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DE CONTO EM CANTO:
o circuito literário em aulas de leitura
– uma experiência com O Pássaro Real, de Lourdes Ramalho
CAMPINA GRANDE, PB
Março - 2022
ARTHUR VELÁZQUEZ FLORENTINO DE CARVALHO
DE CONTO EM CANTO:
o circuito literário em aulas de leitura
– uma experiência com O Pássaro Real, de Lourdes Ramalho
CAMPINA GRANDE, PB
Março de 2022
ARTHUR VELÁZQUEZ FLORENTINO DE CARVALHO
DE CONTO EM CANTO:
o circuito literário em aulas de leitura
– uma experiência com O Pássaro Real, de Lourdes Ramalho
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof. Dr. Diógenes André Vieira Maciel - Orientador
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB/DLA)
_________________________________________
Profa. Dra. Ana Lúcia Maria de Souza Neves - Examinadora
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB/DLA)
_________________________________________
Profa. Dra. Nayara Macedo Barbosa de Brito - Examinadora
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB/PPGLI/Fapesq-PB)
Verve et Sapiens
RESUMO
.
ABSTRACT
It's about a didactic action proposal, developed in the field of dramaturgical reading and focused
the literary literacy, aimed at 4th-year classes of elementary schooling I, but applicable to
children (5 to 10 years old) in the first scholar cycles. Thus is proposed a Literary Circuit (a
technique that incorporates aspects from Story Telling and staged reading to the practice and
study of juvenile literature) as a strategy to the work with the theater work O Pássaro Real
(2004), written by playwright Lourdes Ramalho. In this direction, are described the phases of
the circuit, as a way to contribute with the teaching practice in what it concerns to the study of
literary reading and is intended to refind dialectics that converge to the stimulus to the reading
of juvenile dramaturgy, with a focus on the texts and the ramalhian theater work, in front of the
experience of the theater game, Story Telling, sensibilization, and musicalization.
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 10
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 61
ANEXOS ........................................................................................................................... 64
9
INTRODUÇÃO
1
Referência à Unidade Orgânica: termo designado ao cidadão brasileiro portador de documentação cível
(Cadastro de Pessoa Física – CPF, por exemplo) e detentora de deveres/direitos com compreendem a existência
jurídica de um determinado indivíduo.
10
2
Em contrapartida ao ‘não-reducionista’, corroboramos com o termo Holismo (conceito aristotélico da Filosofia
grega que, em 1927, é registrado Jan Christiaan Smuts em seu livro Holismo e Evolução), perante sua
significação de um sistema codependente de uma somatória de fatores constitutivos de um todo. Direcionado
à Educação, esse termo toma acepção em um conjunto de ações e conhecimentos – como a aplicação da
interdisciplinaridade – somados e interceptos ao um destino ou disciplina curricular.
11
Este relato, de uma experiência in progress, tem como ponto de chegada – através da
apuração de uma experiência vivida como artista (músico e ator) e como docente (graduando e
professor) – uma discussão em torno da técnica chamada de Circuito Literário, segundo Ribeiro
(2015, p. 29), aqui demandada enquanto uma ferramenta pedagógica para o norteamento de
atividades em face da leitura-encenação3 da literatura. Nesse ponto de chegada, a obra O
Pássaro Real, da dramaturga Lourdes Ramalho4 (2004, p. 30-42), tornar-se-á o ponto de
convergência para o qual todas as ações de minha pesquisa artístico-literária e de práxis,
enquanto professor em formação, convergem como faces de um processo em que todas as
minhas experiências de musicista, sonoplasta, contador de histórias, ator e graduando em Letras
culminam.
Para chegarmos a esse ponto, precisamos compreender o meu ponto de saída ou, muito
antes disso, o meu ponto de surgimento em face de um conjunto de relações produtivas com a
Arte. Minha história pessoal começa com as músicas populares e com meu próprio círculo
familiar, do qual destaco a forte presença de meus tios maternos: desde pequeno, tenho a
memória afetiva das cantatas, serestas, luaus e, obviamente, de festejos juninos, quando tive
meus primeiros contatos com o violão de seis cordas. Foi entre os quatro a seis anos de idade,
na casa de minha avó, ainda no município de São Sebastião de Lagoa de Roça-PB, quando senti
pela primeira vez o corpo de um violão, que mal cabia em meu colo, vibrar ao meu peito, que
tive contato direto com o ‘barulho organizado’ que as cordas de náilon daquele Gianinni
soavam sobre aquela coisa que hoje compreendo ser a caixa acústica de madeira rígida,
vibrante, cheirando àquilo que queimava na fogueira de São João.
3
Expansão do termo leitura dramática (ALMEIDA JUNIOR; KOUDELA, 2015, p. 115) em que, para além das
ações de vocalização/espacialização do texto, a leitura se torna uma parte integrante – não uma parte principal
– conjunta a outras partes integrantes (estudo/interpretação de signos relacionados a figurinos e cenários,
submissão e elaboração de marcas corpóreas para a ação cênica etc.). De forma suscinta, a leitura-encenação
é uma atividade que se realiza através de um trípode constructo da leitura, pela ação (enquanto vetor de
movimentos e posição de um corpo, seja ele estático ou dinâmico), para seu tangente desígnio: a cena.
4
Maria de Lourdes Nunes Ramalho foi escritora, dramaturga, cordelista e pedagoga. Escreveu perto de cem
textos teatrais que lhe renderam muitas homenagens, indicações e premiações, inclusive internacionais em
países como Portugal e Espanha. Nasceu em 23 de agosto de 1920, na cidade de Jardim do Seridó (RN), e
passou boa parte da vida em Campina Grande (PB), onde veio a falecer no dia 7 de setembro de 2019. (Correio
das Artes, 2020, p. 1). Este texto tem duas edições: a primeira delas está impressa na antologia Teatro infantil,
coletânea de textos infanto-juvenis (Campina Grande: RG Editora e Gráfica, 2004. p. 30-42); depois, ele foi
reeditado com o seu título original, a saber “Corrupio e Tangará”, em Maria Roupa de Palha e outros textos
para crianças (Campina Grande: Bagagem, 2008. p. 93-109). Neste trabalho, manteremos o título da peça
conforme vontade da autora, em sua última revisão.
13
Apesar de um fascínio imediato pelo som e pela natureza tátil daquela ‘coisa de
madeira’, em detrimento da óbvia incompatibilidade entre o meu tamanho e o tamanho do
violão, a flauta doce foi o meu primeiro instrumento musical. Com ela, tive as minhas primeiras
noções de notação, teoria e prática musical. Através dela, pude experenciar o exercício de tocar
em grupo, harmonicamente e ritmicamente, em um pulso/tempo de um coletivo, sob ordens do
movimento que um regente local fazia com uma vareta branca. Embora a dedicação de um de
meus tios, com as lições e ensino da flauta – envolvendo tocar em grupo, em um tempo exato
que não era o meu, em um batimento por segundo (120 bps) ditado exatamente por um terceiro,
através de um metrônomo guiado por outros instrumentos que não era o que saia de meu sopro
–, houve momentos em que eu me sentia completamente perdido, em meio àquele caos
harmonioso, formado por um coletivo necessariamente organizado e em que todos sabiam o
que/quando e qual nota soar. Esta foi a experiência mais traumatizante (por conta das inúmeras
falhas) e, ao mesmo tempo, satisfatória (enquanto conquista, dos ensaios até apresentação) que
tenho a respeito de meus primeiros anos de infância e do que pode ser uma experiência social.
Com meu crescimento, físico e psíquico, por obra do passar dos anos, volto a pegar o
violão e começo a ser instruído sobre os primeiros acordes, batidas, melodias e canções que
conseguia capturar ou aprender com meus tios. Com o tempo, e algumas oportunidades
privilegiadas ou providenciadas com o esforço/empenho de meus familiares e próximos,
ingresso em um conservatório de música, orquestra de cordas dedilhadas (sob regência de Jorge
Ribas), alguns Cursos de Extensão pela Universidade Federal de Campina Grande, que me
trazem ao momento presente, quando posso ministrar aulas de violão na cidade em que passei
a maior parte de minha vida.
Todavia, ainda voltando à minha infância, especificadamente em minha vida escolar, é
através do ‘Tio’ Sérgio Simplício que tenho outro primeiro contato com a Arte. Foi sem saber
do que se tratava ou em que culminariam as tarefas e brincadeiras das aulas desse professor,
que eu começo a descobrir o significado de um conjunto de ações e atuações de/com meu corpo,
despertando uma espécie de fazer brincante5 e a construção de minha ingênua consciência a
respeito do que é (ou do que poderia ser) o teatro. Tudo – referente às aulas vivenciadas, ainda
na escola – parecia um jogo, que nos levava a uma determinada diligência, a qual, somente
hoje, consigo perceber o quão era intencional e o quanto é uma “condição básica para garantir
5
“Etmologicamente, brincante é aquele que brinca. Por isso, mais do que apresentar ou representar, o brincante
literalmente brinca, no sentido de divertir-se livremente, ele e seu público, ambos fazendo parte da
brincadeira[...]. A iniciação do brincante ocorre sempre numa coletividade, seja no seio da família, seja na
comunidade, isto é, entre aqueles que detêm o folguedo.” (ALMEIDA JUNIOR; KOUDELA, 2015, p. 24.
Grifo nosso). Voltaremos a esta discussão mais adiante.
14
a autenticidade infantil; pouco a pouco o olhar externo vai sendo introduzindo e o jogo
dramático vai ganhando complexidade” (ALMEIDA JUNIOR; KOUDELA, 2015, p. 105), ao
ponto que culminou em minhas primeiras apresentações de final de ano ou datas
comemorativas, no ambiente escolar.
Ainda que já fossemos alfabetizados e já tivéssemos acesso à leitura e, também, já
dominássemos uma razoável competência para decorar um texto ou enunciados, o nosso
professor, desvendado em diretor (entendido aqui como um supervisor, gerenciador e
responsável pelo encadeamento cênico, como também responsável pelo direcionamento dos
diversos esforços e ações para com a montagem ou representação concreta de uma peça de
teatro), nunca optou, em seu trabalho de direção, pela ferramenta textual (de forma essencial)
em seu tríplice sentido (escrito/lido/interpretado), usado como guia para o encadear das cenas.
Naquele estágio, todas as nossas falas eram descobertas e transformadas em construção cênica
de atos ou partes (começo, desenvolvimento, fim etc.) único e exclusivamente pelo próprio
objetivo de ‘brincar’ de teatro.
Nesta direção, esta vivência passou a suscitar um dos meus questionamentos a respeito
da relevância da oralidade enquanto metodologia de ensino, seja ela para artes, seja ela para
outras práticas pedagógicas. Uma primeira pista dessa questão já se clareia ao indagarmos,
juntamente com Paul Zumthor, que:
[...] a voz se diz. Por e na voz a palavra se enuncia como memória de alguma
coisa que se apagou em nós: sobretudo pelo fato de que nossa infância foi
puramente oral até o dia da grande separação, quando nos enviaram à escola,
segundo nascimento. Não se sonha a escrita; a linguagem verbal sonhada é
vocal. Tudo isso se diz na voz. (ZUMTHOR, 2007, p. 86)
Deste primeiro vestígio, eu já começava a indagar uma evidente fronteira que já se abria
à minha infância (escolar) e de como a minha fala começava a ser tornar mera ferramenta
comunicativa e a escrita se revertia em mecanismo fundamental da maioria das minhas ações
em sala de aula – principalmente no que se dizia respeito ao copiar. Hoje (acadêmico), nesse
entremeio fronteirístico entre a oralidade e a escrita, entre uma histórica, dialética e dicotômica
relação – para com as diversas linhas de pensamento – de uma fazer ‘reprodutivo da linguagem’,
me perguntando sobre essa fronteira, me aproximo progressivamente de outra dialética e
dicotômica relação: a memória e o registro. Isto posto, mesmo em minha infância, já se
preconizava uma aparente impressão de dois espaços de meu cotidiano: a vida e o teatro de um
lado; e, do outro, a escola e o texto. Pensar era como respirar e como falar, pois eram ações de
meu cotidiano que tinham um certo tipo de naturalidade. De forma análoga inspirar/expirar e
15
6
“Do latim pueritĭa” (NASCENTES, 1955, p. 422), entendamos esse termo como todo um conjunto de
ludicidade, inocência e jocosidade da linguagem e vivência infantil.
7
Em consonância à Viola Spolin (apud ALMEIDA JUNIOR; KOUDELA, p. 109), devemos aqui salientar a
respeito da diferença entre dramatic play (um jogo com intuito e artífices para drama) e game (um jogo com
intuito de cumprimento de regras, pontuação etc.), anteferindo a terminologia, assim cunhada pela autora e
diretora em questão, theater game (metodologia lúdica designada ao processo de ensino da ‘linguagem’ teatral
através do improviso). Também, mais adiante, voltaremos a esta discussão.
16
atividade, um espaço mais livre e mais flexível para que a criança possa ordenar-se de acordo
com a sua criação”.
Às vezes, nessas aulas, nos eram falados sobre quadros, pintores e suas técnicas
revolucionárias na estética artística do mundo, porém isto tudo, sempre visível apenas em
nossos livros didáticos. De certo modo, a Arte se tornou apenas outra disciplina do nosso
currículo escolar em que se decoravam nomes, datas, palavras estranhas e distantes de nossa
realidade cromática. Hoje consigo compreender como "ela [a arte] opõe-se frontalmente ao
livro didático, que é estático, geralmente reducionista, cerceador da liberdade” (FERRAZ, H.;
SIQUEIRA, I., p. 12) e como o ensino-aprendizagem de Artes – seja no campo das artes
plásticas, teatro, dança, música ou literatura – deve estar muito mais próximo do fazer (na tela,
pelo corpo, com a voz, através das próprias mãos) do que com o livro e seus inúmeros
parágrafos ou gravuras ricos de informação, mas precários de formação (enquanto práxis
artística).
Algo que me lembro bem, dessa fase de minha vida de aluno, é a descoberta do sufixo
‘tri-’, através justamente de um livro de Artes. Nele, falava-se em ‘tridimensionalidade’, e de
um velho barbado chamado Da Vinci e um tal de Vitruviano. No tempo, não conseguia entender
que esse vocábulo com formação prefixal que designa três dimensões poderia caber num livro,
desconfiava que o livro poderia estar errado ou (quem sabe?) esse livro estava escondendo as
duas outras dimensões desse desenho que via, mas não enxergava ou não entendia. Hoje,
compreendo, a imagem é realmente tridimensional, mas o livro não é a melhor dimensão visual,
tampouco sensorial de trazer aquela imagem para uma apreciação artística. Assim, me sobrou
a música: não que eu compreendesse tais atividades que eu fazia como aspirações de formação
humana ou profissionalização artística: tudo era apenas uma válvula de escape ou um portal
para meu ‘eu mesmo’. O teatro permaneceu adormecido e, em seu lugar de manifestação
particular desse ‘eu’, fui deixado em stand-by, vendo e ouvindo as questões sobre o ‘fazer
dramático’ somente no reservar particular de minhas memórias e programações televisivas.
O tempo passa e, concomitantemente à mudança para uma segunda nova escola, em um
outro município paraibano (cidade de Esperança-PB), chego ao final de meu Ensino
Fundamental, entro no Ensino Médio e, ao final deste, mergulho definitivamente no universo
musical – em consonância com minhas atividades escolares. Num desses mergulhos,
(re)aprendo minhas primeiras lições a respeito do canto, do utilizar-se da voz e sua importância
18
para outras áreas afins. Através da regência do Professor Lemuel Guerra e do Coro em Canto8
– novamente, pela Universidade Federal de Campina Grande –, eu puder estudar e apreender
os aspectos da prosódia, da acústica e, através do acesso a peças latinas, italianas, africanas,
norte-americanas ou germânicas, de alguns aspectos fonéticos que já me abriam os olhos a
respeito das pronúncias e suas possibilidades em cada Língua, abrindo um mundo de relações
com suas respectivas culturas. Tais conhecimentos, conforme passava de minha adolescência
para fase adulta, começam a se tornar cada vez mais uma confirmação no tocante à
convergência das potencialidades humanas pela Arte, de um movimento de maturação natural
de minha parte, enquanto ser humano. Quando falo Arte, não falo apenas do Teatro, Música,
Plásticas de forma estanque, mas de forma – reitero – convergente.
A partir do momento em que priorizei o texto como fator de composição musical, pude
perceber como havia uma nítida relação entre elementos musicais e elementos discursivos – no
texto e no subtexto9 – que, novamente, convergiam para um incremento de potencialidades de
compreensão/assimilação de duas coisas aparentemente distintas – um compasso de um
parágrafo, uma partitura de um poema, uma nota de uma sílaba –, de tal modo que, seja no
canto ou no declamar, “o ritmo da frase tem importância capital, pois é a música do discurso, o
que torna a expressão harmoniosa ou tocante” (REBOUL, 2004, p. 115). Foi esse entendimento
que tornou meu processo de composição musical realizável, favorecendo um movimento de
possível proximidade ou reaproximação com o Teatro.
É também nesse período em que começo a descobrir oportunidades de musicalizar ou
produzir melodias para algumas cenas ou demandas sonoras (barulho de tiro, pisadas em terra
ou mato, colocar efeitos de delay, reverbe, morpher etc) de peças teatrais, elaborando/editando
alguns trabalhos de áudios (MP3 renderizados ou sons computadorizados), conforme o que
fosse possível e solicitado pela professora Terezinha Marçal, em seu Curso de Formação de
Atores – em que, reitero, participo inicialmente apenas como ‘o cara do som’. Através dessa
professora e de sua turma de alunos (elenco), comecei a ampliar minha percepção a respeito do
que era a música e de como ela poderia ser tornada uma importante expressão. O que antes via
apenas como um sistema de sons e silêncio, escrito/decifrado por claves musicais em cinco
8
Projeto de extensão em Música pelo Departamento de Artes (UFCG), fundado em 1995 pelo professor e
maestro Lemuel Dourado Guerra em forma de um Cursos de Técnica Vocal e formação de um Coro de cantores
e cantoras de Câmara ou Orquestral.
9
“Aquilo que não é dito explicitamente no texto dramático, mas que se salienta da maneira pela qual o texto é
interpretado pelo ator [...]; o subtexto começa e controla toda a produção cênica, impõe-se mais ou menos
claramente ao público e deixa entrever toda uma perspectiva inexpressa do discurso” (PAVIS, 1947, p. 368.
Grifo nosso)
19
linhas de pautas, passei a ver como um pano de fundo ou extensor imagético responsável por
(auditivamente) climatizar ambientes em momentos, atos, sensações (tristeza, felicidade, ira
etc.) para a melhor ou viável “retroalimentação” dos atores em cena e, consequentemente,
aguçamento experiencial do público espectador – foi assim que descobri a sonoplastia.10
Ou seja, a consciência de que “Música e teatro guardam entre si pontos de relação
importantes, que configuram interseções cujo conhecimento pode e deve ser mais explorado,
seja no plano do artista, seja no do espectador, [...]” (CINTRA, 2006, p. 21), me possibilitando
reafirmar a inexistência de uma relação excludente entre essas duas artes, pois ambas, são
independentes, mas complementares.
Desse ponto em diante, venho me aproximando cada vez mais do teatro em suas mais
diversas técnicas e modos de expressão. Por isso, me arrisquei e fiz o curso de teatro oferecido
por aquela professora, mesmo que atuando como ‘o cara do som’. Desse curso, acabei por
conhecer e me envolver em outros cursos, oficinas, espetáculos. Um ponto de destaque e
revelação de minha identificação à autora Lourdes Ramalho começa também por alguns
trabalhos de sonoplastia solicitados pela própria dramaturga. Esta solicitação advém de um
desejo da autora de patentear e documentar – criando partituras e arranjos originais – as letras
presentes em canções de algumas de suas peças, das quais tinha-se escrito apenas os versos,
mas que incomodavam a autora, diante das inúmeras formas de musicalização que eram feitas
com suas poesias. De acordo com ela, muitas dessas adaptações de suas peças teatrais, quando
cantadas ou musicadas, se distanciavam muito da proposta socio-identitária e dos fatores
circundantes (caráter ibérico, entoação trovadora, pronúncia regionalista e universo harmônico
voltado à cultura do sertanejo).11
Paralelo a esse período, através do projeto PINEL (sob direção de Duílio Cunha), troco
esse espaço de sonoplasta para a condição de ator. Ainda sobre as ‘asas’ da dramaturgia
ramalhiana, começo a fazer parte e me fazer parte integrante do elenco e atividades artísticas
que intentavam a montagem do espetáculo As Velhas, estreado em 2016, como parte de um
conjunto de ações formativas atreladas a um projeto de extensão do professor Diógenes Maciel,
em comemoração aos quarenta anos da primeira montagem daquele texto em Campina Grande-
PB. Em paralelo a essa experiência, eu terminava um curso de formação de Ator, com o
10
Termo cunhado em 1960, pelo teatro radiofônico, conhecida anteriormente como montagem sonora é um termo
os processos de reconstituição ou reprodução artificial, eletronicamente ou musical de “efeitos sonoros que
ilustram, narram ou descrevem a ação do texto falado”. (ALMEIDA JUNIOR; KOUDELA, 2015, p. 161)
11
O projeto não se materializou, por inúmeras variáveis da relação família/autora/curadoria e, também, por
questões de saúde da própria dramaturga; porém, se tornou o início de uma pesquisa a respeito do Movimento
Armorial.
20
12
Há de se destacar aqui, o meu primeiro contato com o chamado Ato Performático ou Performance, em si. A
obra original é um conto e, através da direção do professor/diretor, criamos todas as nossas ações físicas
embasadas em estudos que faziam remissão aos jogos teatrais, tais quais aqueles que eu fazia em minha
infância. O texto, assim, era narrado e posto em voz para execução de um audio-play ou áudio de fundo, em
contraponto, propondo uma dramaturgia e técnica completamente diferente da técnica do palco italiano e de
um discurso lógico-narrativo, com ações em esfera de causa-efeito.
13
Essa quarta dimensão, que posteriormente eu compreenderia como a quarta parede entre público e palco, me é
artisticamente incorporado, enquanto “condições de validade de um conhecimento sobre este ou aquele
componente da obra dramática ou teatral” (PAVIS, 1947, p. 150), ainda mais com a remontagem e
reestruturação dessa peça que estava em curso. Tal resultado se amparou numa estética discursiva (texto falado
e recursos retóricos) permeada pela ‘linguagem infantil’, ao passo que, “embora menos claro e menos preciso,
o discurso é completado pelo conteúdo não linguístico da mensagem, pela música, pela imagem, que no fundo
desempenham o papel da ação, parte não verbal da antiga retórica”, toda essa comunicação se efetiva com suas
respectivas técnicas das clacks às pantominas pelo humor/jocosidade da palhaçaria, da mímica à dança, do
canto à modulação da voz para ‘melhor’ imersão de nossos corpos, vozes e ações àquilo que se representa
como um personagem ‘infantil’.
14
Neologismo cunhado por Guimarães Rosa que aglutina o verbo ‘contar’ ao substantivo ‘ação’. Por essa
terminologia (Contação), é possível (re)modular algumas particularidades (narrativas e episódios; personagens
e personificações; tempo e espaço; narrações e diálogos) do texto escrito para o ato oral em sua essência vocal
e gestual.
21
–, esse tipo de contar/narrar também tem sido potencial instrumento de uma linguagem didática
multidisciplinar para o ensino e aprendizagem de Língua e Literatura – podendo nos especificar
ao recorte do, assim chamado, texto infanto-juvenil, porém possível de aplicação a análogas
categorias literárias –que já se sustentam, de tal forma, pelos PCN’s (Parâmetros Curriculares
Nacionais)15. Não somente por esse e outros – a Base Nacional Comum Curricular (BNCC -
2018), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - Lei 9.394/1996) – mas
também, pela grade de disciplinas e vivências que me foram inseridas e me inseri, dentro de um
Curso de Licenciatura, do qual começo a, também, extrair minha própria conclusão e
experiência de profissional/acadêmico das Letras.
Com essa experiência, pude (re)aprender todas as minhas perspectivas e considerações
a respeito do ‘jogo teatral’ e universo brincante. Trabalhando em sala de aula, nos projetos do
+ Educação (São Sebastião de Lagoa de Roça - Escola Estadual de Ensino Fundamental e
Médio Monsenhor José Borges, assim como em Projetos de Extensão da UEPB (Nas Asas da
Leitura) acabei por aplicar e replicar a mesma procedência da arte e ensino-aprendizagem em
Língua Portuguesa no colégio em que trabalhei. Pude, também, mediante esse caminho
percorrido, da Música ao Teatro, até este ponto em que a Contação de Histórias se funde à
pesquisa que começo, experenciar o ofício do contador e sua relevância sociocultural. Não
obstante a notoriedade artística e literária desse ofício de contar – no que tange à atividade
docente – que também é ofício de epistemologia (relativa à transmissão de ensinamentos e à
manutenção de tradição/ancestralidade antropológica), refortaleço diretamente a definição de
Morais & Medeiros (2015, p. 328) sobre esse ‘ser que conta’, o qual podemos entender como
sujeito que “pode ser considerado a memória viva de um povo”.
15
“A literatura não é cópia do real, nem puro exercício de linguagem, tampouco mera fantasia que se asilou dos
sentidos do mundo e da história dos homens. Se tomada como uma maneira particular de compor o
conhecimento, é necessário reconhecer que sua relação com o real é indireta. Ou seja, o plano da realidade
pode ser apropriado e transgredido pelo plano do imaginário como uma instância concretamente formulada
pela mediação dos signos verbais (ou mesmo não-verbais conforme algumas manifestações da poesia
contemporânea).” (BRASIL, 1997, p. 29)
22
A obra O Pássaro Real,16 parte integrante de uma coletânea de outros textos dramáticos
infanto-juvenis (RAMALHO, 2004) e parte essencial do corpus desta pesquisa, é uma peça em
versos, composta por falas de personagens – um protagonista (o Tangará17 Real), um
coadjuvante (o Corrupio) e um antagonista (o Galo Serapião) – alguns personagens secundários
(o Barqueiro, o Camaleão, o Tamanduá, o Tejuassu18) e a possibilidade – enquanto
representação física e necessidade da trama – de dois figurantes: o ovo/filhote perdido do
protagonista); e a Galinha, apenas citada pelo Galo. Apesar de espaços e instantes ou cenas
diferentes, esse texto não é delimitado por nenhum tipo de cenário – enquanto descrição (cor,
profundidade, luz) de espaço físico – nem Atos.
Nosso protagonista é apresentado como um pássaro belo, alegre, de cantar majestoso
e que tem uma relação de parceria e confiabilidade com o Corrupio (outro pássaro de ímpeto e
personalidade conselheira e julgadora) em face do enfrentamento de conflitos: desde o principal
deles (o deparar-se de um sumiço do filhote/ovo do Tangará) até o encadeamento conspiratório
de partes da trama que dividem a busca e investigação desse roubo. Para isso, o próprio
Corrupio sugere a convocação de um terceiro personagem muito importante para a narrativa: o
Galo Serapião. Ele, apresentado como um detetive, é o norteador da busca e designação dos
supostos suspeitos ou responsáveis pelo furto/desaparecimento do ovo real. Nessa tarefa
designativa, o galo leva ao enredo um conjunto de personagens secundários que se transformam
em supostos culpados e fontes de pistas de onde e como pode estar o ovo furtado.
O Primeiro suspeito é o Camaleão (autocaracterizado como um personagem solitário,
preguiçoso que só gosta de repousar e comer folha verde), que logo se diz inocente e convence
os personagens principais (o Corrupio, o Tangará e o Galo) de sua inculpabilidade ou
envolvimento nesse roubo. Posteriormente, num primeiro vulto, é o Tamanduá (um personagem
16
Esta obra já teve em sua publicação o título Currupio e Tangará, mas, pela preferência da própria autora e
texto aqui utilizado (ANEXO 02), optamos por nos referenciar a “O Pássaro Real”.
17
Pássaro de pequeno porte comum ao litoral dos estados nordestinos de Pernambuco, Alagoas e Paraíba, também
chamado de Sairá-Pintor, esse animal tem relativa representação no folclore e tradição da cultura nordestina
enquanto pássaro que dança e tem cores vibrantes, relativos principalmente aos movimentos do Maracatu
pernambucano.
18
Tipo de Lagarto, também chamado por Tejú, que se alimenta de pequenos animais e ovos de pássaros ou aves
silvestres e domésticas (galinha, pato, ganso, guiné etc.)
25
mais disposto ao combate, sincero, orgulhoso e que só come formigas) também acusado de
forma abrupta pelo Galo, que se torna outro potencial envolvido na usurpação da trama e que,
após aplicar uma surra àquele que o acusava e perseguia, também é inocentado.
Um terceiro suspeito – O Tejuassu, um personagem que por se alimentar de ovos,
apresenta chance mais relevante de ser o culpado – é logo apontado pelo Galo, que, em
companhia dos dois pássaros principais, partem em busca desse terceiro suposto larápio. Assim,
como os outros, esse terceiro personagem revelado também se torna inocente e, a partir desse
ponto, a peça toma enfoque em uma brincadeira de achar o ovo perdido na barriga dos
participantes da plateia (crianças que assistam ao espetáculo) até a volta da trama regular (fora
da plateia) quando se começa a desconfiar/descobrir da culpabilidade real de um outro
personagem: o próprio detetive, o Galo.
Concisamente, a trama se concentra na busca desse ovo sumido/roubado do Tangará
Real e na perseguição do culpado/ladrão desse filhote, enquanto obstáculo a ser ultrapassado.
Inicialmente, através das falas do protagonista com o Corrupio – sempre em formato de versos
heptassílabos e estrofes hexásticas (estrofe formada de seis ou de múltiplos de seis versos) ou
em quadra –, logo se apresentam e se deparam com um primeiro conflito (o sumiço do ovo).
Com o auxílio do Galo Serapião, em um arranjo dramatúrgico que se repete com acusações
premeditadas: primeiro com o Camaleão, depois com o Tamanduá e, por fim, com o Tejuassu
– personagens esses que, sempre (nesse arranjo dramatúrgico) são acusados pelo Galo,
absolvidos da culpa pela Corrupio e se juntam à procura do ovo de Tangará). Ao fim, como se
descobrirá, é o próprio investigador (o Galo) o ladrão do ovo sumido que, assim, vai justificar
sua ação em decorrência da intenção de presentear a Galinha – que não tinha filho –, fazendo
com que ele seja perdoado por todos. A história se encerra por uma rubrica ou marca
“(TODOS CANTAM E DANÇAM)” (RAMALHO, 2004, p. 42) e, com uma breve fala de
narração em terceira pessoa quando se dá o fim da história.
Esse tipo de construção de cenas ou de atos em arranjos pode ser compreendido como
um conjunto ou estrutura composta por cenas ou microcenas (esquetes), “num certo tempo e
num certo espaço de atuação, dos diferentes elementos de interpretação cênica de uma obra
dramática" (PAVIS, 1947, p. 122). No caso da trama do parágrafo referenciado, esse arranjo
cênico se efetiva, assim, pela repetitiva ação de (1) acusação do Galo e posterior (2) absolvição
do Corrupio de um personagem, novamente outra acusação/absolvição de um segundo e mais
uma vez acusação/absolvição de um terceiro. Ubiratan Teixeira (2005, p. 70) intitula esse
fenômeno teatral como “bis”, configurando a repetição de uma mesma estrutura cênica em
momentos ou atos diferentes da peça. Tal fenômeno reiterativo e cíclico é comparável ao que
26
Suas necessidades, anseios e carências. Seu real e seu imaginário. Por meio
da arte tocamos o sensível. Por meio do drama tocamos o sensível e o lógico.
A possibilidade de construção e reconstrução se faz aqui e agora no contato
com a arte, e com a arte dramática o repensar é mais amplo, porque drama é a
interação do sensível com o lógico. (NAZARETH 2012, p. 91)
Evidenciamos também, ainda nessa relação, um terceiro elemento que é o alicerce das
pelejas19 ou disputas poéticas que se notabiliza, “não apenas por se expressar oralmente,
cantado ou através da palavra, da fala, mas por ter trazido o repente (da cantoria) e a embolada
(dos cocos de feira) para dentro do sistema escrito” (Ibidem, p. 61). Dentro desse espectro,
encontramos um “inventário da terra, dos rios, da fauna e da flora, das casas e dos homens” de
um “sertão cotidiano e eterno, histórico e mítico” (SANTOS, 2009, p. 64) que se relaciona
diretamente com um tipo específico de movimento artístico brasileiro, do qual destrinchamos
algumas peculiaridades áudio-estéticas em que “a música armorial recorre sistematicamente
19
Tipo de ária em permuta feita pela oposição ou batalha de dois cantadores/oponentes que “apresentam-se e
evocam seus títulos de glória, seu talento, sua força, [...], um ritual de desafio, a pavana antes da agressão que
se encontra em quase todos os desafios” (SANTOS, 2009, p. 116).
29
20
Profissionais que trabalham no curtimento e manipulação do couro para laboração de vestimentas (chapéu,
luvas, botas e sandálias, gibão e outros trajes) e de utensílios (cartucheira, cela, chicote, dentre outros objetos
de aboio ou de defesa)
30
estética dos versos de Euclides da Cunha, como “a força dos sertanejos”. Nessa potência
poética, os versos ramalhianos encontram na oralidade cordelista sua nascente particularidade
da estética dramática em questão.
Assim como os cordelistas, Lourdes Ramalho tem, como destacável atuação, um
estandarte de quebra de paradigmas elitistas que se limitam no preconceito de que existe uma
literatura popular/menor por conta dos aspectos orais que circundam o fazer literário de sua
biografia. O historiador Roger Chartier (1990, p. 17) já nos apontava a Literatura (de modo
geral) como “um campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em
termos de poder e de dominação”, ao passo em que nos atentava a respeito de uma predileção
muito mais por uma “afinidade das estruturas textuais” (Ibidem, 1990, p. 174), que se procede
de determinada estética, seja na escrita ou oralidade presente no discurso de uma obra popular,
frente a uma, outrora considerada, erudita.
Tal afinidade atravessa a virtude popular incorporada a um tipo de linguagem pueril
enriquecida pela oralidade, que tem em sua própria matéria prima (o verso ritmado), como
“próprio processo que pretende tornar mais fácil a sua leitura” (Ibidem, 1990, p. 177) e como
processo de coerência da identidade cordelista, essa força poética. A estética ramalhiana se
distingue e se notabiliza pela ímpar aplicação de traços regionais de modo que, tanto essa
“regionalidade, assim, poderá ser tomada como importante conceito operativo, mas também
como uma ideia-força” (MACIEL, 2019, p. 105) quanto essa poesia de traços da oralidade
amarram os laços entre o teatro popular e a linguagem estética do ser nordestino.
De feitio indissociável, a poesia e a dramaturgia de Lourdes Ramalho, enquanto um
único construto, pode ser entendida enquanto uma forma permeada de vários signos e várias
integrações entre o texto poético e o texto dramático – ou de potencial organização teatral. Essa
imanência de aspectos é contingenciada principalmente pelas características de uma poética já
revelada, em estudos sobre a Literatura Armorial. Idelette dos Santos (2009, p.107) nos mostra
como “a relação com o folheto e a cantoria elabora uma verdadeira poética da voz’, que se
evidencia tanto no papel formador e criador da arte poética herdada dos cantadores”. Poética
essa que é muito presente na Literatura de Cordel (no que concerne o registro textual) e na
cantoria (no tocante à memória oral) como ferramenta do próprio texto e na história das
inúmeras (re)montagens de suas peças e obras dramáticas.
Tal representatividade pode ser mencionada, anos depois, como é caso de uma
remontagem da peça O Pássaro Real pelo grupo de teatro infantil Criançada em Cena através
da direção de José Maciel da Silva, no Teatro Armando Monteiro em 23 de outubro de 2012
(VASCONSELOS, 2012, p. 7). Como se não bastasse a própria repercussão de Lourdes
31
Ramalho por sua estética regionalista e potencial visibilidade enquanto dramaturga infantil, e
por conta de seu domínio dos aspectos poéticos e orais que circundam o fazer cordelista, a
musicalidade presente em seus versos e falas dos personagens ramalhianos constituem, até hoje,
como marca original na memória e história da literatura nordestina.
Um outro vestígio da força poética presente na dramaturgia pode ser atestado quando
em “alguns textos de Lourdes Ramalho observamos a repetição de um bordão que marca o
andamento da história” (LÚCIO, 2005, p. 31) ou quando observamos a predileção da
dramaturga pela estrutura de versos metrificados, justamente ao optar pela proeminência de
seis versos de sete sílabas, ou seja, aquilo o que é considerado pelo cordelistas como “martelo
agalopado”, muito comum ao tipo de música chamada de Toré (SANTOS, 2009, p. 120), como
podemos observar na primeira estrofe do Pássaro Real (RAMALHO, 2004, p.30), em que
expomos a estrutura de sete sílabas poéticas da seguinte parte:
comumente utilizada pelos arquétipos nordestinos. Tal fenômeno pode ser compreendido
quando:
À medida em que esse tipo de pesquisa de campo se concretizou como uma coleta das
diversas ‘variações linguísticas’ presentes no falar do povo nordestino, Lourdes Ramalho
concentra em seus personagens a originalidade primitiva dos indivíduos em suas respectivas
tradições e modos particulares da cultura popular presentes nos versos trovadores dum ibérico
particular do nordestino brasileiro.
Um outro aspecto dessa peça ramalhiana é o não aparecimento de uma voz narrativa
desde o início da trama até o desfecho ou resolução do conflito – em que o Galo assume o roubo
cometido – não há nenhum discurso do próprio protagonista (Tangará Real), além das falas dos
próprios personagens, de direcionamento ou revelação de encadeamento de acontecimentos.
Apenas no final do conto encontramos a seguinte parte (RAMALHO, 2004, p. 42):
representa toda poesia, na própria complexidade de sua prática” (ZUMTHOR, 2007, p.62).
Tais traços da oralidade permitem à comunidade de leitores ou de espectadores ramalhianos
tanto a concretização da memória e tradição atuante no imagético de sua obra, perpassando a
função documentar do texto escrito, quanto a concretização de uma possibilidade de atividades
artísticas, como reprodução ou catar de canções que tenham o universo cordelista em sua
centralidade ou produção e montagem de Contação de Histórias que dialoguem com esse
armorial. Promover esse tipo de ações concretas é também construir uma visada para os “de
leitura realizados em escolas que adotam títulos da literatura de cordel pode nos levar ao
conhecimento do repertório utilizado no ensino, do gosto dos professores e professoras, dos
estudantes, da proporção de novos autores e de suas obras em relação aos títulos de folhetos.”
(AYALA, 2016, p. 27).
Podemos afirmar também que o constructo identitário de uma comunidade é ‘o oral’ e,
no Cordel e poesia dessa autora, encontramos um elo entre a cultura regionalista de versos e
prosas ou folclore populares que transcendem a compreensão (enquanto de uma dramaturgia
como algo que se limita a um sistema de textos escritos. Tal transcendência não ocorre, como
no caso do repente e das cantorias, pela delimitação sistemática de convergências e normas ou
padrões de organização do discurso. E sim, erra ocorre por um equilíbrio existente entre as
marcas culturais, políticas e sociais que se transparece ao discurso expresso. Lourdes Ramalho,
tanto por sua vivência com cantadores e violeiros quanto ao próprio estudo e desenvolvimento
de um discurso embasado na tradição ibérica-lusitana que se apresenta nos versos e rimas de
sua obra literária.
21
“Do gr. mousiké, scilicet tēchne, artes das musas, as belas artes, especialmente as dos sons [...]. Entre os gregos
a palavra música (mousiké), tinha sentido mais extenso que entre os modernos, [...] os gregos não conceberam
a música como arte independente da poesia. [...] A música, a poesia e a dança constituíam uma só arte, de
grande intensidade e expressão.” (NASCENTES, 1955, p. 347-348)
34
muito mais associado ao estudo ou análise da canção (expressão artística composta por melodia
necessariamente cantada por uma voz humana e, na maioria dos casos, acompanhada por um
ou mais instrumentos musicais). Cogita-se, então, o acercamento de uma compreensão cada vez
mais pitagórica22 de como a Música e seus elementos (melodia, ritmo e harmonia) estão
intrínsecos ao processo de desenvolvimento de nossa proposta pedagógica de Circuito Literário
que perpassa a finalidade educativa e se expande às possibilidades do literário ao artístico,
enquanto desenvolvimento de habilidades e competências relacionadas ao ser e estar ouvinte.
Desse modo, abre-se uma brecha para refletir sobre a realização de Contações de
Histórias – inclusive da própria peça O Pássaro Real – que dialoguem com atividades que
brincam e se incorporam de finalidades lúdicas, fazendo uso de áudios, instrumentos musicais,
materiais sonoros aptos à produção de sonoplastias e outras formas sonoras de brincar de
(re)visitar esses espaços e contextos da armorialidade: tudo isso em consonância com a
dramaturgia ramalhiana que promovam um processo de hibridização (MACIEL, 2019) entre as
várias mídias e categorias artísticas que tangenciam a literatura popular. Em outras palavras,
nos apropriamos de exercícios e momentos musicais nos quais a percepção musical, a
memorização sonora, a interação rítmica, a reprodução melódica à internalização cultural de
um povo da música pela música são fatores e objetivos de ensino-aprendizagem.
Para exemplificar/clarear o que abordaremos, tomemos a canção “Toada do Pássaro
Real”23 (ANEXO 03) que tem como principal mote composicional, servir de modelo ou fonte
de inspiração para um potencial Contador de Histórias ou professor que aplicará tal canção
vinculada ao seu Circuito Literário aplicável à sala de aula. Para esta composição, buscamos
nos amparar em processos composicionais que dialogam ou refletem um complexo de
identitarismo/regionalismo social e cultural com os quais podemos extrair das obras e contexto
dramático-literário da escritora Lourdes Ramalho.
A bibliografia dessa autora é bastante perpassada pelos arquétipos do(a) sertanejo(a),
topificada (enquanto lugar, espaço ou habitat) pela fauna e flora da Caatinga e do Cerrado, do
racho e do curral, timbrada em letras e poesias que evocam as toadas, os aboios e aspectos
trovadorescos contidos nas canções e melodias entoadas pelos vaqueiros e boiadeiros do
Nordeste brasileiro. Nesse contexto, também achamos outro dramaturgo (Ariano Suassuna)
22
Oridunda do Filósofo Pitágoras (Πυθαγόρας – século VI a. C.), a concepção da Música como um elemento
natural e calculável, possibilitou a descoberta e desenvolvimento das escalas tonais e grande parte da
organização harmônica das pelas até hoje são referências e estrutura epistemológica para o estudo aos inúmeros
processos de composição musical das mais variadas Idades (antiga, medieval, moderna e contemporânea) da
Cultura humana.
23
Acesso pelo link: https://drive.google.com/file/d/1x_B0ZBKA7RtwZ-g4JtuT7zNantEChSvv/view
35
Nesse sentido, retomemos a discussão a respeito canção ‘Toada do Pássaro Real’ e como
outras possibilidades de canções e músicas estão aqui consolidadas na proposta do Circuito
Literário – a ser apresentado no próximo capítulo – circunscritas em processos de composição
que permeiem as principais características da música armorial. Em depoimento gravado à
Nóbrega (2000, p. 08), o maestro Clóvis Pereira relata sobre algumas características musicais
stricto sensu a respeito daquilo que entendemos como armorial. Uma delas é a prevalência de
músicas compostas em tonalidades de Ré maior ou Lá maior em mixolídio24; outra
característica é o evitamento do sétimo grau sensível, ou seja, para esta tonalidade, que seja
evitada ou literalmente rejeitada a possibilidade da emissão da nota Dó sustenido (#), seja ela
em uma melodia ou acorde formado pelo violão ou rabeca. Consonante ao maestro Clóvis, de
forma ipsis litteris, “melodicamente a escala de Ré com a sétima abaixada e o II grau com sol#,
estando harmonicamente a escala com a quarta aumentada, mesmo que melodicamente não
apareça. Então, talvez a escala fosse um misto de ré - mi e fá# - sol - sol# - lá - sib - si - dó -
nunca dó#”, como também podemos observar abaixo, em nossa composição (que se encontra
na íntegra no ANEXO 03):
24
Quinto grau dos modos gregos. Enquanto cultura ocidental, pode-se afirmar que os modos gregos foram as
primeiras formas de organização dos sons musicais em escalas (sequência de notas musicais que podem ser
utilizadas ou notas que devem ser evitadas na execução de uma performance musical). No caso da canção
(Toada do Pássaro Real) discutida do parágrafo referendado, temos a seguinte sequência de notas permissíveis
à tonalidade proposta (Ré maior em mixolídio), conforme demonstra os Exemplo 01 e Exemplo 02.
36
Esse rigor a respeito do sétimo grau nota dó nunca estar sustenida, em outras palavras,
o dó♮25) se mantem inclusive em momento de modulação26, como é o caso dos compassos 14 e
36 que contém um acorde de Fá maior como intermediário dessa modulação, conforme
demonstrado a seguir:
25
♮ (bequadro): este símbolo é utilizado em uma determinada nota para ‘eliminar’ (deixar natural) o efeito de
alteração de notas musicais com os acidentes # (sustenido) ou b (bemol).
26
De acordo com o musicógrafo Ernesto Vieira (1899, p. 355): “1. Modular é passar de um tom para outro. 2.
Essa passagem effectoa-se por meio de uma ou mais notas que não pertencem ao primeiro tom e que anunciam
um segundo; chama-se isso por notas características. Os accordes que conteem essas notas características são
acordes transitivos ou intermediários.”
37
Tal fenômeno fonético (Língua) e prosódico (Música) pode ser explicitado novamente
em outra canção nordestina, através de Assum Preto (ANEXO 04) do compositor e ícone da
cultura sertaneja, Luiz Gonzaga. Em ‘vermelho’ encontramos respectivamente as sílabas
tônicas dos vocábulos ‘Tudo’, ‘envorta’, ‘só’ (monossílabo tônico), ‘beleza’, ‘abril’, ‘Assum’,
‘Preto’, ‘veve’, ‘sorto’ e ‘pode’. Sílabas estas, que justamente estão ao início de todos os
compassos (local onde se localiza e se escreve todas as notas fortes) desse trecho musical,
abaixo:
27
Nordestinês, enquanto expressão que intitula o Dicionário do jornalista Celso Calheiros e clarifica a similitude
da cultura dessa região geográfica e o autorreconhecimento (enquanto língua e cultura) por parte de um único
coletivo identitário, mesmo que de nove unidades federativas diferentes (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão,
Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe).
38
Para além dos aspectos prosódicos, anteriormente enfatizados, outro aspecto da letra
acima, que pode ser fruto de estudo/análise, é a Variação Linguística que se expressa tanto nos
dramaturgos mencionados anteriormente (Lourdes Ramalho e Ariano Suassuna) como em
grande parte de outros compositores nordestinos ou que têm em suas estéticas essa musicalidade
de sonoridade ibérica, bucólica, saudosa. O aboio28 é a principal forma cantada que bem
representa essas estéticas e, que por si mesmo em seu superabundante ecoar de melodias em
sílabas ou vocábulos que favoreçam zonas de articulação palatais e velares de timbre fechado
(/ê/, /ô/), refletem “tanto as propriedades estéticas de diferentes tipos de vogais quanto o
impacto de diferentes tipos de vogais na performance de um cantor” (NICHOLS et al., 2009, p.
475, tradução nossa). Cantor ou aboiador esse, que é um arquétipo da própria tradição
nordestina e identitário coletivo que atravessa a dramaturgia, poesia e Literatura in latu sensu
aqui abordados nessa pesquisa em curso. Sendo esse arquétipo – o sertanejo, abaioador,
cantador de toadas – um modelo de performance, enquanto seleção de um tipo de harmonia e
musicalidade presentes no canto armorial, propomos todo esse conjunto de traços musicais para
a formulação das atividades envolvidas nas Contações de Histórias a serem desenvolvidas a
seguir.
28
“Aboio. Canto sem palavras, marcado exclusivamente em vogais, entoado pelos vaqueiros quando conduzem
o gado. [...], apaziguando o rebanho, levado para as pastagens ou para o curral, é de efeito maravilhoso, mas
sabidamente popular em todas as regiões de pastorícia do mundo. [...] abóiam quando querem orientar os
companheiros dispersos durante as pegas de gado. [...]. O aboio não é divertimento. É coisa séria, velhíssima,
respeitada. Abóia-se no mato, para orientar a quem se procura.” (CASCUDO, 1999. p. 21)
39
29
Nessa perspectiva propomos a substituição do termo receptor por espectador, pois, assim, enquanto sujeitos
docentes, nos posicionamos em sala de aula como (inter)mediadores de um anseio por conhecimento e pela
facilitação da expressão cognitiva, a qual advém da expectativa de cada mente que participa de um viável e
holístico processo de ensino e aprendizagem em sala de aula, em turmas dos ciclos iniciais do ensino
fundamental.
40
Para além dos aspectos de ação dramática e/ou estruturais de uma peça de teatro, a
música – no que concerne às canções, melodias, ritmos – e os jogos podem estimular a
memorização de sons (fenômenos da natureza, roídos urbanos, a voz), como também fazem
parte desse processo de assimilação didática, o qual também é uma extensão às práticas de
leitura frente aos seus efeitos afetivos/sinestésicos de apropriação de conhecimento, em nível
fonético (Língua) ou em qualidade expressiva (Arte). Nesta direção, se faz necessária uma
manipulação de diversos recursos sonoros “em que o dramático aponta para a compreensão da
forma do espetáculo da atividade audiovisual [...] da disposição de materiais sonoros e visuais,
dramatizar é argumentar e integrar em um espetáculo tarefas composicionais” (MOTA, Mimeo
Inédito, p. 360. Grifo Nosso). Além disso, é importante acionarmos recursos de organização e
sistematização em aulas, que se interligam e se constroem, gradativamente, como um
complexo/ciclo de atividade lúdicas ou expositivas que fomentam práticas de
leitura/interpretação; e, também, recursos que intercalem o jogo com o artístico, tendo como
meta o aprendizado.
Dentro dessa proposta, indicamos a técnica do Circuito Literário como recurso
metodológico ou solução/sugestão – enquanto meio atrativo de aula – de práticas que confluam
Arte, Ensino e Recreação.
3.1. METODOLOGIA
Nessas etapas, que se realizam entre duas a quatro aulas, nos utilizaremos de um vasto
arcabouço artístico, envolvendo música e recursos de artes plásticas, em consonância à
construção de um identitário imagético da cultura nordestina e tendo em conta a cultura popular.
Em cada aula, referenciaremos específicos momentos em que se subdividem essas aulas e que
seguem uma ordem assimilativa de atividades que cumprem ou completam um ciclo de
aprendizado das categorias apontadas anteriormente. Assim, de acordo com Ana Cristina
Marinho Lúcio (2005, p. 34), é “preciso também estar atento ao grupo etário em que as crianças
se encontram” à proporção que seja explícito “que o aluno entenda como se dá a organização,
tempo e ações” de cada momento”.
Nesta direção, devemos buscar a viabilidade de um espaço físico, em que se possa ter
uma distribuição semicircular ou elíptica para o mais prudente exercício de nossa proposta
pedagógica que, antecedidas de aulas preliminares de iniciação temática e discursiva – a
respeito dos elementos musicais, movimentos artísticos congêneres, dramaturgia ramalhiana e
outros assuntos circundantes e essenciais ao desenvolvimento, se completa com a aplicação
(professor) e participação (alunado) corroborativa do Circuito Literário proposto neste trabalho.
Antes de qualquer contato com algum texto, é o contexto (o espaço físico do teatro)
dessa proposta pedagógica, já pensando em sala de aula, que devemos tomar como ponto de
partida. Nesse espaço, se possibilitam estímulo(s) substanciais à articulação e integração
(GOMES; REIS, 2020, p. 80) das mais variadas linguagens (verbal, não-verbal, do gestual/de
43
• AULA I:
Num primeiro momento é importante indagar/sondar o corpo discente sobre o que eles
entendem por Teatro e qual nível de contato (assistir peças, ler sobre, ver vídeos em plataformas
virtuais como Youtube, Facebook, Instagram, etc.) que eles já tiveram (ou não) com o teatro.
Algumas perguntas e discussões são vetores norteadores e essencialmente preparatórios para o
desenvolvimento das aulas a seguir até a culminância das nossas últimas aulas, conforme o
tópico (3.3.5. Voando pela primeira vez). Enfoquemos nessas questões:
i. O que é Teatro?
ii. Onde surgiu?
iii. Quais as partes de um Teatro? – sugestão: utilizar imagens reais e estruturais
arquitetônicas para tal questionamento, como exemplo das figuras a seguir:
A. palco
B. coxias
C. camarins
D. plateia
E. bilheteria
Fonte: https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.092/174
30
Referindo-se aqui à “intermidialidade” e “intermídias” - é um termo cunhado em 1960 por Dick Higgins que,
através da dialética entre as mídias ou a interseção das várias Artes (visuais, plásticas, musicais, literárias,
cênicas, entre outras) por meio de um único produto ou momento artístico.
44
A. cortinas
B. teto de Varas
C. camarotes
D. escotilha ou
escada de fuga
Fonte: http://antigo.paraiba.pb.gov.br/index-49631.html
Em um segundo momento, devemos ampliar e procurar por perguntas que nos levem a
refletir as possíveis ações (espectador, ator, direção, figurinista, iluminador, sonoplasta etc.) ou
funções humanas/profissionais de um teatro, enquanto instituição de atividade laboral, artística
e patrimonial de uma cidade indeterminada ou determinada, como é o caso da imagem acima
(Figura 02). Perguntas essas como:
• AULA II:
Nesta etapa, que também deve durar de 45 a 50 minutos, devemos nos distanciar mais
daquela proposta de indagações e começar a nos atentar à relação entre aquilo que é um
45
personagem com aquilo que ele figura ou veste (no que se diz respeito a objetos ou utensílios).
Para essa compreensão, dividimos de forma a se concretizar em dois momentos:
b) Finalizando com uma outra brincadeira que não perde seu desígnio avaliativo, podemos
fazer um jogo de Adedonha32 refletindo a respeito da plumagem, origens e folclore a
respeito das aves que circunda a fauna nordestino-brasileira. Para isso, pode ser
impressos/recortados o conjunto de cards, em que se mostre os pássaros e seus nomes
– e algum recurso sonoro em que se possa conhecer o canto/som através da reprodução
dos áudios de cada pássaro (disponível em ANEXO 07 - tanto os cards quanto os links
do canto dos pássaros). Este recurso se torna vitrine aberta para se explorar as
31
Referenciando-nos que “leitura do mundo precede a leitura da palavra” (FREIRE, Paulo. A importância do
Ato de Ler: três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1989.)
32
Brincadeira de achar palavras conforme tema pré-estabelecido (ave, cor, trejeito, e mais outras) iniciadas por
uma Letra sorteada, exemplo com a letra A (Andorinha, Amarela, Arretada e outras mais)
46
Para este instante, sugerimos que se tenha em mão algum aparelho de reprodução de
áudios (caixa de som, o próprio celular, para compartilhamento dos áudios propostos e outras
fontes de amplificação ou execução de Mp3), materiais sonoros como cilindros metálicos,
castanholas, pedaços de madeira, chocalhos (feitos de latas, garrafas pet, cabaças ou qualquer
outro material similar), sinos, jarras d’água e tapetes. Nesta etapa do circuito, trabalharemos a
sonoplastia (plano de fundo responsável em sonorizar/climatizar sinestesicamente, pela
audição, os momentos e brincadeiras desse ponto em questão) e faremos brincadeiras de
memorização sonora, apreciação de canções e interpretação das letras (no tocante à poesia)
proposta em curso que se executa em três aulas distintas – cada aula com 45 a 50 minutos:
• AULA III:
Retomando as discussões anteriores, a respeito dos pássaros e outras aves, suas cores
e suas particularidades, perante o conhecimento ou desconhecimento ou depoimento dos
alunos, adentramos na significação e reflexão a respeito do canto desses animais. Dentre eles,
podemos destacar as aves apontadas anteriormente. Aqui, adentramos em um segundo
momento, intitulado SONOPLASTIA I, para apreciar, se espantar (árvores de cantos sombrios
47
como a coruja e a urutau) e se identificar com a variedades de sons, ritmos, roídos e sensações
que cada canto/chiar que esses animais emitem. Como terceiro momento, retomemos aos
materiais sonoros propostos anteriormente. Na possibilidade do incremento de instrumentos
musicais, que assim seja posto, caso contrário, priorizemos “materiais utilizados, simples e
fáceis de encontrar gratuitamente, estratégia importante para iniciativas similares em escolas
públicas de Educação Básica, sempre carentes de verbas para aquisição de materiais (GOMES;
REIS, 2020, p. 69), para podermos nos aprofundar na SONOPLASTIA II.
Experenciando e testando todos os efeitos tanto dos materiais quanto dos cantos dos
pássaros (ANEXO 07), direcionamos os alunos a selecionar e, numa tentativa de criar uma
“tessitura vocal”, ums “cena musicalizada” (MOTA, Mimeo Inédito, p. 226-247), concentramo-
nos na poesia de ‘Ave Musa incandescente do deserto’ de outro dramaturgo importante a essa
pesquisa Ariano Suassuna (2006, p. 24). Decerto, o barulho e a brincadeira com os objetos,
apesar de consolidar como parte experiencial e necessária ao processo, deve ser organizada e
pré-determinada em regras que não transformem a sonoplastia em barulheira:
1. Só pode feito (voz, assobio, palmas e outros sons corpóreos 33) ou utilizado (materiais
sonoros) 3 sons que dialoguem entre si, se atentando para que o volume da sonoplastia
não ultrapasse ao som de quem declama a poesia;
2. Devem ser formados 7 grupos no máximo, para que assim seja feita a devida
sonorização de pelo menos dois versos do poema sugerido anteriormente, que se
encontra em ANEXO 0134;
3. Apenas um único grupo pode emitir sua sonoplastia em seu turno (dupla de versos).
• AULA IV:
33
Sons percussivos extraídos principalmente pelas mãos em contato ou fricção com o tronco, ombros, lateral da
boca (aberta em ‘O’ ou em ‘A’) e abdomes.
34
SUASSUNA, Ariano. Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta. 8ª ed., Rio de
Janeiro: José Olympio, 2006.
48
pois todos esses traços melódicos e harmônicos possuem um diálogo entre si e a letra da canção
– abrindo uma discussão com as seguintes indagações:
35
Estudo dos pássaros - espécies, plumagens, localidade, habitat, folclores envoltos e quais tradições circundam
uma determinada ave
36
Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1x_B0ZBKA7RtwZ-g4JtuT7zNantEChSvv/view?usp=sharing
49
Para esse momento, recomenda-se que o professor separe lonas ou lençóis ou qualquer
outra estratégia que possibilite ter um ambiente de escuro. Com apenas folhas recortadas em
moldes37, que podem ser baixados, impressos e recortados, o professor pode fazer uma
Contação de História simplesmente utilizando a lanterna de seu próprio celular ou qualquer
outro instrumento de iluminação que permita a projeção desses moldes no teto ou parede de
uma sala – de modo a ampliar a atmosfera e o jogo lúdico.
Se faz necessário que essa projeção seja feita em um pedaço de vidro transparente
(demarcando a parte cênica38) e colocando sobre o vidro esses moldes para que fiquem contra
a luz projetada no teto e, dessa maneira, forme as sombras como imagens xilográficas, sempre
que possível – por isso evitar locais ventilados ou passíveis de trepidação. Um exemplo dessa
contação, que é intitulado ‘O pequeno ovo perdido39’ pode ser impressa49 e acessível em
ANEXO 06. De forma mais evidente, esses recortes, posição de fitas e xilogravuras podem ser
vistos a seguir:
37
Disponível em:
https://drive.google.com/drive/folders/1J_J1-Hiab7un6n9RAoHTRsYvF_h29vSs?usp=sharing
38
Quadrado ou retângulo que deve se enquadrar (pós-projeção) na superfície, permitindo assim que o
manipulador dos moldes não projete a imagem fora desse quadro e saiba do espaço de manuseio possível e
tenha seu controle.
39
Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1eS8pRG3obJzUxjdbvFyWG183KpnmSGK4/view?usp=sharing
50
De tal maneira, os moldes, que recortamos, buscam apresentar ou refletir uma parcela
dessa visão e desse imagético identitário. Ao projetar esse tipo de imagem em alguma
superfície, logo vemos o resultado estético dessas gravuras:
Uma aula como essa, para além das discussões e possibilidades brincantes que podem
ser feitas com esse tipo de trabalho (xilogravura projetada em superfícies planas), é capaz de
instigar as crianças a quererem copiar ou formular as suas próprias contações. Nessa
possibilidade, recomendamos que o professor deixe de três a quatro aulas (de 45 a 50 minutos
cada) para esse tipo de atividade, podendo ser:
• AULA VI: Pós aulas anteriores, sugere-se uma revisão de tudo que foi posto nesse
tópico (Incubando a luz) e etapas aplicadas em sala de aula: 01) reprodução/encenação,
02) discussão de conteúdo pragmático, adentremos na relação que existe entre o
Movimento Armorial entre as músicas passadas, as aves ouvidas e observadas e as
xilogravuras.
Retomando as perguntas ‘i’, ‘ii’ e ‘iii’ (que devem ser refeitas) que foram
deixadas em aberto no ponto anterior dessa ação pedagógica, induzamos os alunos a
começar a desvendar a ‘mulher misteriosa’, de quem brotou a discussão desses pássaros,
tipos de música, imagens recortadas e projetadas à luz, estimulemos essa curiosidade
mais uma vez e, somente no próximo encontro, abordemos a nossa dramaturga como o
objeto de estudo e relevância que ela tem para a Dramaturgia paraibana. Como uma
breve apresentação ou, ‘abrupto degustar’ de um nome: que seja feita uma breve
explanação de uma outra dramaturga se utilizando de material jornalístico40 (CORREIO
DAS ARTES, 2020, p. 4) e perguntas como:
40
O professor pode acessar parte ou total do fascículo comemorativo de 100 anos de vida de Lourdes Ramalho,
através do link: https://auniao.pb.gov.br/servicos/arquivo-digital/correio-das-artes/edicao-digital-
2020/correio-das-artes-agosto-de-2020
52
AULA VII:
• 1ª ETAPA: Um primeiro contato com texto O Pássaro Real (2004) que se encontra em
ANEXO 02, através de uma primeira leitura em que de forma discursiva e dialógica
promova-se “um trabalho de apropriação narrativa” (RIBEIRO, 2015, p. 31) em que a
leitura e debate sobre a obra seja posta em conversação.
41
Disponíveis em:
Canção 01 – abertura:
https://drive.google.com/file/d/1a9CzT2F1Lz6rvFGRLu4XD_NbstbnOrc2/view?usp=sharing
Canção 02 – galo Serapião:
https://drive.google.com/file/d/1gFWw03dq9Un87KqioU_6gB2lroY8T_c8/view?usp=sharing
Canção 03 – corre-corre:
https://drive.google.com/file/d/19rz5SOko-qw5pa0FrqyumZdhQkFDMiuW/view?usp=sharing
Canção 04 – roda-roda:
https://drive.google.com/file/d/1eAP86MWLjoOXjJeesYyv7VQgem9rQr_Y/view?usp=sharing
Canção 05 – final:
https://drive.google.com/file/d/1jgG6MlkiBXNfKhxKWWTuZrg9aUfbOznj/view?usp=sharing
53
• 3ª ETAPA: Unir a leitura, que deverá ser feita já imaginando ou fazendo um tipo de
construção de personagem, conforme a personalidade de cada animal (O Tangará,
Corropio, Galo, Tejeassu, Tamanduá etc) e promover a execução dessas canções
(reproduzido por uma caixa de som ou aparelho celular) cada uma das subpartes
sugeridas.
Após toda uma leitura e brincadeiras que fomentassem momentos de apreciação, análise
e discussão do texto ramalhiano, partimos para a montagem de cada elemento dramático e
físico-cênico como proposto mais abaixo.
AULA VIII:
Para esse momento, é muito mais importante que haja o sucessivo progredir de cada
etapa, do que, necessariamente haver uma ‘enxugar’ ou ‘alastrar’ um número de aulas que
exorbitem a expectativa/exaustão das crianças envolvidas. Como mediador, o professor deve
orientar esses alunos em um jogar/brincar teatral que compõe e pode ser esquematizado através
de um “organograma da trama” (RIBEIRO, 2015, p. 31) que integram o nosso Circuito
Literário, conforme se verá a seguir.
54
Detalhamento:
Nessa perspectiva, dividimos as ações em Atos (das quais podem ser efetuadas duas ou
mais por aula, conforme andamento coletivo). Exercitando a leitura encenada, afincada com as
intenções dos personagens, ritmo poético e valorização da Variação Linguística presente no
Nordeste brasileiro e suas diversas formas prosódicas, propõe-se chegarmos num processo em
que, de forma coletiva e corroborativa, os discentes reorganizem e elaborem um cenário para
cada zona, conforme proposta no organograma acima (Figura 05).
56
A esta altura, é importante que se pense em dois grupos que, no encadear de cenas e
momentos do Circuito Literário, serão os responsáveis pelo jogo dramático a ser executado: a
Plateia e o Elenco. Intitulada pelo Círculo Branco, os alunos que se colocarão dentro desta roda
executarão todas as ações de sonoplastia e iluminação, por isso, também é essencial que estejam
orientados pelos diálogos e rubricas/marcas da peça O Pássaro Real (2004). O texto deve ser
impresso e estar nas mãos (individualmente ou em duplas). Já, para o alunado que representará
os personagens e perpassará os pontos cênicos dessa nossa proposta pedagógica, sugerimos
cartolinas impressas ou escritas com canetas-hidrocor grossas – tornando o texto legível,
pregadas/fixadas de forma paralelas aos círculos ou polígono coloridos.
Dessa forma, tornamos a leitura do texto dramático mais fluida (sem misturar o texto do
elenco com o texto da plateia), podendo ser “entendida como um processo de formação de duas
categorias: uma voltada para a leitura do texto teatral impresso, e a outra voltada para a
interação” (NAZARETH, 2012, p. 62). Por essa estratégia, apesar de duas formas de acessar o
texto (um as mãos da plateia e o outro nas paredes da sala), o seguimento da narrativa e leitura
– pincipalmente nos diálogos e canções – deve ser ordenado e progressivo, através da mediação
do professor. A leitura pode ser dividida em momentos diferentes e partes diferentes do texto,
conforme os Atos sugeridos abaixo:
ATO I:
ATO II:
do Barqueiro, que se encontra ao lado e os leva, com o entremeio da cena entre eles quase com
o barco afundando, adentrando do Círculo Verde (LAGO), em busca do camaleão.
ATO III:
ATO IV:
ATO V:
Executa-se a cena de caça ao Tamanduá até seu ponto de aparição (Ibidem, p. 36) –
Círculo Vermelho (POMAR), com possibilidade de usar as varas (que anteriormente eram
árvores) como instrumento cômico de contenda de espadas). Noutra cena de batalha, dessa vez
com a vitória do Tamanduá perante o Galo Serapião da plateia), executa-se a cena de caça do
de outro suspeito (Ibidem, p. 36).
58
ATO VI:
Num instante de duas cenas (RAMALHO, 2004, p. 37-39), temos a primeira delas com
a abertura de uma das canções40 propostas (Canção 03 – corre-corre) que arrodeiam o Círculo
Preto (BURACO), onde está o Tejuassu. Para esse instante – como um tipo de simulação do
interior de uma escavação – orienta-se ao mediador que apague as luzes da sala e que a plateia
(na função de iluminadores) clareiem a cena (com lanternas ou luz dos celulares ou qualquer
aparelho luzente que não envolva fogo), construindo atmosferas que, “relacionadas com a
iluminação (luz móvel, focos precisos e variáveis) e a tridimensionalidade da cena (espaço de
atuação em relações concretas entre o corpo do ator e os objetos de cena )” (MOTA, Mimeo
Inédito, p. 17), se transforma em outra possibilidade de um aprendizado contemplativo à arte
visual. Retomando a luminosidade da sala, adentramos na segunda cena em que começa uma
caçada do ovo de ouro na barriga da plateia, ocorrendo – através do Barqueiro, que novamente
é solicitado – a migração dos personagens Tangará e Currupio do Círculo Preto ao Branco,
novamente ao som de uma de nossas canções40 (Canção 04 – roda-roda).
ATO VII:
Como um ato (RAMALHO, 2004, p. 40-41) de “quebra da quarta parede [...] que haja
também um envolvimento emocional na execução dessas narrativas” (Ibidem, p. 209) em um
fazer brincante entre plateia e elenco, direciona-se o momento de retorno ao Círculo Amarelo
ao passo que se adentra em outra canção40 temática anterior (Canção 03 – corre-corre) e um
outro período e ambientação de comicidade que é o desconfiar de um último suspeito: o próprio
detetive Serapião,
ATO VIII:
Uma recomendação feita por Ribeiro (2015, p. 34) e pela qual nos direciona e apontar
como solução diante dos inúmeros imprevistos que podem ocorrer, se refere em uma elaboração
59
de um roteiro que possa “auxiliar o professor no desenrolar do enredo, tendo especial cuidado
em manter os pontos significativos e essenciais para o desenvolvimento da trama”, ao mesmo
tempo que é de suma importância que os discentes tenham compreensão e dimensão logística
de como esse esquema descritivo deve guiar e organizar cada prática ao seu devido
tempo/momento.
60
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em símile ao que corresponde ‘pisar pela primeira vez’, num tablado de madeira ou
numa sala de aula, seja isto em um palco ou numa das cadeiras da plateia, seja isto numa carteira
estudantil ou num birô docente, este estudo procurou fomentar – desde esse primeiro passo –
um somatório convergente de bases teóricas, reiterados exercícios discursivos e (auto) críticos
na relação dialógica das interlocuções aqui presentes, para, assim, apurar a substância artístico-
cultural e literária em face da dramaturgia ramalhiana. Na execução de cada etapa transcorrida,
defrontamo-nos com uma pandemia, causada pelo vírus SARS-COV-2, que paralisou,
prejudicou e, no retorno de algumas poucas escolas, afetou todo um sistema educacional a nível
mundial – o que dizer, do brasileiro, mais ainda: situação esta que impediu a plena realização
do que se propunha na prática, no contexto de uma sala de aula e com os alunos.
Esta pesquisa, que também teve seus instantes de primeiro passo, intempéries,
paralisações e retornos, teve seus momentos de lapidação e constatação de si, de forma tal a
refletir como – em meio a uma pandemia e todo um complexo de variáveis (históricas, políticas,
socioculturais e institucionais) avesso ao viável fruir e aproximação epistemológica do
professor ao aluno (validando aqui a recíproca) no ensino-aprendizagem de uma leitura – que
é de mundo, que é de arte e de uma possibilidade, também viável de Leitura da Literatura em
latu sensu.
Premissas e problemas e processo expostos – podemos então afirmar que este trabalho
acadêmico encontrou na Dramaturgia e sua diversa (re) significação um elo entre a Leitura e
Literatura que deve/pode ser desenvolvido em sala de aula a fim de aproximar o mútuo
entendimento discursivo entre o artístico e o didático, também diversificar as possibilidades
imagéticas, linguísticas, recursivas (no que concerne a habilidades e competências individuais
– memória, atenção, criticidade e criatividade, paciência, tolerância e desenvolvimento
humano), culturais e sociais tanto do aluno, quanto professor.
Não minimizando a responsabilidade dos pais e sociedade, como mediadores dessa
ressignificação do letramento e do pensamento em formação, mas é relevante destacar o papel
da escola e corpos docente envolvidos para com suas atenções aos notáveis aspectos que a
leitura dramática tem a acrescentar, principalmente no que se diz respeito ao sentimento
recreativo, consciência (de um silêncio a palmas, de um ato a um coletivo, de um diretor
artístico a um artista educador) e satisfação que as práticas de leitura devem estar permeadas e
propostas à propagação de potenciais leitores dentro e fora da escola.
61
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quer oral. Revista Graphos. João Pessoa, v. 12, n. 2, UFPB/ PPGL, 2010, p. 52-73.
_______. Do manuscrito ao folheto de cordel: uma literatura escrita para ser oralizada‖. Leia
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62
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Fenerich. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
64
ANEXO 01:
ANEXO 02:
66
67
68
69
70
71
72
73
74
75
76
77
78
79
80
81
ANEXO 03:
82
ANEXO 04:
84
85
86
ANEXO 05:
Fonte: https://www.letras.mus.br/renato-teixeira/1234388/
87
ANEXO 06
88
89
90
91
ANEXO 07:
Fonte: https://portalamazonia.com/amazonia/som-da-morte-descubra-a-
lenda-por-tras-da-coruja-rasga-mortalha
92
Fonte: https://portalamazonia.com/amazonia/urutau-o-passaro-
amaldicoado-conhecido-como-ave-fantasma-da-amazonia