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Análise da relação entre memória e afeto no filme “A chegada”

Universidade Federal do Tocantins

Rauana Ferreira de Sá

Resumo: O artigo explora a narrativa do filme "A Chegada" sob a perspectiva do discurso, com
foco especial em elementos de linguagem, memória e afeto. Ancorado em teorias como a
linguagem de Saussure, a memória de Halbwachs e a psicologia do afeto, o texto destaca como
o heptapodês, a linguagem alienígena do filme, desafia as noções convencionais de tempo e
como a protagonista, Louise Banks, experimenta uma não linearidade temporal. O ethos de
Louise, construído por sua credibilidade como linguista e sua conexão emocional com a filha, é
central na análise, destacando como sua abordagem à linguagem alienígena influencia a
compreensão do público sobre a complexidade da trama. Cenas específicas, como a decifração
do heptapodês e a revelação das conexões emocionais de Louise, são exploradas para ilustrar a
interseção única entre linguagem, memória e afeto no filme. Ao fundir teorias clássicas e
contemporâneas, o artigo busca oferecer uma compreensão aprofundada da experiência
cinematográfica de "A Chegada".

Palavras-chave: Linguagem. Afeto. Memória.

Gestadi - Revista do Grupo de Estudo de Análise do Discurso


Volume XXX, Número XXXX, 2023, ISSN: 2965-4440
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Introdução

Na sétima arte, algumas obras transcendem as fronteiras da narrativa


convencional, desafiando não apenas a lógica cinematográfica, mas também nossas
concepções sobre linguagem, memória e afeto. O filme "A Chegada" dirigido por Denis
Villeneuve, emerge como um exemplo cativante dessa exploração, no qual a análise do
discurso revela camadas profundas de significado. Ao focarmos a intricada linguagem
alienígena, o heptapodês, podemos desvendar os mistérios temporais que permeiam a
trama, lançando luz sobre a complexidade da memória e sua influência em nossa
percepção do tempo.

Paralelamente, a jornada emocional da protagonista, marcada pela conexão


íntima com sua filha, oferece um terreno fértil para explorarmos as nuances do afeto e
seu papel na interpretação de eventos pregressos. Neste artigo, embarcamos em uma
análise aprofundada desses elementos, desvendando como "A Chegada" transcende as
fronteiras narrativas tradicionais, convidando o espectador a refletir sobre a interseção
fascinante entre linguagem, memória e afeto na narrativa do filme.

1. Contextualização Teórica

Ao adentrarmos a análise do filme "A Chegada" sob a perspectiva do discurso, é


imperativo situarmos nossa abordagem dentro de um arcabouço teórico sólido. A teoria
da linguagem de Saussure, por exemplo, proporciona uma base essencial para
compreendermos a relação entre a linguagem e a construção de significados. A noção de
linguagem como sistema, permeada por elementos de significação e significado, se
alinha de maneira intrigante com a forma como o heptapodes desafia nossas noções
convencionais de comunicação.

Além disso, a teoria da memória de Halbwachs, que destaca a natureza social e


coletiva desse processo, pode enriquecer nossa compreensão da interligação entre
linguagem e memória no contexto do filme. Considerando que a protagonista, Louise

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Banks, vivencia uma experiência de memória não linear, as contribuições teóricas de


Halbwachs podem lançar luz sobre as complexidades temporais presentes na trama.

No âmbito do afeto, a teoria das emoções de Damásio e a psicologia cognitiva


podem oferecer insights sobre como as experiências emocionais moldam as decisões
individuais e influenciam a interpretação do passado. Dessa maneira, ao ancorarmos
nossa análise em tais fundamentos teóricos, buscamos fornecer uma estrutura conceitual
robusta para desvelar os elementos intrincados de linguagem, memória e afeto presentes
em "A Chegada".

2. Análise da Narrativa

A narrativa de "A Chegada" é uma tapeçaria intricada que se desdobra em


camadas, desafiando a linearidade temporal convencional. O filme utiliza o conceito de
não linearidade de forma magistral, refletindo a perspectiva alienígena do tempo. Ao
centrar-se na personagem Louise Banks, uma linguista de destaque, a trama revela como
a compreensão da linguagem heptapodes altera sua percepção temporal. A linguagem,
como veículo de comunicação, torna-se um portal para uma experiência não linear, onde
passado, presente e futuro coexistem.

A intriga é intensificada pela imbricação cuidadosa de memória e linguagem. A


protagonista, ao decifrar a complexidade do heptapodes, transcende as limitações
temporais humanas. Sua própria narrativa pessoal, marcada pela perda e pelo amor,
entrelaça-se de maneira íntima com a trama alienígena, demonstrando como a
linguagem pode ser um veículo para a ressignificação de experiências passadas.

A análise da narrativa revela uma abordagem reflexiva e não convencional,


desafiando o espectador a questionar sua própria compreensão do tempo e da realidade.
A não linearidade narrativa, aliada à complexidade da linguagem heptapode, culmina
em uma obra que transcende as fronteiras do gênero sci-fi, tornando-se um convite à
contemplação filosófica sobre a natureza da existência e da comunicação.

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3. Cenas Específicas

A cena da chegada inicial dos alienígenas, com as imponentes naves pairando


sobre a Terra, representa um ponto crucial na narrativa, pois essa cena não apenas
estabelece o cenário para a trama, mas também simboliza a introdução de uma
linguagem alienígena que transcende as fronteiras convencionais. A presença das naves
e a tentativa inicial de comunicação destacam a centralidade da linguagem na interação
entre humanos e heptápodes, lançando as bases para a exploração posterior da narrativa.

A sequência em que Louise entra na nave alienígena e se depara com os


heptápodes é outra cena que merece destaque. A arquitetura alienígena, combinada com
a presença imponente dos heptápodes, proporciona um ambiente que transcende o
familiar. Essa cena serve como ponto de inflexão para a protagonista, marcando o início
de sua jornada de decifração linguística, que, por sua vez, desencadeia a transformação
de sua percepção temporal.

A revelação da não linearidade temporal na vida de Louise, especialmente na


cena em que ela compreende a natureza de suas visões sobre a filha, é um momento
impactante. Aqui, a linguagem heptapodês atua como um catalisador para uma
compreensão mais profunda da memória, desafiando as convenções temporais e
conectando o espectador emocionalmente à jornada da protagonista. Essas cenas
específicas destacam a interseção única entre linguagem, memória e afeto, delineando a
narrativa inovadora e provocativa de "A Chegada".

O filme explora a interconexão entre linguagem, memória e afeto de maneira


única. A protagonista, Louise Banks, desenvolve uma compreensão não linear da
linguagem alienígena, semelhante à natureza não linear da memória. Sua habilidade de
vivenciar o futuro reflete a ideia de que a linguagem pode transcender as limitações
temporais, conectando-se às emoções e memórias. A forma como a linguagem
influencia as percepções de Louise destaca a profunda ligação entre comunicação,
experiências passadas e a ressonância emocional na construção do significado.

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3.1 Análise do discurso

A análise do discurso em "A Chegada" revela uma interconexão complexa entre


linguagem, memória e afeto. A linguagem extraterrestre não se limita a um meio de
comunicação, mas se torna um instrumento que transcende a linearidade temporal.
Louise Banks, a protagonista, vivencia eventos passados e futuros de forma não
sequencial, desafiando as convenções da linguagem humana e da memória.

A memória, nesse contexto, não é apenas um registro linear, mas sim um tecido
entrelaçado de experiências passadas e futuras. A habilidade de Louise em compreender
a linguagem extraterrestre redefine sua relação com o tempo, moldando suas ações e
emoções de maneira única.

Quanto ao afeto, a narrativa é permeada por uma poesia emocional, onde a conexão
entre Louise e sua filha, marcada por eventos futuros conhecidos, adiciona uma camada
profunda de significado. O filme explora como as relações humanas são moldadas não
apenas pela linguagem verbal, mas também por uma compreensão mais ampla do tempo
e do afeto.

Assim, a análise do discurso em "A Chegada" desvela uma trama intricada, do


qual a linguagem se torna uma ponte entre passado, presente e futuro, enriquecendo as
relações humanas com uma perspectiva única e emocionalmente impactante.

Na cena em que Louise entra pela primeira vez na nave extraterrestre, a


linguagem visual e sonora desempenha um papel crucial, criando uma atmosfera de
suspense e desconcerto. A comunicação não verbal entre Louise e os alienígenas é
intensificada, destacando como a linguagem vai além das palavras, influenciando a
experiência emocional da personagem.

Em mais uma cena em que Louise revela sua compreensão não linear do tempo.
A linguagem torna-se o veículo para transmitir a complexidade de sua experiência,
desafiando as noções tradicionais de memória e causando um impacto emocional
significativo.

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Em cenas específicas, a análise do discurso enfatiza como a linguagem não é


apenas um meio de troca de informações, mas uma força que molda a percepção,
desencadeando transformações profundas na protagonista e, por extensão, no
espectador. Essas cenas se tornam pontos cruciais para explorar a riqueza da
comunicação e suas ramificações emocionais no contexto da narrativa do filme.

A teoria do ethos tem raízes na retórica clássica, sendo desenvolvida por


filósofos como Aristóteles. Aristóteles, em sua obra "Ética a Nicômaco" e "A Arte
Retórica", introduziu o conceito de ethos como um dos três modos de persuasão, ao lado
de pathos (emoção) e logos (lógica).

No contexto contemporâneo, a teoria do ethos foi expandida por estudiosos da


comunicação, como Aristóteles sugeriu que o ethos é construído através da
credibilidade, caráter e autoridade moral do orador. Em termos de teoria da
comunicação, autores como Kenneth Burke, em suas obras sobre simbolismo e retórica,
também exploraram conceitos relacionados ao ethos, examinando como a construção de
identidade e autoridade afeta a persuasão.

Portanto, ao analisar o ethos no contexto do filme "A Chegada", é possível


conectar essas ideias à tradição retórica clássica e a contribuições mais modernas,
considerando como a credibilidade da personagem Louise Banks é estabelecida e
mantida ao longo da narrativa.

No contexto do filme "A Chegada", o ethos é representado principalmente pela


personagem Louise Banks, uma linguista respeitada. Seu ethos é construído através da
apresentação de sua expertise no campo linguístico e de sua habilidade em lidar com
desafios complexos. A credibilidade de Louise é estabelecida desde o início, quando ela
é recrutada para decifrar a linguagem alienígena dos heptápodes.

A teoria do ethos tem raízes na retórica clássica, sendo desenvolvida por


filósofos como Aristóteles. Aristóteles, em sua obra "Ética a Nicômaco" e "A Arte
Retórica", introduziu o conceito de ethos como um dos três modos de persuasão, ao lado
de pathos (emoção) e logos (lógica).

No contexto contemporâneo, a teoria do ethos foi expandida por estudiosos da


comunicação, como Aristóteles sugeriu que o ethos é construído através da

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credibilidade, caráter e autoridade moral do orador. Em termos de teoria da


comunicação, autores como Kenneth Burke, em suas obras sobre simbolismo e retórica,
também exploraram conceitos relacionados ao ethos, examinando como a construção de
identidade e autoridade afeta a persuasão.

Portanto, ao analisar o ethos no contexto do filme "A Chegada", é possível


conectar essas ideias à tradição retórica clássica e a contribuições mais modernas,
considerando como a credibilidade da personagem Louise Banks é estabelecida e
mantida ao longo da narrativa.

O filme tem como objetivo analisar a construção do ethos discursivo da


personagem protagonista Louise ao explorar como sua abordagem calma, racional e
dedicada à comunicação com os heptápodes influencia a percepção dos outros
personagens e, por extensão, do público. Sua habilidade em construir pontes linguísticas
e culturais, mesmo diante de desconfianças e tensões globais, solidifica seu ethos como
uma comunicadora competente e confiável.

A conexão emocional de Louise com a filha, revelada ao longo da narrativa,


adiciona uma camada adicional ao seu ethos. Sua vulnerabilidade e humanidade
contribuem para a autenticidade de sua personagem, tornando-a mais acessível e
fortalecendo ainda mais a relação do público com a história.

No contexto do filme "A Chegada", o ethos é representado principalmente pela


personagem Louise Banks, uma linguista respeitada. Seu ethos é construído através da
apresentação de sua expertise no campo linguístico e de sua habilidade em lidar com
desafios complexos. A credibilidade de Louise é estabelecida desde o início, quando ela
é recrutada para decifrar a linguagem alienígena dos heptápodes.

O filme enfatiza a importância do ethos de Louise ao explorar como sua


abordagem calma, racional e dedicada à comunicação com os heptápodes influencia a
percepção dos outros personagens e, por extensão, do público. Sua habilidade em
construir pontes linguísticas e culturais, mesmo diante de desconfianças e tensões
globais, solidifica seu ethos como uma comunicadora competente e confiável.

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A conexão emocional de Louise com a filha, revelada ao longo da narrativa,


adiciona uma camada adicional ao seu ethos. Sua vulnerabilidade e humanidade
contribuem para a autenticidade de sua personagem, tornando-a mais acessível e
fortalecendo ainda mais a relação do público com a história.

Assim, no contexto de "A Chegada", o ethos de Louise desempenha um papel


essencial na aceitação e compreensão das complexidades da linguagem heptapodês, da
narrativa não linear e da interseção entre linguagem, memória e afeto.

4. Teoria da memória associativa ( Donald Hebb)

A teoria de Hebb sugere que a ativação simultânea de neurônios cria uma


associação entre eles, fortalecendo a conexão. Relacionando isso ao filme "A Chegada",
a protagonista, Louise, experimenta uma forma única de aprendizado associativo ao
interagir com a linguagem alienígena. Sua capacidade de entender o futuro pode ser
interpretada como uma manifestação dessa aprendizagem associativa, onde suas
experiências passadas influenciam diretamente suas percepções e entendimentos
futuros.

A teoria de Hebb, com seu princípio "células que disparam juntas, se conectam",
pode ser aplicada ao filme "A Chegada" considerando a experiência da protagonista,
Louise Banks. Sua interação constante com a linguagem alienígena cria conexões
neurais únicas, permitindo uma compreensão não linear do tempo. A repetição e a
consistência na exposição aos símbolos alienígenas podem fortalecer essas conexões,
possibilitando a assimilação da linguagem alienígena e a capacidade de ver o futuro.
Assim, a teoria de Hebb oferece uma lente para entender como a experiência contínua e
a consistência na aprendizagem podem moldar a percepção e as habilidades cognitivas,
como exemplificado na narrativa do filme.

A teoria aborda a plasticidade neural, que destaca a capacidade do cérebro de se


adaptar com base nas experiências. Em "A Chegada", a exposição contínua de Louise
aos símbolos alienígenas poderia estimular mudanças na conectividade neural,

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refletindo a plasticidade do cérebro em resposta a estímulos específicos. Isso poderia


explicar a transformação de Louise ao longo do filme, sua capacidade de compreender a
linguagem alienígena de maneira profunda e sua visão não linear do tempo.

A narrativa sugere que a experiência repetida com a linguagem alienígena


modifica não apenas sua compreensão da comunicação, mas também seu próprio
sistema cognitivo, alinhando-se com os princípios da teoria de Hebb.

5. Teoria de Noam Chomsky

Ao analisar "A Chegada" à luz das teorias de Noam Chomsky, é possível destacar
a complexidade da linguagem e sua influência na cognição humana, elementos
fundamentais no filme. Chomsky propôs a ideia de uma gramática universal inata,
sugerindo que os seres humanos têm uma predisposição biológica para adquirir
linguagem.

No contexto do filme, a linguagem extraterrestre desafia as estruturas


linguísticas convencionais, alinhando-se com a ideia de Chomsky de que as línguas
podem assumir formas diversas e inesperadas. A teoria chomskiana também ressalta a
importância da capacidade inata de processamento da linguagem. A protagonista,
Louise Banks, exemplifica essa capacidade ao decifrar a linguagem alienígena e,
consequentemente, expandir sua compreensão do tempo.

Assim, a análise à luz das teorias de Chomsky destaca como "A Chegada"
explora e desafia conceitos linguísticos fundamentais, proporcionando uma narrativa
que transcende as fronteiras da linguagem humana e da cognição, alinhando-se, de certa
forma, com a visão de Chomsky sobre a diversidade e complexidade inerentes à
linguagem. Ao aplicar a distinção entre competência e desempenho à personagem da
Dra. Louise Banks em "A Chegada", observamos que sua competência linguística vai
além das habilidades cotidianas. Competência, no sentido chomskiano, refere-se à
capacidade inata de entender e produzir uma linguagem.

No filme, Louise demonstra uma competência excepcional ao decifrar a


linguagem alienígena. Sua habilidade de compreender o não linear, tanto temporal

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quanto linguístico, destaca uma competência que transcende as normas linguísticas


humanas. Por outro lado, o desempenho de Louise, ou seja, sua aplicação prática dessa
competência em situações específicas, revela não apenas suas habilidades linguísticas,
mas também sua capacidade de estabelecer uma comunicação eficaz com os
alienígenas. Sua competência excepcional se manifesta no desempenho à medida que
ela interpreta e responde à linguagem extraterrestre de maneira significativa.

Assim, a análise da Dra. Louise Banks à luz da distinção entre competência e


desempenho destaca não apenas suas habilidades linguísticas extraordinárias, mas
também sua capacidade de aplicar essa competência de maneira pragmática na
complexa comunicação interespécies apresentada no filme.

Considerando a teoria de Chomsky de gramática gerativista no contexto do


filme "A Chegada", a teoria pode ser aplicada para entender a complexidade da
linguagem extraterrestre e suas implicações na narrativa. A gramática gerativista postula
a existência de regras universais subjacentes à estrutura de todas as línguas humanas.

No filme, a linguagem dos alienígenas desafia essas regras, proporcionando uma


oportunidade para explorar como a gramática pode transcender as limitações conceituais
humanas. A capacidade de Louise Banks de decifrar essa linguagem extraterrestre
reflete a plasticidade e a adaptabilidade da mente humana, conceitos alinhados à visão
de Chomsky sobre a capacidade inata de processamento da linguagem. A linguagem
alienígena, ao permitir uma compreensão não linear do tempo, também desafia as
noções tradicionais de gramática e estrutura temporal.

Assim, no contexto do filme, a teoria de gramática gerativista oferece uma lente


interessante para explorar como a linguagem extraterrestre se encaixa ou desafia os
princípios linguísticos fundamentais, levando a uma compreensão única e disruptiva da
comunicação no universo ficcional de "A Chegada".

O filme lida com a ambiguidade na linguagem de comunicação com os


alienígenas em "A Chegada" destaca a habilidade única da Dra. Louise Banks em
decifrar a linguagem extraterrestre. A ambiguidade surge da natureza não convencional
da linguagem dos alienígenas, que não segue as estruturas linguísticas lineares
tradicionais. Louise lida com a ambiguidade ao adotar uma abordagem holística e não

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linear para interpretar as mensagens. Sua compreensão se baseia em uma visão mais
ampla do tempo e da linguagem, permitindo-lhe explorar significados além de uma
interpretação estritamente literal.

A narrativa sugere que a ambiguidade é resolvida não apenas por meio de uma
análise linguística convencional, mas pela aceitação e incorporação da perspectiva não
linear proporcionada pela linguagem extraterrestre. A habilidade de Louise em
compreender a complexidade da comunicação alienígena reside na superação das
limitações da interpretação linear e na aceitação da riqueza de significados possíveis.

Assim, a resolução da ambiguidade na comunicação com os alienígenas destaca


a capacidade de Louise em abraçar a diversidade e a complexidade da linguagem
extraterrestre, oferecendo uma abordagem única para a resolução de desafios
comunicativos.

6. Teorias de Ferdinand Saussure

A teoria de Saussure pode ser usada para analisar o filme "A Chegada" à luz das
relações entre linguagem e percepção temporal. Saussure destacou a sincronia (estrutura
linguística) e a diacronia (evolução temporal) da linguagem. No filme, a linguagem
alienígena desafia a linearidade temporal humana, refletindo a ideia saussuriana de que
a linguagem molda nossa compreensão do tempo. Além disso, a natureza icônica dos
símbolos alienígenas pode ser comparada à relação entre significante e significado em
Saussure, enfatizando a arbitrariedade e a construção de sentido na linguagem.

Outra teoria de Saussure que pode ser aplicada ao filme "A Chegada" é a ideia
de valor relacional dos signos. Saussure argumentou que as palavras obtêm significado
por sua relação com outras palavras na língua. No filme, a protagonista, Louise Banks,
enfrenta a complexidade da linguagem alienígena, onde cada símbolo não é isolado,
mas interage com outros para formar significado. Essa interdependência reflete a visão
saussuriana de que o significado é construído através de relações dentro do sistema
linguístico.

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Além disso, a noção de arbitrariedade do signo em Saussure pode ser explorada


no filme, já que os símbolos alienígenas não têm uma conexão óbvia com seus
significados, desafiando a expectativa de que os signos devem ter uma base lógica ou
natural. Essa arbitrariedade ilustra como a linguagem alienígena transcende as
convenções linguísticas humanas, alinhando-se com a teoria saussuriana.

A teoria pode ser relevante ao analisar "A Chegada" é a distinção entre langue
(sistema linguístico) e parole (ato individual de fala). No filme, a linguagem alienígena
representa uma língua desconhecida, um sistema complexo que transcende as línguas
humanas. A protagonista, Louise, desempenha o papel de parole ao tentar compreender
e comunicar-se com os alienígenas. Essa dicotomia reflete a ideia saussuriana de que a
competência linguística (langue) é distinta da performance individual (parole),
destacando como a linguagem é um sistema subjacente que molda as expressões
individuais.

Pragmática ( Paul Grice )

A pragmática de Paul Grice, notável por suas máximas conversacionais, pode


ser aplicada ao filme "A Chegada" ao examinar a comunicação entre humanos e
alienígenas. A máxima da quantidade, que sugere fornecer informações suficientes, é
desafiada pelas respostas enigmáticas dos alienígenas. A máxima da qualidade, que
enfatiza a veracidade das informações, é complexa devido à interpretação múltipla dos
símbolos alienígenas. A máxima da relevância destaca como cada interação é crucial na
comunicação interespécies. A análise pragmática do filme à luz de Grice destaca os
desafios comunicativos únicos apresentados na narrativa.

Podemos analisar também como os personagens do filme "A Chegada"


escolhem expressar suas ideias. A linguagem alienígena desafia as expectativas de
clareza e simplicidade, levando os personagens a adotar estratégias comunicativas mais
complexas. Isso reflete a ideia griceana de que os falantes muitas vezes comunicam de
maneira mais elaborada, especialmente quando as formas convencionais de expressão
não são adequadas. A complexidade na comunicação entre humanos e alienígenas
destaca a importância de interpretar não apenas as palavras, mas também o contexto e as
intenções comunicativas.

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A pragmática também pode ser observada no fenômeno da implicatura


conversacional, uma ideia-chave nas teorias de Grice. No filme "A Chegada", a
protagonista, Louise, enfrenta desafios significativos na interpretação das mensagens
dos alienígenas. A ambiguidade e a falta de clareza nas comunicações alienígenas levam
a implicações complexas, onde o significado vai além do que é explicitamente dito.
Essa falta de transparência destaca como a pragmática desempenha um papel crucial na
interpretação das intenções e significados subjacentes em situações de comunicação
complexas.

Considerações Finais/ Conclusão

Ao longo deste artigo, mergulhamos nas complexidades da relação entre


memória e afeto no contexto do filme "A Chegada", dirigido por Denis Villeneuve. A
narrativa cativante oferece uma plataforma única para explorar como a linguagem
alienígena influencia profundamente a experiência emocional dos personagens, em
especial a protagonista, Dra. Louise Banks.

Ao analisar cenas específicas, como o primeiro contato, as visões não-lineares e


a revelação crucial, destacamos como a linguagem dos alienígenas se torna um
catalisador poderoso para a interconexão entre memória e afeto. A protagonista, ao
decifrar essa linguagem, é levada a experiências emocionais complexas que redefinem
sua compreensão do tempo, memória e relacionamentos.

A aplicação de teorias como a gramática generativa de Chomsky e a teoria


semiótica de Saussure forneceu uma estrutura conceitual sólida para entender como a
linguagem alienígena atua como um meio intricado de comunicação, moldando as
emoções e memórias dos personagens.

Essa exploração da linguagem transcende os limites da ficção científica, tocando


temas universais de comunicação, compreensão intercultural e a natureza subjetiva da
experiência humana. A relação entre memória e afeto não é apenas uma peça do quebra-
cabeça narrativo; é o cerne da transformação emocional da protagonista.

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Ao nos aprofundarmos na análise, torna-se evidente como as escolhas


cinematográficas, a trilha sonora e a representação visual contribuem para uma
experiência emocional única para o espectador. A empatia gerada pelas lutas e triunfos
dos personagens amplifica a mensagem central do filme.

O filme oferece insights que reverberam para além da tela, questionando nossa
própria relação com a linguagem, memória e afeto. A capacidade transformadora da
comunicação é explorada, sugerindo que nossa compreensão do mundo e de nós
mesmos é, em última análise, moldada pela forma como nos expressamos e nos
conectamos.

Reconhecemos as limitações desta análise, que se concentrou principalmente na


aplicação de teorias linguísticas e psicológicas. Pesquisas futuras poderiam explorar
ainda mais as implicações filosóficas, éticas e socioculturais dessa abordagem única à
comunicação intergaláctica.

Em suma, "A Chegada" não é apenas um filme de ficção científica, mas sim
exploração poética da linguagem como um veículo para a transformação humana. A
interconexão entre memória e afeto revela não apenas as maravilhas da comunicação
além do nosso planeta, mas também as complexidades intrínsecas de nossa própria
experiência emocional e cognitiva.

Ao desvendar os enigmas da linguagem alienígena, somos convidados a refletir


sobre nossa própria busca pela compreensão, questionando como a linguagem molda
quem somos e como nos relacionamos com o desconhecido. Em última análise, "A
Chegada" nos leva a um intrigante território onde a linguagem transcende suas
fronteiras convencionais, abrindo portas para novas formas de perceber e experimentar
o mundo ao nosso redor.

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Referências

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sobre os dados imediatos da consciência). Paris: Félix Alcan.

Halbwachs, M. A memória coletiva. In: T. Schuchardt, J. L. Cordeiro (Org.).


Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Edusp, 2006. p. 34-49

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 5. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1991.

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