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A Destruição da família no Marxismo de Marx

3 de outubro de 2016Rogério de Paula e Silva

Autor: Ricardo Gustavo Garcia de Mello (Graduado e mestrando em Sociologia pela USP).
Fonte: blog Esfinge política (http://esfingepolitica.blogspot.com.br/2016/07/a-destruicao-da-familia-
no-marxismo-de.html) e site Papeis
avulsos (http://www.heitordepaola.com/publicacoes_materia.asp?id_artigo=6217).
Não foi com o aparecimento do feminismo e dos movimentos contraculturais nos anos 60 do século
XX que a família passou a ser interpretada como um campo de batalha entre sexos, relação marido e
mulher, e entre gerações, relação entre pais e filhos. Já no século XIX com os fundadores do
marxismo, Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), se introjeta o veneno do
antagonismo político na família.
A família além de (re)produzir biologicamente os indivíduos ela também (re)produz socialmente os
indivíduos na medida que transmite os valores que formam a consciência.
Karl Marx em sua obra Ideologia Alemã (1845-46) demonstra que a família é parte constituinte das
relações sociais primordiais; assim como os indivíduos devem produzir os meios de subsistência
eles também de (re)produzir outros indivíduos.
A produção da vida, tanto da própria, no trabalho, quanto da alheia, na procriação,
surge agora imediatamente como uma dupla relação: por um lado como relação
natural, por outro como relação social – social no sentido em que aqui se entende a
cooperação de vários indivíduos seja em que circunstância for. [MARX, 2009, p.43].
Os indivíduos cooperam não só para produzir os meios para satisfação das suas necessidades, como
também se relacionam para reproduzir-se materialmente e socialmente.
De acordo com a concepção materialista, o momento determinante da história é, em
última instância, a produção e a reprodução (Reproduktion) da vida imediata. Todavia,
ela própria possui duas facetas: de um lado, a produção de meios de existência, de
produtos alimentícios, vestuário, habitação e instrumentos necessários para tudo isso;
de outro lado, a produção do homem mesmo, a reprodução (Fortpflanzung) do gênero.
[ENGELS, 2012, p.18].
A reprodução dos animais é tão só a produção biológica da vida, já a reprodução humana além de
biológica é também a (re)produção da Ordem social. A Ordem social se (re)produz através da
família que é a Ordem de reprodução do gênero humano. Não é só o homem que nasce e se perpetua
pela família, a Ordem também nasce e se perpetua através da família. A ordem social é determinada
sobretudo pela reprodução antes social do que biológica do homem pelo homem. Ou seja, para o
marxismo a família é o elemento basilar da Ordem.
Quando Marx afirma que as mudanças das superestruturas (Estado, Direito e ideologia) são
condicionados pelo infraestrutura, o modo de (re)produção material e social dos indivíduos. Ele está
dizendo que não só a economia, mas a família faz parte da infraestrutura que condiciona as
mudanças na superestrutura.
Karl Marx em sua obra Contribuição à crítica da economia política (1859):
Quando se trata, pois, de produção, trata-se da produção em um grau determinado do
desenvolvimento social, produção de indivíduos sociais. [MARX, 2013, p.239].
A família não só realiza o processo de reprodução humana, mas também o processo de reprodução
social. Porque a família é a instituição responsável pelo processo de socialização primordial pelo
qual os indivíduos na sua infância internalizam os valores sociais nucleares necessários para o
convívio. Imprimindo o caráter da sociedade na formação da personalidade do indivíduo. O caráter
social compreende o conjunto de traços comportamentais e mentais que fornecem uma fisionomia
comum aos diferentes indivíduos de uma mesma coletividade. E a principal instituição responsável
por transmitir no berço tais traços da sociedade aos indivíduos; é a família.
Por isto mesmo que uma série de pensadores defensores da família como Gilbert Keith Chesterton
(1874-1936) caracterizou a família como a célula-mater da sociedade, como se pode ver em sua
obra Hereges (1905):
A família pode ser claramente caracterizada como a suprema instituição humana.
Todos deveriam admitir que ela tem sido, até agora, a célula-mãe e a unidade central
de quase todas as sociedades.[CHESTERTON, 2016].
Gilberto Freyre (1900-1987) em suas obras Casa-grande & Senzala (1933) e Sobrados e
Mucambos (1936) atestou com maestria de que não se pode estudar sociologicamente um povo e
muito menos o seu caráter, se esquecendo da sua estrutura elementar, a família. A família é a célula
mater responsável não só pela sua (re)produção biológica mas também pela (re)produção da Ordem
moral do organismo social. Porque é através da socialização familiar que se transmite os valores
nucleares da sociedade, por isto que a família transmite hereditariamente não só os genes dos pais
mas também os genes da moral social, sem o qual a Ordem social estaria ameaçada.
Por isto mesmo a família é uma estrutura elementar, portanto uma instituição basilar da sociedade
sem a qual este complexo edifício social desabaria. E devido ao fato da família ser uma das
instituições responsáveis pela formação da consciência moral dos indivíduos faz dela um dos alvos
principais de muitos partidos políticos, movimentos contraculturais e personalidades intelectuais.
Esta preocupação com a família enquanto sustentáculo da Ordem não começou em 1848 com
o Manifesto do partido comunista, ela já estava presente nos escritos do Jovem Marx de 1841-1847.
Marx compreendeu muito cedo a necessidade de fazer uma revolução radical, ou seja, uma
revolução para além do âmbito estatal e político constitucional, desenraizando a Ordem judaico-
cristã presente na intimidade de cada indivíduo e no seio familiar.
A família é o grupo social elementar que opera como a estrutura estruturante do social, sendo a
instituição fundamental da sociedade por ser responsável por herdar e transmitir os valores sociais
nucleares. A família não é só uma aproximação interesseira, contrato ou uma conjunção meramente
biológica, ela é sobretudo uma realidade social básica, onde o indivíduo nasce, cresce e educa-se. A
família não é só a base da procriação, mas também do amparo físico e moral. A família no seu
sentido nuclear é a trindade constituída pelo pai, mãe e filhos, que são ligados não só por vínculos de
sangue, mas por laços de afetividade e devoção. E em sentido amplo a família pode compreender
também os indivíduos consanguíneos, compadres e outros que convivem sob o mesmo teto. Mas
sempre é a família nuclear embasada pela trindade pai, mãe e filhos que vai ser a forma modelar de
família, por mais que um desses elementos esteja ausente fisicamente.
Por isto que endosso a concepção de família de Theobaldo Miranda Santos (1904 -1971):
A família cristã representa o tipo mais perfeito e elevado de organização familiar. O
cristianismo dignificou e espiritualizou ainda mais a família. Proibiu a poligamia. Fez
desaparecer a autoridade absoluta do pai. Deu à mulher uma posição idêntica à do
homem dentro do lar. Assegurou o direito dos filhos, com a proibição da venda ou do
abandono dos mesmos. Emprestou ao matrimônio o caráter de sacramento. Tornou,
portanto, a família uma instituição sagrada, inviolável e indissolúvel. [SANTOS, 1967,
p.38].
Os principais responsáveis pela crise da família não são as crianças e os anciões, mas os adultos
saudáveis, homens com recursos e sobretudo certos intelectuais que julgam a família um mero
aparato ideológico e repressivo. Estes sujeitos parecem esquecer que o homem é um ser familiar,
necessitam da família quando nascem e envelhecem. A criança e o ancião devem ter o seu lugar na
família, sem o qual não conseguem viver, as creches e os asilos são os substitutos de uma sociedade
que já não pode ou não quer mais acolher as pessoas.
Por mais turbulento que o mundo seja, a família ainda é o único porto-seguro confiável dos
indivíduos, são os laços familiares os vínculos capazes de amparar materialmente e moralmente os
indivíduos sem que disso resulte uma dívida. Caso a família seja destruída, já que muitos se
esforçam para isto, o que irá sobrar será uma sociedade atomizada que necessitará de um Estado
tutelar que vigiará os indivíduos, tutelando-os paternalmente impedindo que assim os indivíduos
alcancem a sua maioridade cívica. E justamente pelo fato da família ser o porto-seguro não só dos
indivíduos, mas da Ordem social, torna-se uma necessidade obrigatória da revolução subvertê-la.
Karl Marx (1818 -1883) em sua obra Crítica da filosofia do direito de Hegel (1843-44):
A família e a sociedade civil são os pressupostos do Estado; elas são os elementos
propriamente ativos […] portanto: a divisão do Estado em família e sociedade civil é
ideal […] a família e a sociedade civil são parte reais do Estado, existência espirituais
reais da vontade; elas são modos de existência do Estado; a família e a sociedade civil
se fazem, a si mesmas, Estado. Elas são a força motriz. [MARX, 2005, p.30].
Marx não quer dizer que o Estado está intervindo na família e na sociedade civil, mas que a família e
a sociedade civil, são Micro-Estados oficiais e não paralelos que antecedem e fundamentam o
próprio Estado, já que nelas se formam os dados elementares da Ordem, sendo a infraestrutura ou
base societal da Ordem.”[…] o Estado político não pode existir sem a base natural da família e a
base artificial da sociedade civil; elas são, para ele, conditio sine qua non” [MARX, 2005, p. 30].
Nesta obra de Marx se encontra os fundamentos da ideia da capilaridade da Ordem e da necessidade
de ter um olhar microscópio para as chamadas tiranias da vida privada sem a qual a Ordem não pode
operar e resistir à mudança radical. São estas ideias que vão embasar os movimentos contraculturais
e principalmente o pensamento de uma das suas figuras intelectuais icônicas da contracultura,
Michel Foucault (1926-1984).
Para Foucault em seu texto Poder-Corpo (1975) a ideia de Ordem não se encontra apenas na figura
do Estado, o Rei, a Ordem tem a sua capilaridade nas relações mais íntimas que formam a
subjetividade do Ser social de cada indivíduo. O Rei, o Estado, não é só uma metáfora mas uma
realidade política que se expressa na presença física do chefe de Estado e do governo como o núcleo
do poder, sendo o Rei, a cabeça do corpo social, disto muitos revolucionários deduziram que bastava
decapitar o Rei para liberar as forças do corpo social e assim dar um fim ao ancien régime. Mas ao
dar cabo do Rei, portanto do regime político e da personalidade que encarnava o Estado, o que se
percebeu foi que existia uma série de reinoís como os pais de família e os padres que lutariam como
Partidários da Ordem contra a Revolução e por isto que uma Revolução Política não bastava para dar
cabo dos reinoís do ancien régime na vida privada, seria necessário uma revolução radical, ou seja,
uma revolução que penetrasse na raiz, portanto na mentalidade ou subjetividade que forma a visão
de mundo dos indivíduos e da sua intimidade. Por isto que a revolução cultural seria o corolário
necessário da revolução política, porque só se acaba com a Ordem se o movimento revolucionário
conseguir desenraizar os homens dos seus laços familiares e religiosos.
Foucault compreende bem as palavras do jovem subversivo, Karl Marx, em sua A crítica a filosofia
do direito de Hegel (1843). “Já não se tratava, portanto, da luta do leigo com o padre fora dele,
mas da luta contra o seu próprio padre interior, contra a própria natureza sacerdotal.” [MARX,
2005, p.152]. Não se trata só de lutar contra a influência das instituições família e igreja na vida
pública, mas lutar também contra a sua influência na vida privada, portanto combater os conceitos de
religião, família, propriedade e ordem presentes na intimidade moral dos indivíduos. A família,
assim como a igreja, faz parte desses micro-poderes disseminados pelo corpo social que asseguram
que a vigência moral da Ordem.
Isto demonstra como a esquerda na sua origem já se preocupava em subverter a moral e a vida
privada dos indivíduos e os movimentos contraculturais modernos, são os seus herdeiros. Porque não
olham só para os regimes políticos, eles se preocupam sobretudo com o que Foucault denominou de
regime interior de poder, portanto com a formação moral dos indivíduos, fazendo da moral e da vida
familiar um campo de batalha.
A Ordem para exercer o seu poder com eficácia deve se interiorizar. E por isto que uma das teses
básicas da revolução cultural está em destruir não só os aparatos repressivos que exercem o poder
sobre os corpos dos homens, mas destruir os aparatos ideológicos mais íntimos que exercem o seu
poder sobre a mentalidade dos homens. Para acabar com a Ordem não basta fazer uma revolução
política acabando com o seu regime exterior de poder, o Estado, e colocar o Partido revolucionário
no seu lugar. Deve-se sobretudo fazer uma revolução cultural para acabar com o regime interior de
poder, portanto com o poder moral e subjetivo da Ordem.
Por isto que para Foucault a luta contra a supremacia burguesa deveria ser uma luta sobretudo contra
o núcleo de valores embasados pela moral judaico-cristã. Como fica claro na sua entrevista dada à
Jean-Pierre Barou e a Michel Perrot intitulada de O olho do poder (1977) onde afirma que:
A burguesia compreende perfeitamente que uma nova legislação ou uma nova
constituição não serão suficientes para garantir sua hegemonia; ela compreende que
deve inventar uma nova tecnologia que assegurará a irrigação dos efeitos do poder por
todo o corpo social, até mesmo em suas menores partículas. E foi assim que a
burguesia fez não somente uma revolução política; ela soube instaurar uma hegemonia
social que nunca mais perdeu. [FOUCAULT, 2008, p.218].
E o significado do Poder Moral em Foucault fica explicito nesta citação:
Não se tem neste caso uma força que seria inteiramente dada a alguém e que este
alguém exerceria isoladamente, totalmente sobre os outros; é uma máquina que
circunscreve todo mundo, tanto aqueles que exercem o poder quanto aqueles sobre os
quais o poder se exerce. [FOUCAULT, 2008, p.219].
Para o marxismo e os movimentos contraculturais o Poder Moral da Ordem se exerce com toda a sua
força na vida privada dos indivíduos e só se subverte a Ordem destruindo a sua moral, como ensinou
Engels na obra As guerras camponesas na Alemanha (1850) “Para poder tocar na ordem social
existente seria necessário despojá-la da sua auréola.” [ENGELS, 2008, p.73]. Ou seja, para destruir a
Ordem é necessário antes de tudo profaná-la.
Foucault numa entrevista intitulada Sobre a história da sexualidade (1978) publicada em Paris pela
Revista de psicanálise Ornicar afirma o seguinte a respeito do caráter moral da dominação de classe:
Que uma classe se torne dominante, que ela assegure sua dominação e que esta
dominação se reproduza, estes são efeitos de um certo número de táticas eficazes,
sistemáticas, que funcionam no interior de grandes estratégias que asseguram esta
dominação. […] Pode-se, portanto, dizer que a estratégia de moralização da classe
operária é a da burguesia. Pode-se mesmo dizer que é a estratégia que permite à classe
burguesa ser a classe burguesa e exercer sua dominação. [FOUCAULT, 2008, p.252-
3].
Tais ideias elaboradas por Foucault no século XX na verdade remontam a obra desconhecida de Karl
Marx, Peuchet: Sobre o suicídio (1846). Nesta obra Marx se utiliza dos documentos do diretor dos
arquivos policiais, o francês Jacques Peuchet (1758-1830) para comprovar que os suicídios,
sobretudo das mulheres, são de responsabilidade da tirania familiar. A família age opressivamente
sobretudo contra a mulher, está instituição não só oprime as mulheres pobres, mas também as
mulheres burguesas, ainda que em proporções diferentes. A família cristã, ou seja, a família de
matrimônio monogâmico e permanente para Marx é a responsável pela miséria moral da sociedade,
por gerar não só uma repressão física, mas uma repressão psicológica que persegue o indivíduo, em
especial a mulher, até na intimidade do lar por exercer uma coerção moralista dada a onipresente da
Ordem moral na vida privada dos indivíduos, tornando a sua vida insuportável.
Para Marx no século XIX já afirmava que não basta lutar contra as instituições políticas e sociais que
oprimem o homem na sua vida pública deve se lutar contra as instituições como a família que
oprimem e sufocam os indivíduos na sua vida privada.
Em Jacques Peuchet, como também em muitos dos velhos militantes franceses – hoje quase todos
mortos – que passaram por várias revoluções desde 1789, e por várias desilusões. Momentos de
entusiasmo, constituições, governantes, derrotas e vitórias, a crítica das relações de propriedade, das
relações familiares e das demais relações privadas – em uma palavra, a crítica da vida privada –
surge como o necessário resultado de suas experiências políticas
Em Jacques Peuchet, como também em muitos dos velhos militantes franceses – hoje quase todos
mortos – que passaram por várias revoluções desde 1789, por várias desilusões. Momentos de
entusiasmo, constituições, governantes, derrotas e vitórias, a crítica das relações de propriedade, das
relação familiares e das demais relações privadas – em uma palavra, a crítica da vida privada “surge
como o necessário resultado de suas experiências políticas.” [MARX, 2006, p.22].
Por isto é um erro político desprezar o impacto dos protestos contra a família cristã e monogâmica
considerando-os mero disparates inofensivos.
Por isto mesmo Marx já na sua juventude pregava uma revolução total. “Descobri que, sem uma
reforma total da ordem social de nosso tempo, todas as tentativas de mudança seriam inúteis.”
[MARX, 2006, p.28].
Marx inovou em relação a mentalidade revolucionária francesa do séc. XVIII por perceber que a
revolução política só pode derrubar a Ordem se aceitar o corolário necessária de executar um
processo revolucionário no âmbito das mentalidades através de uma revolução cultural. Não foi
Gramsci, Mao ou a Escola de Frankfurt que introduziu a necessidade de revolucionar a cultura, tal
necessidade já estava presente no jovem Marx: “A Revolução não derrubou todas as tiranias; os
males que se reprovavam nos poderes despóticos subsistem nas famílias; nelas eles provocam crises
análogas àquelas das revoluções.” [MARX, 2016, p.28-9].
Não basta fazer uma revolução política é necessário revolucionar os homens na intimidade do lar,
destruindo a “tirania” familiar, só assim se dará cabo da Ordem. Esta necessidade de expandir a
revolução até a vida privada é um traço típico dos movimentos totalitários que necessitam deter o
monopólio total das forças da vida pública e da vida privada para que o Partido ou a Organização
seja um agente onipresente.
O marxismo levou os antagonismos políticos, econômicos e sociais da vida pública para o campo da
vida privada, trazendo a agonia para o seio da família, fazendo da relação entre marido e mulher uma
relação de luta entre sexos, e da relação entre pais e filhos uma luta geracional. A mulher livre deve
romper com a família e o filho independente deve destruir os pais. Fica assim claro que para acabar
com a Ordem se deve acabar com a sua estrutura elementar, a família.
Não foram os movimentos contraculturais e o feminismo radical que introduzirem no marxismo a
necessidade revolucionária de destruir a família cristã. Foi o próprio Karl Marx nos seus escritos que
apresentou teoricamente a necessidade de destruir a família para erradicar a Ordem. Exemplo o O 18
Brumário de Luis Bonaparte (1852) onde explica porque não basta combater só o poder estatal.
Deve-se também combater os Partidários da Ordem, todos aqueles, pais, camponeses e padres que
defendem a: “Propriedade, família, religião, ordem”. E o que o marxismo fez para vencer os
Partidários da Ordem foi subverter a concepção de matrimônio monogâmico e permanente, trazendo
a luta de classes para o seio da família transformando as relações entre marido e mulher, pais e filhos
numa sanha.
E Friedrich Engels (1820-1895), o parceiro umbilical de Marx, em sua obra A origem da família da
propriedade privada e do Estado (1884) afirma que a monogamia significa o fim da liberdade
feminina e não o fundamento de uma relação igualitária entre os sexos:
O desmoronamento do direito materno foi a grande derrota histórica do sexo feminino
em todo o mundo. O homem apoderou-se também da direção da casa; a mulher viu-se
degrada, convertida em servidora, em escrava da luxúria do homem, em simples
instrumento de procriação. [ENGELS, 2012, p.77].
O matrimônio monogâmico é contrário ao monopólio exclusivo do homem sobre a mulher. O
matrimônio monogâmico é uma relação compossessiva, ou seja, de posse mútua onde tanto a mulher
como o homem pertencem exclusivamente um ao outro. Diferente da poligamia que é uma relação
monopolista onde várias mulheres são possuídas por um único homem, e por mais que alguns
idealizadores do bom selvagem buscam em suas etnografias organizações poligâmicas igualitárias,
elas são logicamente impossíveis. Porque mesmo a mulher tendo o direito de ter diversos parceiros
sexuais como o homem na poligamia, o homem nunca terá que se preocupar com o fato de ter que
carregar uma vida no ventre. E é o matrimônio monogâmico, cujas bases estão na moral judaico-
cristã, o principal responsável por defender e sacralizar a mulher diante das tentativas de fazer dela
um mero objeto sexual. O matrimônio monogâmico laço o homem num vínculo permanente de
responsabilidade para com à mulher e os seus filhos que nunca poderá abrir mão.
Para Engels tudo isto é mentira:
A família moderna contém, em germe, não apenas a escravidão (servitus) como
também a servidão, pois, desde o começo, está relacionada com os serviços da
agricultura. Encerra, em miniatura, todos os antagonismos que se desenvolvem, mais
adiante, na sociedade e em seu Estado.[ENGELS, 2012, p.79].
Para o marxismo a família representa em nível micro a luta de classes que acontecem na
macroestrutura, fazendo com que a relação entre marido e mulher, pais e filhos seja uma relação de
luta cruente pela liberdade, por isto que para o marxismo a monogamia não é forma mais elevada de
matrimônio, mas a forma mais retrograda de matrimônio que legitima numa instituição a
escravização da mulher pelo homem.
A monogamia não aparece na história, portanto, absolutamente, como um
reconciliação entre o homem e a mulher e, menos ainda, como a forma mais elevada de
matrimônio. Ao contrário, ela surge sob a forma de escravização de um sexo pelo
outro, como proclamação de um conflito entre os sexos, ignorado, até então, na pré-
história.[ENGELS, 2012, p.87].
E é Engels que desenvolveu as ideias de Marx e resumiu tal raciocínio na ideia de que foi no
antagonismo entre homem e mulher que surgiu a primeira forma de luta de classes.
Hoje posso acrescentar: o primeiro antagonismo de classes que apareceu na história
coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na
monogamia; e a primeira opressão de classes, com a opressão do sexo feminino pelo
masculino. [ENGELS, 2012, p.87].
No marxismo homem e mulher não são seres diferentes que se completam, mas seres antagônicos
que lutam.
Engels assim como muitos intelectuais atribuem as formas de prostituição veladas e abertas, as
relações extraconjugais e aos córneos do homem e da mulher, consequências das relações
matrimoniais monogâmicas, devido ao seu caráter exclusivista e asfixiante que impede a existência
do amor livre.
Com a monogamia, apareceram duas figuras sociais constantes e características, até
então desconhecidas: o inevitável amante da mulher casada e o marido corneado. Os
homens haviam conseguido vencer as mulheres, mas as vencidas se encarregaram,
generosamente, de coroar os vencedores. O adultério, proibido e punido
rigorosamente, mas irreprimível, chegou a ser uma instituição social inevitável, junto à
monogamia e ao heterismo (prostíbulos para homens). No melhor dos casos, a certeza
da paternidade baseava-se agora, como antes, no convencimento moral, e para
resolver a contradição insolúvel o Código […] O Filho concebido durante o
matrimônio tem por pai o marido. É esse o resultado final de três mil anos de
monogamia. [ENGELS, 2012, p.89].
E Engels conclui o seu raciocínio:
Assim, pois, nos casos em que a família monogâmica reflete fielmente sua origem
histórica e manifesta com clareza o conflito entre o homem e a mulher, originado pelo
domínio exclusivo do primeiro, teremos um quadro em miniatura das contradições e
antagonismos em meios aos quais se move a sociedade, dividida em classes desde os
primórdios da civilização, sem poder resolvê-los nem superá-los.” [ENGELS, 2012,
p.90].
Ao pintar a relação entre homem e mulher, pais e filhos como um quadro em miniatura dos
antagonismos sociais, o marxismo pretende implodir a célula mater da sociedade, disseminando o
ódio entre marido e mulher, pais e filhos. E para liquidar com qualquer forma feminina de defesa do
matrimonio monogâmico permanente, o marxismo coloca as defensoras da família na condição de
escravas sexuais que venderam o seu corpo e a sua vida consensualmente.
[…] o matrimônio baseia-se na posição social dos contraentes e, portanto, é sempre um matrimônio
de conveniência. […] matrimônio de conveniência se converte, com frequência, na mais vil das
prostituições, às vezes por parte de ambos os cônjuges, porém, muito mais habitualmente, por parte
da mulher; está só se diferencia da cortesã habitual pelo fato de que não aluga o seu corpo por hora,
como uma assalariada, e sim que o vende de uma vez, para sempre, como uma escrava. E a todos os
matrimônios de conveniência cai como uma luva a frase de Fourier: “Assim como em gramática
duas negações equivalem a uma afirmação, de igual maneira na moral conjugal duas prostituições
equivalem a uma virtude”[ENGELS, 2012, p.94].
O matrimônio para o marxismo é uma conveniência burguesa para se adquirir riqueza, prestigio e
poder, e as mulheres que defendem o valor dessa família são as mais repugnantes prostitutas, porque
se vendem voluntariamente para um único homem, por toda a vida. Diferente da prostituta que é
uma assalariada que vende horas de seu corpo e para o cliente que pagar melhor, a mulher que
defende a família se prostitui para toda a eternidade como escrava sexual e doméstica de um único
senhor.
E o marxismo trata o sistema legislativo civilizado, que só reconhece o casamente como um contrato
livremente firmado pelo consenso de ambas as partes, embasados pela isonomia como uma mera
formalidade jurídica que oculta com o seu discurso de igualdade as desigualdades reais entre homem
e mulher que são inerentes à família monogâmica. Para o marxismo a isonomia do sistema
legislativo da civilização ocidental é um véu que oculta as formas de exploração concreta.
Na família, o homem é o burguês e a mulher representa o proletário. […] A república
democrática não suprime o antagonismo entre as duas classes. [ENGELS, 2012, p.97].
Para o marxismo a família é um aparelho simultaneamente ideológico e repressivo. ideológico
porque reprime ideologicamente as crianças por transmitir os valores nucleares da sociedade, que
para o marxismo são os valores que favorecem os interesses das classes dominantes. E repressivo
porque a família faz da mulher um escravo, já que o vínculo do matrimônio significa uma servidão.
Para o marxismo a família é o microcosmo estruturante da Ordem e destruí-la significa não só abalar
o edifício da ordem, a superestrutura, mas o seu fundamento societal. A família é o elemento basilar
do edifício social, tendo a função de suportá-lo.
Por isto mesmo que Engels pensava da família o seguinte:
É a forma celular da sociedade civilizada, na qual já podemos estudar a natureza das
contradições e dos antagonismos que atingem seu pleno desenvolvimento nessa
sociedade. [ENGELS, 2012, p.87].
O marxismo compreendeu corretamente que a família é o modo de (re)produção material e societal
da Ordem. Porque ela não só (re)produz indivíduos biológicos, mas (re)produz indivíduos sociais
através do processo de socialização primária dos valores nucleares da sociedade que são herdados e
transmitidos pela família ao indivíduo. E sendo a família uma das estruturas elementares do ser
social terá ela sempre um papel importante na formação da consciência moral dos indivíduos,
refletindo está formação nas relações públicas. E o seu objetivo não é conservar a família, mas
destruí-la.
E por ter compreendido a importância da Família para manutenção da Ordem o marxismo percebeu
em relação aos demais movimentos políticos iluministas que uma revolução política não bastava
para dar cabo da Ordem. Seria necessário abolir a Ordem da vida doméstica dos indivíduos
erradicando com a família, cortando assim a ordem pela raiz. O seu objetivo é realizar uma
revolução total e não só uma revolução política, e para isto ele deve abalar não só a superestrutura
(instituições estatais, aparatos jurídicos, as teorias e a Constituição) mas atingir o pilar infraestrutural
da Ordem; a família.
Bibliografia
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