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BOLETIM

GEOCORRENTE ISSN 2446-7014

15 de dezembro de 2022

EDIÇÃO ESPECIAL: RETROSPECTIVA 2022


BOLETIM
GEOCORRENTE
Esta edição especial foi elaborada com intuito de CONSELHO EDITORIAL
apresentar 24 artigos, os dois melhores de cada região e
de temas especiais, além dos melhores artigos tratando DIRETOR DA EGN
sobre o Brasil, publicados pelo Núcleo de Avaliação da Contra-Almirante João Alberto de Araujo Lampert
Conjuntura (NAC) em 2022. SUPERINTENDENTE DE PESQUISA E PÓS
GRADUAÇÃO DA EGN
O Boletim Geocorrente é uma publicação quinzenal do Contra-Almirante (RM1) Marcio Magno de Farias Franco
NAC, vinculado à Superintendência de Pesquisa e Pós- e Silva
Graduação (SPP) da Escola de Guerra Naval (EGN).
O NAC acompanha a Conjuntura Internacional sob o EDITOR CHEFE
Capitão de Mar e Guerra (RM1) Leonardo F. de Mattos
olhar teórico da Geopolítica e da Oceanopolítica, a fim (EGN)
de fornecer mais uma alternativa para a demanda global
de informação, tornando-a acessível e integrando a EDITOR CIENTÍFICO
sociedade aos temas de segurança e defesa. Além disso, Capitão de Mar e Guerra (RM1) Francisco E. Alves de
proporciona a difusão do conhecimento sobre crises e Almeida (EGN)
conflitos internacionais procurando corresponder às
demandas do Estado-Maior da Armada. EDITORES ADJUNTOS
Jéssica Germano de Lima Silva (EGN)
Noele de Freitas Peigo (Facamp)
O Boletim tem como finalidade a publicação de Thayná Fernandes Alves Ribeiro (UFF)
artigos compactos tratando de assuntos atuais de dez Victor Eduardo Kalil Gaspar Filho (EGN)
macrorregiões do globo, a saber: América do Sul;
América do Norte e Central; África Subsaariana; DIAGRAMAÇÃO E DESIGN GRÁFICO
Oriente Médio e Norte da África; Europa; Rússia e Guilherme de Oliveira Carneiro (UFRJ)
ex-URSS; Sul da Ásia; Leste Asiático; Sudeste Asiático
e Oceania; Ártico e Antártica. Ademais, algumas
edições contam com a seção “Temas Especiais”.

O grupo de pesquisa ligado ao Boletim conta com


integrantes de diversas áreas do conhecimento, cuja
pluralidade de formações e experiências proporcionam
uma análise ampla da conjuntura e dos problemas
correntes internacionais. Assim, procura-se identificar
os elementos agravantes, motivadores e contribuintes
para a escalada de conflitos e crises em andamento,
bem como seus desdobramentos.
CORRESPONDÊNCIA

NORMAS DE PUBLICAÇÃO
Para publicar nesse Boletim, faz-se necessário que o autor seja pesquisador do Grupo de Geopolítica Corrente, do
NAC e submeta seu artigo contendo até 400 palavras ao processo avaliativo por pares.

Os textos contidos neste Boletim são de responsabilidade exclusiva dos autores, não retratando a opinião oficial
da EGN ou da Marinha do Brasil.

A publicação integral de qualquer artigo deste Boletim somente poderá ser feita citando expressamente autor e
fonte, e colocando o link de redirecionamento para o artigo original.

Capa: Retrospectiva 2022


Fonte: Guilherme de Oliveira Carneiro (UFRJ)

Escola de Guerra Naval – Superintendência de Pesquisa e Pós-Graduação.


Av. Pasteur, 480 - Praia Vermelha – Urca – CEP 22290-255 - Rio de Janeiro/
RJ - Brasil
TEL.: (21) 2546-9394 | E-mail: geocorrentenac@gmail.com

Esta e as demais edições do Boletim Geocorrente, em português e inglês,


poderão ser encontrados na home page da EGN e em nossa pasta do Google
Drive. Acompanhe nossas publicações na página do LinkedIn.

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BOLETIM GEOCORRENTE • ISSN 2446-7014 • EDIÇÃO RETROSPECTIVA • Dezembro | 2022
EQUIPE RESPONSÁVEL
Analistas
Pedro Mendes Martins (Eceme)
Thayná Fernandes Alves Ribeiro (Uff)
Victor Cabral Ribeiro (Puc-Rio)
Victor Eduardo Kalil Gaspar Filho (EGN)

Estagiários
Guilherme de Oliveira Carneiro (Ufrj)
Luísa Barbosa Azevedo (Ufrj)
Maria Eduarda Araújo Castanho Parracho (Uerj)
Rafaela Caporazzo Dias Faria (Ufrj)
Taynah Pires Ferreira (Ufrj)
Vitória de França Fernandes (Ufrj)

Coordenadoras desta edição


Thayná Fernandes Alves Ribeiro (Uff)
Vitória de França Fernandes (Ufrj)

20 de setembro de 2022 - Foto comemorativa dos 8 anos do Boletim Geocorrente contando


com a presença do Diretor da EGN, Contra-Almirante Lampert, do Superintendente de
Pesquisa e Pós-Graduação, Contra-Almirante RM1 Magno, do Coordenador do NAC,
CMG RM1 Leonardo Mattos, e dos Editores e Pesquisadores do NAC.

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SUMÁRIO
BRASIL
Eólicas Offshore no Brasil: segurança e transição no oceano .................................................................8
A navegação de cabotagem e as perspectivas pós-pandemia ............................................................................8

AMÉRICA DO SUL
Relações estratégicas Argentina x China: Malvinas e Belt and Road ................................................................9
Diplomacia renovada: o retorno das relações entre Colômbia e Venezuela ...................................................9

AMÉRICA DO NORTE & CENTRAL

Segurança cibernética em estruturas críticas nos Estados Unidos ..................................................................10


Segurança alimentar: o desafio caribenho frente à crise na Ucrânia ...............................................................10

ÁFRICA SUBSAARIANA
Costa africana: ameaças ambientais e expectativas para o século XXI ............................................................11
África Subsaariana: um campo em disputa ...........................................................................................................11

EUROPA
O protocolo da Irlanda do Norte e o seu impacto nas relações Reino Unido - União Europeia ..................12
O papel da Península Ibérica na crise energética europeia ...............................................................................12

ORIENTE MÉDIO & NORTE DA ÁFRICA


A projeção regional iraniana: a influência na Guerra Civil do Iêmen ................................................................13
No palco do Mediterrâneo Oriental: Líbano vs. Israel ......................................................................................13

RÚSSIA & Ex-URSS


Novos desafios ao flanco ocidental russo a partir de Kaliningrado ..................................................................14
O cenário geopolítico russo à luz da nova doutrina naval russa .......................................................................14

LESTE ASIÁTICO
O novo orçamento de defesa japonês e a dinâmica regional ...............................................................................15
Todos os olhos no Estreito de Taiwan ....................................................................................................................15

SUL DA ÁSIA

Um ano da retirada das tropas no Afeganistão .................................................................................................16


A Crise Econômica do Sri Lanka .............................................................................................................................16

SUDESTE ASIÁTICO & OCEANIA


A China nas Ilhas Salomão: ameaça à segurança no Pacífico ............................................................................17
Filipinas amplia sua capacidade de comunicação no Mar do Sul da China: o que isso demonstra? ..........17

ÁRTICO & ANTÁRTICA

A Rússia e o poder pesqueiro na geopolítica polar ..............................................................................................18


O Tripé estratégico polar argentino e o avanço nas relações com o Brasil ......................................................18

TEMAS ESPECIAIS
A ameaça dos ataques cibernéticos a infraestruturas críticas ..........................................................................19
Desdobramentos marítimos do conflito na Ucrânia ...........................................................................................19

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BOLETIM GEOCORRENTE • ISSN 2446-7014 • EDIÇÃO RETROSPECTIVA • Dezembro | 2022
PRINCIPAIS RISCOS GLOBAIS 2022
desconsiderando a pandemia de COVID-19

* O critério utilizado para confecção deste mapa foi destacar os países que permaneceram por mais tempo no Mapa de Riscos ao longo de
2022.

PRINCIPAIS ELEIÇÕES EM 2022

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BOLETIM GEOCORRENTE • ISSN 2446-7014 • EDIÇÃO RETROSPECTIVA • Dezembro | 2022
PRINCIPAIS FLUXOS MIGRATÓRIOS EM 2022
Fonte: Mixed Migration Review 2022

E ste mapa foi elaborado com o propósito de destacar os principais fluxos migratórios em cada região do mundo,
aevidenciados pelos círculos roxos. A fonte dos dados utilizados foi o Relatório de 2022 do Centro de Migrações
Mistas, com informações deste mesmo ano. Neste mapa, considera-se apenas os fluxos migratórios, não abarcando
asilados, refugiados e deslocados internos de maneira específica. Os dados abaixo foram consultados em 11 de dezembro.

► AMÉRICAS: ► EUROPA:
• EUA: mais de 1.9 milhão de migrantes registrados. Os • Registrados cerca de 148.000 migrantes. Uma das
cinco principais países de origem foram México (55.569), rotas mais utilizadas foi o Mediterrâneo, com fluxo de
Honduras (20.305), Guatemala (20.159), Cuba (20.009) e 141.557 pessoas. Os principais países de origem foram
Venezuela (17.651). Ainda, cerca de 6.100 haitianos foram Tunísia (20%), Egito (14,4%), Bangladesh (12,5%), Síria
apreendidos no mar nos primeiros nove meses do ano (6,6%), Afeganistão (5,8%), Costa do Marfim (4,7%) e Irã
tentando seguir para a Flórida. (4,1%).
• Venezuela: gerou fluxo de 6.8 milhões de pessoas, • Ucrânia: segundo a ACNUR, mais de 7.4 milhões de
entre migrantes, refugiados e asilados. Destes, 5.7 milhões refugiados da Ucrânia foram registrados em toda a Europa
permanecem na América Latina e Caribe. As maiores entre 24 de fevereiro e 22 de setembro de 2022. Polônia e
populações estão na Colômbia (2,5 milhões), Peru (1,3 Hungria receberam as maiores quantidades de migrantes,
milhão), Equador (0,5 milhão), Chile (450.000) e Brasil 4.9 milhões e 1.6 milhão, respectivamente.
(360.000).
► ÁSIA:
► ORIENTE MÉDIO E NORTE DA ÁFRICA: • Afeganistão: grande fluxo de retornados, 450.000
• Iêmen: registros de 190.000 migrantes, advindos, pessoas no primeiro semestre de 2022, muitas delas
principalmente, da Etiópia e do Chifre da África. deportadas involuntariamente do Irã.
• Turquia: em 2022, foram registradas 110.968 • Mianmar: gerou cerca de 1 milhão de migrantes e
chegadas, originadas, principalmente, do Afeganistão e da refugiados à Ásia, a maioria para Bangladesh e Tailândia.
Síria.

► ÁFRICA SUBSAARIANA:
• Níger: nos primeiros meses de 2022, o país registrou
mais de 2.500 migrantes, originários da Nigéria, Mali e
Burkina Faso.
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BOLETIM GEOCORRENTE • ISSN 2446-7014 • EDIÇÃO RETROSPECTIVA • Dezembro | 2022
DESTAQUES INTERNACIONAIS EM 2022

JANEIRO JANEIRO JANEIRO E FEVEREIRO MARÇO


SETEMBRO

CAZAQUISTÃO: IRÃ: INÍCIO DO NAGORNO-


PROTESTOS TENTATIVAS BURKINA CONFLITO KARABAKH:
E CRISE DE ACORDO FASO: GOLPE RUSSO- CONFLITO E
POLÍTICA DE ESTADO UCRANIANO NEGOCIAÇÕES
NUCLEAR

ABRIL ABRIL JUNHO AGOSTO SETEMBRO

IÊMEN: SRI LANKA: OTAN: PEDIDO TAIWAN: 200 ANOS


CRISE DE ADESÃO DA VISITA DE DA
CESSAR-FOGO INDEPENDÊNCIA
POLÍTICO- FINLÂNDIA E NANCY
ECONÔMICA DA SUÉCIA PELOSI DO BRASIL

SETEMBRO OUTUBRO OUTUBRO OUTUBRO NOVEMBRO

RETORNO DAS
RELAÇÕES REINO UNIDO: CHINA: IRÃ: RDC:
ENTRE MORTE DA REELEIÇÃO PROTESTOS E INSTABILIDADE
COLÔMBIA E RAINHA E CRISE DE XI INSTABILIDADE SOCIO-POLÍTICA
VENEZUELA POLÍTICA JINPING INTERNA

NOVEMBRO NOVEMBRO NOVEMBRO NOVEMBRO NOVEMBRO

ISRAEL: ETIÓPIA: POPULAÇÃO


EUA: ELEIÇÕES CAMBOJA:
NETANYAHU ACORDO DE PAZ MUNDIAL
DE MEIO DE RETORNA AO 41º FÓRUM
COM A TPLF CHEGA A 8
MANDATO PODER DA ASEAN BILHÕES

NOVEMBRO NOVEMBRO NOVEMBRO DEZEMBRO DEZEMBRO

NIGÉRIA: ENCONTRO ENTRE AUMENTO PERU: PRISÃO


MEIO AMBIENTE: OS PRESIDENTES DA CRISE
INUNDAÇÕES DO PRESIDENTE
CONFERÊNCIA BIDEN E XI ENERGÉTICA PEDRO
COP 27 HISTÓRICAS
JINPING NA EUROPA CASTILLO

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BRASIL
Eólicas Offshore no Brasil: segurança e transição no oceano – Boletim 161
Bruno Gonçalves

S egundo Elbia Gannoum, Presidente da Associação


Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias
(ABEEólica), a Europa tem como desafio a gestão da
internacionais e construir um arcabouço regulatório
nacional contribuindo para a harmonização de interesses
potencialmente divergentes ou em real conflito. Em
escassez de recursos energéticos. Já o Brasil, da gestão da janeiro de 2022, a Presidência da República publicou o
abundância. A busca pela segurança energética brasileira Decreto nº 10.946, que dispõe sobre a cessão de uso de
está pautada na diversificação da matriz por recursos espaços físicos para geração elétrica offshore. Segundo
internos: a demanda vem aumentando, mas o potencial o Decreto, o Comando da Marinha do Brasil deverá
hidroelétrico utilizável vem caindo. Com o aumento da emitir uma declaração com a finalidade de identificar
busca por fontes renováveis não-hidráulicas, a energia a existência de interferência em outras instalações ou
eólica offshore se mostra como alternativa. Com isso, atividades. A instituição avaliará a observância das
como se dará a relação energia e mar no Brasil, e quais normas da autoridade marítima sobre a salvaguarda da
as oportunidades existentes ao se pensar segurança e vida humana, a segurança da navegação e a prevenção da
transição energética? poluição hídrica, a ausência de prejuízo ao ordenamento
A energia no território brasileiro tem um laço histórico do tráfego aquaviário e à Defesa Nacional.
com a água. Se por décadas esteve alicerçada no potencial Nota-se cada vez mais a importância econômica
hidroelétrico, o século XXI, com a descoberta do Pré-Sal do uso dos oceanos em diversos setores, como pesca,
em 2006, nos mostra que este canal está mais forte com shipping, turismo, indústria petrolífera, instalação de
os oceanos, o qual se robustecerá com a implementação cabos submarinos, exploração de minerais no leito
das eólicas offshore. No Brasil, a perspectiva é de que há marinho, e energias marinhas renováveis. A energia
recursos energéticos para atingir a transição e garantir o eólica offshore revela-se como mais um importante
atendimento da demanda de energia renovável. Segundo caminho na garantia da segurança e transição energéticas
o Banco Mundial, o país tem potencial eólico em até 50m para uma economia menos carbonizada. No entanto,
offshore de 480 GW, e de plataformas flutuantes de 748 ainda há grandes desafios no que diz respeito a políticas
GW, totalizando 1.228 GW. públicas e regulamentação a serem superados.
Cabe ao Brasil, portanto, se adequar às normas

A navegação de cabotagem e as perspectivas pós-pandemia – Boletim 170


Alessandra Brito

E m setembro de 2022, a Agência Nacional de


aTransportes Aquaviários (ANTAQ) revelou o
estado atual das cargas na cabotagem brasileira e a sua
no setor é de granéis líquidos, seguida por granéis sólidos
(11,8%), carga conteinerizada (8,1%) e carga geral (3%).
A cabotagem no primeiro semestre de 2022 movimentou
relação com os produtos transportados. A liderança no 140,6 milhões de toneladas. A movimentação de
setor segue com os granéis líquidos sendo responsáveis contêineres como um todo foi de 62,7 milhões de
por 77,1% desse mercado. As projeções são otimistas e toneladas, correspondendo a uma queda de 4,4% em
espera-se um aumento gradual com a lei de incentivo relação ao segundo semestre de 2021. No entanto, em
“BR do Mar”. relação à Navegação de Cabotagem, houve um aumento
Os critérios para enquadrar embarcações como de 2,9% no transporte de Twenty-feet Equivalent Unit
“efetivamente operantes” e “pertencentes a um mesmo (TEU, sigla em inglês), com destaque para os seguintes
grupo econômico” entraram em vigor no último dia produtos: plásticos, arroz, máquinas e materiais elétricos,
03 de outubro, de acordo com a resolução 86/2022, obras de pedra e ferro e aço.
publicada no dia 12 de setembro pela ANTAQ. O país tem seguido um caminho de expansão e,
Conforme a norma, o enquadramento envolveria os como exemplo, a Aliança Navegação e Logística está
seguintes procedimentos: mapeamento da composição construindo duas barcaças oceânicas para o transporte
societária; comparação da composição societária entre de contêineres no Brasil. O projeto inclui também a
sociedades e a verificação da presença de controle construção de dois empurradores em Belém, no Pará. As
societário direto ou indireto entre as sociedades. novas barcaças e os empurradores foram especialmente
Existem atualmente cerca de 40 empresas cadastradas projetadas para o transporte de 700 TEU em mar aberto,
para prestar serviços na cabotagem, mas apenas oito gerando 300 postos de trabalho durante a construção e de
dominam aproximadamente 95% do mercado. 30 aquaviários para a operação. Acredita-se que muitos
No Brasil, entre 2010 e 2020, o transporte de cargas outros projetos como esse venham a acontecer com as
conteinerizadas na navegação de cabotagem triplicou novas regulações.
em comparação ao crescimento de outros tipos de carga
(geral, granéis líquidos e sólidos). Entretanto, a liderança
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AMÉRICA DO SUL
Relações estratégicas Argentina x China: Malvinas e Belt and Road - Boletim 157
Luciano Veneu

D esde o final da Guerra das Malvinas em 1982, as


restrições da indústria de defesa britânica à Argentina
contribuem para a obsolescência das Forças Armadas do
capacidades atualizadas, agregando, assim, o respaldo
militar à sua reivindicação diplomática acerca da posse
das Malvinas.
país sul-americano. Assim, os principais fornecedores de Com a adesão à Belt and Road, a Argentina se torna
equipamento bélico ocidentais tornaram-se inacessíveis o nono país sul-americano a participar da iniciativa
ao país, obrigando-o a buscar novos meios com a Rússia chinesa, além de, agora, apoiar Pequim na questão de
e, principalmente, com a China, que, no início de 2022, Taiwan. A partir do investimento em infraestrutura
declarou seu apoio às reivindicações argentinas sobre as na região, que também inclui fundos para construção
Malvinas, além de um investimento de US$ 23,7 bilhões de uma usina nuclear, a China demonstra interesse em
em infraestrutura. Portanto, quais são os objetivos uma base logística situada em Ushuaia, na Patagônia.
geopolíticos de ambos os países com essa aproximação? Dessa forma, para o país asiático, essa parceria significa
Há décadas que a defasagem dos meios militares a abertura de oportunidades na América do Sul, com o
argentinos é motivo de preocupação governamental. apoio diplomático da segunda maior economia da região,
Com os embargos britânicos a produtos com destino à além de expandir a Belt and Road para o Atlântico Sul.
Defesa, e com a crise econômica do país, a Força Aérea Logo, essa aproximação sugere que a Argentina
desativou seus últimos caças supersônicos, passando a encontra na China um parceiro internacional capaz de
operar apenas alguns antigos aviões de ataque, como o dar suporte econômico ao seu desenvolvimento interno
A-4 Skyhawk, veterano das Malvinas. e diplomático apoiando suas demandas externas. Para
Como solução, a Argentina encaminha a compra de Pequim, ter Buenos Aires como aliado amplia seu alcance
12 caças sinopaquistaneses JF-17, que não possuem no entorno estratégico estadunidense, projetando-se para
altos custos e nem partes britânicas, estando imunes além de sua zona de influência imediata e possibilita a
às restrições. Dessa forma, se efetivada a compra, a implementação de bases no extremo sul atlântico.
Argentina voltará a operar um caça moderno com

Diplomacia renovada: o retorno das relações entre Colômbia e Venezuela - Boletim 169
Victor Cabral

A pós três anos de rompimento, Colômbia e Venezuela


aretomaram suas relações bilaterais em 26 de agosto
de 2022, com a chegada dos novos embaixadores em
No aspecto da segurança, o Presidente colombiano,
Gustavo Petro, lançou o projeto Paz Total, para
desmobilizar e negociar a paz com o máximo de
Bogotá e Caracas. A reabertura das fronteiras, o retorno grupos armados possíveis, transbordando o acordo
das trocas econômicas e dos voos comerciais estão centralizado com as Forças Armadas Revolucionárias
agendados para o final de setembro. Espera-se que a da Colômbia (FARC), firmado em 2016. Um dos focos
diplomacia possa ir além dos aspectos econômicos e atuais é o Exército de Libertação Nacional (ELN),
políticos, cabendo questionar: quais os possíveis impactos grupo dissidente das FARC. Para o acordo, a Colômbia
nas migrações e na segurança? solicitou à Venezuela que mediasse e cooperasse pela
A fronteira entre os Estados foi fechada em fevereiro paz, pedido que foi aceito por Caracas. Ressalta-se que
de 2019, logo após a ruptura das relações bilaterais, Caracas já foi acusada por Bogotá de apoiar e financiar o
afetando a economia e a estabilidade dos milhões de grupo, surgindo agora como ator de importância em um
colombianos que vivem na Venezuela e vice-versa. A processo de seu interesse, pois o ELN está presente no
impossibilidade de trânsito fronteiriço seguro, relações território venezuelano e controla parte da porosa fronteira
econômicas e de acesso regular de direitos à saúde, Colômbia-Venezuela.
educação, moradia e emprego pode agora se reverter, Salienta-se que a retomada das relações diplomáticas
melhorando as condições de vida de colombianos e não significa, até o momento, o apoio do governo Petro
venezuelanos residentes nesses países. ao regime de Nicolás Maduro. Todavia, há indicativo
A temática é vital para solucionar uma nova crise de pragmatismo para solucionar os imbróglios
humanitária nos fluxos migratórios, na qual mais de 30 que envolvem os Estados. Por último, espera-se o
mil migrantes cruzaram o violento trecho de floresta incremento de travessias de migrantes venezuelanos
na fronteira Colômbia-Panamá, o Tapón del Darién, para a Colômbia com a reabertura das fronteiras, devido
em agosto de 2022. Para comparação, conforme as à facilitação dos fluxos, restando aguardar a reação de
autoridades fronteiriças panamenhas, 133 mil migrantes Petro à questão.
cruzaram tal fronteira ao longo de 2021, indicando uma
drástica elevação dos números. Compondo mais de dois
terços dos migrantes, os venezuelanos deixaram o Chile
e a Colômbia, rumo aos Estados Unidos.
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AMÉRICA DO NORTE & CENTRAL
Segurança cibernética em estruturas críticas nos Estados Unidos - Boletim 155
Luísa Barbosa

N o mundo globalizado, a segurança nacional


dos países enfrenta novas vulnerabilidades
com o avanço da digitalização. Sistemas de energia,
cibernética tem sido foco das políticas de Biden.
A segurança hídrica faz parte dos planos de
infraestrutura, com investimento de US$ 11 bilhões,
telecomunicações, água e transporte, por exemplo, no Jobs Plan. O conjunto de medidas adotado por
requerem aumento de recursos para segurança Washington para o abastecimento de água é uma extensão
cibernética. O Water Sector Action Plan do governo Joe dessas políticas a estruturas críticas de caráter preventivo
Biden, anunciado em 27 de janeiro de 2022, para reforçar e reativo em um setor de autoridade limitada. O plano
a segurança a ataques cibernéticos do sistema de água de ação será coordenado com a Agência de Proteção
estadunidense faz parte dessa conjuntura. Dessa maneira, Ambiental dos EUA, o Conselho de Coordenação do
como a segurança dos Estados Unidos está sendo afetada Setor Hídrico e o Departamento de Segurança Doméstica.
pelas vulnerabilidades cibernéticas de seus sistemas Ainda, inclui a coordenação de políticas às ameaças
críticos? cibernéticas com o G7 e a OTAN. O foco da ação conjunta
O fornecimento de água é considerado uma função é a detecção precoce desses riscos, melhorando a
nacional essencial, afetando diretamente a segurança, resposta, padronizando requisitos de serviço em nuvem e
economia e saúde pública do país. Segundo a Agência removendo barreiras de compartilhamento desses dados
de Segurança Cibernética e Infraestrutura estadunidense, com o sistema de informações federal.
os sistemas de água, imersos na digitalização e A digitalização de estruturas críticas implica,
automatização, são responsáveis por mais de 80% portanto, no investimento em segurança cibernética.
da água potável da população. Ainda, sujeitam-se às Dessa forma, as vulnerabilidades desses sistemas
vulnerabilidades de ataques físicos, como liberação de a ameaças cibernéticas continuarão a ser questões
químicos tóxicos, e de ataques cibernéticos. Mesmo de estratégias de segurança nacional. As medidas
assim, o sistema estadunidense sofre com a falta de colaborativas entre Governo Federal e agências privadas
recursos em governos estaduais, o que dificulta o uso de nos EUA reforçam o tratamento urgente da questão. O
sistemas de defesa cibernética. Esse foi o caso dos ataques investimento do escopo de atuação e resposta dos Estados
ocorridos ao sistema de água de Oldsmar, na Flórida, e ao a essas crescentes ameaças será vital para a sobrevivência
oleoduto Colonial Pipelines (Boletim 139). A segurança nessa nova dimensão da segurança.

Segurança alimentar: o desafio caribenho frente à crise na Ucrânia - Boletim 164


Rafael Esteves

A s características geográficas e socioeconômicas do


aCaribe são importantes elementos na segurança
alimentar da região. O conflito na Ucrânia desestabilizou
pandemia da COVID-19, ocasionou a deterioração do
acesso da região a produtos alimentícios, levando, em
2021, a 693 mil pessoas à insegurança alimentar em nível
o cenário econômico e geopolítico global mas, além disso, severo.
criou uma série de problemas na segurança alimentar O conflito na Ucrânia foi um fator degradante
em diversos países (Boletim 162), devido à diminuição da insegurança alimentar no Caribe, ocasionando a
da oferta de produtos e insumos primários provenientes inflação dos alimentos. A elevação dos preços se dá,
das partes envolvidas, além do aumento considerável principalmente, pela diminuição da oferta de dois dos
do preço dos alimentos. Nesse contexto, expõem-se a grandes fornecedores mundiais de produtos e insumos:
fragilidade caribenha: por ser grande importadora de Rússia e Ucrânia. A alta global dos alimentos dificulta
alimentos, fato evidenciado pela declaração da Primeira- o acesso aos produtos e causa um número maior de
Ministra de Barbados, Mia Amor Mottley, afirmando que pessoas em insegurança alimentar, especialmente entre
a situação da segurança alimentar se tornou crítica para a a população dos países insulares, dependentes das
Comunidade do Caribe. Assim, como a questão ucraniana importações e com baixo nível de desenvolvimento
deteriora a segurança alimentar dos países caribenhos? econômico.
Inicialmente, é importante compreender a situação Portanto, a situação internacional é de grande
do Mar do Caribe em relação à segurança alimentar. importância para a segurança alimentar dos Estados
Grande parte dos países caribenhos, as ilhas em caribenhos, uma vez que são altamente dependentes
particular, importam aproximadamente 80% de todos os das importações desses produtos. A questão ucraniana
alimentos consumidos pela respectiva população. Isso levou à uma alta nos preços, dificultando a situação da
se dá devido à geografia, com uma grande quantidade região e levando mais pessoas à insegurança alimentar.
de Estados insulares com solos pouco propícios ao Dessa forma, é importante que os países caribenhos
plantio, e as características socioeconômicas regionais, acompanhem o conflito e desenvolvam estratégias
principalmente pelo número de pessoas em situação e políticas públicas que assegurem um melhor
de vulnerabilidade financeira. Tendo isso em vista, a fornecimento de gêneros alimentícios para a população.
conjuntura do sistema internacional, principalmente a
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BOLETIM GEOCORRENTE • ISSN 2446-7014 • EDIÇÃO RETROSPECTIVA • Dezembro | 2022
ÁFRICA SUBSAARIANA
Costa africana: ameaças ambientais e expectativas para o século XXI - Boletim 156
Carolina Vasconcelos

A costa africana estende-se por aproximadamente


300 mil km, abrangendo 38 países, sendo 31 da
África Subsaariana. A região possui riquezas naturais,
Em segundo lugar, os efeitos do aquecimento global e
da poluição acabam interferindo nos recursos naturais em
países como Moçambique e Senegal. Estima-se que até
visadas tanto no âmbito local quanto internacional, que o fim do século, os patrimônios mundiais da UNESCO
podem eventualmente causar disputas que interferem destes países serão 100 vezes mais afetados por
diretamente na geopolítica da região. Nesse sentido, de inundações costeiras e erosão. Além disso, o aumento da
que maneira agendas voltadas para o desenvolvimento exploração de petróleo e gás nos últimos anos em países
sustentável vêm estruturando a política regional? litorâneos como a Namíbia, prejudica regiões de reserva
Primeiramente, nos últimos anos, com a crescente natural, mesmo com a existência de aparatos jurídicos
valorização e conservação de áreas naturais, que limitem a extensão e prolongamento da extração.
determinadas atividades econômicas vão ao encontro Nesse sentido, mesmo os Estados que não possuem sua
da preservação e desenvolvimento ambiental de forma economia e política voltados para a industrialização são
sustentável, mesmo que ainda não predominante. Por prejudicadas de forma direta e indireta.
exemplo, destaca-se o Programa de Gestão de Áreas Por fim, ainda que atividades direcionadas ao
Costeiras da África Ocidental que atua na região com desenvolvimento da costa africana sejam orientadas
a finalidade de conservação ambiental e preservação majoritariamente à industrialização e exploração de
do ecossistema local, diante da erosão costeira e maior recursos naturais, o aumento de medidas sustentáveis
risco de alagamento. Além disso, políticas ambientais aplicadas mitiga os riscos, mas não os cessa. Com isso,
também são voltadas a áreas turísticas como as “ilhas diante da constituição do panorama atual, uma agenda
verdes do Equador” (São Tomé e Príncipe) a fim de atrair de desenvolvimento sustentável pode ser crucial para o
investimentos e capital estrangeiro. equilíbrio político e econômico da região.

África Subsaariana: um campo em disputa - Boletim 168


Luísa Barbosa e Isadora Jacques

A África Subsaariana é uma região estratégica para


aa economia global, em função de sua dimensão,
localização geográfica e capacidade de exportação de
possível construção de uma base naval chinesa na costa
ocidental africana (Boletim 154).
Ainda, a França, com histórico colonial na
recursos energéticos. O território é alvo de políticas região, poderia favorecê-la através de políticas
de potências que almejam renovar, retomar ou ampliar para fornecimento de bens públicos, infraestrutura e
relações com o subcontinente. Em agosto de 2022, os redistribuição de riquezas, com a presidência francesa
Estados Unidos (EUA) anunciaram sua nova estratégia no Conselho da União Europeia em 2022. Isso, em um
para a região. A França, durante o primeiro mandato do contexto de impactos inflacionários sentidos desde a
Presidente Emmanuel Macron, enfatizou o estreitamento parte Oriental, com a alta de 245,1%, no Sudão, até a
dos laços com o continente. Ainda, o ministro de Relações Austral com o maior índice em 13 anos na África do Sul.
Exteriores da Rússia realizou visitas em julho de 2022, A Nigéria, maior economia subsaariana, também passa
buscando quebrar o isolamento diplomático do país por por uma crise de endividamento no setor de energia, uma
conta do conflito russo-ucraniano. Nesse contexto, como commodity essencial àquele país.
os países do subcontinente africano se posicionam quanto Portanto, pela existência de fragilidades e
aos interesses das potências exógenas à região? necessidades estruturais que possibilitam a
Em seu escopo, a U.S. Strategy Toward Sub-Saharan aproximação de atores externos, a África Subsaariana
Africa enfatiza mudanças na ordem internacional, é alvo de políticas, estratégias e interesses distintos por
citando a importância africana por seus blocos parte de potências externas, destacada sua importância
econômicos, recursos naturais e proporção de votos na político-estratégica, recursos naturais e contingente
Assembleia Geral das Nações Unidas. Ainda que de populacional. De modo geral, os países subsaarianos
maneira generalista e sem citar especificamente qualquer seguem com a diversificação de parceiros econômicos e
país, o documento realça políticas de recuperação para a neutralidade na competição EUA-China e no conflito
a COVID-19, impactos do conflito russo-ucraniano e russo-ucraniano. Espera-se que os países subsaarianos
recessão econômica global. Ademais, evidencia a disputa mantenham a neutralidade quanto às questões alheias
com China e Rússia na região. Essa competição dá-se à região e também que os posicionamentos, estratégias
em um cenário subsaariano de parcerias estratégicas com e projetos externos viabilizem a cooperação em prol do
companhias de segurança russas (Boletim 158 e 166) e a desenvolvimento africano.

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EUROPA
O protocolo da Irlanda do Norte e o seu impacto nas relações Reino Unido - União Europeia - Boletim 164
Guilherme Carvalho

O Reino Unido publicou planos no início deste


mês para mudar o Protocolo da Irlanda do Norte,
um instrumento político e legal destinado a manter as
Unido e seu país, reacendendo tensões políticas na região.
O que Londres pretende agora é estabelecer dois
corredores comerciais na região: um para bens que
fronteiras irlandesas abertas e evitar um possível retorno sejam unicamente destinados à Irlanda do Norte - que
à violência sectária pelo estabelecimento de uma não passariam por barreiras alfandegárias - e outro para
fronteira física na região. Com o anúncio por parte de bens destinados à República da Irlanda e UE, que teriam
Londres, Bruxelas ameaça agora levar o reino à Corte tais trâmites efetuados na própria República. Londres
Europeia de Justiça. Dessa maneira, como a mudança busca embasar esta mudança no Artigo 16 do Protocolo,
neste Protocolo pode afetar as relações entre o Reino que versa que seus signatários podem tomar medidas
Unido e a União Europeia (UE)? unilaterais caso os arranjos do próprio documento
Primeiramente, é necessário entender o que é o estejam causando sérios problemas sociais e econômicos
Protocolo em termos práticos e o que Londres pretende aos acordantes. Em resposta, a UE tem se movimentado:
mudar nele. Devido a regras sanitárias e tarifárias da UE, planos divulgados pela mídia vão desde o acionamento
arranjos específicos tornaram-se obrigatórios na Irlanda da Corte de Justiça Europeia, o estabelecimento de uma
do Norte, desde que tornou-se a única fronteira com fronteira física na República da Irlanda e até mesmo a
um país-membro da UE dentro do reino. O Protocolo exclusão do Acordo do Brexit, o que poderia até levar a
estabeleceu que diversos bens oriundos do Reino Unido uma guerra comercial.
à Irlanda do Norte e/ou a República da Irlanda devem É observável que o Protocolo estabelecido com o
passar pela alfândega já nos portos norte-irlandeses. Brexit não mais atende os anseios da Irlanda do Norte, e
Além disso, esses bens estariam sujeitos aos padrões acaba por pressionar o Reino Unido a tomar uma medida
tarifários e técnicos de Bruxelas, mesmo que destinados unilateral para a diminuição das tensões na região. Esta
apenas à Irlanda do Norte. Com isso, atualmente, setores medida, ainda que estabelecida no Artigo 16, implica uma
políticos proeminentes de Belfast protestam que este resposta da UE e possíveis atritos no relacionamento do
acordo impõe uma fronteira marítima entre o Reino Reino Unido com o bloco.

O papel da Península Ibérica na crise energética europeia - Boletim 170


Marina Autran

O fornecimento de gás natural é um dos principais


problemas atuais dos países europeus. A discussão
sobre usar a Península Ibérica como provedora
França. Em 2019, foi cancelado por não ser considerado
economicamente viável por reguladores franceses,
porém o projeto voltou para negociação em 2022, com
alternativa não é nova, mas tem ganhado força no último apoio diplomático do governo alemão. A criação do
mês, como consequência dos cortes de fornecimento novo gasoduto contribuiria para diminuir a dependência
da Gazprom após sanções contra a Rússia por conta do do gás russo, por conseguirem usar importações
conflito na Ucrânia. Sendo assim, analisa-se se a proposta ibéricas de GNL para abrandar a crise. No entanto, a
de criação de um novo gasoduto entre países ibéricos e França não vê a construção como uma boa solução
o resto da Europa é uma solução viável para a crise de a curto prazo para o problema. A criação de mais um
abastecimento atual. gasoduto iria contra os objetivos de descarbonização da
Os países ibéricos não são produtores de gás natural, Europa, preocupando o governo francês por conta das
porém seu sistema de fornecimento diversificado e fortes pressões ambientalistas. Mesmo superando esses
isolado os tornou um diferencial dentro da Europa, entraves, também poderia prejudicar os interesses da
sendo chamados de “ilha energética”. A rede energética indústria nuclear francesa.
espanhola é uma das mais seguras, com diversas rotas de Conclui-se que os países ibéricos devem fazer parte da
fornecimento e seis terminais de Gás Natural Liquefeito solução da questão energética europeia, porém, no curto
(GNL) em funcionamento. Já em Portugal, o principal prazo, a viabilidade é comprometida por discussões
destaque é o Porto de Sines, com um terminal GNL que políticas. Não apenas sua posição geográfica permite
movimenta cerca de 60% do gás natural consumido no novas possibilidades de fornecimento, assim como seu
país. Esse porto é a instalação europeia mais próxima modelo de diversificação contribui para uma Europa mais
dos Estados Unidos e do Canal do Panamá, tendo uma segura energeticamente. Entretanto, as objeções francesas
importância geoestratégica para o recebimento de ao novo gasoduto limitam o abrandamento da crise.
recursos energéticos das empresas americanas.
O gasoduto MidCat foi proposto inicialmente em
2013 pela operadora francesa Teréga, com o objetivo
de criar uma rota entre a Espanha e o leste europeu pela
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ORIENTE MÉDIO & NORTE DA ÁFRICA
A projeção regional iraniana: a influência na Guerra Civil do Iêmen - Boletim 159
Amanda Marini e Vitória França

O conflito no Iêmen é caracterizado por uma rede


complexa de atores e alianças. Dentro do país,
rivais de longa data disputam o controle de territórios
apoio a grupos paramilitares.
Nesse contexto, os laços entre Irã e houthis no
Iêmen cresceram substancialmente com transferências
estratégicos, campos petrolíferos e rotas marítimas de tecnologias, como drones, além de apoio político e a
importantes. A Arábia Saudita e o Irã são atores ativos, integração do grupo às suas redes globais de proliferação,
competindo pela liderança e segurança regional. A permitindo o envio de peças, equipamentos bélicos e
guerra iniciada em 2015 entre o grupo houthi, apoiado treinamento militar. A partir de 2016, o fornecimento
pelo Irã, e as Forças da Coalizão, lideradas pela Arábia de armamentos se intensificou consideravelmente,
Saudita, ditam o rumo do país (Boletim 154). Nesse fazendo com que os houthis tivessem maior força bélica
instável tabuleiro, o Irã é um ator fundamental, fazendo se comparados às Forças Armadas iemenitas, detendo
do conflito iemenita uma extensão de sua estratégia para mísseis balísticos e de cruzeiro. Concomitantemente,
ganhar espaço geopolítico no Oriente Médio. Assim, ao o ritmo dos ataques do grupo insurgente aumentou nos
entrar no oitavo ano da Guerra do Iêmen, como Teerã últimos 12 meses, sendo os principais alvos os Emirados
influencia o conflito? Árabes Unidos e a Arábia Saudita, rivais de Teerã.
A postura militar dos houthis na Guerra Civil Logo, compreende-se que o Irã influencia o conflito
modificou-se desde 2015, mas seu objetivo político no Iêmen por meio do apoio político e envio de armas.
permaneceu constante: obter reconhecimento A aquisição desses drones e mísseis pelos houthis tem,
internacional. Paralelamente, nos últimos anos, o Irã portanto, um grande impacto no equilíbrio das forças
recorreu cada vez mais à guerra irregular como um regionais e consagra o cerco da Arábia Saudita e seus
meio de expandir sua influência e aumentar a projeção parceiros regionais pelo Irã e pela constelação de atores
regional. Em vez de realizar ataques diretamente contra não estatais apoiados pelo país.
seus adversários, o país opera indiretamente por meio de

No palco do Mediterrâneo Oriental: Líbano vs. Israel - Boletim 170


Vitória França

O ano de 2022 tem sido marcado pelo avanço de


um acordo marítimo e pelo acirramento das
relações entre Líbano e Israel. Beirute e Tel Aviv estão
Porém, as relações entre os países vêm se acirrando
novamente, e se acumulando sobre um passado de
guerras. Em julho, argumentando a “defesa dos interesses
em negociações indiretas, mediadas pelos Estados libaneses”, o Hezbollah enviou três drones a Karish - que
Unidos, para demarcação de suas fronteiras desde que historicamente ficou fora da fronteira reivindicada pelo
foram descobertas reservas de gás natural offshore no Líbano, mas que nos últimos anos Beirute argumenta
Mediterrâneo Oriental no início dos anos 2010. Nesse estar parcialmente dentro de seu território.
contexto, é importante analisar as circunstâncias atuais Um dos principais obstáculos para conquistar um
do devido acordo, mas sem ignorar as relações históricas acordo estável gira em torno dos interesses de ambos os
que o limitariam. países. O Estado libanês vem sofrendo com uma crise
Israel e Líbano têm interesse mútuo em resolver política e econômica sem precedentes. Além disso, as
sua disputa de fronteira marítima. Considerando os negociações com o vizinho são politicamente sensíveis,
benefícios econômicos e as implicações geopolíticas, a já que Beirute não reconhece a soberania de Israel. No
definição do espaço marítimo entre Israel e Líbano não lado israelense, o governo do atual Primeiro-Ministro,
pode ser subestimada. Para Tel Aviv, o desenvolvimento Yair Lapid, enfrenta dificuldades em chegar a um acordo
do campo offshore Karish chega em um momento com Beirute e, por conseguinte, com o Hezbollah, uma
oportuno, uma vez que pretende expandir seu mercado vez que o governo de Israel argumenta que tal decisão
de gás à Europa. Para Beirute, as perspectivas são menos deve ser aprovada por um referendo público. Além
nítidas, uma vez que demoraria pelo menos meia década disso, mesmo com um acordo, há a possibilidade de a
para que desenvolvesse sua infraestrutura, mas ainda há localização das plataformas ser definida a uma curta
oportunidade de obter ganhos advindos dos campos de distância, mantendo as tensões.
gás. Paralelo a isso, não se pode negar que a disputa é o O momento histórico de busca por novos fornecedores
principal motivo que levou empresas petrolíferas como a de energia no mercado cria espaço para que o acordo
Total, da França e a italiana Eni, a contribuir para alcançar marítimo possa de fato acontecer. Mesmo assim, tal
um acordo libanês-israelense, visto como prérequisito negociação estaria longe de ser um tratado de paz, devido
para operar livremente nos blocos de gás na região. à falta de apoio por vários atores e segmentos envolvidos.

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RÚSSIA & EX-URSS
Novos desafios ao flanco ocidental russo a partir de Kaliningrado - Boletim 165
Luiza G. Guitarrari

A região báltica é uma das principais áreas de tensão


aentre Rússia e Europa. A vulnerabilidade do
flanco ocidental russo, no entanto, tornou-se evidente
Em 17 de junho, a Lituânia anunciou que sua
companhia ferroviária estatal, a Lithuanian Railways, iria
bloquear os trens contendo mercadorias sancionadas para
após a dissolução da União Soviética e ao subsequente Kaliningrado (em sua maioria, materiais de construção,
processo de independência dos países bálticos, expondo como aço e cimento). Segundo o governador da região,
o Distrito Militar Ocidental da Rússia a novos desafios Anton Alikhanov, ainda que o escoamento desses bens
de Segurança e Defesa. Nesse sentido, o atual conflito por via aérea e marítima não tenha sido afetado, os
na Ucrânia contribui para a crescente instabilidade produtos sancionados podem corresponder a quase 50%
instaurada no norte europeu, onde recentemente a das importações do enclave. Em contraponto, a Rússia
Lituânia impôs restrições ao escoamento de mercadorias poderia vir a retaliar a partir da esfera econômica,
para Kaliningrado. Diante disso, quais as reações mais especificamente pelo segmento energético. Sua
prováveis de atuação do Kremlin na região? movimentação pode restringir o fornecimento de gás
Cercado por Estados-membros da União Europeia pelo Gasoduto Minsk-Vilnius-Kaunas-Kaliningrado e
(UE) e da OTAN e distando 1.300 km de Moscou, o manipular o fluxo de eletricidade nos países bálticos pelo
enclave de Kaliningrado é considerado um ponto de sistema BRELL — rede elétrica comum entre Belarus,
apoio estratégico do Estado russo. Capaz de garantir seus Rússia, Estônia, Letônia e Lituânia.
interesses no Mar Báltico, além de abrigar a Esquadra Portanto, estando Kaliningrado cercado por países
do Báltico, o enclave contribui para a defesa antiaérea hostis à Rússia e por defrontar-se com seu Distrito Militar
e a dissuasão naval, estando guarnecido com sistemas Ocidental, as ações russas terão por primazia salvaguardar
de mísseis antiaéreo como o S-400 e mísseis balísticos sua soberania territorial e evitar um confronto militar
como o Iskander-M. No âmbito econômico, Kaliningrado direto com países da OTAN. Desse modo, inicialmente,
recebe suas mercadorias diretamente da Rússia por Moscou pode continuar utilizando a energia como meio
meio de ferrovias e estradas que perpassam primeiro o coercitivo (arma geopolítica) na região enquanto aguarda
território bielorrusso e depois o lituano, onde divisam, por novas negociações junto à UE, almejando isentar o
junto à Polônia, o Corredor Suwalki (Boletim 106). enclave russo das sanções.

O cenário geopolítico russo à luz da nova doutrina naval russa - Boletim 168
Pedro Mendes Martins

D urante seu discurso no Dia da Marinha, em 31 de


julho, o Presidente russo, Vladimir Putin, anunciou
a publicação da nova doutrina naval da Federação
exercícios dessa organização em águas adjacentes ao seu
território.
Para além das tensões acirradas com o Ocidente, o
Russa. Substituindo a versão de 2015, o atual documento novo documento também elenca prioridades regionais.
reflete as mudanças pelas quais o cenário geopolítico No Ártico, é o desenvolvimento da “Northern Sea
internacional passou nesses últimos 7 anos vis-à-vis Route” — uma via marítima que passa pelo Ártico
o país. Nesse sentido, como a doutrina naval russa se russo — como uma rota aberta o ano todo, bem como
insere no atual contexto geopolítico global? o fortalecimento das esquadras do Norte e do Pacífico.
Entre o documento de junho de 2015 e o atual, os laços No Pacífico, as prioridades envolvem integrar o
de Moscou com o Ocidente pioraram sensivelmente, Extremo Oriente russo com a porção europeia do país
sobretudo quando se consideram as relações com e com o espaço econômico da Ásia Pacífico. No Índico,
os Estados Unidos. Naquela ocasião, os eventos da estabelece-se como prioridade o fortalecimento de
Euromaidan haviam se estabilizado e, ao mesmo tempo, relações com a Arábia Saudita, Índia, Iraque e Irã, bem
a política externa russa havia se tornado mais proativa como a preservação e manutenção de uma presença
para além do entorno estratégico, uma vez que a naval da Rússia no Golfo Pérsico na forma de pontos de
participação russa na Guerra Civil Síria começaria em apoio logístico no Mar Vermelho e no Oceano Índico,
setembro de 2015. Por seu turno, o documento atual além da ilusão da infraestrutura dos Estados da região no
vem na esteira do início das hostilidades entre Moscou interesse de apoiar atividades navais da Federação Russa
e Kiev. Refletindo essa deterioração das relações entre na região.
Rússia e Ocidente e a assertividade da política externa Nesse âmbito, pode-se perceber que a doutrina naval
russa, a atual doutrina naval considera que exista uma russa está inserida em um contexto global de deterioração
“política de contenção da Rússia” por parte dos Estados das relações do país com o Ocidente e, portanto, também
Unidos e seus aliados, bem como considera uma ameaça acaba por se conectar à busca por maior assertividade de
a expansão da OTAN em direção às fronteiras russas e sua política externa do país no cenário internacional.

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LESTE ASIÁTICO

O novo orçamento de defesa japonês e dinâmica regional - Boletim 154


Thomas Placido

A pós o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945,


pela primeira vez, a constituição japonesa foi
modificada e adaptada ao viés pacifista pelas forças de
investimento na área de defesa. Segundo o jornal Asahi
Shimbun, o orçamento em defesa nos últimos seis anos
é 3.4 vezes maior do que o setor público e 4.8 vezes em
ocupação dos Estados Unidos. Promulgada em 1947 relação à ciência e educação, mas fica responsável por
pelo então Imperador Hirohito, a Carta Magna apresenta, apenas 3% do total do setor de P&D doméstico.
em seu artigo 9°, a renúncia incondicional à guerra pelo No ano de 2021, a vizinhança da nação nipônica se
Estado japonês, o que marcou notoriamente a política provou instável, principalmente em relação aos programas
de financiamento militar nipônico nos anos seguintes. de mísseis norte-coreanos e ao crescente arsenal chinês.
Entretanto, a dependência pelos aliados estadunidenses Segundo o think tank Missile Defense Project, a China
e os crescentes atritos na região da Ásia-Pacífico possui “o programa de mísseis mais ativo e diversificado
intensificaram o debate sobre o papel das Forças de do mundo”, enquanto a Coreia do Norte prossegue com
Autodefesa do Japão, influenciado principalmente por testes hipersônicos. Tal ambiente, permeado por novas
líderes do Partido Liberal Democrático (PLD). Diante tecnologias militares, urge que os países reforcem suas
disso, quais elementos têm incentivado mudanças na defesas e alianças, mesmo que signifique – no caso
postura desse país considerado pacifista? japonês – uma mudança drástica contra o principal artigo
Com a ascensão de Fumio Kishida como Primeiro- da Constituição.
Ministro em 2021, o governo japonês seguirá uma linha Ademais, os desafios na região se provam capazes de
semelhante aos antecessores no âmbito da segurança modificar peças importantes no tabuleiro internacional,
nacional. O premiê afirmou que o fortalecimento das que podem projetar o Japão como uma nova presença
capacidades defensivas da nação segue como uma militar na contenção de potenciais agressores. Portanto,
prioridade, fato evidenciado em dezembro de 2021 após essa nova fase geopolítica provavelmente exigirá um
a aprovação do ano fiscal 2022 no valor de US $47.2 maior uso da força militar, logo, mais dinâmicas de
bilhões. Não à toa, considerado o décimo aumento equilíbrio de poder. O Japão tem buscado se posicionar
seguido na área militar, o orçamento equivale a 1,09% nesse cenário, mesmo que isso demande revisões em sua
do PIB japonês, ultrapassando a marca de 1% de postura histórica e constitucional.

Todos os olhos no Estreito de Taiwan - Boletim 168


Guilherme Carneiro

N o início de agosto, todos os olhos se voltaram ao


Estreito de Taiwan. A Presidente da Câmara dos
Deputados dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, fez uma
bloqueio a Taiwan.
Ao término dos exercícios militares, Pequim publicou
um novo white paper sobre Taipei, o terceiro desde
breve passagem por Taiwan durante sua viagem à Ásia. A 1993. O documento traz a reunificação da ilha como uma
ida gerou um dos maiores e mais coordenados exercícios prioridade para o país e, ainda que priorize um processo
militares que a China continental já realizou no Estreito pacífico, não descarta o uso da força. As justificativas
e no entorno da ilha, além da publicação de um white de unidade baseiam-se nas relações históricas entre
paper chinês que traz como objeto principal o desejo continente e ilha, que somente juntos conseguiriam evitar
de reunificação. Dessa forma, o presente texto busca invasões estrangeiras a Taiwan. Apesar de não haver
analisar as consequências que a passagem da Presidente grande mudança semântica entre o documento mais atual
da Câmara desencadeou para Pequim e Taipei. e os anteriores, há o indicativo de que a ilha poderia vir a
Após a saída de Pelosi da ilha, Pequim mobilizou em ter menos autonomia.
tempo recorde um dos maiores e mais bem coordenados Observando o cenário internacional, é pouco
exercícios militares na região. Já era esperada uma provável que a China tome alguma medida mais drástica
reação chinesa, mas os últimos exercícios demonstraram em relação a Taiwan, entretanto, a passagem de Pelosi
de forma clara como seria um possível processo de deixou sequelas. O que deveria ser um ato de intimidação
reunificação da ilha à China continental. Em quatro dias, à China se tornou uma perfeita oportunidade para o país
o Exército de Libertação Popular integrou todas as suas projetar seu poder sobre a ilha, mudar as relações na
forças armadas, lançando mísseis balísticos diretamente região e realçar as vulnerabilidades de Taipei, sendo a
sobre Taiwan, mandando aeronaves próximas à zona aérea principal, sua proximidade com o continente. Deste
da ilha e com embarcações que cruzaram o mediano que modo, o que ditará a escalada, ou não, das ações chinesas
dividia o Estreito, realizando seus exercícios navais mais no Estreito, será a extensão das interações entre Taiwan e
próximos às águas territoriais de Taipei. A mensagem foi demais membros da comunidade internacional.
bastante clara: A China está preparada e pode realizar um
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SUL DA ÁSIA
Um ano no poder: o Talibã e os desafios no Afeganistão - Boletim 168
Gabriela Santos e Iasmin Gabriele Nascimento

N o decorrer dos últimos meses, a atenção de


especialistas em segurança internacional, direitos
humanos e política externa estiveram voltados para o
armados tenham diminuído significativamente nos
últimos meses, confrontos pontuais com outros grupos
jihadistas e disputas internas entre facções permanecem.
Afeganistão: no dia 15 de agosto de 2021, Cabul, capital Um dos aspectos mais notáveis da administração
do país sul asiático, foi retomada pelo Talibã, conforme tem sido o aumento da violência contra a resistência
abordado ostensivamente no (Boletim 147). Um ano pacífica. Embora o Talibã tenha prometido medidas
após a tomada do poder pelo grupo e da saída das tropas destinadas a proteger determinados direitos sociais,
estadunidenses do território afegão, cabe refletir sobre o as autoridades vêm intensificando punições contra
impacto do momento histórico tanto para o Afeganistão ativistas e opositores. As violações de direitos humanos
quanto para outros atores envolvidos no conflito. relatadas nos últimos meses recaem, principalmente,
Um dos maiores prejuízos para o país, sem dúvidas, foi sobre mulheres, jornalistas e educadores que se opõem
o dano humano – uma parcela significativa da população às políticas regressivas do atual governo. Similarmente,
enfrenta hoje situações de vulnerabilidade econômica, o declínio na qualidade de vida das mulheres também
agravadas pelas sanções que o país sofreu e a incapacidade marca a atuação do regime, com a implementação de
do grupo extremista em gerir a economia nacional. restrições aos direitos de locomoção, acesso à educação
Para os Estados Unidos, por outro lado, a retirada de e ao local de trabalho, afetando milhões de afegãs.
suas tropas acarretou críticas à gestão de Joseph Biden Em que pesem as objeções e denúncias da comunidade
e pôs em xeque a qualidade da articulação das Forças internacional, o ano desde que o Talibã voltou ao poder
estadunidenses no território afegão, especialmente pela tem sido moldado pela ampliação de seu domínio no país.
desorganização durante o processo de saída. No entanto, o isolamento diplomático, os retrocessos
Bilhões de dólares em armas e equipamentos militares em políticas de direitos humanos e a continuidade da
deixados para trás pelas tropas estadunidenses deram ao derrocada econômica contrapõem-se à melhora no
Talibã a vantagem sobre as células remanescentes de contexto geral de segurança. São evidentes as múltiplas
resistência armada, e ainda garantiram um enrijecimento facetas da crise que o Afeganistão enfrenta, e ainda não
de seu controle territorial. Entretanto, embora os conflitos há nada estável ou seguro sobre a situação.

A Crise Econômica do Sri Lanka - Boletim 171


Eduardo Mangueira

E m setembro de 2022, a economia do Sri Lanka


chegou ao pior patamar desde a independência do
país em 1948. A desvalorização da Rúpia e a inflação de
dentre os quais destaca-se a falta de apoio externo
durante a pandemia da COVID-19, que somou-se à
diminuição drástica do turismo, do qual a economia
mais de 70% culminaram em uma crise humanitária que do país dependia. Sem grandes reservas de moeda
leva o governo a tomar medidas drásticas internamente estrangeira, necessárias para o pagamento de suas dívidas
e a pedir por ajuda externa. Sendo assim, quais são as externas, o Sri Lanka sofreu com a falta de alimentos
origens desta crise, e quais serão as consequências de tal e combustível, levando a protestos que culminaram na
movimentação para o futuro do país? renúncia do Presidente, Gotabaya Rajapaksa, que fugiu
O país insular ocupa uma posição importante no para Cingapura após manifestantes atearem fogo sobre
Oceano Índico: localizado ao Sul da Índia, está entre sua residência. De maneira a contornar esta situação, o
o Mar Arábico e a Baía de Bengala, oferecendo um país assinou, no início de setembro, um acordo com o
ponto de suma importância para a projeção na região. FMI, que garantiria US$ 2,9 bilhões em empréstimos,
De acordo com dados do Fundo Monetário Internacional contanto que seus devedores assintam à reestruturação e
(FMI), China, Índia e Japão são seus principais credores. ao refinanciamento das dívidas.
A China é uma parceira tradicional que ofereceu Esta crise, que atinge proporções catastróficas,
empréstimos para diversos projetos de infraestrutura e apresenta para as potências regionais uma oportunidade.
com uma licença para o uso do porto de Hambantota. Espera-se que o envio de ajuda e o alívio de dívidas leve
A Índia, por sua vez, cedeu um total de US$ 7 bilhões ao aprofundamento da relação de dependência com esses
em empréstimos, mas algumas políticas de pressão sobre países sem necessariamente incutir opinião popular
o governo cingalês foram altamente impopulares. A desfavorável. Assim, será necessária para o Sri Lanka
presença japonesa no Oceano Índico é mais tímida, mas a capacidade de manobrar por esse cenário, procurando
vem crescendo no campo marítimo. evitar tal dependência no médio prazo e recuperar-se da
A crise no Sri Lanka se deve a inúmeros fatores, crise pela qual passa.

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SUDESTE ASIÁTICO & OCEANIA
A China nas Ilhas Salomão: ameaça à segurança no Pacífico? - Boletim 159
Thayná Fernandes e Filipe Porto

E m março último, outro movimento marcou as


atensões entre Austrália e China: junto às Ilhas
Salomão, Pequim negocia um Acordo de Segurança que
ocidental” na região. Nos últimos anos, a Austrália vem
buscando estreitar relações com as nações insulares para
conter a influência chinesa e, no caso das ilhas Salomão,
lhe permitiria empregar forças militares para proteger além do apoio tradicional, o país pretende investir US$
seus projetos e cidadãos nas ilhas; fazer passagens com 45 milhões no país (2021 a 2027). Ainda, não por acaso,
navios, escalas e realizar abastecimento logístico. Em o Acordo Quadrilateral de Segurança (QUAD, sigla em
contrapartida, o governo salomonense poderia solicitar inglês) foi reativado e a construção do submarino de
apoio chinês em ações de garantia da Lei e da Ordem. propulsão nuclear australiano com apoio estadunidense
O rascunho da proposta foi “vazado” nas redes sociais e e britânico (AUKUS, siga em inglês) foi firmada. Em
causou preocupação nas nações do entorno, especialmente contrapartida, é logisticamente vantajoso para a China
as alinhadas ao Ocidente. Nesse sentido, caso seja estar presente no arquipélago em questão, pois acessaria
oficializado, o que tal acordo poderia representar no jogo com maior facilidade suas bases na Antártica, sem
de influências do Pacífico? precisar do apoio da Austrália.
Em primeiro lugar, reforça a maior influência da Por último, outro aspecto de tensão é a segurança
China em relação à Taiwan: após 36 anos de relações das linhas de comunicação marítima: diversas empresas
diplomáticas estáveis, em setembro de 2019, mesmo chinesas desenvolvem projetos tecnológicos de alto nível
com promessas de investimentos australianos e que ligam as ilhas às regiões altamente industrializadas,
estadunidenses, as Ilhas Salomão romperam os vínculos aumentando as tensões com Canberra, que em 2017
com Taipei, passando a reconhecer apenas Pequim. contrapôs a oferta da Huawei para a construção de cabos
A grande diáspora chinesa no país, a proximidade submarinos no país. Em suma, a grande preocupação
de Guadalcanal com a província de Guangdong e a das potências aliadas, como Austrália, Estados Unidos e
China como principal parceiro comercial — somou Nova Zelândia é a construção de uma base naval chinesa
US$ 40 milhões em importações das Ilhas em 2021, nas Ilhas Salomão. Essas nações somam esforços para a
crescimento de 115%, além de diversos investimentos contenção de Pequim, que parece arriscar a tradição de
—, influenciaram nesta decisão. sua política externa orientada pelos cinco princípios da
Em segundo lugar, demonstra a crescente preocupação coexistência pacífica.
com um “estrangulamento” ao “eixo de segurança
Filipinas amplia sua capacidade de comunicação no Mar do Sul da China: o que isso demonstra? Boletim 163
Matheus Bruno Pereira

N o mês de maio a Guarda Costeira das Filipinas


(PCG, sigla em inglês) instalou cinco bóias de
navegação na região de Kalayaan, nas Ilhas Spratly. No
(incluindo navios), vem sendo realizado nos últimos
anos de forma constante, e o programa de modernização
continua sendo realizado.
mesmo período, três postos avançados foram instalados O movimento poderia ser interpretado apenas como
em três ilhas locais para monitorar o tráfego de navios, uma reação a uma ação (a incursão de navios chineses),
sendo o maior destacamento da PCG na região. Esses sustentando a ideia de uma medida afoita de Manila em
fatos demonstram mais uma ação filipina em prol de conseguir uma capacidade dissuasória contra Pequim e
suas reivindicações territoriais. Conforme descrito pelo catch up com outros países da região, como o Vietnã.
comandante da instituição: "estamos reivindicando o que Porém, a busca pela expansão da capacidade de vigilância
é nosso. Essa é a mensagem passada, uma mensagem na área disputada com a China e Vietnã demonstra um
firme de que o que é nosso, será nosso". O que esse nível maior de comedimento do que geralmente se é
acontecimento pode demonstrar em termos estratégicos descrito.
para o país? O livro branco das Filipinas, com sua versão
As Filipinas sofrem constantes incursões de navios disponível de 2012, demonstra tal pragmatismo:
chineses, sejam militares, da guarda costeira ou uma marinha capaz de executar patrulha, dissuasão e
pesqueiros. Talvez o país seja o exemplo mais recorrente reivindicação do país, bem como o desenvolvimento de
de vulnerabilidade em artigos e trabalhos sobre o tema, infraestruturas de segurança em ilhas ocupadas, visando
dada as condições de obsolescência de sua esquadra e, reforçar a posição filipina. Somado a esses objetivos, a
consequentemente, sua capacidade de ação. Contudo, constituição de um meio de comunicação moderno capaz
o programa de modernização das FFAAs filipinas de fornecer dados cruciais de forma rápida e prática para
foi lançado no final de 2012, após o impasse do atol a tomada de decisão. Pode ser observado, portanto, que
Scarborough. Houve a diminuição de orçamento devido ao contrário do que pode parecer, Manila possui objetivos
à pandemia, com aquisições sendo realizadas em menor estratégicos bem delineados que, embora sofram reveses
escala. em função dos acontecimentos ao longo dos anos, estão
Porém, o comissionamento de novos equipamentos sendo firmemente colocados em prática.
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ÁRTICO & ANTÁRTICA
A Rússia e o poder pesqueiro na geopolítica polar - Boletim 159
Gabriele Hernandez e Raphaella Costa

A pesar de se localizarem em polos opostos do


planeta, tanto a Antártica quanto o Ártico possuem
estoques relevantes de recursos marinhos vivos em suas
economia norueguesa.
Enquanto isso, na Antártica, a atividade pesqueira
lida com procedimentos diferentes. A Convenção sobre
águas. A gestão da pesca é um dos pontos fulcrais na a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos,
discussão de ambas as regiões ao lidarem com o controle formada por 25 Estados-membros e a União Europeia,
e o limite efetivos da produção comercial. A Rússia, é o órgão responsável por definir as áreas protegidas
enquanto um ator proeminente na geopolítica polar e com de pesca no mar austral e garantir a preservação do
interesses sólidos em seus recursos marinhos, preocupa continente. Os interesses pesqueiros russos na região
os países envolvidos em ambas as regiões, cuja dúvida são um dos principais fatores para que a construção de
é: a movimentação entre os Estados em relação à Rússia novos santuários de conservação seja vetada, além de
seria capaz de afetar o equilíbrio de poder nos polos? denúncias de pesca ilegal em áreas protegidas. Com o
No Ártico, os reflexos do conflito na Ucrânia são conflito, a possibilidade de sanções à Rússia pode afetar
sentidos no setor pesqueiro. O debate nacional norueguês a cooperação entre os Estados presentes na Antártica e
ressalta a importância do reforço de sanções a Moscou, fragilizar ainda mais as negociações regionais.
incluindo o impedimento de que navios russos atraquem Colocar empecilhos à Rússia nos polos expõe a
em seus portos, aderindo à decisão tomada pela União vulnerabilidade dos sistemas de governança polar,
Europeia nas últimas semanas. No entanto, este bloqueio ao hostilizar um dos países com maior capacidade de
não significaria a interrupção imediata da colaboração navegação, presença e recursos em ambos os sistemas.
pesqueira com a Rússia, o que coloca a Noruega em A cooperação entre Estados na Antártica seria impactada,
uma encruzilhada. Desde 1976, os países cooperam tornando as negociações mais frágeis e podendo abrir
oficialmente nesse setor a partir da criação da Comissão precedentes para que Moscou justifique uma postura
Conjunta Norueguesa-Russa da Pesca. Apesar de Oslo mais agressiva regionalmente. No Ártico, o prejuízo seria
considerar a importância política da possível adoção de majoritariamente financeiro, já que possíveis sanções
uma sanção a Moscou no Ártico, este bloqueio também poderiam afetar um dos principais setores econômicos da
poderia vir a afetar um dos principais setores motores da região.

O tripé estratégico polar argentino e o avanço nas relações com o Brasil - Boletim 168
Gabriela Paulucci Hora Viana

A s Ilhas Malvinas e a Zona de Paz e Cooperação


ado Atlântico Sul (ZOPACAS) tangenciam um
dos principais elementos estratégicos para a Argentina
cooperação e diálogo entre as nações soberanas lindeiras
ao Atlântico Sul e que o Brasil muito valoriza.
Buscando assegurar a continuidade da sua
e impactam diretamente em sua influência no Atlântico reivindicação de soberania, a ciência argentina vem
Sul. Ao mesmo tempo, o Brasil também possui estes alcançando novos passos. Sob o contexto do Atlântico
elementos como fundamentais em sua política externa, Sul e da Antártica, tecnologia e ciência são sinônimos
ainda que indiretamente. Ambos os países possuem uma de soberania. Ao mesmo tempo, no caso do sexto
presença ativa e estratégica no Atlântico Sul. Nesse continente, a acumulação de conhecimento, impulsionada
sentido, o último 16 de agosto ficou marcado pela visita por investimentos contínuos, são capazes de assegurar
do secretário de Malvinas, Antártica e Atlântico Sul da vantagens comparativas para uma possível revisão do
Argentina, Guillermo Carmona, a Brasília. O secretário Tratado Antártico no futuro. Sabendo disso, no início do
ressaltou que a região é um tripé estratégico para o país. mês de agosto, mais três novos laboratórios argentinos
Decerto, estes pilares são fortalecidos com o apoio foram anunciados e serão construídos nas bases Orcadas,
brasileiro sob a reivindicação de soberania argentina nas Esperanza e San Martin e nos refúgios Vega e Cerro
Ilhas Malvinas. Nevado, próximos à base de Marambio.
A relevância dessa visita se faz presente ao passo Estes movimentos de busca por parcerias estratégicas
em que as tensões nas citadas Ilhas voltaram à tona, e redes de apoio no território sul-americano são
especialmente com a assinatura de um acordo entre importantes e ilustram o bom relacionamento bilateral
Argentina e China, em fevereiro deste ano. À época, Brasil-Argentina. É importante relembrar que o Brasil
a China reafirmou seu apoio à reivindicação argentina tem apoiado a reivindicação argentina de soberania sobre
às Malvinas (Boletim 161). É neste sentido que a visita as Ilhas Malvinas. Uma expectativa para uma possível
de Carmona intencionou apoio para a reativação do reativação da ZOPACAS ilustraria um avanço nas relações
mecanismo ZOPACAS e reforçou o anseio argentino destes dois atores chaves no Atlântico Sul e, mais do que
de maior cooperação regional com o Brasil. Ainda que nunca, esse movimento estratégico impacta nas dinâmicas
em latência, tal mecanismo é um importante fórum de geopolíticas do tabuleiro antártico e sul-atlântico.
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TEMAS ESPECIAIS

A ameaça dos ataques cibernéticos a infraestruturas críticas - Boletim 156


Raquel Spiri

D entre as modernas formas de ataques a infraestruturas


críticas, os ataques cibernéticos se destacam
entre os usuários mal-intencionados, pela dificuldade
Além da SPO, a Transnet sofreu, em julho de 2021,
com um ataque de ransomware nos seus terminais na
África do Sul, atingindo os portos de Durban, Cidade do
de atribuição de responsabilidade. Uma das maiores Cabo, Port Elizabeth e o Porto de Ngquara. O ataque às
operadoras de serviços marítimos do mundo, a Swire máquinas dificultou o carregamento e descarregamento
Pacific Offshore (SPO), reportou, em novembro de 2021, de contêineres que, por força maior, tiveram de parar seu
um incidente envolvendo um ataque cibernético aos seus funcionamento até a normalização das estruturas. A parada
sistemas. A invasão ocorreu através de um ramsomware das atividades acarretou prejuízos para os portos, seus
que atingiu diversas informações sensíveis da companhia funcionários e para os consumidores que aguardavam os
e pode ter afetado suas operações em até 18 países. Pode- descarregamentos. Infraestruturas marítimas e portuárias
se dizer que houve um crescimento da digitalização de não são as únicas expostas aos ransomwares: em maio
infraestruturas críticas nas últimas décadas. de 2021 um dos principais oleodutos dos Estados Unidos
De acordo com relatório divulgado pela KnowBe4, também sofreu esse tipo de ataque (Boletim 139).
empresa de segurança digital da África do Sul, ataques Como se vê, os ataques a infraestruturas críticas
envolvendo ransomwares a infraestruturas críticas se são apenas umas das maneiras que a insegurança
mantiveram altos nos últimos anos. A KnowBe4 ainda cibernética pode se manifestar. A vulnerabilidade
apontou que este tipo de ataque deve ser recorrente destes sistemas, quando exploradas, podem acarretar na
enquanto não houver investimentos robustos em segurança interrupção de serviços fundamentais. Portanto, percebe-
digital. Os ransomwares são tipos mais elaborados de se a necessidade cada vez maior de investimento em
malwares que, ao contaminar uma máquina, criptografa infraestruturas tecnológicas modernas, em segurança
todos seus registros e suas informações. Neste tipo de digital e no treinamento e preparo dos funcionários na
ataque, os usuários mal-intencionados mantêm esses medida em que a digitalização das infraestruturas críticas
dados como “reféns” até o pagamento de um resgate. é crescente e inevitável.

Desdobramentos marítimos do conflito na Ucrânia - Boletim 158


Victor Gaspar Filho

D e quais maneiras podemos observar que a crise na


Ucrânia impacta o comércio marítimo internacional?
Com acesso ao Mar de Azov fechado pela Rússia em 24
russos e ucranianos estão tendo suas entradas negadas
pelo receio de que eles estendam suas estadias além
do tempo estipulado em seus vistos. Ainda que com
de fevereiro, quando a invasão se iniciou, e com a Ucrânia documentos válidos, muitos estão sendo obrigados a
desativando seus portos no dia seguinte, a Organização permanecer nas embarcações.
Marítima Internacional (IMO, em inglês) agendou uma Vale destacar ainda que mais de 10,5% da tripulação
sessão extraordinária para 10 e 11 de março. Seu Conselho mercante do mundo é russa (198.123 profissionais),
tratou dos impactos da invasão russa nas embarcações e enquanto 4% (76.442) é ucraniana. Considerando os
tripulações presentes na região em conflito. portos russos e ucranianos fechados, a navegação limitada
Nos navios presentes em águas ucranianas (cerca pelos mares Negro e de Azov, impedimentos ao voo de
de 140), há mais de mil marinheiros. As embarcações e empresas aéreas russas (impossibilitando o traslado
tripulantes não abandonam o local pelo risco de serem até os portos) e os boicotes de empresas internacionais
atingidos por projéteis ou mesmo de encostarem em à Rússia, o desfalque no setor mercante pode atingir
minas marítimas. Outro agravante é a falta de práticos patamares críticos pela impossibilidade de embarque e
que conduzam os navios atualmente. Pelo menos cinco desembarque de pessoal.
dos navios sofreram algum tipo de avaria decorrente do Com boicotes, operadoras, que representam mais
conflito e houve a morte de um marinheiro de Bangladesh de 62% do transporte de carga marítima internacional,
no dia 03 de março. suspenderam as atividades na Rússia. Ademais, à alta
O comunicado final da reunião da IMO estipulou dos preços de combustíveis e das commodities, soma-
medidas para amenizar o impacto nas tripulações e seus se a elevação dos fretes marítimos: para navios-tanque,
familiares. Procuraram promover a evacuação segura ela chega a 591%. Impactos diretos sentidos pela falta
dos navios com a criação de corredores humanitários e de exportações russo-ucranianas são mais evidentes
marítimos, ainda sem sucesso. Há também preocupação nos setores agrícola, metalúrgico e energético, mas
para que esses marinheiros consigam acesso a seus salários desdobramentos em outros segmentos serão observados
e a uma recepção pragmática de documentos expirados com o comprometimento do setor mercante internacional.
por parte das alfândegas. Em outros países, marinheiros

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ARTIGOS SELECIONADOS & NOTÍCIAS DE DEFESA
Top 10 artigos indicados em 2022

► ‘Global Britain’ and the Black Sea region


COUNCIL ON GEOSTRATEGY, Alexander Lanoszka, James Rogers

► Russia’s War in Ukraine: Identity, History, and Conflict


CSIS, Jeffrey Mankoff

► The Pillars Necessary for a Strong Domestic Semiconductor Industry


CSIS, Charles Wessner, Sujai Shivakumar, Thomas Howell

► The protean pact: Reading the tea leaves of the 2022 Quad Summit
COUNCIL ON GEOSTRATEGY, Philip Shetler-Jones

► Catapulting China’s Carrier Capabilities


IISS, Douglas Barrie e Nick Childs

► Evolving Japan–NATO Relations in the Leadup to the Madrid Summit


RUSI, Wrenn Yennie Lindgren e Per Erik Solli

► India's submarine plans hit by dwindling fleet as Navy decommissions INS Sindhudhvaj
THE PRINT, Snehesh Alex Philip

► Is Nuclear War Inevitable?


PROJECT SYNDICATE, Joseph S. Nye, Jr

► Israel's new Iran strategy complicates regional security


MEI@75, Gawdat Bahgat e Abdolrasool Divsallar

► France can help Albanese fix AUKUS


THE INTERPRETER, Alan J. Kuperman

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CALENDÁRIO GEOCORRENTE
Por: Vitória França
Clique nas caixas para acessar os links referentes:

BOLETINS ESPECIAIS 2022


FEVEREIRO JUNHO JULHO

MAR NEGRO GOLFO DA GUINÉ GOLFO PÉRSICO

AGOSTO SETEMBRO OUTUBRO

NATO STRATEGIC MAR NEGRO: 77ª AGNU


CONCEPT 6 MESES DE CONFLITO

EVENTOS EM 2023

JANEIRO FEVEREIRO MAIO JUNHO JUNHO

BRASIL NIGÉRIA ESPANHA TURQUIA ECOSOC


POSSE DO FÓRUM
PRESIDENTE ELEIÇÕES ELEIÇÕES ELEIÇÕES ECONÔMICO
PRESIDENCIAIS GERAIS PRESIDENCIAIS E SOCIAL DAS
ELEITO NAÇÕES UNIDAS

JULHO SETEMBRO SETEMBRO OUTUBRO NOVEMBRO

OTAN G20 ONU ARGENTINA ONU


ENCONTRO
18ª CÚPULA DO 78ª ASSEMBLEIA ELEIÇÕES CONFERÊNCIA
DOS CHEFES DE
ESTADO DOS G20 GERAL DA ONU PRESIDENCIAIS CLIMÁTICA
PAÍSES DA OTAN COP28

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REFERÊNCIAS
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MORAES, M. Energia offshore é o futuro – e ele já chegou. Instituto
Brasileiro de Direito do Mar, Salvador 16 maio 2021 . Acesso em: 22 abr. • A projeção regional iraniana: a influência na Guerra Civil do Iêmen
2022. FALK, T. The limits of Iran’s influence on Yemen’s Houthi rebels. Al Jazeera,
Doha, 8 mar. 2022. Acesso em: 29 mar. 2022.
• A navegação de cabotagem e as perspectivas pós pandemia JUNEAU, T. Comment l’Iran a intégré les Houthistes dans ses chaînes
FIRMINO, Anderson. Estudo da Antaq revela novo cenário na navegação de mondiales de prolifération. Le Rubicon, Montreal, 3 mar. 2022. Acesso em:
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• Relações estratégicas Argentina x China: Malvinas e Belt and Road 18 ago. 2022. Acesso em: 28 set. 2022.
DUCHIADE, A. Argentina sela adesão à nova Rota da Seda da China e
espera receber aportes de US$ 23,7 bi. O Globo, Rio de Janeiro, 06 fev. • Novos desafios ao flanco ocidental russo a partir de Kaliningrado
2022. Acesso em: 17 fev. 2022. BECCHIO, A. L’inquiétude des voisins de l’exclave russe de Kaliningrad. RFI,
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13 dez. 2021. Acesso em: 17 fev. 2022. CHENG, A.; PANNETT, R. How Kaliningrad, Russian land ringed by NATO, is
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• Diplomacia renovada: o retorno das relações entre Colômbia e jun. 2022.
Venezuela
Gobierno de Colombia y guerrilla del ELN acordaron reunión en Venezuela • O cenário geopolítico russo a luz à luz da nova doutrina naval russa
para retomar diálogos. NTN24, 13 set. 2022. Acesso em: 15 set. 2022. EPISKOPOS, Mark. New Russian Naval Doctrine Zeroes in on U.S. as Top
TORRADO, Santiago. El paso de migrantes por la selva del Darién se Threat. The National Interest, 02 ago. 2022. Acesso em: 17 ago. 2022.
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• Segurança cibernética em estruturas críticas nos Estados Unidos • O novo orçamento de defesa japonês e a dinâmica regional
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• Todos os olhos no Estreito de Taiwan
• Segurança alimentar: o desafio caribenho frente a crise na Ucrânia HUANG, Kristin. CHUNG, Lawrence. Live-fire drills around Taiwan provide
CHOW, D. In the Caribbean, Severe Food Insecurity Has Increased By 72% insight into PLA capabilities following modernisation drive. South China
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Acesso em: 15 jun. 2022. Out Use of Force. Bloomberg, 10 ago 2022. Acesso em: 17 ago. 2022.

• Costa africana: ameaças ambientais e expectativas para o século XXI • Um ano no poder: o Talibã e os desafios no Afeganistão
VOUDOUSKAS, M. et al. African heritage sites threatened as sea-level rise SANT’ANNA, Lourival. Talibã um ano depois: como retomada de poder pôs
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MNE de São Tomé e Príncipe reitera importância da localização do país para Afghanistan: Report highlights multiple human rights violations and abuses
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• África Subsaariana: um campo em disputa • A crise econômica do Sri Lanka


Fact Sheet: U.S. Strategy toward Sub-Saharan Africa. The White House, 8 KURUWITA, Rathindra. Is India Squandering its Social Capital in Sri Lanka?
ago. 2022. Acesso em: 09 ago. 2022. The Diplomat, 28 set. 2022. Acesso em 30 set. 2022.
COHEN, C. Will France’s Africa Policy Hold Up?. Carnegie, 02 jun. 2022. JONES, Marc; JAYASINGHE, Uditha. Analysis: Sri Lanka has an IMF deal,
Acesso em: 15 ago. 2022. now it courts China and India. Reuters, 06 set. 2022. Acesso em: 30 set. 2022.

• O Protocolo da Irlanda do Norte e o seu impacto nas relações Reino • A China nas Ilhas Salomão: ameaça à segurança no Pacífico?
Unido-União Europeia AQORAU, T. Solomon Islands’ Foreign Policy Dilemma and the Switch from
CAMPBELL, J. Brexit: What is Article 16 of the Northern Ireland Protocol?. Taiwan to China. In: SMITH, G.; WESLEY-SMITH, T. The China Alternative:
BBC News. 17 maio 2022. Acesso em: 20 jun 2022. Changing Regional Order in the Pacific Islands. 1ª. ed. Canberra: ANU
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Acesso em: 20 jun 2022. AUSTRÁLIA. Department of Foreign Affairs. Update - Australia-Solomon
Islands Partnership in Governance (ASIP-Gov). 2022. Acesso em 23 mar.
• O papel da Península Ibérica na crise energética europeia 2022.
RINKE, Andreas; CARREÑO, Belén; ROSE, Michel. Analysis: Pyrenees
pipeline puts EU energy divisions in stark relief. Reuters, 13 set. 2022.
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BOLETIM GEOCORRENTE • ISSN 2446-7014 • EDIÇÃO RETROSPECTIVA • Dezembro | 2022
REFERÊNCIAS

• Filipinas amplia sua capacidade de comunicação no Mar do Sul da


China: o que isso demonstra?
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Philippines establishes outpost in disputed South China Sea. South China
Morning Post, 20 maio 2022. Acesso em: 04 jun. 2022.

• A Rússia e o setor pesqueiro na geopolítica polar


KAYE, S. Legal Approaches to Polar Fisheries Regimes: A Comparative
Analysis of the Convention for the Conservation of Antarctic Marine Living
Resources and the Bering Sea Doughnut Hole Convention. California
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BYE, H. Sanctions Against Russian Vessels May Become Burden for
Fisheries Cooperation, Says Researcher. High North News, Bodø, 16
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• O tripé estratégico polar argentino e o avanço nas relações com o


Brasil
Argentina announces the construction of labs in Antarctica to reaffirm science
and sovereignty. MercoPress, 11 ago. 2022. Acesso em: 16 ago 2022.
Preocupada com presença militar britânica nas Malvinas, Argentina quer
fortalecer parceria com Brasil no Atlântico Sul. O Globo, 17 ago. 2022.
Acesso em: 18 ago 2022.

• A ameaça dos ataques cibernéticos a infraestruturas críticas


Whitepaper: KnowBe4 African Cybersecurity & Awareness report 2021.
KnowBe Inc, Cidade do Cabo, jan/2022. Acesso em: 18 jan. 2022.
Ransomware Attack on Swire Pacif Offshore Breaches Personnel Data.
The Maritime Executive, Fort Lauderdale, 26 nov. 2021. Acesso em: 03
dez.2021.

• Desdobramentos marítimos do conflito na Ucrânia


Russian and Ukrainian seafarers make up 14.5% of global shipping
workforce, according to ICS. International Chamber of Shipping, Londres,
24 fev. 2022. Acesso em 15 mar. 2022.
Maritime Security and Safety in the Black Sea and Sea of Azov. International
Maritime Organization, Londres, 14 de março de 2022. Acesso em 15 mar.
2022.

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