algo da ordem de um impossível, sem fim, sempre em luto
– “a passagem do p.p. ao p.r. não se realiza nem de uma só vez e nem de maneira
definitiva [...]. ... Freud revela em contrapartida que o p.r. não é mais do que um p.p.
disfarçado: sua meta seria igualmente o prazer, mas um prazer postergado, atenuado
(CIFALI, 1992, p. 87) –. Enfim, afinal, em psicanálise, se aplica conceito? Fazer
dedução de seus conceitos noutros lugares é aplicação (nada mais colonizante)? Qual é
o conceito de conceito em psicanálise, mesmo?

Origem transferencial do saber – ou, os dois saberes: saber transferencial x


saber reconstituído

É nesse mesmo quinto capítulo que se inicia o que bem se poderia dizer que é a
discussão mais importante do livro, quer seja: a contraposição entre duas formas
completamente distintas de ‘saber’ – uma vez que é cabalmente tal distinção que
potencialmente singularize a psicanálise em sua dinâmica e função, essencialmente
maior fruto de sua arvoração. Que tipo de saber está em jogo em uma análise? Que tipo
de saber é o da psicanálise? Qual a natureza do seu corpo (de conhecimentos?)? Que
tipo de ciência seria a tal da psicanálise? Ou, mais bem, se o inconsciente existe (se a
psicanálise tem razão e razão de ‘ser’), o que é que é a ciência (o que é que a ciência
pode ser?)? Bye bye episteme?2

2
As concepções psicanalíticas “se situam no nível de uma ficção, no sentido de fingere: construir, recriar.
Em Os dois princípios, Freud qualifica a sua elaboração de Fiktion, mas é em Análise terminável e
interminável que ele lhe fará a designação clara através do termo “construção”. Dizer que a teoria
psicanalítica se sustenta em um registro fictício não retira nenhuma parcela de seu valor e nem de seu
potencial de verdade. Ficção não se opõe nem a realidade nem a discurso objetivo, tal como uma certa
concepção científica quer fazer crer. Simulacro, reconstrução, este é o terreno preciso de toda a
investigação científica, quando esta não cede a certas seduções positivistas” (CIFALI, 1992, p. 92).
Cifali (1992) parte genialmente da comum e corriqueira ideia que se faz de que
‘todo atendimento psicanalítico é já uma aplicação da psicanálise’. É com conceito que
se atende? Aplica-se conceito?
Agora nos resta dar conta destas afirmações, e o faremos
primeiramente mediante o absurdo; imaginemos que fosse verdade
isso que acabamos de negar, quer seja, que uma interpretação seria
uma dedução direta de um saber prévio que se restituiria através de
uma interpretação ao analisante. Vou usar aqui um exemplo bem
burro, mas existem os mais sutis: o psicanalista poderia dizer ao
analisante: “Você está vivendo o seu Édipo”, ou “É uma resistência do
seu p.p.”; a teoria, aí, é tomada como um saber imutável e utilizada
como uma régua de leitura para decifração da história de um sujeito,
um analisante a quem se escutaria por meio deste saber e que acabaria
por servir-lhe de exemplo, igualmente havendo um psicanalista preso
na cilada de uma posição de ensino, instalando-se no lugar de mestre
do saber psicanalítico. Assistiríamos a um duplo encerramento,
justamente por um se aprisionar na própria grade delimitante,
tornando-se incapaz de produzir novas hipóteses: da teoria ao
analisante e do analisante à teoria, num círculo fechado para sempre.
Em suma, este uso dos enunciados teóricos na cura, por confusão, se
aproximaria do procedimento de uma aplicação. Mas esse foi só um
raciocínio pelo absurdo - ao menos assim esperamos -, a pergunta
prosseguindo: se uma interpretação não tem que ver com uma
aplicação, como ela se dá? Não responderemos de imediato, posto que
sequer contemplamos a diferença entre um saber nascido
transferencialmente em uma cura de um saber reconstituído a partir
de uma elaboração teórica (CIFALI, 1992, p. 96 – grifos nossos).

Não vai haver aí, nesse terreno, um partir de um saber prévio para se extrair
consequências práticas. Pior, ‘nesse campo’:
É o caso de reconhecermos, a psicanálise tem como objeto de estudo o
psiquismo inconsciente; isto faz com que seja improvável que o
investigador tenha uma perspectiva exterior; mas esta proximidade
não é um inconveniente, é a condição de um descobrimento. Como o
escreve O. Mannoni: “O saber sobre a doença não nasce de um
observador com boa saúde que observa a doença, senão que nasce da
própria doença”; para isso seria necessário que, “de um modo ou de
outro – transferencial –, se participe dela”. Sem esta participação não
há conhecimento possível, ainda que o perigo desta participação seja
mesmo o de cair em um delírio (CIFALI, 1992, p. 103).

O afeto está em jogo. Não se poderá eliminá-lo – prerrogativa básica da ciência


banalmente positivista ou desumana(s). Ou, mais divertida e paradoxalmente, Freud é
um traidor de mão dupla, em seu esforço de seguir dois caminhos: “na ciência, ele
introduz o afeto do investigador; no campo psicanalítico, fica obrigado a excluir-se;
como se, por seu caminho teórico, ele não estivesse inteiramente nem na ciência e nem
na psicanálise”, tampouco estando “enfiado na produção de uma verdade dita objetiva
ou, pelo contrário, na produção de um sistema de ilusão: está em todos os lugares
simultaneamente, não alcançando a habitual pureza científica, mas nitidamente sem
querer renunciar a buscá-la” (CIFALI, 1992, p. 104).
Pode-se aprender psicanálise apenas se lendo textos de psicanálise? Pois a
transmissão deste saber, deste tipo de saber, está totalmente em jogo. Mais
precisamente, tal tipo de saber (o saber evidenciado desde e a partir da psicanálise) é
que está totalmente em jogo numa transmissão, e até para além deste ‘campo’. E não se
trata de uma oposição ‘teoria x prática’ exatamente. É mesmo, como dito, que há uma
dinâmica outra com o saber, oposição de formação com informação – sentido
certamente aproximável ao que na pena e pele (boca) de Lacan (1995, p. 58) ficou
conhecido como: “Seria preciso que se soubesse notar coisas de que não falo – eu nunca
falei de formação analítica, falei de formações do inconsciente. Não há formação
analítica”3 – tendo Bion (1991) também tentado dar alguma conta disso em termos de
“saber acerca de” e “vir a ser/tornar-se algo”4.

3
Talvez valha a menção mais longa desta passagem, esta intervenção a respeito da experiência do passe e
de sua transmissão, a 3 de novembro de 1973, na parte da tarde (Congrès de La Grande Motte,
Montpellier - Lettres de l’École Freudienne de Paris, nº 15), porque nela Lacan distingue saberes
também: “Eis o que obtenho após haver proposto esta experiência. Obtenho algo que não é absolutamente
da ordem do discurso do mestre, e ainda menos do magister. Seria preciso que se soubesse notar coisas de
que não falo – eu nunca falei de formação analítica, falei de formações do inconsciente. Não há formação
analítica. Da análise tira-se uma experiência, que se qualifica muito erroneamente de didática. A
experiência não é didática. Por que vocês pensam que tentei apagar inteiramente esse termo didática e
falei de psicanálise pura? Dei-lhes uma aula, no ano passado, sobre o que está em jogo na experiência
pretensamente interrogativa com relação ao animal. Colocam-se pequenos animais em pequenos
labirintos, onde são apanhados como ratos, é o caso de dizê-lo, e tenta-se ensinar-lhes a aprender. Não é
de todo manifesto que isso seja conforme à sua índole e que sejam capazes disso, como acontece conosco.
Ora, vendo as coisas sob esse ângulo, umanálise implica certamente na conquista de um saber que está ali
antes que o saibamos, ou seja o inconsciente, e o sujeito pode certamente aprender aí por que truque isso
se produziu. É neste sentido e apenas neste sentido que uma análise é didática. Mas se ele não fez mais do
que aprender a ensinar a apertar os botões necessários para que isso se abra no inconsciente, pois bem,
permitam-me dizer-lhes, ele não aprendeu grande coisa. Ele não aprendeu que desse saber que eu defino
como articulado – é essa a essência daquilo sobre o qual eu insisto, quando digo que o inconsciente é
estruturado como uma linguagem – cada um, à sua maneira, e num ponto inteiramente local, é o efeito. A
pura e simples dependência. Se ele não fez mais do que aprender a ensinar como fazer para que outros
além dele se apercebam disso, é pouca coisa diante do que se desvendou a ele na experiência analítica.
Ele não aprendeu de modo algum, o que quer que o analista pense disso, mas isso se desvendou a ele.
Essa dimensão é bem diferente da de aprender. Seu primeiro movimento é de não saber por onde tomá-la”
(LACAN, 1995, p. 57-58).
4
Bion enfatiza a diferença entre um saber intelectual sobre uma coisa e um saber com experiência,
inclusive privilegiando a própria psicanálise (saber sobre a psicanálise é diferente de viver uma
experiência psicanalítica). “Duvido que alguém, a não ser o psicanalista, entenda este livro, embora tenha
feito o máximo para torná-lo simples. O militante percebe o que digo, pois, diferente dos que apenas leem
ou escutam acerca de psicanálise, experimenta em si o que, no livro, apenas represento por palavras e
enunciados verbais que se destinam a outro interesse” (BION, 1991, p. 11). Mas o avanço aprofunda,
complexificando em camadas, não sendo bem tão somente uma questão de “experiência” ou empiria,
embora o kantismo não possa ser negado: “Os eventos psicanalíticos não se enunciam de modo mais
direto, indubitável ou irretocável que os de outra pesquisa científica. Recorro ao signo O para denotar
realidade última que se representa por expressões como realidade última, verdade absoluta, deidade,
infinito, a coisa-em-si”. Não está na esfera do saber ou do aprender, salvo de maneira eventual; é-se
‘tornado O’, dele entanto não se ‘sabe’. Insondável e informe ... se sabe a seu respeito, por conhecimento
Mas aqui também pedirei a licença de alongar a citação por demais valiosa na
exposição desta ideia chave, demonstrando que diferença há entre ‘formas de saber’ –
para só então só-depois discutirmos mais detidamente o ponto com outras palavras
(embora já mais prontamente encaminhando encerramento desta resenha):
Freud não deixa de pôr em ato esta diferença ao longo de toda a sua
obra. Mas ele a aborda de um modo muito particular em 1938, em seu
texto “Análise terminável e interminável”, no qual responde a
Ferenczi e à sua concepção de uma psicanálise ativa. O
questionamento levantado é o seguinte: por que não preparar o
paciente para enfrentar os conflitos futuros que ele encontrará? Uma
prevenção deste tipo teria como vantagem um ganho de tempo. Ele
estaria advertido, sabendo o que o aguarda por meio de uma
informação que o psicanalista sacou de seus próprios conhecimentos,
uma informação referida aos perigos vindouros que vão se
aproximando do paciente, de modo que ele poderá enfrentá-los de
antemão. Uma vez informado, seria como se já estivesse vacinado.
Pois bem, Freud se sente obrigado a constatar que tal resultado não é
alcançado. Ao invés disso, observa que: “O paciente escuta, sim, a
novidade, mas não há eco algum. É como se lhe passasse assim na
cabeça: ‘Isso é muito interessante, mas não registro nada disso’. Se
terá aumentado o conhecimento do paciente, sem alterar nada mais
nele. A situação é muito semelhante à que acontece quando as pessoas
leem trabalhos psicanalíticos. O leitor é ‘estimulado’ apenas por
aquelas passagens que sente que se aplicam a si próprio — isto é, que
interessam a conflitos que estão ativos nele na ocasião. Tudo o mais o
deixa frio”[ "Análisis terminable y interminable", op cit., t. XXIII, p.
236]. Pode até fazê-lo se mexer, mas mesmo assim é só muito
raramente que terá o poder de estremecer a constelação de seu desejo.
Freud vai falando de maneiras distintas sobre o quão pouco efeito tem
um ensino teórico naqueles a quem se dirige: “Eles absorvem”,
observa Freud, “as teorias da análise tão friamente quanto outras
abstrações com as quais são alimentados” [¿Pueden los legos ejercer
el análisis?, op. cit., t. XX], e nada muda, mesmo quando se está
sabidamente advertido. É por isso que Freud é intransigente quando
menciona os especialistas de outras ciências no sentido de aplicarem
os métodos e pontos de vista psicanalíticos às questões que possam
lhes interessar: seria necessário ter feito uma psicanálise, pois não
basta “ater-se aos resultados consignados pela literatura psicanalítica”
[ibid.]. O saber que se aprende assim não terá efeito, mas haveria um
outro, interior, que surgiria no espaço da cura e que este sim teria o
poder de uma transformação. Esta diferença não é habitual aos dados
comuns da investigação científica e tem que ver com uma
particularidade do trabalho analítico, sendo deduzido de seu modo de
construção de conhecimentos e, de maneira ainda mais primitiva,

advindo da experiência [...] A experiência de psicanálise fornece material impossível de equiparar ao de


outra fonte. Cumpre seja, de modo integral, acessível ao psicanalista. A análise a que o psicanalista aceita
submeter-se como parte de treinamento é necessária, por remover obstáculos à participação na
experiência psicanalítica [...] No curso da análise, é inevitável que o analisando comunique muita
informação a seu respeito, como também o analista a respeito de análise. Tal informação, na melhor das
hipóteses, é inútil e, na pior, prejudicial porque a análise é privativa; falar sobre análise não é fazer
análise” (BION, 1991, p. 36-37). Bion sabe e reforça que não se alcança nenhuma realidade última, mas
tenta enfatizar alguma espécie de sintonização ou abertura e na contramão do imediatamente acessível.
daquilo que conduz Freud a seu descobrimento: a origem
transferencial do saber. Efetivamente, nas outras ciências, uma vez
adquirido um resultado, já não é mais necessário que os discípulos e
os mestres retomem eternamente a experiência; tampouco é necessário
que o estudante de física “suba a torre de Pisa ou para cima do Puy-
de-Dôme, uma vez que outros já o fizeram” [O. Mannoni, Un
commencement qui n'en finit pas, p. 77]; a repetição torna-se inútil.
Não é assim que as coisas se dão em psicanálise, devido à natureza de
seu saber: o descobrimento de Freud nasce de sua transferência com
Fliess, de modo que tal origem precisará ser refeita, jamais sendo
completamente suplantada pela aprendizagem de um saber
previamente constituído. O. Mannoni fala dessa análise originária
como um “começo sem fim”. Para dizer de outro modo: é possível que
se conheça totalmente o Édipo, mas este saber nada terá que ver com
aquele produzido por um analisante através de um processo analítico
que, pelos meandros de suas palavras, pode entrever quais teriam sido
as primeiras posições de seu desejo; não é possível utilizar as verdades
reconstituídas passo a passo na transferência: somente as produzidas a
partir deste espaço é que teriam o poder de transformar um sujeito.
Portanto, haveria que se manter uma distinção entre um “ter que
saber” e um “saber-se” ou, para retomar a fórmula de Octave
Mannoni, entre um saber sobre e um saber de; o primeiro,
grosseiramente identificável com o saber teórico que um psicanalista
pode constituir num esforço de explicação de efeito retardado, não
poderia jamais substituir ao segundo, do qual Freud escreve: “... um
paciente nunca se esquece novamente do que experimentou sob a
forma de transferência; ela tem uma força de convicção maior do que
qualquer outra coisa que se possa adquirir por outros modos”
[Esquema del psicoanálisis, t. XXIII, p. 177] (CIFALI, 1992, p. 109-
110).

Freud é elegante, ficando ainda mais nítida a sua sagacidade do que é freudiano
nas plumas de Cifali.
O caso é que se carece de enunciar detidamente tal distinção precisamente por
sua participação na própria ideia de uma ‘aplicação’. A natureza, a essência, o
fundamento, a qualidade, a estrutura, o eixo singular e singularizante deste saber, o que
implica na impossibilidade de sua assimilação ou execução, sendo mais próximo de
uma forçação, um forçamento – um saber-forçamento, um saber que é um forçamento.
Ideia de uma ética? Ética de uma ideia? E voltamos à oposição teoria x prática.
Pensamento x sensação. Mente x corpo? Psique x soma? Continente e conteúdo?
Representação e representado? Empiria x racionalismo, realismo x idealismo,
pragmatismos e ceticismos. Filosófico demais, ludibriosamente epistemofílico e clichê
batido.
‘Saber que não se sabe e com estrutura ficcional’, tal seria a exploração mais
lacaniana desta ‘observação’ – desenvolvida com amplitude em trabalho prévio (SILVA
FILHO, 2021), cabendo conferência, já que lá se joga com ‘conhecimento x saber’ em
consequência homóloga.
Vale igualmente apontar que no campo pedagógico discussão próxima também é
profundamente desenvolvida, por exemplo, nos trabalhos de Jarbas Novelino Barato,
que em livros como “Escritos sobre Tecnologia Educacional & Educação Prosfissional”
(BARATO, 2002) e “Educação Profissional: saberes do ócio ou saberes do trabalho?”
(BARATO, 2004), enfaticamente trabalha ‘informação x conhecimento x desempenho’,
em sugestão direta de que se abandone o par ‘teoria & prática’, considerando-se
‘técnicas e habilidades como uma das dimensões do saber, como tipos específicos de
conhecimento mesmo’ (tecnologia é saber fazer, know-how) e não meros elementos
práticos que subordinam-se a uma teoria, cabendo-lhes ‘status epistemológico próprio’:
‘um conhecimento técnico é uma dimensão do saber e o saber é inerente ao fazer, não
uma decorrência de conhecimento estruturado por proposições logicamente
concatenadas’. Caracteristicamente, ‘definir antes de experimentar é um engano que
acabou sendo incorporado ao nosso modo de pensar’; E, ‘se aprendemos fazendo e
fazemos para aprender, sendo raras as coisas que de fato conseguimos definir’, importa
salientar que o intercâmbio e o fluxo na dimensão do saber é no mínimo múltiplo e de
mão-dupla, indo e voltando, mais precisamente se produzindo conhecimento tanto do
fazer (prática) quanto da informação (teoria), mas aí justamente se marcando
delicadamente a distinção ‘conhecimento x informação’, para evitar os dessabores de se
mirar numa ‘transferência de informações’ enquanto intuito da educação (algo que
literalmente matou a escola – pelo menos desde os anos 70), ou mesmo o brutalmente
danoso dogma de que conhecimento é mercadoria, como se ele fosse um bem de
consumo que se poderia armazenar, processar e distribuir, como se ele pudesse ser
comprado e vendido – acreditar neste último, segundo Barato (2002, p. 72) “é uma
forma sutil (e cruel) de perpetuar ignorância”. Conhecimento e saber é processo de
elaboração, facilmente de lenta maturação, precisamente alimentado pela paixão (com
mistério, prazer e motivação de ingredientes), impreterivelmente decorrente de
convivência: “o saber é, necessariamente, compartilhado. Mais que isso, o saber,
necessariamente é um tecido de significados históricos e socialmente construídos”, cuja
dinâmica é interativa (BARATO, 2002, p. 110). Educar não é facilitar acesso à
informação, nem tampouco há grupo homogêneo e seriado, sendo que “a acumulação de
grandes quantidades de informação (muitas delas irrelevantes e inúteis) não é condição
necessária para a elaboração do saber” (BARATO, 2002, p. 72). Com Anderson (1977
apud BARATO, 2002, p. 69):
Predomina, nas escolas, uma visão ingênua que pressupõe que os
efeitos da experiência podem ser considerados como conhecimentos,
que o conhecimento é consciente, e que o conhecimento pode ser
traduzido em palavras. Simetricamente, as palavras podem ser
traduzidas em conhecimento e, assim, as pessoas podem aprender, ou
seja, podem adquirir conhecimento por meio de instruções verbais.
Por razões importantes na história cultural do Ocidente e importantes
para sustentar uma sociedade tecnológica, essa visão ingênua está
embutida no texto escrito. Supõe-se que o texto é completamente
transparente, mantém um significado fixo em qualquer contexto e
permanece autônomo, sem necessidade de intérpretes especiais ou, até
mesmo, de uma referência interpretativa.

Quando colocamos no mesmo saco ‘informação’ e ‘conhecimento’, corremos o


risco de ter gerações cada vez mais bem-informadas, mas sem nenhum conhecimento,
na pira de que ‘o importante é saber manipular informações’: “No primeiro caso,
teremos papagaios que falam coisas que não sabem. No segundo, ‘consumidores’ que
desconhecem o conteúdo dos produtos oferecidos, embora possa classificar rótulos”
(BARATO, 2002, p. 70). Obviamente que estratégias capitais de uma ‘sociedade da
informação’ destinam-se ao exercício de um domínio sempre maior no âmbito do
trabalho.
Então, como se produz um saber? Um saber que pudesse receber o qualificativo
de psicanalítico ou que pudesse ser tomado como algo fora do informativo? Um sabor
distinto, marcado pelo temperamento do ferro – processo pelo qual sempre pode ocorrer
rachaduras na lâmina.
Falar de atividade, autonomia e afeto na aprendizagem não é novidade. Que algo
precisa fazer sentido para quem aprende, que a história e os interesses de quem aprende
deve ser levado em conta e que a sua emoção é que fixará uma ‘informação’, isso tudo
perpassa um escolanovismo que remonta aos anos 1800 (século XIX), um
construtivismo mais de século XX e mesmo uma ‘neurociência’ de século XXI. É óbvio
que não há passividade ou qualquer educação bancária, ou que conhecimentos não
possuem valor intrínseco. Por outro lado, é intuitivo e socrático-aristotélico que haja
uma forma de razão, de racionalidade, de ter razão; (razão) que, equivalendo-se ao dito
processo de pensar, leva a conclusões e construções mais ou menos exatas, comumente
necessárias e inequívocas, como 1 + 1 = 2. Basta aprender a somar. Silogizar – por mais
que isso pudesse não ser fácil. Sempre querido e imaginário mundo de ideias, das ideias,
das concebidas representações do mundo, da verdade. Suposição de verdade.
Nota-se que não fora feito aqui anteriormente qualquer uso conceitual, com
definição precisa, dos termos ‘saber’, ‘conhecimento’, ‘informação’, entre mais. Não se
trata de oferecer-lhes tratamento conceitual, justamente. É outro caminho que se
promove, com o risco de uma falta de generosidade não forjar facas duras (a têmpera
deixa microfraturas, curiosamente podendo deixar o aço ‘duro onde não deve’,
quebrando mais facilmente – mas falo isso sem conhecimentos práticos, importa frisar).
Há uma aposta na inteligência do interlocutor. Mais que isso, um esforço brutal de não
tomar-lhe a vez, não tomar o lugar da inteligência de alguém que obrigatoriamente terá
que colocar o tino para funcionar. Não dá para transferir conhecimento. Não dá sequer
para transferir informação – pode-se jogar uma na cara do sujeito e ela passar sem ser
notada. A elaboração terá que ser feita por si. A elaboração, não a mera ‘juntagem’ de
peças de automação. Não é que não haja isso (de juntar partes prontas e prévias) ou
lógica. Muito menos que isso não tenha levado à construção de prédios e aviões. Há
lugar para tudo. Ciência dura e ciência onírica. O caso é que elaboração requererá
sofrimento, tempo e novo.
Como saber isto é, sofrer as consequências e implicações das próprias emoções,
dos pathos encaminhados? Tristeza, ódio e júbilo são partes iniludíveis do processo.
Pode-se aprender por ódio (KLEIN, 1996). Pode-se aprender com júbilo (ZYGOURIS,
2000). Tristeza é completamente inevitável (TOMAZELLI, 2003), luto e elaboração
não se separam. Educação fora do amadurecimento do material é doutrinação e produz
submissão, sendo brincar e superposição de brincares grande modo de sair fora da
resistência ao aprendizado (WINNICOTT, 1975), entrando para dentro do jogo. Freud
sempre quis que o timing estivesse levado em conta, e Lacan sempre quis que não se
pudesse entender demais. Bion lembra de que analista que sabe demais, sabichão,
atrapalha, e frisa bem que quando se está cansado, ao invés de se esperar ao outro, se se
põe a dar aula, no sentido de se expor conteúdos. Há que se proteger para não se ver o
que não está ali para ser visto, deixando que o movimento aflore. Chuva leve e perene
rega, e tempestade tende a destruir. Ainda que, uma vez mais, destruição possa fazer
parte, e pode ser necessário sobreviver à destruição, suportar ser destruído, suportar ser
morto.
Uma vez mais, tudo isso em referência ou conceito? O jogo de valorações está
dado. Anteposições de diferenças, oposições e negações, por valores se vai extraindo
algum senso. Menos pela exatidão que pelo exercício contínuo de modulação e secreção
de sentido. Há que secretá-lo, para em seguida colhê-lo e em seguida sofrê-lo, isto é,
produzir-se como efeito do sonhado. É o sonho que nos faz, e aquele que não sonha está
impedido de conhecer. E o milagre analítico se encontra na justaposição do fim do
sonho, pois se se sonha o tempo todo, acordado incluso, o milagre é o do tempo, da
marcação do tempo, de um tempo que tende ao infinito, tende a não passar nunca,
ansioso que se fica, deprimido que se morre, se mata de raiva. Algo há que fazer para
passar o tempo – facilmente isso se dando quando já é tardemais e ele já passou.
Quando vai ver, perceber, despertar, já não há mais tempo. Passou a vida sem perceber,
sem se dar conta, e quando a conta veio, a cobra era grande demais.
Conceito de saber trasferencial, só codinome bruto, jargão pobre. Transferência
banalizada, se usa para tudo. Se se diz que em tudo há transferência mas que nem tudo é
transferência, resta pouco. Sem dizer que se quer chamar tudo mesmo de transferência,
já não o disse? Uma idealização qualquer, uma raiva qualquer, um amor qualquer.
Nesse jogo vai até se querer chamar uma de transferência simbólica e outra de
transferência imaginária. Outra vez, note-se, jogo de jargão, mera modulação. Não se
reifica etiqueta, mas se aproveita o vão que ela propõe, que ela interpõe no assunto.
Marco decisivo, de cisão, de marcação. Do tempo, que é o espaço em movimento.
Vento ou furacão, ar ou ilusão – mas aqui é já luz, a despeito da onda tão marítima.
Transferência de trabalho e trabalho de transferência. Minha transferência com
você, com aquilo, a contento. Melhor ir menos por aí. Quem transfere não fala sobre, e
falar sobre não é transferir. Não é transferir conteúdo, emoção-relação ou ação.
Transferir é só ferir, em engate. E só. Não é que pra educar o educando tem que
transferir ao objeto, matéria ou corprofessor. Melanie Klein bem nos atentou às
coprofilias deste campo, onipotência dos excrementos. Ensino de merda, professores de
merda. Psicanalistas m’herdeiros de Freud. Não é investimento ‘libidinal’ ou emocional
em algo. Não é apenas. Ou dizer assim faz perder de vista, cortina de fumaça. Pensemos
em Freud. Freud sonhou em escrever o livro da ciência dos sonhos, de modo a entender
e a ensinar como se interpreta um sonho. Queria muito isso. O fez, mas, ao fazê-lo, caiu
mais para dentro de outro algo. Não conseguiu uma chave de leitura unívoca, como
enquanto cientista bem poderia querer. O sonho interpretava ele e não o contrário. O
sonho, no caso, que foi a própria obra dele. Percebe-se que o sonho pode ser qualquer
‘coisa’? Um grito ou um mês, um beijo ou um seio, uma transa ou uma secção, uma
palavra ou um livro inteiro, talvez até 24 volumes, pois, uma vez mais, facilmente tende
ao infinito. É muito duro, triste, luto, mas júbilo, ter um sonho encerrado, que só se
encerra para iniciar outro. Como encerrar um sonho, fazer um marco, torná-lo
acontecimento, acontecido, para daí resultar-se como cunhado, sonhado que se é, agido
pelo sonho que somos. Não se é poeta, mas poema, mas mais porque o poema cria o seu
poeta, que só é evanescente. Criador e criatura, causa e efeito, quem vem primeiro?
Em análise, o que se faz é trazer algo que se toma como verdadeiro, e se labuta
com isso até o fim, de preferência dando-se impensado fluxo de pensares sobre, deixa a
coisa falar em Si, desde um Eu. Ela fala e costuma não falar bem, ou fala coisa na qual
quem fala não se reconhece. De repente haverá que se haver com aquilo. Rejeitando,
brigando, assimilando, amando, chorando.
Insisto: o sonhar entrega o sonhador pelo que, como ato, que sempre é
falho, aponta como sonhado – eu este apontar é o discurso da
histérica. Fiquemos por enquanto aqui, no sonho que conta a histérica,
porque é do discurso da histérica que se ficou sabendo alguma coisa,
por haver operação do discurso do analista, segundo o que Freud
mapeou a ponto de, mais tarde, poder ser matemizado. Uma vez Freud
sabido por isso, constitui-se um conhecimento sobre que há um saber
no inconsciente, embora nunca se possa saber qual é este saber. Por
que não se pode saber este saber? Porque ele se faz a cada momento,
ele não está lá já feito, e ele se faz em sonhares que não são
necessariamente histéricos: estes sonhares não se aprontam
necessariamente como sonhados – como quer a histérica (MELLO,
1987, p. 43).

Neurótico, como burro, só enxerga o que já sabe. Não aprende, em repetição


infinita – vitrola quebrada e disco arranhado com sulco sempre levando ao mesmo. Daí
porque o incomensurável esforço e a preocupação com um ambiente ou fatores externos
que pudessem favorecer aprendizagens, como propiciar um estado de espírito e
comunicação ensejador de sonhos passíveis de comunhão. Não é sem outro, mas
tampouco é sem primeira pessoa de singular.
Como sonhar um ‘objeto’, mantido e crido, querido e destroçado, por anos e
anos a fio, antes ou durante? Luta renhida, viver é lutar. E na condição de um saber que
não se tornará conhecido, saber que sabe o si, que o leva a ser, que causa a
efervescência fulgurante de um momento divisor, colapsando a divisão murada que
antes estava lá armada, podendo valer os dois lado – já que um deles ficava negado, em
tipos variados de negação –, de modo se cair cada vez mais em irredução, em algo que
não pode mais ser negado. Viver tempo o bastante para aferrar-se a isso, desferando-se
àquilo, besta e fera que se almeja sem sucesso ser.
Todo um trabalho que não cria uma base suporte de tudo, que se marca na areia,
capaz de mover como duna, erigindo-se aqui e ali, quando é o caso. A ereção da
verdade é jogo peculiar, a ser experimentado e refeito, com a grande honra da broxada e
mais ainda a força da renúncia, do abrir mão e pernas, do tolerar e suportar vazio.
Se passa por tudo, sem que haja receita ou fórmula, sequência exata. Se se
apaixona, se lamenta, se enobrece e se conhece. Processamento e significação que
passará sempre por um zero, que se força à repetição, por enviesamento sintomático,
mas que por ser sintomático, pode ser sinthomatizado, levado a outro encantamento,
usado não em círculo, mas espiral ascendente, se voltando ao mesmo mas desde outro,
revirado e revirante. Em processo de furar o disco – geralmente carece de tempo, e
encarece o tempo também.
O laço em questão é só pretexto de produção desse um outro saber. Mas
sabendo-se pouco, não inefável, como subsequência do falar, ficando mal-falado em
geral.
Sobre psicanálise escolar:
Com efeito, seja nos escrito pedanalíticos nos quais o p.p., o p.r., o eu
(moi), o isso, o supereu, a regressão, o ideal de eu, a energia ligada, a
energia desligada, as pulsões pregenitais, os substitutos do eu, os
estágios da libido, etc., aparecem em cada página como forma de
compreensão da educação e da criança; seja o caso dos questionários
psiquiátricos baseados em um jargão psicanalítico nos quais, para se
realizar uma radiografia da personalidade de um adolescente, se
exigem respostas a rubricas tias como: “Eu”, “Supereu”, “Ideal de
eu”, “Organização pulsional”, “Conflitos entre o eu e o mundo
objetal”, etc. convertendo-se as hipóteses metapsicológicas em órgãos
psicológicos; ou que se formule aos educadores a exigência de terem
conhecimento, com o glossário de apoio, e de aprender os conceitos
psicanalíticos, incluindo terem domínio destes pequenos exames,
esses quiz nos quais se deve assinalar com um traço ‘verdadeiro’ ou
‘falso’: o eu (moi) é um órgão de adaptação, um engodo ou um estágio
final...; de um lado ou de outro, está em jogo uma mesma crença: um
trabalho psicanalítico para além do tratamento clínico passaria
principalmente, e até mesmo unicamente, pelo emprego dos conceitos
psicanalíticos travestidos à caráter como “noções”, ou modificados em
comportamentos psicológicos reconhecíveis. Mas, de um lado e de
outro, reina um mesmo inconveniente, se incuba algo igualmente
irritante. Está certo que mencionar estas reações assim tem apenas
valor retórico, mas talvez sejam próximas do embaraço experimentado
por Freud ao escutar algumas das exposições ditas psicanalíticas. No
último congresso antes da ruptura com Jung, após uma conferência
abarrotada de estatísticas de um representante suíço, Freud fez o
seguinte comentário a respeito: “A psicanálise tem sido objeto de todo
o tipo de críticas, mas essa é a primeira vez que a poderíamos
qualificar de tediosa” [E. Jones, op. cit., t. II]. Quer dizer, Freud
prefere honestamente mesmo a “ação criminal” ao tédio, em termos de
uma boa exposição sobre a análise (CIFALI, 1992, p. 166-167 – grifos
nossos).
Um saber paradoxalmente do antigo e do não acontecido, bipartido em equívoco
e suposição, íntimo e sinistro, em transatoriedade e sem relação que não há.
Ciência, em psicanálise, só é possível se for tomada como exploração do
ridículo, detalhe menos importante (é escadaria palaciana, não salão ou trono: de nada),
carente de previsibilidade, mas capaz de improviso, escapando ao conciso, exato e
preciso, matemático cuja superioridade do conceito é evidência. Numa das dimensões,
“conhecer pode ser a capacidade de estar e ficar nesse lugar de suplício onde a
passagem do tempo ganha características aflitivas – induzidas pela presença iminente
das angústias de morte e tornar-se – na hipótese de ser simbolizado – experiência de
transitoriedade e melancolia” (TOMAZELLI, 2003, p. 83-84). O que precede o
conhecer é uma poluição emocional cara e não a racionalidade, sendo imprudente,
demagógico e mesmo temerário o mero e defensivo mecanismo de investigação e
produção neutra.
Isso tudo para salientar o peculiar constructo de um saber que não poderá jamais
se aplicado – a psicanálise não sabe das coisas –, nos levando justamente a: qual
aplicação? Dado tal saber, dado tal conhecer, aplica-se? Implica-se?

Teoria da aplicação

‘A psicanálise não é aplicada, mas implicada’ (ROSA, 2012), implica e faz


implicar-se – sem dúvidas essa seria já uma boa sacada. Resolve muito e se coaduna à
proposta de Cifali (1992) que faz implicar a própria psicanálise num transferencial entre
campos, além do consultório, num complexo alterar e ser alterado, fazer furo, sendo
talvez desfurado, tornando-se mesmo outro algo (até duro). Poderia bastar ser sujeito
agente de união, de criação do trânsito e espaço potencial entre campos, sofrendo-se os
efeitos do fazer aí. Bairrão (1999) já ensaiou algo disso, com significância e
transicionalidade, em rumo clínico e social, embora fora em seguida (BAIRRÂO, 2000)
que tenha questionado ‘o que será um psicanalista?’ nesse(s) âmbito(s), refletindo sobre
as tentativas insuficientes de se classificar o estatuto da psicanálise enquanto ciência,
ofício, arte e religião, mais bem sugerindo a perspectiva ética aí (até para ultrapassar
limites impostos pelo modelo de exercício liberal de uma profissão) – bem se
recapitulando considerações ‘não acadêmicas’ de Barato (2004): ‘Conhecimentos
científicos não mudam necessariamente a vida das pessoas. Não criam obrigações. Não
são “práticos”. Envolvem sobretudo a razão, embora discussões sobre verdades
científicas possam ser muito apaixonantes. Conhecimentos éticos, pelo contrário, criam
obrigações. São práticos. Conhecimentos científicos estão no reino do saber.
Conhecimentos éticos estão no campo do querer. Em ciência, avaliamos o
conhecimento das pessoas por aquilo que elas sabem. Em ética, avaliamos o
conhecimento das pessoas por aquilo que elas querem. Em ética importa, sobretudo, o
que as pessoas fazem’. Marcadamente, Bairrão (2000, p. 16) dirá: “Em verdade
inobjetivável, o sujeito precisa ser tratado eticamente, e não epistemicamente”. E,
inequivocamente, Voltolini (2018) sugerirá o quanto tal enunciação de ‘sujeito’
reverberada na educação faz furo no esforço objetivante e supressor d’um discurso
pedagógico e científico comuns, quando ali carreado (independente de a psicanálise ser
consultada diretamente ou não), ainda Gurski (2019), em esteira próxima, salientando a
operação da ‘escuta analítica’ na socioeducação. Conceitos levados? Know-how?
Ideologia psicanalítica pasteurizada e absorvida? Desafio ético? Será que o campo da
pesquisa psicanalítica acaba por produzir apenas epistemólogos? É interstício do campo
da psicanálise e educação ou é um terceiro campo interfaceado, não sendo nem
psicanálise e nem educação? Com Voltolini & Gurski (2020) ou Godoy & Bairrão
(2014) – ou mesmo Rosa, Estevão & Braga (2017) –, claro está que as misturas
mancharão os encontros que jamais estarão imunes às ambivalências.
Todos cederão? Será já outra coisa? Deixará de sê-la?
Tratamos assim noutro lugar:
... lembra como pode se dar uma conversa entre áreas, sem que uma
entre pra dentro ou mesmo domine a outra. Uma conversa entre áreas,
talvez aí esteja uma extensão, mantendo-se clara a diferença de
intencionalidade, de pretensão. Mas, com psicanálise bem-extendida,
sem a oferta de conceitos aplicáveis, e muito mais na mera
reverberação ou mesmo manutenção de um vácuo discursivo – talvez
essa seja a extensão: uma fala realizada em outro campo mantendo ou
introduzindo um bem específico furo discursivo, a ser aproveitado por
meio de um singular subsumido. A psicanálise não dirá nunca o que a
pedagogia deve fazer ou como deve fazer. Tampouco servirá de
ferramenta prática à segunda (não vai servir para resolver os
problemas de outro campo). Pode mais mesmo oferecer uma torção
discursiva, parasitária embora efetiva, em termos de suscitar sujeitos e
ou decisões educativas (ou seja, de outro campo, não psicanalítico).
Pode ser mesmo apenas esse uso estranho linguageiro. Noutro campo.
Mas não será uma forma de educar. Não será uma forma de governar,
uma forma de distribuir igualdades ou desigualdades. Não fará um
bom gesso para uma perna quebrada. Na melhor das hipóteses
oferece-se como uma certa testemunha, mas que mesmo nisso,
dependerá de tantos outros processos legais e de direito, que não será
dela mais o mérito, qualquer que surja. [...] Psicanálise em extensão é
só pouca língua esburacadamente usada. É laço, relação, mais
preocupada com tardividade que com precaução preventiva. Mais pra
fazer ouvir que fazer funcionar. Aliás, por vezes é o caso de
desfuncionar (SILVA FILHO, 2021, p. 297-298).

Mas talvez ainda reste retomar um pouco do que Cifali (1992) enunciou em seu
livro, de modo a redesenhá-lo – sem perder de vista que a autora segue trabalhando a
temática em maior ou menor grau até hoje, com muitos trabalhos (CIFALI, 2020).
À época, Cifali (1992) já considerava a “psicanálise ‘aplicada’, não como um
acréscimo de saber ensinável, senão que muito mais como uma saber que cria, entre um
e outro terreno, um espaço transferencial cujos efeitos ... tornam-se fonte ... de
interpretação e de conhecimento” (CIFALI, 1992, p. 97). Ela exige mesmo que se
escolha entre aplicar ou interpretar, como condição para um trabalho em outro campo,
de modo que o psicanalista que lá for, terá de se colocar como Je e não Moi, em um
corpo a corpo transferencial. Sua hipótese é mesmo a de que uma “psicanálise
‘aplicada’” é a “criadora de um espaço no qual um investimento de desejo e uma
tomada de risco são justamente as condições de uma produção de conhecimentos
novos” (CIFALI, 1992, p. 100). Freud em outro campo é o seu paradigma: lá “ele se
converte verdadeiramente em um psicanalista em outro campo, quando o objeto de sua
investigação se apodera de seu saber interior, com ele aceitando o seu lugar de locutor
na elaboração de seu trajeto” (CIFALI, p. 107). Ou seja: há outro campo e é lá que se
atuará, deixando-se tomar por aquilo que o outro campo suscitar, afetando-se de modo a
poder interpretar, o que no caso seria bem com o intuito de promover novidades,
descobertas, para lá. É certo que ao longo do livro a autora mostra como Freud falhou
nisso no campo educacional, sempre tomado por dimensões transferenciais massivas e
desnorteantes – o que gerou um curioso quase “contradito” do tipo: é para criar um
espaço transferencial, mas a transferência pode levar tudo abaixo. Não é nada profundo,
mas um tratamento disto seria cabível, embora talvez a ideia da manutenção do jargão
transferencial tenha sido um equivocante. Ela diz que Freud, na aplicação à educação, se
esquece da diferença entre naturezas de saberes, caindo no lapso de aplicar conceitos ao
invés de suscitar conhecimentos. E no oitavo capítulo ela repetirá assim: “não se trata de
aplicar um saber pré-existente de modo a assinalar ao outro campo o que ele deve ser,
senão que abrir pistas que, de modo sempre particular, se possa perseguir” (CIFALI,
1992, p. 127).
Sua tese é mesmo a de criar vãos, veredas ou conheceres, embora, mais que
outro, o seu intento é menos o de circunscrever uma teoria da aplicação do que mostrar
que ‘psicanálise & educação’ não é uma insanidade ou uma aberração – mais que tudo,
é algo claramente articulado e articulável, tendo se mostrado diálogo importante ao
longo de quase todo o percurso de Freud. Um Freud que cunhou mesmo o termo
“educador analista” (der analysierende Erzieher), ponderando sobre tal atuação
(CIFALI, p. 136) – bem se encontrando na pedanálise de Pfister explícita tentativa de
descrição ampla da atuação, direitos e deveres, limites e competências –.
E a autora sempre retoma a discussão que demonstra o seu maior ponto: “Se a
perspectiva de que um analista também seja em certas circunstâncias um educador – um
analista pedagogo – já é inconcebível para muitos, o fato de um educador poder ser um
psicanalista – um pedagogo analista –, então, beira a provocação”, bem não se vendo “o
mesmo desgosto quando um médico coloca em seu cartão de visitas ‘médico e
analista’” (CIFALI, 1992, p. 145). Pergunta enfaticamente: “Por que é que os
pedagogos perderam nos dias de hoje todo e qualquer poder sobre a psicanálise?”
(CIFALI, 1992, p. 150) – frisando-se que os ‘dias de hoje’ eram no início dos anos 80.
Diz ela lá: “A verdade é que a psicanálise, hoje, não passa de uma teoria ensinada como
outra qualquer, dentro de uma acumulação de conhecimentos acerca do que se imagina
que seja uma prática educativa mais racional. É certo que é uma teoria como qualquer
outra” (que não é superior a nenhuma – não há hierarquia), “mas em contrapartida
acabaram mesmo com a sensibilidade ao inconsciente que lhe é peculiar” (CIFALI,
1992, p. 151). Ao que Voltolini (2020), em atuais ‘dias de hoje’ devolverá:
Normalmente se espera sua participação [da psicanálise], como
dissemos acima, ao lado de outras contribuições teóricas sobre os
fatores psíquicos que estão em jogo na formação de professores, mas,
se ela aparece aí, será como ideologia psicanalítica e não como
psicanálise. Essa diferença é crucial fazer quando nos damos conta
que foi sob a forma de ideologia psicanalítica – incorporada após a
pasteurização de seus conceitos à ideologia psicológica mais geral –
que a pedagogia englobou o saber psicanalítico em seu campo
(VOLTOLINI, 2020, p. 90).

Eis um retorno que se deve a Badiou ou Zizek, ou à filosofia e à


epistemideolopasteurilogia. Ou cair-se-ia aqui em uma denunciada caça às bruxas,
tomado que estaríamos por uma psicanálise pura e verdadeira? Cifali brinca com os ‘ex-
psicanalisáveis’, psicanalistas expulsos ou expulsáveis, tais como os pedagogos o
foram, mas não deixa de assentar: “É certo que nem todas as interpretações [da obra
freudiana] são válidas ou equivalentes, em um perverso ‘é tudo igual’: algumas abrem
horizontes [...] outras são manifestamente um fruto amargo” (CIFALI, 1992, p. 162).
Difícil não moralizar. Difícil não ‘julgar’. Criticar é parte. Fecundar é preciso. E há
mesmo o que frutifica e o que não, muito embora haja quem chame palha seca de fruto e
flor da razão. Enfim, “diz-se: saber para compreender melhor, mas o que se quer é saber
para melhor dominar e para se assegurar” (CIFALI, 1992, p. 168) – creio que isso baste
para discriminar.
Alterando e sendo alterada, modificando e sendo modificada, certamente de cara
a psicanálise já será afetada ao abraçar formar e conteúdos aos quais não está
acostumada. Neste sentido, psicanálise aplicada é psicanálise alterada. Portanto, ao se
fundir e confundir com aquilo que explora, deve-se cuidar para que não se perca a sua
capacidade de alterar, para não se cair em um ‘de igual para igual’ sem jogo de
diferença. Com isso, certamente que o trabalho psicanalítico em outro campo não se
prestará a justaposições harmoniosas, geralmente ocorrendo uma transa de contradições
benéficas, com interrogação de reprimidos e esquecidos que por vezes atuariam
desapercebidos – tão caros ao jeito analítico. Prática de interstício, pluralizador de
sentido, o analítico deportável é sempre questionador de saber constituído: lhe importa
um caldeirão inesgotável de significações. Nunca se colocando como correta ante
qualquer errado, tampouco buscando mimetismo ou complementariedade. Aplicação
que parte de saber prévio e que encaminha dedutivo só cria resistência e submissão, no
máximo sendo sem efeitos – se aplicação for isso, não pode haver aplicação da
psicanálise. Mas se for outra coisa, uma relação viva que ultrapassa qualquer ‘fala que
eu te escuto’ ou ‘sei e aplico’, guiada por perguntas e potencialidades criativas, rico em
dificuldades e no qual se aceita ser transformado – alterador e alterado (CIFALI, 1992).
Para ela, em tese, certeza de transformação. Talvez devesse chamar psicanálise
transformada ao invés de aplicada. Psicanálise transtornada, se as perguntas devolutivas
forem recíprocas. O que é a ciência se a psicanálise (o sujeito) existe? O que é a
linguística se a psicanálise (o inconsciente) existe? O que é a biologia se a psicanálise (a
pulsão) existe? O que é a matemática se a psicanálise (o real) existe? O que é a filosofia
se a psicanálise (a paranoia) existe? O que é a religião se a psicanálise (Outro) existe? O
que é a arte se a psicanálise (o iceborga) existe? O que é o amor se há (Eu-)psicanálise?
A psicanálise existe? Insiste? Só se sabe que em cada caso, em cada verso, haverá que
ser outra, aoutra, quando bem aplicada, se aplicando como deve e em dedicação. Não
será o que teria sido fora, ainda que provavelmente nem seja dentro. Tem algo curioso
sempre na banda de um oito interino: de que lado da fita ou cesura se está? Se cá, parece
contrário a lá. Mas espalhar é forma mais inevitável de abismar. Certeza é sempre
corrimão que sacia uma mancada.
Aplicar, extender, extramurar, implicar. Ser psicanalista fazendo outra coisa.
Não ser psicanalista fazendo análise. Não há que ser sempre o caso de fazer
psicanalisante. Produzir conhecimento novo? Efeito-sujeito? Reduzir ao irredutível?
Entristecer? Campo de afeto? Sonho? Cura? Ouvir?
Um papo, pouco ou velho, leve perda de tino. Transa e transacionalidade com
franjas e hifas – há superposição, sem que rizoma seja obrigatório. Mais ridícula e
bobageira. Importa versar com fala, isto é, com perda. Como se fala faz diferença.
Compostura e com postura, obviamente.

O pedagógico na psicanálise e também: da transmissão

Análise Didática, Escola ou até Interpretação (com tripés de sustentação, outros


dois pés de supervisão e estudo teórico ou cartel e passe), muito aproxima e mesmo
equivale uma abordagem à outra, uma lente ou campo. Os intuitos os separam, o que
importa muito quando se quer considerar multidisciplinaridade ou interdisciplinaridade
– se fossem disciplinas iguais, não haveria interação (é a diferença que permite
colaboração, sem necessária mistura ou absorção, variando se se quer convergir
assomando ou digno e separado avolumado considerado de conhecimentos).
A questão da transmissão está posta para toda e qualquer disciplina ou campo
humano, realmente sendo difícil de sacarmos como algo é aprendido. Professores
reclamam de saírem de cursos universitários sem qualquer base para a sala de aula, o
mesmo se repetindo para psiquiatras ou psicólogos, médicos ou enfermeiros: áreas que
trabalham com o humano fervem. Há os que reclamam de não estarem aptos ao
mercado de trabalho em termos mais genéricos, em profissões mais indiretas em vendas
ou mercado financeiro, sem mencionar engenheiros de todas as ordens ou jogadores de
futebol. Policial, cabelereiro ou astrólogo, como se ensina? Como se aprende? Se
transfere? Quanto exercício prático – que ninguém pode fazer por ninguém – está
envolvido em qualquer assunto? E quanto fora gasto na história humana de aposta em
que um ‘teórico’ assumiria um papel central, capaz de organizar e inequivocar uma
transmissão, assegurando estabilidade e incorporação? ‘O escrito, fixo, garante’.
Categoricamente, no caso da psicanálise, de saída se impôs a ideia de que
haveria que se fazer uma análise, passar pela experiência analítica, viver uma pedagogia
do desejo na prática, em amor e amasso com o sintoma e o inconsciente, com divã e
outrem, por tempo indeterminado e sem álibi. Fragilidade do campo ou levada à sério
do material humano? Atitude professoral sempre fora problema, mesmo no campo
pedagógico, tida como sinônimo de intelectualização ou explicação no lugar de
qualquer ação. O professor explica no lugar de o outro agir, ou corrige uma ação
‘errada’. Critica? História psicanalítica é mesmo a de uma longuíssima discussão sobre
a natureza de uma interpretação, do seu intuito até o seu como. De uma interpretação
que traduziria uma inconsciência (argutas e apropriadas) até um interpretar para se
mostrar os limites do interpretador, havendo versão impulsionadora de sonhos ou
somente justa criadora de vácuo que permitiria criação autônoma. Bem freudianamente:
intepretação prematura (ou fora do tempo) só aumenta a não-aprendizagem, dita
resistência. Pois grosso modo se ‘busca’ mudança na capacidade do paciente. Que ele
possa mais? Que ele queira? Desejo de que o outro deseje? Houve todo um refinamento
do pensamento sobre uma tal tarefa. Com o paralelo ‘curativo’ envolvido. ‘Querer
mudar ou adquirir algo novo sem deixar de ser o que se é, sem que nada mais em mim
se transforme, querendo ser igual mas sem um “sintoma”’ – é toda uma discussão aí. É
possível ser igual, mas diferente? Ou só mudando drasticamente é que aquilo muda, por
acréscimo (não como objetivo, mas como ganho secundário)? E a coisa é feita de modo
objetivo? Objetiva-se mudar? Ou a própria mudança seria apenas resultado e efeito de
um percurso todo, sendo, então, o percurso o único objetivo? O único objetivo é
caminhar? Distraídos aprenderemos? Uma vez mais, é toda a discussão em jogo.
Quando foi mesmo que educação virou sinônimo de transferência de conteúdo? Quando
foi que pedagogia pareceu ser fazer alguém fazer algo, simplesmente aprender
objetivamente uma tarefa, reproduzir um ato, em cumprimento de currículos? É certo
que isso deve ser feito. É certo que há campo para isso. Não é bem certo que
necessariamente este seja o campo escolar, tampouco de todas as ‘disciplinas’ da
cultura. Cabe melhor ou pior dependendo do assunto.
Mas que psicanalistas sejam chamados de ‘professores do desejo’, tá aí um treco
que deve desconfortar.
Não custa assentar que há mesmo uma ocupação de ‘inoculação de desejo’, com
figuração de que não se deseja pelo outro apenas com vistas a não tomar seu lugar ou o
lugar de seu desejo, demonstrado nisso a forma de se ‘educar’, de se engatrilhar no
desejo (como desejar? Como fazer desejar? sem que se faça isso por meio histérico,
embora aí já mais bem fosse ‘como me fazer desejada’; histeria ou obsessividade
“conceitual” só ensinam até a página dois e perversão ou psicose batem muito – mas
dizer isso assim é só demasiadamente doente). Lidar com falta e vazio (dexistência),
constituição e desenvolvimento de ‘eu’, isso tá mais para psicologia, bem frisando-se
que há a psicologia budista ou a psicologia cristã para se lidar com essas coisas, ainda
que estas tenham lá as suas bases no além. Bases de aquém costumam apresentar efetiva
distinção e peculiaridade.
Esse eu sou aquele que é, em termos místicos, até faz sentido. A nível
de coisa de sujeito, é delírio. Mas, pior do que eu sou aquele que é, é:
penso, logo existo – pois aí não consta a dimensão mística – senão
como inspiração – o que não basta para dar a este dito qualquer
autoridade.
O primeiro enunciado, que deve ser mantido assim como foi feito –
porque foi feito por quem se faz como verdade – como cordeiro – e
cordeiro tem mesmo é que ser imolado – o primeiro enunciado, caso o
coloquemos como referido ao sujeito, em ordem com a ordem, só faz
sentido se for como quer a fala d’Isso: eu sou aquele que não fui.
Melhor ainda, é dizer: eu é aquele que não sou.
Mais? – dizer: eu é aquele que sempre tenta ser.
Então, tomem nota: no dia em que qualquer eu, desses que
psicologicamente se impõem por aí, puder ser aquilo que, por
identificação, se fabrica como existente, Isso nunca terá sido.
Então, aí, paro de não pensar – e existirei (MELLO, 1987, p. 7).

Causa estranha. Transmissão que é sempre refundação, levando tanto impossível


em mãos. Tanto mais uma dinâmica de influência, crítica, desleitura e doxografia.

Mas o que há com a academia?

[...] nem o psiquiatra nem o psicólogo clínico se formam para


serem psicoterapeutas. Se você quer ser psicoterapeuta, o essencial
de sua formação acontecerá depois da faculdade ou, quem sabe,
durante seus estudos. De qualquer forma, se dará fora da academia
(CALLIGARIS, 2019, p. 98).

A psicanálise comporta, por isso, na sua origem, uma invenção teórico-metodológica


absolutamente original, em contraponto às insuficiências das psicologias convencionalmente
ditas científicas, e não é casual que as interlocuções mais frutuosas que tenha estabelecido e os
entusiasmos que tenha despertado venham de fora da psicologia estrito senso. A esse respeito
nunca é demais recordar que ela surgiu como uma psicologia feita por não psicólogos (muitos
deles médicos, neurofisiólogos, psiquiatras, pediatras) insatisfeitos com o que a psicologia
acadêmica de que dispunham lhes poderia proporcionar de recursos para lidar com questões
empíricas irredutivelmente psicológicas, com as quais se defrontavam nos campos de que
partiam. Ela é um outro da autoproclamada psicologia científica e testemunha um fracasso das
suas pretensões (BAIRRÂO, 2019, p. 67-68).

Pergunta - Vamos voltar aqui para a sua pesquisa. Quando fiz um sobrevoo nela, como
disse, fiquei interessadíssimo... mas... quando você falou de 'ciência dura' e 'ciência onírica', foi
uma criação e uma provocação. Como é que a comunidade acadêmica recebeu a sua pesquisa e
essa provocação? Fiquei muito curioso, pensei que você tinha apanhado um pouco.
Emir Tomazelli - Apanhei... [risada], como disse o Rocky Balboa, 'não importa o
quanto você bate, importa o quanto você consegue apanhar’ [risadas]. O meu, orientador no
dia da defesa do meu doutorado, disse para todos que foi muito sofrido para ele ter que me
aguentar porque... [risadas] 'O Emir é muito desobediente...' Eu já tinha feito 46 anos, e ele
reclamando da minha desobediência, do trabalho que eu dei, do jeito que eu escrevi, das coisas
que eu escrevi... foi engraçada a cena. (TOMAZELLI, 2023, n. p.)

O modo como vou chegar a essa tal Pedagogia Freudiana é muito particular e,
certamente, para acompanhar meu procedimento, aqueles que ainda não estão acostumados
com minha maneira de existir dentro do campo do saber e adjacências terão que fazer algumas
adaptações comportamentais e intelectuais. Em primeiro lugar, uma questão de estilo. Na
medida em que o que interessa fundamentalmente é o que possa acontecer no nível disso que se
chama Inconsciente, em todas as suas manipulações, em qualquer lugar que compareça, minha
linguagem não está necessariamente subdita à censura, a não ser que eu queira, que me
interesse. A expressão acadêmica não é meu forte, não porque eu não a consiga, mas porque
não quero. Na tensão entre o Saber e a Verdade, que é o lugar onde podemos surpreender
melhor o que se chama de Inconsciente, em nossa prática cotidiana, isso faz borbulha, e há
grande diferença entre um discurso regrado estritamente pelo saber e outro acossado pela
verdade. Este tem que se deixar mais ou menos à vontade no sentido de colher a expressão
freqüentemente tal qual ela aparece. Mesmo naqueles que dizem acreditar que há Inconsciente,
e até nalguns que supõem que “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”, porque
Lacan queria assim, não posso reconhecer os indícios de uma prática compatível com essa
estada, na sua relação com o Inconsciente, quando o que apresentam é uma fala regrada pela
censura do saber e do academicismo. Em termos de expressão, no que o Indiscernível me faz
faltar aqui e ali no que diz respeito à minha palavra, a expressão me chama a dizer, em níveis
mais ou menos misturados, o que me pareça compatível com a necessidade dessa expressão.
Então, palavrão para mim é termo técnico. Para um analista, palavrão é termo técnico
(MAGNO, 1993, p. 2).

Não quero, nem sei se consigo, escrever um texto acadêmico. Pretendo apenas sugerir,
num tom de conversa, algumas pistas para a reflexão (BARATO, 2002, p. 64)

Fontes e referências duvidosas? Incessante observação? Questão de comciência?


A objetivação da realidade em categorias que a organizam definiu o
campo epistêmico, expulsando de seu domínio a experiência sensível,
quer dizer, sensual. Sempre se soube que no ato inaugural da ciência
moderna estava a supressão da dimensão sensível, suposta como
enganadora, não confiável, em prol do cálculo matemático e do além
das aparências, este sim, sólido o bastante para algebrar qualquer
investigação séria em direção à verdade. Se é verdade que esse gesto
foi importante e decisivo para a construção do espaço das ciências, é
verdade, também, que ele contribuiu para cindir os campos da
sexualidade e do saber. Essa mesma separação que vemos ressurgir na
figura do sujeito epistêmico [...]. Tal gesto, inclusive, tende a esconder
outra operação crucial para sua consecução: a cisão no campo da
linguagem. Para a ciência se estabelecer, foi necessária a criação de
uma linguagem amputada de sua enunciação, tendente ao enunciado
puro, replicável a despeito do campo enunciativo (VOLTOLINI,
2018, p. 31).

Sobre seu livro originado de sua tese – descrito como um ‘livro de discussões, de
encrencas, de estados de fúria e de tempestades, contendo também grandes vales de
beleza poética. É um livro de voos e de atrevimentos, experimentando uma forma
coloquial para se discutir mais a fundo a questão da cognição humana, da educação e da
transmissão da psicanálise’ –, diz Tomazelli (2003, p. 179) que “É uma ‘tese-colagem’,
feita com material apropriado no cotidiano de minhas leituras, contatos, discussões e
tropeços”, potencialmente justificando o antes dito5:
Assim, nesse ver de minha singularidade agindo, é a academia que
precisa dar conta de creditar, mais uma vez, à subjetividade do “seu”
pesquisador, seu lugar de ciência. Mesmo tendo sido, essa
subjetividade, uma vez expulsa da academia – com justa razão –, hoje
necessita ser novamente recebida e compreendida de modo menos
assustado (paranoico), menos desconfiado, menos “duvidante”, para
colocar mais uma vez o dedo nas ilusões de Decartes! (TOMAZELLI,
2003, p. 82)

Não dá pra jogar fora que inconsciente é ‘linguagem’. Com que língua você fala
inconsciente? Tem língua que não diz. Por exemplo, “a linguagem científica mesma, se
fazendo de esteira sobre a qual repousará o histérico, não para fazer ciência, exatamente,
mas para se apoiar na ciência, e assim não se mancar de sua histeria” (MELLO, 1987, p.
72). Psicanálise é essa linguagem da operação do objeto-que-não-existe através do saber
do inconsciente. É psicanalista que é sabido pelo que é feito. Que se lembra da fantasia
antecedendo a metodologia, mais sintomaxiomática do que nunca. Que no fim das
contas, é só a sintomática que será encontrada no final da pesquisa, embora precise
haver a pesquisa toda para isso.
Denunciando, quase desesperadamente, obsessivo desejo dos donos
da verdade de substituir o mitológico pelo arquivório dos laudos
periciais, origem de todo movimento de imbecilização sustentado
pelos diaristas às teses financiadas por instituições comprometidas
com a uniformização do mundo; mostrando-lhes que todo o vertido
pelos grandes autores, entre eles o principal, a saber, a Alteridade, que
comparece até pelo anônimo do de antes da escrita, que tudo isso vem
sendo desvirtuado pelos adestrados metodistas das seitas universitárias
(MELLO, 2001, p. 13).

5
É possível haver conhecimento sem envolvimento? É a teoria que deve subsidiar a técnica, sem permitir
que deduções subjetivas participem, a não ser quando vertidas em equação matemática? “Psicanalistas,
porém, levantam as suas hipóteses usando como suporte empírico os impasses que nascem do cotidiano
da clínica em meio à condução de uma cura, e por isso erram ao teorizar a partir da experiência; fazem só
teoria do passado sem nenhuma potência previdente, antecipatória. Assim, aos olhos da precisão e do
conceito que ainda vige do que pode ser ciência, a psicanálise não passa de salvação religiosa que formula
teoria com o que já foi. Curandeiros, menos cientistas. Se quisessem verdadeiramente suas imagens no
panteão da sabedoria científica, saberiam prever o acontecimento mental antes mesmo de acontecer na
realidade, e, aí sim, se trabalhássemos amparados pelos olhos ‘antevidentes’, portanto proféticos, da
ciência, poderíamos intervir e com certeza curar, dada a exatidão matemática e a precisão e superioridade
do conceito sobre a realidade. Mas psicanálise não é capaz de prever. Adivinha, mas não prevê. Que dirá
fazer ciência!?” (TOMAZELLI, 2003, p. 80).
Exemplo ímpar de como saber se me produz, n’À busca de Édipo pessoa-física,
de Humberto Haydt de Souza Mello, substancializando o processo ao vivo:
O acme de toda a indecência está, pois, precipitado sobre a pergunta a
respeito de Édipo pessoa-física – esta pergunta é o máximo da
obscenidade, porque se coloca como epitáfio sobre o desejado
sepultamento de uma questão individual, uma tal que cada um de nós
não a conhecerá senão com ajuda da análise pessoal, sobre o que disso
resta, e o que resta fica insepulto – fica insepulto o próprio analisante,
que aí é o coveiro enquanto universitário, depois perguntador. Entre o
coveiro e o cadáver, entre o sepultador e o sepultado, está o fantasma
– é este quem, devidamente tratado – e este tratamento é a própria
psicanálise – quem pode nos dar alguma explicação (MELLO, 2001,
p. 20).

O mesmo que disse que o que no falante não é transferência, pasmem, é a


psicanálise, esse real que cada um está a construir por seu sintoma, alçapão que desaba
só pra jogar o neurarteiro pro fundo de artiofício que o fez, em viagem espaço-temporal
menos do que (topo)lógica: típica.
Só se escreve para se falar sobre – onde a fala pressupõe uma escrita. Um e
outro, seja como for, haverá que ser modo diverso.

Post-mortem

Esta noite encarnarei no teu cadáver – Zé do Caixão

Cadáver desadiado, cadáver falante, cova rasa pra caveiro. Cegueira sobre um
ensaio, vivamente. Por mera extensão literária, que é aplicação, também.
Foi Harold Bloom que avançou a ‘repressão’ noutro lugar, fazendo dizer o que
queria dito a partir do dito de Freud. Pouco importa. O que vale é a aula de anatomia. É
nela – em especial na de Bloom – que vemos o canto do cisne que fez valer o cunhado
de Walter Pater: ‘A crítica literária é a única forma aceita de autobiografia’. Emulação,
disputa e traição. Imolação e amolação também. Ela o encarnou.
Faríamos: A crítica psicanalítica é a única forma aceitável de autoanálise.
‘Crítica psicanalítica’, eis outro palavrão para que não se fique a pagar ou
apegado. A paga do dízimo e a pega do Sísifo – resta sempre mais um indício de senso a
ser pego noutro lugar, noutra relva, campo de centeio e cultura de grãos.
Sobre decência e o corpo docente, Bloom (2013, p. 12) asseverou por aí,
expondo a condução infantil e a guia para fora, como se fora houvesse: “Os 55 anos em
que lecionei em Yale me ensinaram melhor do que eu mesmo sou capaz de ensinar aos
outros. Isso me entristece, mas seguirei lecionando enquanto puder, pois me parece que
o ensino compõe uma tríade com ler e escrever”. Esporte radical pra porcos
disparatados. A tristeza vem na frente. Disse Tomazelli (2003, p. 73): “Sempre triste,
sempre com pouca esperança e com muita reserva, segue o psicanalista em sua jornada
de conhecedor miúdo, construindo no garimpo de objetos emocionais da mente alguma
forma para observar”, já que só faz leitura na posteridade do acontecido, “no seu
momento máximo de luto”, não obstante seja “que toda ciência investiga o cadáver de
uma experiência emocional”, escondendo “o medo do vivo e do luto na formulação
científica”. Educar (ensinar e conhecer, isto é, cienciar), analisar e reinar se arruínam
borromeanamente. Ou, por avesso, somente quando desiste de um os outros são
possíveis? Fato é que se pode imputar a todos os campos o tripé tripeiro. Tudo e cada
verdade traz a tripartição em potencial leitura. Cada verbo e versão, cada verme e
vergalho, cada veredicto e vereda, cada veraneio e verão, cada verve e cada vertente,
cada verme e cada verniz, tudo isso em uma sanha explicacionista na qual sou coveiro
de mim mesmo, e que faço sem me dar a conta, cobrada e paga sempre ao afinal, desde
que consiga, ufa e enfim, afinalar. Corre sempre o risco de nascer o humano imortal
para sonegar toda a impostura.
Freud queria aplicar créditos para colher porfundos. Ex-aplicação, com retorno
garantidor. Feira das veleidades e mercado de pulgas. Vestimenta enrolada como
alíngua de iguanoronte. Camaleão, lula e raposa-do-ártico tão mais quentes nas
sequências infinitas de identificações e projeções seguidas. Fenótipo estendido?
Certamente o cão faz parte do humano, parte do Self-service do mobiliário onírico da
realidade (A Batalha de Mylae, em 260 a.C., fora uma disputa pelo controle da ilha da
Sicília e pelas rotas comerciais do Mar Tirreno. Luta travada entre a cidade africana de
Cartago e a cidade europeia de Roma, saudosas guerras púnicas – uma galera com três
ou cinco remos podia carregar até 250 remadores, 50 marinheiros e 100 soldados):
Tu que estiveste comigo nas galeras de Mylae!
O cadáver que plantaste ano passado em teu jardim
Já começou a brotar? Dará flores este ano?
Ou foi a imprevista geada que o perturbou em seu [leito?
Mantém o Cão à distância, esse amigo do homem,
Ou ele virá com suas unhas outra vez desenterra-lo!
Tu! Hypocrite lecteur! – mon semblable -, mom [frère!
(ELIOT, 2014, p. 109).

Sem crítica o bastante.


Neste caso, faltaria crítica? Criticar mais ou mais crítica? Duro de bater.
Há que saber criticar – saber chorar e saber disso – para por isso ser sabido. Mas,
como entrar nesse meio ou nesse mérito? Roland Barthes, partindo da França, pontuou
“Crítica e verdade” (BARTHES, 2013). Britanicamente, Terry Eagleton disse “A
função da crítica” (EAGLETON, 1991), tendo Harold Bloom, estadunidense, feito
galeria reflexiva em “Cabala e crítica” (BLOOM, 1991). Como é que se fala aí? O
primeiro dos três já matou: “a ‘prova’ crítica, se ela existe, depende de uma aptidão não
para descobrir a obra interrogada, mas ao contrário para cobri-la o mais completamente
possível com sua própria linguagem” (BARTHES, 2013, p. 161). Que “crítica é coisa
diversa de falar certo em nome de princípios ‘verdadeiros’” (BARTHES, 2013, p. 159),
que “a ‘prova’ de uma crítica não é”, portanto, “de ordem ‘alética’ (não depende da
verdade), pois o discurso crítico – como aliás o discurso lógico – nunca é mais que
tautológico”, consistindo “finalmente em dizer com atraso, mas colocando-se
inteiramente nesse atraso, que por isso não é insignificante” (BARTHES, 2013, p. 161),
“toda crítica” devendo “incluir em seu discurso (mesmo que fosse do modo mais
indireto e pudico) um discurso implícito sobre ela mesma”, já que “toda crítica é crítica
da obra e crítica de si mesma”, sendo “conhecimento do outro e co-nascimento de si
mesmo ao mundo”, clarificado que esteja que o objeto da crítica “não é ‘o mundo’, é um
discurso, o discurso de um outro: a crítica é discurso sobre um discurso” (BARTHES,
2013, p. 160). O segundo nada ingenuamente ponderou sobre que funções o conjunto da
sociedade atribui ao ato crítico, defendendo “a tese de que a crítica atual perdeu toda a
relevância social”, fazendo ou “parte do ramo de relações públicas da indústria”, ou
sendo “uma questão inteiramente interna às academias”, de modo que “nem sempre isso
aconteceu, e que nem é preciso que hoje isso aconteça” (EAGLETON, 1991, p. 1),
frisando que “a crítica moderna nasceu de uma luta contra o Estado absolutista; a menos
que seu futuro se defina como uma luta contra o Estado burguês, é possível que não lhe
esteja reservado futuro algum” (EAGLETON, 1991, p. 116); terceiramente se dizendo:
que “o objetivo principal do crítico é ver o objeto da forma como em si mesmo ele
realmente não é”, e que, tal como um poeta forte, “um crítico é forte se, analogamente,
suas leituras provocam outras leituras” (BLOOM, 1991, p. 135), questão de
“desapropriação” (BLOOM, 1991, p. 107) – lembrando que ‘Cabala’ é ‘tradição’, no
sentido de ‘recepção’ (de uma transmissão), em meta de criar passado (e derrotar saber
facto), “corpus de linguagem retórica e figurada” (BLOOM, 1991, p. 27), sistema de
especulação, isto é, modo de se debruçar e (des)ler (base de Freud para psicanálise).
E tudo isso para vir Rilke, o austríaco pai da epistolaria moderna, e
sensivelmente frasear “não há nada que toque menos um obra... do que palavras de
crítica: elas não passam de mal-entendidos mais ou menos afortunados” (RILKE, 2013,
p. 23), como nuvem esquadrilhando no céu qual não é o foco da crítica, qual não é seu
intento e funcionamento. Sem dizer da 21ª cadeira da Academia Brasileira de Letras,
nomeadamente, Paulo Coelho, que imortalizou com criticismo as pérolas:
"Você sabia que eu sou mago?", pergunta Paulo Coelho, em francês, a
um amigo que o visita na Suíça, onde vive. "Mago das letras!",
responde rindo o interlocutor. [...] "Houve um tempo em que era
possível aos críticos destruírem um filme ou um livro e isso tinha
reflexo direto no público. Hoje essa relação se horizontalizou, o que
vale é o boca a boca", diz. Sobre o tal modernismo de sua escrita,
Coelho diz não ter a ver com estilo ou experimentações de narrativa.
"Sou moderno porque faço o difícil parecer simples e, assim, me
comunico com o mundo inteiro." Para ele, escritores caíram em
desgraça ao perseguirem o reconhecimento pela forma e não pelo
conteúdo. "Os autores hoje querem impressionar seus pares", opina. E
aponta em seguida o culpado: "Um dos livros que fez esse mal à
humanidade foi 'Ulysses' [clássico de James Joyce], que é só estilo.
Não tem nada ali. Se você disseca 'Ulysses', dá um tuíte" (LEVINO,
2023, n. p. – grifos nossos).

Autocrítica é fundamental. Nos falta muito. Já Pau no Joelho teria dito, ainda,
coisa como ‘Guardian diz que insultei leitores de Ulysses. E meus leitores, insultados
todos estes anos?’, indignadamente. Há muito razão nisso tudo, sempre sendo útil
utilizá-la para se enlouquecer-se. E, azar, você é o que você come, isto é, lê, isto é,
critica. Freud? É, “existe uma crítica psicanalítica de obediência freudiana”
(BARTHES, 2013, p. 158). E é verossímil que “o papel do crítico contemporâneo é,
portanto, tradicional”, havendo que se “recordar à crítica sua função tradicional, e não
inventar para ela alguma nova função que esteja na moda”, tal como algum vislumbre
ocidental pudesse executar, como se se tratasse de designar, aí, “um campo dentro do
qual se congregam muitas preocupações distintas: semiótica, psicanálise, estudos
cinematográficos, teoria cultural, representatividade sexual, textos populares e, sem
dúvida, a convencional apreciação dos textos mais antigos” (EAGLETON, 1991, p.
115). Saber disciplinar, foucaultianamente, vigilante e punitivo, sempre. Saberes
constituídos, saberes da experiência e saberes da Alteridade, disse Cifali:
A complexidade do ofício acarreta mais de uma armadilha, como a de
uma totalidade por justaposição das “visões” disciplinares: sociologia,
história, psicologia cognitiva, psicanálise, didática, etc. Como afirma
Morin, a divisão das disciplinas científicas é necessária, assim como é
necessária a vontade de superar suas clivagens, trabalhando nos
interstícios, desconfiando das hegemonias (CIFALI, 2001, p. 109).
Complementando a autora que “o procedimento clínico não pertence a uma
única disciplina, nem é um terreno específico” (pedagógico é clínico também), sendo
que, ainda, “o desafio das ciências humanas seria, como escreveu o sociólogo Norbert
Elias (1993), ‘desafetizar’ um pouco nossa relação com o outro e consigo” (CIFALI,
2001, p. 102). Dialética de tirar o sujeito, depois voltar com ele, depois desafetizar, e
depois? Nada de dialética para além de diálogo. Menos síntese que é esfíncter. Menos
que nada, em geral. Processo civilizatório haveria de não ser saber vigiar e saber punir.
Outromais, arrisquemos: seria a Psicanálise Aplicada de Freud apenas um
correlato da ideia de Interdisciplinaridade pedagógica? Transdisciplinaridade abolindo
limites campestres? Por grosseria, disciplinaridade fora este modo de agregar
conhecimentos e procedimentos de conhecer com características aproximáveis. Em
multidisciplinaridade ou pluridisciplinaridade a separação é mantida, mas utilizada em
proveito conjugado, do tipo ‘faça a sua parte que eu faço a minha, cada um no seu
quadrado’, e tudo segue, como num time de futebol americano em que atacante é
atacante e defensor é defensor, ou como abordagens comuns em hospitais ou de
atendimento à saúde, onde o fisioterapeuta faz o seu sem falar com o farmacêutico que,
por sua vez, nunca nem viu o médico e, apesar do enfermeiro conhecer a todos, apenas
administra o contato, por vezes convocando o psicólogo, mas, enfim, valendo o
recuperar do doente que também deve possuir uma cartomante, um professor de libras e
um cachorro (o exemplo de disciplinas de escola divididas e que não se conversam é
bom também: matemática, português, história, biologia, etc., professor entra e sai na
mesma sala, mas um não fala com o outro). Em interdisciplinaridade já haveria que
haver diálogo imediato, com apropriação conjugada dos ‘conheceres’, isto é, coesão ou
busca por ela, talvez justamente em postura distinta da mera multidiversidade, por
exemplo, um perito criminal que necessitará dos conhecimentos da química conjugados
aos da biologia e do direito na apreciação de um cenário de crime: por mais que cada
disciplina tenha a sua contribuição, o caminhar do processo necessitará do olhar e da
conversa, compilando-se e montando-se uma peça única mais ou menos indivisível, na
medida em que separada não funciona (o todo é mais do que a soma das partes). Gostar-
se-ia de uma transdisciplinaridade que abolisse a segmentação disciplinar, com a
diversidade de saberes desenquadrada de hierarquia, num para além do que se produz
por disciplina, integrado holismo sempre complicado pelo vale tudo que se precipita,
ainda que belo denunciador dos limites e anomalias do sistema de saber vigiar e saber
punir – o biopsicossocial ainda é pouco para o complexo esforço cooperativo e
sinérgico exigidos (embora hajam os temas que facilmente atravessam qualquer
disciplina, como ‘sustentabilidade’ que pode ser atingida desde diversos olhares
disciplinares concomitantemente, caleidoscopicamente agindo).
Freud mantém separação disciplinar, mas busca interação, quando não invasão.
Quer que conhecimentos gerados num campo sejam aproveitados em outro, mais
especificamente, que os conhecimentos psicanalíticos – pois acreditou na existência
deles quando sugeria aplicar, se esquecendo do ‘saber transferencial’ (CIFALI, 1992) –
sejam apropriadamente utilizados noutros campos, para o proveito destes outros
campos. Ele não desenvolveu bem a apropriação que a psicanálise faz de conhecimentos
diversos, embora fizesse uso disso – paradigmaticamente, no modo como mitou. Nunca
fez um uso imediato e incólume, ao contrário, sempre deslendo e deturpando, de Darwin
a Goethe, de Charcot a Da Vinci. Conhecimentos, ali inseridos, nessa sopa analítica,
adquiriam qualidades distintas das que possuíam em campos de origem. Mas Freud
descreveu pouco a transformação que o psicanalítico teria ao incorporar-se para além –
justo ponto crucial de observância de Cifali (1992). Criticamente, cobria com a sua
linguagem, numa profunda desespistemologização não transdisciplinar – ainda que a
sua retórica nunca tenha sido outra que a interdisciplinar (e a prática tenha sido mesma a
de a psicanálise vir na frente). Outrossim, Lacan (2003) não errou em dizer que o seu
significante não era o da linguística, ou que não fazia filosofia, mas psicanálise – falava
com psicanalistas –, sendo a sua ‘lógica’ não a mesma que a dos lógicos e lógicas.
Benjamin contra o fascismo? “O crítico, enquanto flâneur ou bricoleur, perambulando
sem compromisso por paisagens sociais diversas, nas quais está sempre à vontade”
(EAGLETON, 1991, p. 14), mais escutando (GURSKI, 2019) que ajuizando veredictos
que tendem ao imortal. Psicanalista não estratifica saber, não estratifica linguagem:
tamanha é sua aplicação, seco e armadurado que sabe o conhecimento, esquecido
esqueleto no jardim. Finda a vida a pós e a morte.

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