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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA

CAMPUS CAMPINA GRANDE


CENTRO DE EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES
CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS PORTUGUÊS

ARTHUR VELÁZQUEZ FLORENTINO DE CARVALHO

DE CONTO EM CANTO:
o circuito literário em aulas de leitura
– uma experiência com O Pássaro Real, de Lourdes Ramalho

CAMPINA GRANDE, PB
Março - 2022
ARTHUR VELÁZQUEZ FLORENTINO DE CARVALHO

DE CONTO EM CANTO:
o circuito literário em aulas de leitura
– uma experiência com O Pássaro Real, de Lourdes Ramalho

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Coordenação do Curso de Graduação em
Letras/Português da Universidade Estadual da
Paraíba, como requisito parcial à obtenção do título
de Licenciado em Letras.

Orientador: Prof. Dr. Diógenes André Vieira Maciel

CAMPINA GRANDE, PB
Março de 2022
ARTHUR VELÁZQUEZ FLORENTINO DE CARVALHO

DE CONTO EM CANTO:
o circuito literário em aulas de leitura
– uma experiência com O Pássaro Real, de Lourdes Ramalho

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


(Monografia) à Coordenação do Curso de
Graduação em Letras/Português da Universidade
Estadual da Paraíba, como requisito parcial à
obtenção do título de Licenciado em Letras.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________
Prof. Dr. Diógenes André Vieira Maciel - Orientador
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB/DLA)

_________________________________________
Profa. Dra. Ana Lúcia Maria de Souza Neves - Examinadora
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB/DLA)

_________________________________________
Profa. Dra. Nayara Macedo Barbosa de Brito - Examinadora
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB/PPGLI/Fapesq-PB)
Verve et Sapiens
RESUMO

Trata-se de uma proposta de ação didática, desenvolvida no âmbito da leitura de dramaturgia e


tendo como foco o letramento literário, direcionada a turmas do 4º ano de Ensino Fundamental
I, mas passível de aplicabilidade entre crianças (5 a 10 anos de idade) em fase dos dois primeiros
ciclos escorares. Propõe-se, assim, um Circuito Literário (técnica que incorpora aspectos da
Contação de Histórias e da Leitura encenada para a prática e estudo da literatura Infanto-juvenil)
enquanto estratégia para o trabalho com a obra teatral O Pássaro Real (2004), escrita pela
dramaturga Lourdes Ramalho. Nesta direção, descreve-se as etapas do Circuito, enquanto modo
de contribuir com a prática docente no que concerne ao estudo da Leitura Literária e, por
conseguinte, pretende-se (re)descobrir dialéticas que convirjam ao incentivo à leitura de
dramaturgia infanto-juvenil, com enfoque aos textos e obras teatrais ramalhianos, diante de
experiência de jogo teatral, contação de histórias, sensibilização e musicalização

Palavras-Chave: Dramaturgia Infanto-Juvenil. Circuito Literário. Letramento Literário.

.
ABSTRACT

It's about a didactic action proposal, developed in the field of dramaturgical reading and focused
the literary literacy, aimed at 4th-year classes of elementary schooling I, but applicable to
children (5 to 10 years old) in the first scholar cycles. Thus is proposed a Literary Circuit (a
technique that incorporates aspects from Story Telling and staged reading to the practice and
study of juvenile literature) as a strategy to the work with the theater work O Pássaro Real
(2004), written by playwright Lourdes Ramalho. In this direction, are described the phases of
the circuit, as a way to contribute with the teaching practice in what it concerns to the study of
literary reading and is intended to refind dialectics that converge to the stimulus to the reading
of juvenile dramaturgy, with a focus on the texts and the ramalhian theater work, in front of the
experience of the theater game, Story Telling, sensibilization, and musicalization.

Keywords: Juvenile Dramaturgy. Literary Circuit. Literary Learning.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Exemplo 01 – canção ‘Toada do Pássaro Real’ (compasso 1 ao 9) .................................. 36


Exemplo 02 – canção ‘Toada do Pássaro Real’ (compasso 10 ao 19) .............................. 36
Exemplo 03 – canção ‘Assum Preto’ (compasso 15 ao 23) .............................................. 38
Figura 01 – Estrutura física de um teatro .......................................................................... 43
Figura 02 – Teatro Santa Rosa: João Pessoa - PB ............................................................ 44
Figura 03 – Recortes xilográficos .................................................................................... 49
Figura 04 – Projeções xilográficas ................................................................................... 50
Figura 05 – Organograma do Pássaro Real ...................................................................... 54
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 10

1. ENQUANTO EU (ME) CONTO... .................................................................... 14

2. A JORNADA EM BUSCA DO OVO DE OURO: ASPECTOS


DRAMATÚRGICOS E PROPOSTAS DRAMÁTICO-MUSICAIS PARA O
PÁSSARO REAL ................................................................................................. 26
2.1. DE VERSO EM VERSO: A POESIA E DRAMATURGIA RAMALHIANA .... 28
2.2. DE NOTA EM NOTA: A MÚSICA ARMORIAL ................................................ 32

3. A JORNADA EM BUSCA DO CONHECIMENTO: ASPECTOS


PEDAGÓGICOS E O CIRCUITO LITERÁRIO PARA O LETRAMENTO
LITERÁRIO ......................................................................................................... 39
3.1. METODOLOGIA .................................................................................................. 40
3.2. CIRCUITO LITERÁRIO: ..................................................................................... 41
3.2.1. Fecundando o tablado ............................................................................................ 42
3.2.2. Nidificando o som .................................................................................................. 46
3.2.3. Incubando a luz ...................................................................................................... 49
3.2.4. Eclodindo uma Dramaturgia .................................................................................. 52
3.2.5. Voando pela primeira vez ...................................................................................... 53
3.2.6. Aplicando o circuito em Atos ................................................................................ 56

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 60

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 61

ANEXOS ........................................................................................................................... 64
9

INTRODUÇÃO

Mesmo após a mais recente promulgação da Lei 13.278/2016, como alteração do § 6º


do art. 26 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que fixa as diretrizes e bases da educação
nacional, acerca do ensino da Arte (Artes Visuais, Dança, Música e Teatro), façamo-nos um
questionamento: quantas obras ou espetáculos de teatro já foram tema ou conteúdo de uma aula
que você assistiu/lecionou? A resposta para essa pergunta não é algo muito complexo de se
responder, nem é difícil de se pressupor a escassez desse conteúdo no âmbito escolar.
Isso se torna inquietante, quando a pergunta feita anteriormente é direcionada a crianças
dos 1º, 2º e 3º ciclos do Ensino Fundamental, quando encontramos no silêncio dessas crianças
a resposta de nossas (professores em formação ou em ato de lecionar em reflexão de próprias
ações). Celso Ferrarezi (2014, p. 12) nos aponta um porquê dessa afirmativa anterior, quando
afirma a existência de um “silêncio academicamente ensinado, escolasticamente repetido,
metodologicamente desenvolvido, totalmente proliferado, infelizmente acalentado”, o qual
devemos reverter a partir da conversão de nossas próprias práticas em sala de aula.
Encontramos, assim (re)afirmado, no silêncio de um sistema educacional, duas grandes
ausências prejudiciais ao exercício de gerar números orgânicos1 ou indivíduos protagonistas da
mudança de paradigma da Educação brasileira: a Arte e a Leitura.
Para ensejo desse propósito, nos apoiamos na reflexão sobre a “palavra oral”
(ZUMTHOR, 2007, p, 10) e sobre a “leitura como performance” (Ibidem., p. 69), de modo que
afunilem algumas categorias artísticas (Música, Pintura, Mímica) para o estudo e aplicação do
teatro em sala de aula (GOMES; REIS, 2020) e que amplifiquem as reflexões em torno de
práticas pedagógicas que visem uma qualidade de ‘Letramento Literário’ ponderado pela ideia
que, assim como aspiramos, para “formar leitores capazes de experenciar toda a força
humanizadora da leitura, não basta apenas ler (COSSON, 2009, p. 29)”.
Em curso desse sentido, nossa pesquisa se destinou a decifrar tal problemática com a
seguinte pergunta: como possibilitar um processo de ensino que, apoiado em atividades
artístico-lúdicas, estimule e viabilize práticas de leitura para alunos que tenham faixa etária de
até os 10 anos? Desse e outros questionamentos, que surgiram durante o próprio desenrolar da
pesquisa, também se considerou uma hipótese, aqui, exposta: é a própria dramaturgia e seus

1
Referência à Unidade Orgânica: termo designado ao cidadão brasileiro portador de documentação cível
(Cadastro de Pessoa Física – CPF, por exemplo) e detentora de deveres/direitos com compreendem a existência
jurídica de um determinado indivíduo.
10

constitutivos expressivos (a música, a oratória, a mímica, a representação, a iluminação, a


essencialidade repetitiva do ensaio, o corpo e a voz em ação) uma ferramenta holística2 para
uma provável proposta de ensino e estudo da Leitura.
Para o desenvolvimento do trabalho, consideramos enquanto maneiras de propor
formas de ensino e aprendizagem em Leitura Literária, na discussão de outros tipos de leitura
que não somente pelo código linguístico, como a “leitura encenada” (NASCIMENTO, 2021),
a “leitura audiovisual” (MOTA, Mimeo Inédito) e “leitura de mundo” (COSSON, 2009). Dessa
forma, nossa pesquisa propõe um Circuito Literário norteado – um texto dramático infanto-
juvenil escrito todo em versos metrificados: O Pássaro Real (2004), da dramaturga e poetisa
Maria de Lourdes Nunes Ramalho (1920 - 2019), notadamente reconhecida e difundida como
Lourdes Ramalho.
Voltada à formação e reflexão da atividade docente nos processos de ensino da Leitura
pela arte e pelo fazer artístico, o que nos motiva ao decorrer dessa pesquisa é o leitor e sua
potencialidade de formar sujeitos críticos e sociais, perante o atributo cultural da leitura como
ferramenta coletiva de formação de uma cultura e de um povo. O pesquisador Rildo Cosson
(2009, p. 27) se questiona sobre a forma como “Ao ler, estou abrindo uma porta entre meu
mundo e o mundo do outro” e nos impulsionou ao abrir os olhos frente à necessidade e
existência dessa pesquisa para professores que buscam o aperfeiçoamento de suas práticas. Em
nosso primeiro capítulo, encontra-se um relato de um caminho artístico percorrido entre a
Música, jogos teatrais e a Teoria Literária (do ponto de vista da leitura e deleite até o ponto de
vista acadêmico, no tocante aos processos de graduação em Letras – Língua Portuguesa) através
de um escrita que toca os limites do memorial descritivo de modo a revelar como a
“operatividade da experiência estética se esclarece na reorientação do cógito abstrato da
metafísica da arte para a materialidade dos atos, até mesmo dos atos de pensar (MOTA, Mimeo
Inédito, p. 145. Grifo nosso). Desse lugar de pensamento, o refletir sobre como essa experiência
artística (na qualidade de uma práxis e vivência musical e teatral) se soma às demandas de um
espaço acadêmico e de um desenvolvimento de uma percepção de um professor (em formação
e/ou para formação).
Posteriormente, fizemos toda uma discussão a respeito de Lourdes Ramalho e sua
relevância enquanto autora análoga aos movimentos populares da Oralidade presente em sua

2
Em contrapartida ao ‘não-reducionista’, corroboramos com o termo Holismo (conceito aristotélico da Filosofia
grega que, em 1927, é registrado Jan Christiaan Smuts em seu livro Holismo e Evolução), perante sua
significação de um sistema codependente de uma somatória de fatores constitutivos de um todo. Direcionado
à Educação, esse termo toma acepção em um conjunto de ações e conhecimentos – como a aplicação da
interdisciplinaridade – somados e interceptos ao um destino ou disciplina curricular.
11

poesia demarcada por traços da cultura ibérico-cordelista em sua “noção de dramaturgia


nordestina, enfatizando processos de fatura que unem o teatro produzido nesta região a formas
populares de poesia, orais e improvisadas (MACIEL, 2019, p. 38)”. Num subtópico interno, é
discutida todo o contexto musical e emergir do Movimento Armorial, tanto como cenário
sinestésico e temático das características da dramaturgia ramalhiana, quanto como proposta de
apreciação auditiva e conceitual para o Circuito Literário (LÚCIO, 2005) a ser
desenvolvido/esclarecido nesta pesquisa.
Circuito esse, que é destrinchado e posto em constatação e problematização frente às
dificuldades e desafios a respeito da Literatura muito além de uma disciplina ou atividade
escolar isolada da possibilidade de gerar deleite ou interesse pelos alunos, aos quais
discutiremos as nomenclaturas receptor-espectador. Tal discussão se tornou essencial para
adentrarmos na parte em que coube desfiar e desvendar a metodologia, de modo a viabilizar a
interlocução dos registros teóricos levantados com nossa proposta pedagógica. Ainda nesse
ponto, desvendamos passo-à-passo como essa proposta pode ser aplicada, revelando o
arcabouço de possibilidades da “matéria literária” e da “invenção literária” (COELHO, 2000,
p. 66) como mote do fazer e experenciar o teatral, o auditivo, o musical e o xilográfico enquanto
componentes da cultura popular e da pedagogia brincante existe nesse circuito que é todo
circunscrito pelas possibilidades advindas do O Pássaro Real (2004) e do universo artístico que
circunda e pode ser extraído em outras áreas da arte para uma prática em sala de aula.
12

1. ENQUANTO EU (ME) CONTO...

Este relato, de uma experiência in progress, tem como ponto de chegada – através da
apuração de uma experiência vivida como artista (músico e ator) e como docente (graduando e
professor) – uma discussão em torno da técnica chamada de Circuito Literário, segundo Ribeiro
(2015, p. 29), aqui demandada enquanto uma ferramenta pedagógica para o norteamento de
atividades em face da leitura-encenação3 da literatura. Nesse ponto de chegada, a obra O
Pássaro Real, da dramaturga Lourdes Ramalho4 (2004, p. 30-42), tornar-se-á o ponto de
convergência para o qual todas as ações de minha pesquisa artístico-literária e de práxis,
enquanto professor em formação, convergem como faces de um processo em que todas as
minhas experiências de musicista, sonoplasta, contador de histórias, ator e graduando em Letras
culminam.
Para chegarmos a esse ponto, precisamos compreender o meu ponto de saída ou, muito
antes disso, o meu ponto de surgimento em face de um conjunto de relações produtivas com a
Arte. Minha história pessoal começa com as músicas populares e com meu próprio círculo
familiar, do qual destaco a forte presença de meus tios maternos: desde pequeno, tenho a
memória afetiva das cantatas, serestas, luaus e, obviamente, de festejos juninos, quando tive
meus primeiros contatos com o violão de seis cordas. Foi entre os quatro a seis anos de idade,
na casa de minha avó, ainda no município de São Sebastião de Lagoa de Roça-PB, quando senti
pela primeira vez o corpo de um violão, que mal cabia em meu colo, vibrar ao meu peito, que
tive contato direto com o ‘barulho organizado’ que as cordas de náilon daquele Gianinni
soavam sobre aquela coisa que hoje compreendo ser a caixa acústica de madeira rígida,
vibrante, cheirando àquilo que queimava na fogueira de São João.

3
Expansão do termo leitura dramática (ALMEIDA JUNIOR; KOUDELA, 2015, p. 115) em que, para além das
ações de vocalização/espacialização do texto, a leitura se torna uma parte integrante – não uma parte principal
– conjunta a outras partes integrantes (estudo/interpretação de signos relacionados a figurinos e cenários,
submissão e elaboração de marcas corpóreas para a ação cênica etc.). De forma suscinta, a leitura-encenação
é uma atividade que se realiza através de um trípode constructo da leitura, pela ação (enquanto vetor de
movimentos e posição de um corpo, seja ele estático ou dinâmico), para seu tangente desígnio: a cena.
4
Maria de Lourdes Nunes Ramalho foi escritora, dramaturga, cordelista e pedagoga. Escreveu perto de cem
textos teatrais que lhe renderam muitas homenagens, indicações e premiações, inclusive internacionais em
países como Portugal e Espanha. Nasceu em 23 de agosto de 1920, na cidade de Jardim do Seridó (RN), e
passou boa parte da vida em Campina Grande (PB), onde veio a falecer no dia 7 de setembro de 2019. (Correio
das Artes, 2020, p. 1). Este texto tem duas edições: a primeira delas está impressa na antologia Teatro infantil,
coletânea de textos infanto-juvenis (Campina Grande: RG Editora e Gráfica, 2004. p. 30-42); depois, ele foi
reeditado com o seu título original, a saber “Corrupio e Tangará”, em Maria Roupa de Palha e outros textos
para crianças (Campina Grande: Bagagem, 2008. p. 93-109). Neste trabalho, manteremos o título da peça
conforme vontade da autora, em sua última revisão.
13

Apesar de um fascínio imediato pelo som e pela natureza tátil daquela ‘coisa de
madeira’, em detrimento da óbvia incompatibilidade entre o meu tamanho e o tamanho do
violão, a flauta doce foi o meu primeiro instrumento musical. Com ela, tive as minhas primeiras
noções de notação, teoria e prática musical. Através dela, pude experenciar o exercício de tocar
em grupo, harmonicamente e ritmicamente, em um pulso/tempo de um coletivo, sob ordens do
movimento que um regente local fazia com uma vareta branca. Embora a dedicação de um de
meus tios, com as lições e ensino da flauta – envolvendo tocar em grupo, em um tempo exato
que não era o meu, em um batimento por segundo (120 bps) ditado exatamente por um terceiro,
através de um metrônomo guiado por outros instrumentos que não era o que saia de meu sopro
–, houve momentos em que eu me sentia completamente perdido, em meio àquele caos
harmonioso, formado por um coletivo necessariamente organizado e em que todos sabiam o
que/quando e qual nota soar. Esta foi a experiência mais traumatizante (por conta das inúmeras
falhas) e, ao mesmo tempo, satisfatória (enquanto conquista, dos ensaios até apresentação) que
tenho a respeito de meus primeiros anos de infância e do que pode ser uma experiência social.
Com meu crescimento, físico e psíquico, por obra do passar dos anos, volto a pegar o
violão e começo a ser instruído sobre os primeiros acordes, batidas, melodias e canções que
conseguia capturar ou aprender com meus tios. Com o tempo, e algumas oportunidades
privilegiadas ou providenciadas com o esforço/empenho de meus familiares e próximos,
ingresso em um conservatório de música, orquestra de cordas dedilhadas (sob regência de Jorge
Ribas), alguns Cursos de Extensão pela Universidade Federal de Campina Grande, que me
trazem ao momento presente, quando posso ministrar aulas de violão na cidade em que passei
a maior parte de minha vida.
Todavia, ainda voltando à minha infância, especificadamente em minha vida escolar, é
através do ‘Tio’ Sérgio Simplício que tenho outro primeiro contato com a Arte. Foi sem saber
do que se tratava ou em que culminariam as tarefas e brincadeiras das aulas desse professor,
que eu começo a descobrir o significado de um conjunto de ações e atuações de/com meu corpo,
despertando uma espécie de fazer brincante5 e a construção de minha ingênua consciência a
respeito do que é (ou do que poderia ser) o teatro. Tudo – referente às aulas vivenciadas, ainda
na escola – parecia um jogo, que nos levava a uma determinada diligência, a qual, somente
hoje, consigo perceber o quão era intencional e o quanto é uma “condição básica para garantir

5
“Etmologicamente, brincante é aquele que brinca. Por isso, mais do que apresentar ou representar, o brincante
literalmente brinca, no sentido de divertir-se livremente, ele e seu público, ambos fazendo parte da
brincadeira[...]. A iniciação do brincante ocorre sempre numa coletividade, seja no seio da família, seja na
comunidade, isto é, entre aqueles que detêm o folguedo.” (ALMEIDA JUNIOR; KOUDELA, 2015, p. 24.
Grifo nosso). Voltaremos a esta discussão mais adiante.
14

a autenticidade infantil; pouco a pouco o olhar externo vai sendo introduzindo e o jogo
dramático vai ganhando complexidade” (ALMEIDA JUNIOR; KOUDELA, 2015, p. 105), ao
ponto que culminou em minhas primeiras apresentações de final de ano ou datas
comemorativas, no ambiente escolar.
Ainda que já fossemos alfabetizados e já tivéssemos acesso à leitura e, também, já
dominássemos uma razoável competência para decorar um texto ou enunciados, o nosso
professor, desvendado em diretor (entendido aqui como um supervisor, gerenciador e
responsável pelo encadeamento cênico, como também responsável pelo direcionamento dos
diversos esforços e ações para com a montagem ou representação concreta de uma peça de
teatro), nunca optou, em seu trabalho de direção, pela ferramenta textual (de forma essencial)
em seu tríplice sentido (escrito/lido/interpretado), usado como guia para o encadear das cenas.
Naquele estágio, todas as nossas falas eram descobertas e transformadas em construção cênica
de atos ou partes (começo, desenvolvimento, fim etc.) único e exclusivamente pelo próprio
objetivo de ‘brincar’ de teatro.
Nesta direção, esta vivência passou a suscitar um dos meus questionamentos a respeito
da relevância da oralidade enquanto metodologia de ensino, seja ela para artes, seja ela para
outras práticas pedagógicas. Uma primeira pista dessa questão já se clareia ao indagarmos,
juntamente com Paul Zumthor, que:

[...] a voz se diz. Por e na voz a palavra se enuncia como memória de alguma
coisa que se apagou em nós: sobretudo pelo fato de que nossa infância foi
puramente oral até o dia da grande separação, quando nos enviaram à escola,
segundo nascimento. Não se sonha a escrita; a linguagem verbal sonhada é
vocal. Tudo isso se diz na voz. (ZUMTHOR, 2007, p. 86)

Deste primeiro vestígio, eu já começava a indagar uma evidente fronteira que já se abria
à minha infância (escolar) e de como a minha fala começava a ser tornar mera ferramenta
comunicativa e a escrita se revertia em mecanismo fundamental da maioria das minhas ações
em sala de aula – principalmente no que se dizia respeito ao copiar. Hoje (acadêmico), nesse
entremeio fronteirístico entre a oralidade e a escrita, entre uma histórica, dialética e dicotômica
relação – para com as diversas linhas de pensamento – de uma fazer ‘reprodutivo da linguagem’,
me perguntando sobre essa fronteira, me aproximo progressivamente de outra dialética e
dicotômica relação: a memória e o registro. Isto posto, mesmo em minha infância, já se
preconizava uma aparente impressão de dois espaços de meu cotidiano: a vida e o teatro de um
lado; e, do outro, a escola e o texto. Pensar era como respirar e como falar, pois eram ações de
meu cotidiano que tinham um certo tipo de naturalidade. De forma análoga inspirar/expirar e
15

ouvir/dizer sempre foram meus instrumentos principais de comunicação/interação,


principalmente quando penso nos primeiros anos de aprendizagem. Já na escola (e pela
escolaridade que eu adquiria progressivamente), foi a escrita – com suas respectivas ações de
decifração e reprodução – que se tornava ferramenta principal de um novo modo de interação,
de um novo modo de existir, enquanto mecanismo para um ser comunicativo, em formação
escolar e pessoal.
Nesse instante, dois evidentes cotidianos começavam a se entrelaçar em minha vida: um
primeiro mundo no qual, anteriormente, tudo eu resolvia ou inventava com a fala; um segundo
mundo em que, nesta etapa de minha puerícia6, tudo se resolvia, se calculava e se descobria
com letras, vírgulas ou pontos e símbolos gráficos. Naquele mundo anterior, retomo a minha
vivência com o teatro e as aulas do Tio Sérgio, pois é neste lugar que eu pude revisitar esse
local de fala e espaço de comunicação/exercício oral. Em comparação à minha primeira
experiência artística, a musical, pude começar a perceber, naquele contexto de um teatro
infantil, que não havia necessidade de contar as mínimas ou semínimas, enquadrar os pontos
fortes e fracos de um determinado compasso ou, tampouco, contar segundos/pulsos dos
momentos ora de silêncio, ora de sonidos. No teatro – e aqui ressalto o contexto dessa arte muito
mais enquanto jogo teatral7 do que enquanto um espetáculo, pronto e acabado –, havia um certo
tipo de intuição do que dizer, uma percepção quase que evidente de onde eu devia estar, uma
compreensão clara do que significava o abrir e fechar ‘daquelas cortinas vermelhas’, sem
precisar do último gesto de uma batuta para isso.
Por mais que houvesse essa ‘naturalidade’ com o teatro, com o passar do tempo, eu pude
perceber que ambas as artes não são coisas excludentes e que, conforme Fabio Cintra (2006, p.
26), a compreensão de uma cena como um ato musical ou de uma música como um ato
dramático “é integrar ao pensamento cênico um tipo de pensamento estrutural, que se apoia nos
fenômenos sonoros e temporais (um pensamento de natureza musical)”. Assim, ao chegar na
segunda fase do Ensino Fundamental, iniciei uma outra etapa da minha vida escolar, desta feita
em uma nova instituição de ensino, já em um outro município (Lagoa Seca – PB). Nessa fase e
naquela escola, o teatro se manteve adormecido e as aulas, que antes eram permeadas por jogos,

6
“Do latim pueritĭa” (NASCENTES, 1955, p. 422), entendamos esse termo como todo um conjunto de
ludicidade, inocência e jocosidade da linguagem e vivência infantil.
7
Em consonância à Viola Spolin (apud ALMEIDA JUNIOR; KOUDELA, p. 109), devemos aqui salientar a
respeito da diferença entre dramatic play (um jogo com intuito e artífices para drama) e game (um jogo com
intuito de cumprimento de regras, pontuação etc.), anteferindo a terminologia, assim cunhada pela autora e
diretora em questão, theater game (metodologia lúdica designada ao processo de ensino da ‘linguagem’ teatral
através do improviso). Também, mais adiante, voltaremos a esta discussão.
16

pinturas e brincadeiras, começaram a se tornar mais voltadas a exercícios mais mecânicos de


leitura, mais cálculos e mais testes.
Há coisas que são demarcadas, bem claramente em minha vida, como a troca do lápis
grafite (podendo ser apagado/corrigido, errar) por uma caneta esferográfica de tinta (podendo
até ser de várias cores, porém inapagável, em que cada escolha de onde e por que riscar, tinha
o peso de um ponto positivo ou negativo). Começo a ver essa caneta, de forma simbólica em
minha vida, pois ela tornava ainda maior a delimitação de conteúdos entre disciplinas, a
separação cronológica de dias/semanas número e horário de aulas, em um mesmo ponto e numa
mesma carteira escolar. Arrisco-me a defender que essa caneta foi um calar do teatro, da arte,
de meu eu, de minha fala e de qualquer possibilidade ou potencial declamativo que minha voz
ainda tinha diante dessa “fase esferográfica”.
Ferrarezi (2014, p. 11) discerne esse fenômeno de silenciamento como uma sequela
histórica daquilo que a Escola brasileira permanece carecendo, como instituições de ensino, que
“são poços profundos de silêncio” elegendo o “bom aluno” como aquele indivíduo “que entrava
calado e saía da escola mais calado ainda, que cumpria rigorosamente todas as ordens emanadas
do professor” (Ibidem., p. 24). Nessa muda etapa escolar e faixa etária (minha e de meus
colegas), os primeiros indícios ou discussões a respeito de vocábulos como ‘profissão’,
‘trabalho’, ‘carga horária’, ‘valor’, ‘reais’ e ‘centavos’ começavam a fazer mais parte das
perguntas que me eram feitas em ‘minha vida passada’, esta quando, como um lápis de carvão
mineral ou giz de cera, permeava a lembrança das brincadeiras e jogos teatrais do antigamente
Tio Sérgio, hoje reconhecido por mim como o professor, ator e diretor Sérgio Simplício. Mas,
como o bordão que é dito por toda criança em pré-adolescência, pensava eu: “Não sou mais
criança!” – como se na escola não pudesse mais haver espaço para o jogo. Na nova escola, a
disciplina de Artes era um tipo de aula dedicada a histórias de pessoas, que me diziam ser
importantes, direcionada à leitura, escrita e dicionarização de textos, que me diziam ser obras-
primas.
Atualmente, eu poderia chamar essas ‘aulas de artes’ como algo próximo (ou bem
distante) de uma tentativa ou experimento de um momento literário. Coisa que não justifica
diminuir ou buscar desconsiderar a qualidade profissional do professor de artes dessa escola,
diante das inúmeras problemáticas que, acredito eu, impossibilitavam a efetivação de uma voraz
e inspiradora aula de Artes. Seja pela inexistência de um laboratório de artes ou de um espaço
bibliotecário, seja pela condição financeiras dos alunos ou do próprio professor, seja pela banal
inaplicabilidade de alguns (ou vários) Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997, p.
58), por exemplo aquilo se compete à escola como “oferecer um espaço para a realização dessa
17

atividade, um espaço mais livre e mais flexível para que a criança possa ordenar-se de acordo
com a sua criação”.
Às vezes, nessas aulas, nos eram falados sobre quadros, pintores e suas técnicas
revolucionárias na estética artística do mundo, porém isto tudo, sempre visível apenas em
nossos livros didáticos. De certo modo, a Arte se tornou apenas outra disciplina do nosso
currículo escolar em que se decoravam nomes, datas, palavras estranhas e distantes de nossa
realidade cromática. Hoje consigo compreender como "ela [a arte] opõe-se frontalmente ao
livro didático, que é estático, geralmente reducionista, cerceador da liberdade” (FERRAZ, H.;
SIQUEIRA, I., p. 12) e como o ensino-aprendizagem de Artes – seja no campo das artes
plásticas, teatro, dança, música ou literatura – deve estar muito mais próximo do fazer (na tela,
pelo corpo, com a voz, através das próprias mãos) do que com o livro e seus inúmeros
parágrafos ou gravuras ricos de informação, mas precários de formação (enquanto práxis
artística).
Algo que me lembro bem, dessa fase de minha vida de aluno, é a descoberta do sufixo
‘tri-’, através justamente de um livro de Artes. Nele, falava-se em ‘tridimensionalidade’, e de
um velho barbado chamado Da Vinci e um tal de Vitruviano. No tempo, não conseguia entender
que esse vocábulo com formação prefixal que designa três dimensões poderia caber num livro,
desconfiava que o livro poderia estar errado ou (quem sabe?) esse livro estava escondendo as
duas outras dimensões desse desenho que via, mas não enxergava ou não entendia. Hoje,
compreendo, a imagem é realmente tridimensional, mas o livro não é a melhor dimensão visual,
tampouco sensorial de trazer aquela imagem para uma apreciação artística. Assim, me sobrou
a música: não que eu compreendesse tais atividades que eu fazia como aspirações de formação
humana ou profissionalização artística: tudo era apenas uma válvula de escape ou um portal
para meu ‘eu mesmo’. O teatro permaneceu adormecido e, em seu lugar de manifestação
particular desse ‘eu’, fui deixado em stand-by, vendo e ouvindo as questões sobre o ‘fazer
dramático’ somente no reservar particular de minhas memórias e programações televisivas.
O tempo passa e, concomitantemente à mudança para uma segunda nova escola, em um
outro município paraibano (cidade de Esperança-PB), chego ao final de meu Ensino
Fundamental, entro no Ensino Médio e, ao final deste, mergulho definitivamente no universo
musical – em consonância com minhas atividades escolares. Num desses mergulhos,
(re)aprendo minhas primeiras lições a respeito do canto, do utilizar-se da voz e sua importância
18

para outras áreas afins. Através da regência do Professor Lemuel Guerra e do Coro em Canto8
– novamente, pela Universidade Federal de Campina Grande –, eu puder estudar e apreender
os aspectos da prosódia, da acústica e, através do acesso a peças latinas, italianas, africanas,
norte-americanas ou germânicas, de alguns aspectos fonéticos que já me abriam os olhos a
respeito das pronúncias e suas possibilidades em cada Língua, abrindo um mundo de relações
com suas respectivas culturas. Tais conhecimentos, conforme passava de minha adolescência
para fase adulta, começam a se tornar cada vez mais uma confirmação no tocante à
convergência das potencialidades humanas pela Arte, de um movimento de maturação natural
de minha parte, enquanto ser humano. Quando falo Arte, não falo apenas do Teatro, Música,
Plásticas de forma estanque, mas de forma – reitero – convergente.
A partir do momento em que priorizei o texto como fator de composição musical, pude
perceber como havia uma nítida relação entre elementos musicais e elementos discursivos – no
texto e no subtexto9 – que, novamente, convergiam para um incremento de potencialidades de
compreensão/assimilação de duas coisas aparentemente distintas – um compasso de um
parágrafo, uma partitura de um poema, uma nota de uma sílaba –, de tal modo que, seja no
canto ou no declamar, “o ritmo da frase tem importância capital, pois é a música do discurso, o
que torna a expressão harmoniosa ou tocante” (REBOUL, 2004, p. 115). Foi esse entendimento
que tornou meu processo de composição musical realizável, favorecendo um movimento de
possível proximidade ou reaproximação com o Teatro.
É também nesse período em que começo a descobrir oportunidades de musicalizar ou
produzir melodias para algumas cenas ou demandas sonoras (barulho de tiro, pisadas em terra
ou mato, colocar efeitos de delay, reverbe, morpher etc) de peças teatrais, elaborando/editando
alguns trabalhos de áudios (MP3 renderizados ou sons computadorizados), conforme o que
fosse possível e solicitado pela professora Terezinha Marçal, em seu Curso de Formação de
Atores – em que, reitero, participo inicialmente apenas como ‘o cara do som’. Através dessa
professora e de sua turma de alunos (elenco), comecei a ampliar minha percepção a respeito do
que era a música e de como ela poderia ser tornada uma importante expressão. O que antes via
apenas como um sistema de sons e silêncio, escrito/decifrado por claves musicais em cinco

8
Projeto de extensão em Música pelo Departamento de Artes (UFCG), fundado em 1995 pelo professor e
maestro Lemuel Dourado Guerra em forma de um Cursos de Técnica Vocal e formação de um Coro de cantores
e cantoras de Câmara ou Orquestral.
9
“Aquilo que não é dito explicitamente no texto dramático, mas que se salienta da maneira pela qual o texto é
interpretado pelo ator [...]; o subtexto começa e controla toda a produção cênica, impõe-se mais ou menos
claramente ao público e deixa entrever toda uma perspectiva inexpressa do discurso” (PAVIS, 1947, p. 368.
Grifo nosso)
19

linhas de pautas, passei a ver como um pano de fundo ou extensor imagético responsável por
(auditivamente) climatizar ambientes em momentos, atos, sensações (tristeza, felicidade, ira
etc.) para a melhor ou viável “retroalimentação” dos atores em cena e, consequentemente,
aguçamento experiencial do público espectador – foi assim que descobri a sonoplastia.10
Ou seja, a consciência de que “Música e teatro guardam entre si pontos de relação
importantes, que configuram interseções cujo conhecimento pode e deve ser mais explorado,
seja no plano do artista, seja no do espectador, [...]” (CINTRA, 2006, p. 21), me possibilitando
reafirmar a inexistência de uma relação excludente entre essas duas artes, pois ambas, são
independentes, mas complementares.
Desse ponto em diante, venho me aproximando cada vez mais do teatro em suas mais
diversas técnicas e modos de expressão. Por isso, me arrisquei e fiz o curso de teatro oferecido
por aquela professora, mesmo que atuando como ‘o cara do som’. Desse curso, acabei por
conhecer e me envolver em outros cursos, oficinas, espetáculos. Um ponto de destaque e
revelação de minha identificação à autora Lourdes Ramalho começa também por alguns
trabalhos de sonoplastia solicitados pela própria dramaturga. Esta solicitação advém de um
desejo da autora de patentear e documentar – criando partituras e arranjos originais – as letras
presentes em canções de algumas de suas peças, das quais tinha-se escrito apenas os versos,
mas que incomodavam a autora, diante das inúmeras formas de musicalização que eram feitas
com suas poesias. De acordo com ela, muitas dessas adaptações de suas peças teatrais, quando
cantadas ou musicadas, se distanciavam muito da proposta socio-identitária e dos fatores
circundantes (caráter ibérico, entoação trovadora, pronúncia regionalista e universo harmônico
voltado à cultura do sertanejo).11
Paralelo a esse período, através do projeto PINEL (sob direção de Duílio Cunha), troco
esse espaço de sonoplasta para a condição de ator. Ainda sobre as ‘asas’ da dramaturgia
ramalhiana, começo a fazer parte e me fazer parte integrante do elenco e atividades artísticas
que intentavam a montagem do espetáculo As Velhas, estreado em 2016, como parte de um
conjunto de ações formativas atreladas a um projeto de extensão do professor Diógenes Maciel,
em comemoração aos quarenta anos da primeira montagem daquele texto em Campina Grande-
PB. Em paralelo a essa experiência, eu terminava um curso de formação de Ator, com o

10
Termo cunhado em 1960, pelo teatro radiofônico, conhecida anteriormente como montagem sonora é um termo
os processos de reconstituição ou reprodução artificial, eletronicamente ou musical de “efeitos sonoros que
ilustram, narram ou descrevem a ação do texto falado”. (ALMEIDA JUNIOR; KOUDELA, 2015, p. 161)
11
O projeto não se materializou, por inúmeras variáveis da relação família/autora/curadoria e, também, por
questões de saúde da própria dramaturga; porém, se tornou o início de uma pesquisa a respeito do Movimento
Armorial.
20

professor Chico Oliveira, no Memorial Severino Cabral, encenando A Dama do Lotação, de


Nelson Rodrigues.12 Depois, ainda sob direção e orientação de Chico Oliveira, adentro no
universo infantil com o espetáculo Príncipe Feliz, que foi uma adaptação do conto The Happy
Prince (1888), do escritor irlandês Oscar Wilde. Participando, já como membro da Cia. do
Rosário – que posteriormente ao ano de 2019 passaria a se chamar Bodopitá Companhia de
Teatro –, tenho a oportunidade ‘refletir sobre’ e ‘exercitar para’ uma frequente fazedura do
adaptar-se e adaptar textos, que em muitos casos são contos, poemas, canções infantis ou outros
textos afins que possuem “uma teatralidade potencial em maior ou menor grau [...], que
despertam em nós o desejo de vê-los num palco, como se latejasse neles uma estranha
quadridimensionalidade” (SINESTERRA, 1940, p. 23).13
A esta altura, já estava imerso também como um graduando em Letras – Língua
Portuguesa. Assim, foi meio inevitável convergir minha experiência artística à atividade
docente que estava – está – em curso. Nesse entremeio, sou convidado a trabalhar em um curso
de educação – especializado em Língua Portuguesa – infantil para alunos do Fundamental 1 e,
justamente, foi nessa oportunidade em que pude me aventurar na pesquisa e elaboração
dramatúrgica das Contações14 de Histórias. Nesse tipo teatro contado, que tem sua origem desde
os primórdios da civilização e comunicação do homo sapiens, costuma-se transmitir de forma
oral uma história que é contada também por meio de uma performance corporal (gestos,
movimentos, acenos manuais etc.) e elementos físicos (lenços, varetas, bolas, vestes, pós ou
substâncias sólidas etc.).

12
Há de se destacar aqui, o meu primeiro contato com o chamado Ato Performático ou Performance, em si. A
obra original é um conto e, através da direção do professor/diretor, criamos todas as nossas ações físicas
embasadas em estudos que faziam remissão aos jogos teatrais, tais quais aqueles que eu fazia em minha
infância. O texto, assim, era narrado e posto em voz para execução de um audio-play ou áudio de fundo, em
contraponto, propondo uma dramaturgia e técnica completamente diferente da técnica do palco italiano e de
um discurso lógico-narrativo, com ações em esfera de causa-efeito.
13
Essa quarta dimensão, que posteriormente eu compreenderia como a quarta parede entre público e palco, me é
artisticamente incorporado, enquanto “condições de validade de um conhecimento sobre este ou aquele
componente da obra dramática ou teatral” (PAVIS, 1947, p. 150), ainda mais com a remontagem e
reestruturação dessa peça que estava em curso. Tal resultado se amparou numa estética discursiva (texto falado
e recursos retóricos) permeada pela ‘linguagem infantil’, ao passo que, “embora menos claro e menos preciso,
o discurso é completado pelo conteúdo não linguístico da mensagem, pela música, pela imagem, que no fundo
desempenham o papel da ação, parte não verbal da antiga retórica”, toda essa comunicação se efetiva com suas
respectivas técnicas das clacks às pantominas pelo humor/jocosidade da palhaçaria, da mímica à dança, do
canto à modulação da voz para ‘melhor’ imersão de nossos corpos, vozes e ações àquilo que se representa
como um personagem ‘infantil’.

14
Neologismo cunhado por Guimarães Rosa que aglutina o verbo ‘contar’ ao substantivo ‘ação’. Por essa
terminologia (Contação), é possível (re)modular algumas particularidades (narrativas e episódios; personagens
e personificações; tempo e espaço; narrações e diálogos) do texto escrito para o ato oral em sua essência vocal
e gestual.
21

Da mesma forma que a contação de histórias –

[a qual], como a performance, é uma linguagem artística multidisciplinar,


pois envolve letra feito voz, movimento feito imagem visual, som feito
paisagem sonora. Na narração oral, como na performance, considera-se o
corpo do artista como objeto da arte. Com isso, quero dizer que algumas vezes
o contador de histórias transforma seu corpo em cenário da ação, traz o texto
impresso na pele, cria corporalmente (enquanto narra) imagens dos espaços
por onde a história desliza. (BUSATTO, 2005, p. 23. Grifo nosso)

–, esse tipo de contar/narrar também tem sido potencial instrumento de uma linguagem didática
multidisciplinar para o ensino e aprendizagem de Língua e Literatura – podendo nos especificar
ao recorte do, assim chamado, texto infanto-juvenil, porém possível de aplicação a análogas
categorias literárias –que já se sustentam, de tal forma, pelos PCN’s (Parâmetros Curriculares
Nacionais)15. Não somente por esse e outros – a Base Nacional Comum Curricular (BNCC -
2018), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - Lei 9.394/1996) – mas
também, pela grade de disciplinas e vivências que me foram inseridas e me inseri, dentro de um
Curso de Licenciatura, do qual começo a, também, extrair minha própria conclusão e
experiência de profissional/acadêmico das Letras.
Com essa experiência, pude (re)aprender todas as minhas perspectivas e considerações
a respeito do ‘jogo teatral’ e universo brincante. Trabalhando em sala de aula, nos projetos do
+ Educação (São Sebastião de Lagoa de Roça - Escola Estadual de Ensino Fundamental e
Médio Monsenhor José Borges, assim como em Projetos de Extensão da UEPB (Nas Asas da
Leitura) acabei por aplicar e replicar a mesma procedência da arte e ensino-aprendizagem em
Língua Portuguesa no colégio em que trabalhei. Pude, também, mediante esse caminho
percorrido, da Música ao Teatro, até este ponto em que a Contação de Histórias se funde à
pesquisa que começo, experenciar o ofício do contador e sua relevância sociocultural. Não
obstante a notoriedade artística e literária desse ofício de contar – no que tange à atividade
docente – que também é ofício de epistemologia (relativa à transmissão de ensinamentos e à
manutenção de tradição/ancestralidade antropológica), refortaleço diretamente a definição de
Morais & Medeiros (2015, p. 328) sobre esse ‘ser que conta’, o qual podemos entender como
sujeito que “pode ser considerado a memória viva de um povo”.

15
“A literatura não é cópia do real, nem puro exercício de linguagem, tampouco mera fantasia que se asilou dos
sentidos do mundo e da história dos homens. Se tomada como uma maneira particular de compor o
conhecimento, é necessário reconhecer que sua relação com o real é indireta. Ou seja, o plano da realidade
pode ser apropriado e transgredido pelo plano do imaginário como uma instância concretamente formulada
pela mediação dos signos verbais (ou mesmo não-verbais conforme algumas manifestações da poesia
contemporânea).” (BRASIL, 1997, p. 29)
22

Através desse ‘ser que conta’, comecei a me questionar, enquanto estudante de


licenciatura em Literatura e Língua Portuguesa, aquilo que me tornaria: um ser que ensina, que
educa, que leciona. Comecei, assim, a perceber que a forma que eu aplicava o letramento
minhas atividades de letramento e atividades de leitura não tinham a mesma ‘eficácia’ ou
efetividade, enquanto na minha prática de professor, diferentemente da aplicação de momentos
artísticos, quando eu atuava enquanto contador de histórias: era como se eu não conseguisse
vincular a prática de leitura às práticas artísticas. Assim, logo me deparei com a problemática
da Escola (aquela escola do meu ensino fundamental 2) da qual hoje percebo e me ponho sob
os diversos questionamentos que circundam uma forma de aproximar esse vínculo (arte/leitura),
de como tangenciar a Literatura em seu efetivo lócus imagético e em seu necessário ambiente
didático.
Diante dessa problemática e desses questionamentos postos, Cosson (2009) e Soares
(2009) nos propõe uma perspectiva que pode ser solução e resposta para isso: o Letramento
Literário. Como um processo holístico e não-delimitante – em oposição a um mero exercício
de aprendizado da leitura/decodificação textual –, compreendemos esse tipo de letramento,
muito além de sua função alfabetizadora, como um processo de escolarização da Literatura em
sustentação do domínio da leitura para escrita, formação de uma comunidade leitora para a
efetiva produção literária e da leitura de um livro para a leitura de mundo. Esse conceito também
se aplica aos processos de ensino e aprendizagem que intentam o desenvolvimento de
competências e habilidades circundantes à leitura e escrita do(s) textos literários, desde sua
forma mais pragmática ao fazer didático de uma disciplina específica (Literatura) até a
ordenação de Sequências Didáticas que permeiem a intertextualidade e interdisciplinaridade
que se utilizem do texto, não como pretexto, mas como ponte de acesso ao conhecimento
humano.
Retomando alguns questionamentos ponderados acima, pergunto-me: O que faz do
contador e da contação um fenômeno ritualístico, conforme minhas experiências relatadas e
frustações em sala de aula, uma eficaz ferramenta comunicativa entre a díade interlocução do
discursador ao espectador, do orador ao ouvinte? Modulando essa indagação ao meio da
Educação: o que pode ser feito pelo professor para aperfeiçoar a sua interlocução para com a
sua sala de aula? Para a busca dessa(s) resposta(s), Paul Zumthor (2007, p. 12) nos aponta
preliminarmente para uma necessidade de (re)pensarmos sobre o processo de
elaboração/apresentação metodológica das disciplinas (enquanto componentes curriculares)
com o intuito de “quebrar também o círculo vicioso dos pontos de vista etnocêntricos, e, no
23

caso da poesia, grafocêntricos”, nos trazendo a (re)visitar o papel da oralidade e da performance


oral como viável ferramenta de interlocução entre o professor e o aluno.
Para além de uma expressão artística, compreendemos aqui que a Contação de Histórias
é recurso substancial para o estudo do texto, com ênfase em seus aspectos da fruição e
compreensão (interpretação e fluidez de encadeamentos de acontecimentos da narrativa). Para
isso, se faz necessário uma incitação da “percepção sensorial do “literário” por um ser humano
real (ZUMTHOR, 2007, p. 23. Grifo nosso) que ponha a leitura literária em um território
milenar da transmissão de conhecimentos: a oralidade. Este aspecto da cultura, também pode
ser amplificado e dimensionado em práticas pedagógicas com as quais se interajam a estratégia
recreativa do Circuito Literário, enquanto tipo de jogo (retomando as concepções e discussões
a respeito de brincante), dividido em etapas e desafios a serem vencidos, essa atividade
recreativa também é educativa ao modo que os jogadores são as próprias partes integrantes da
contação (personagens, narrador, sonoplastias e elementos físicos etc.), partes do fazer lúdico
(peões de um tabuleiro de dados que avançam/recuam casas, prendas ou recompensas) em
outros termos:

O circuito literário é uma técnica de contar histórias em que as crianças têm


participação direta, atuando como protagonista do enredo ou auxiliando o
personagem principal para que ele avance durante todo o processo da
narrativa. O número de envolvidos pode variar. Caso o professor opte por
distribuir os personagens entre os alunos serão necessários, no mínimo dois
ou três: um contador, o personagem principal e o terceiro que poderá
interpretar todos os personagens secundários. (RIBEIRO, 2015, p. 29).

Com a experiência de um graduando e artista em contínua formação, há de se perceber


que, apesar de uma certa metodologia ou ordenação norteadora a respeito desse circuito, não há
um formato estanque ou protótipo perfeito de como aplicar tal técnica. Por isso, será
desenvolvido aqui, conforme os próximos tópicos desse trabalho, uma análise, reflexão e
apresentação de uma proposta pedagógica que engloba momentos que perpassam desde
atividades de apreciação dramático-musical – assim como o exercício prático de memorização,
percepção e vocalização de canções – ; operação e manipulação de elementos físico-dramáticos
(encenação, iluminação, figurinos, cenários, em síntese, estruturação físico-cênica); ações
didáticas direcionadas ao letramento literário, mediante a técnica do circuito literário; por fim,
uma oportunidade de autoanálise e auto reflexão, a respeito das teorias e discussões sobre os
processos de avaliação que transgridam o próprio processo de ensino-aprendizagem pela
elocução e deleite da leitura literária.
24

2. A JORNADA EM BUSCA DO OVO DE OURO: ASPECTOS DRAMATÚRGICOS E


PROPOSTAS DRAMÁTICO-MUSICAIS

A obra O Pássaro Real,16 parte integrante de uma coletânea de outros textos dramáticos
infanto-juvenis (RAMALHO, 2004) e parte essencial do corpus desta pesquisa, é uma peça em
versos, composta por falas de personagens – um protagonista (o Tangará17 Real), um
coadjuvante (o Corrupio) e um antagonista (o Galo Serapião) – alguns personagens secundários
(o Barqueiro, o Camaleão, o Tamanduá, o Tejuassu18) e a possibilidade – enquanto
representação física e necessidade da trama – de dois figurantes: o ovo/filhote perdido do
protagonista); e a Galinha, apenas citada pelo Galo. Apesar de espaços e instantes ou cenas
diferentes, esse texto não é delimitado por nenhum tipo de cenário – enquanto descrição (cor,
profundidade, luz) de espaço físico – nem Atos.
Nosso protagonista é apresentado como um pássaro belo, alegre, de cantar majestoso
e que tem uma relação de parceria e confiabilidade com o Corrupio (outro pássaro de ímpeto e
personalidade conselheira e julgadora) em face do enfrentamento de conflitos: desde o principal
deles (o deparar-se de um sumiço do filhote/ovo do Tangará) até o encadeamento conspiratório
de partes da trama que dividem a busca e investigação desse roubo. Para isso, o próprio
Corrupio sugere a convocação de um terceiro personagem muito importante para a narrativa: o
Galo Serapião. Ele, apresentado como um detetive, é o norteador da busca e designação dos
supostos suspeitos ou responsáveis pelo furto/desaparecimento do ovo real. Nessa tarefa
designativa, o galo leva ao enredo um conjunto de personagens secundários que se transformam
em supostos culpados e fontes de pistas de onde e como pode estar o ovo furtado.
O Primeiro suspeito é o Camaleão (autocaracterizado como um personagem solitário,
preguiçoso que só gosta de repousar e comer folha verde), que logo se diz inocente e convence
os personagens principais (o Corrupio, o Tangará e o Galo) de sua inculpabilidade ou
envolvimento nesse roubo. Posteriormente, num primeiro vulto, é o Tamanduá (um personagem

16
Esta obra já teve em sua publicação o título Currupio e Tangará, mas, pela preferência da própria autora e
texto aqui utilizado (ANEXO 02), optamos por nos referenciar a “O Pássaro Real”.
17
Pássaro de pequeno porte comum ao litoral dos estados nordestinos de Pernambuco, Alagoas e Paraíba, também
chamado de Sairá-Pintor, esse animal tem relativa representação no folclore e tradição da cultura nordestina
enquanto pássaro que dança e tem cores vibrantes, relativos principalmente aos movimentos do Maracatu
pernambucano.
18
Tipo de Lagarto, também chamado por Tejú, que se alimenta de pequenos animais e ovos de pássaros ou aves
silvestres e domésticas (galinha, pato, ganso, guiné etc.)
25

mais disposto ao combate, sincero, orgulhoso e que só come formigas) também acusado de
forma abrupta pelo Galo, que se torna outro potencial envolvido na usurpação da trama e que,
após aplicar uma surra àquele que o acusava e perseguia, também é inocentado.
Um terceiro suspeito – O Tejuassu, um personagem que por se alimentar de ovos,
apresenta chance mais relevante de ser o culpado – é logo apontado pelo Galo, que, em
companhia dos dois pássaros principais, partem em busca desse terceiro suposto larápio. Assim,
como os outros, esse terceiro personagem revelado também se torna inocente e, a partir desse
ponto, a peça toma enfoque em uma brincadeira de achar o ovo perdido na barriga dos
participantes da plateia (crianças que assistam ao espetáculo) até a volta da trama regular (fora
da plateia) quando se começa a desconfiar/descobrir da culpabilidade real de um outro
personagem: o próprio detetive, o Galo.
Concisamente, a trama se concentra na busca desse ovo sumido/roubado do Tangará
Real e na perseguição do culpado/ladrão desse filhote, enquanto obstáculo a ser ultrapassado.
Inicialmente, através das falas do protagonista com o Corrupio – sempre em formato de versos
heptassílabos e estrofes hexásticas (estrofe formada de seis ou de múltiplos de seis versos) ou
em quadra –, logo se apresentam e se deparam com um primeiro conflito (o sumiço do ovo).
Com o auxílio do Galo Serapião, em um arranjo dramatúrgico que se repete com acusações
premeditadas: primeiro com o Camaleão, depois com o Tamanduá e, por fim, com o Tejuassu
– personagens esses que, sempre (nesse arranjo dramatúrgico) são acusados pelo Galo,
absolvidos da culpa pela Corrupio e se juntam à procura do ovo de Tangará). Ao fim, como se
descobrirá, é o próprio investigador (o Galo) o ladrão do ovo sumido que, assim, vai justificar
sua ação em decorrência da intenção de presentear a Galinha – que não tinha filho –, fazendo
com que ele seja perdoado por todos. A história se encerra por uma rubrica ou marca
“(TODOS CANTAM E DANÇAM)” (RAMALHO, 2004, p. 42) e, com uma breve fala de
narração em terceira pessoa quando se dá o fim da história.
Esse tipo de construção de cenas ou de atos em arranjos pode ser compreendido como
um conjunto ou estrutura composta por cenas ou microcenas (esquetes), “num certo tempo e
num certo espaço de atuação, dos diferentes elementos de interpretação cênica de uma obra
dramática" (PAVIS, 1947, p. 122). No caso da trama do parágrafo referenciado, esse arranjo
cênico se efetiva, assim, pela repetitiva ação de (1) acusação do Galo e posterior (2) absolvição
do Corrupio de um personagem, novamente outra acusação/absolvição de um segundo e mais
uma vez acusação/absolvição de um terceiro. Ubiratan Teixeira (2005, p. 70) intitula esse
fenômeno teatral como “bis”, configurando a repetição de uma mesma estrutura cênica em
momentos ou atos diferentes da peça. Tal fenômeno reiterativo e cíclico é comparável ao que
26

acontece no momento de um refrão ou bordão, existentes nas cantorias e estrofes da literatura


popular nordestinas (AYALA, 2010, p. 70) e que são fenômenos recorrentes, tanto
dramaticamente (no arranjo cênico apontado anteriormente) quanto textualmente, coisa que
reforça a afirmativa da tênue relação da cultura popular com a dramaturgia ramalhiana.
Podemos afirmar também que, no que se refere ao encadeamento lógico de
acontecimentos, “temos uma solução dramática bem realizada” (LÚCIO, 2005, p. 28) para cada
passagem da trama. Uma demonstração dessa assertiva pode ser percebida na maneira como
Lourdes Ramalho fez a construção de um vilão (O Galo) gradativamente ao passo em que o
conflito do ovo perdido se intensificava – ou seja, há um obstáculo, um mistério que deve ser
perseguido, e, assim, ela constrói os pólos em que se opõem os protagonistas e o antagonista.
Apesar do próprio personagem admitir a culpa desse sumiço, na trama em que os suspeitos vão
sendo acusados e absolvidos pelo personagem Corrupio, algumas falas do galo pontuam-nos já
essa desconfiança de suas ações, tendo em conta a maneira como se dá o desenvolvimento de
sua personalidade – pré-construída pela autora e encadeada ao nosso entendimento durante a
leitura/interpretação – como é o caso dos versos e falas do Serapião (RAMALHO, 2004, p. 33),
na décima nona estrofe:

o tal... (é isto o que eu quero


tirar daqui... despistar)”

Na estrofe 35 (Ibidem., p. 36):

Desce, sobe, sobe e desce


Arrodeando o grotão!
(Ou arranjo outro idiota
Ou tudo, enfim, foi em vão!)

Na estrofe 64 (Ibidem., p. 30):

(Maldição! ´Fugiu de casa


eu o tenho que pegar!)
27

Enquanto as falas e atitudes do Galo se demonstram como uma suposta integridade


investigativa e ‘ética justiceira’, os pensamentos e falas internas do personagem – colocadas
em parênteses ‘( )’ – se revelam como evidência contraditória que, na verdade, o investigador
é o ladrão que subtraiu o ovo do Tangará. Para esse ponto, é interessante observar, também,
como a autora se utiliza “da narrativa (de natureza simbólica) de uma situação vivida por
animais que alude a uma situação humana (COELHO, 2000, p. 165)” em quase todos os
personagens. Tal simbologia advém da antropomorfização desses personagens que são capazes
de falar entre si e cantar, desenvolver ações humanas (investigar, embarcar a navegar, pensar
em voz alta, roubar, entre outras) e executar comportamentos (acusar, perdoar, inocentar, se
arrepender etc.) complexos ou impossíveis – a nível literal – de uma condição animal.
Interessante também é perceber que, no texto de Lourdes Ramalho, não há nenhuma
menção aos humanos (consolidado em um personagem tal qual um homem, uma mulher, um
menino, uma criança, um velho e outros), o que há é apenas a alusão, numa das falas do Galo,
a um barqueiro (este que não é caracterizado, tampouco apresentado além disso - um barqueiro).
De tal modo que, numa suposta hipótese de ser um personagem humano (o que no texto não há
nenhuma evidência), este é apenas referido por uma profissão/ofício e nenhum outro detalhe
físico ou psicológico deste.
Já os animais, para além de suas proporções de protagonismo, têm substancialmente no
cômico e urdidura de acontecimentos um destaque essencial ao teor valorativo dos personagens
em detrimento de uma mera existência de um teor moral ou da aparição de uma ‘lição de vida’
ou suporte didático de princípios. Vemos assim, no itinerário ramalhiano, uma dramaturgia que
“Sem qualquer intenção moralizante, [...] Diferente de alguns textos voltados para o público
infantil, em que prevalecem os ensinamentos, aqui temos uma solução bem realizada” (LÚCIO,
2005, p. 27) em si e em sua própria narrativa versificada. Em outras palavras, essa autora
perpassa sua qualidade, ao passo que transcende o comum, o tradicional e o convencional,
quando desencarcera sua dramaturgia de provérbios e parábolas instrutivas – ou indutoras de
comportamento – por uma crítica subentendida no comportamento e nas ações dos personagens
em forma animália. São os próprios personagens-animais os detentores de suas ações e posturas
de personalidade que definem(-se) como o ladrão, os inocentes, o colaborador, em um tipo de
“semelhança entre o comportamento animal e o humano” (PORTELLA, 1979, p. 125), aqui
reafirmada como Antropomorfização que possibilita a interseção necessária entre o universo da
fábula e o teatro infanto-juvenil.
28

Dessa forma, Lourdes Ramalho sobrepuja sua qualidade de escritora infanto-juvenil e


nos possibilita, através de seu texto O Pássaro Real, enxergar aquilo que se concebe, enquanto
teatro para crianças interessado em:

Suas necessidades, anseios e carências. Seu real e seu imaginário. Por meio
da arte tocamos o sensível. Por meio do drama tocamos o sensível e o lógico.
A possibilidade de construção e reconstrução se faz aqui e agora no contato
com a arte, e com a arte dramática o repensar é mais amplo, porque drama é a
interação do sensível com o lógico. (NAZARETH 2012, p. 91)

Nesse mencionado ‘sensível’, nossa dramaturga incrementa, ainda mais, quando


fomenta aspectos da cultura popular, em seu diverso âmago artístico e identitário, desde a
predileção por personagens ligado a essa cultura – no caso da peça em análise, as aves e outros
animais ligados ao folclore e à tradição nordestina – como uma estrutura e tipificação textual
ligadas às características do folheto do cordel nordestino (texto), do repente (cantoria), da
sextilha embolada (poesia metrificada/ritmada) e com uma reunião de timbres (identidade
sonora), de ritmos (propriedades etnológicas) e de uma musicalidade que é possível de extrair
de sua poesia. Destacando algumas dessas características, evidenciamos a estreita relação de
forma estrutural e sua disposição de memorização, conforme aponta Ayala (2010, p. 64):

No caso da literatura de folhetos, apesar de se apresentar como cultura escrita,


contém, vale lembrar mais uma vez, muitas marcas da oralidade, como a rima,
a métrica (em redondilha maior, os versos de sete sílabas), a oração (a
articulação dos versos de uma estrofe que fluem como na fala), o ritmo dos
versos reforçado muitas vezes por melodias que acompanhavam a leitura
cantada, as estruturas formulares, tudo isso a auxiliar a memorização.

Evidenciamos também, ainda nessa relação, um terceiro elemento que é o alicerce das
pelejas19 ou disputas poéticas que se notabiliza, “não apenas por se expressar oralmente,
cantado ou através da palavra, da fala, mas por ter trazido o repente (da cantoria) e a embolada
(dos cocos de feira) para dentro do sistema escrito” (Ibidem, p. 61). Dentro desse espectro,
encontramos um “inventário da terra, dos rios, da fauna e da flora, das casas e dos homens” de
um “sertão cotidiano e eterno, histórico e mítico” (SANTOS, 2009, p. 64) que se relaciona
diretamente com um tipo específico de movimento artístico brasileiro, do qual destrinchamos
algumas peculiaridades áudio-estéticas em que “a música armorial recorre sistematicamente

19
Tipo de ária em permuta feita pela oposição ou batalha de dois cantadores/oponentes que “apresentam-se e
evocam seus títulos de glória, seu talento, sua força, [...], um ritual de desafio, a pavana antes da agressão que
se encontra em quase todos os desafios” (SANTOS, 2009, p. 116).
29

aos modalismos nordestinos [...] um herdeiro da modalidade do canto gregoriano” – fenômeno


este, tanto marcado pela prosódia que se extrai do ritmo imposto pela métrica dos versos quanto
da poética no contexto cronológico da produção escrita da dramaturgia de Lourdes Ramalho.
Nessa poética, que se ajusta ou se põe a uma relativa similitude diante do contexto
artístico do Movimento Armorial e Teatro Popular do Nordeste (TPN) já existentes e operantes
nos anos de 1970, em todo o Brasil (MACIEL, 2010, p. 340), encontramos iniciativas e posturas
de protagonismo estético de dramaturgo(as) como nossa autora – em ênfase dessa pesquisa – e
de outros como Ariano Suassuna, como a xilogravura da pernambucana Thereza Carmem
Duarte (BARBOSA, 1997, p. 243) enquanto exemplar das artes plásticas que se encontram “tanto
quanto a literatura, no centro do movimento e foram a base das primeiras experiências, das
primeiras pesquisas, de onde Suassuna tirou a definição de armorialidade” (SANTOS, 2009, p.
52). Rusticamente, esse tipo de arte xilográfica tem seu maior desenvolvimento – no Nordeste
brasileiro – mediante os talhadores de madeira e escultores sertanejos, nos artesãos e curteiros20
que transmitiram seus conhecimentos e tradições aos ilustradores que estampavam (a nível de
reprodução como método) e desenvolviam (a nível de criação como técnica) desde as capas até
a própria (re)impressão dos folhetos de cordel.
Em afluência da armorialidade (necessária à compreensão do elo existente entre o
popular e o erudito) e da ramalhianidade, encontramos tanto uma dramaturgia quanto um
sustentáculo estético (Música, Pintura e Poesia), que convergem e (inter)dialogam para a
sistematização desse constructo identitário: o nordestino.

2.1. DE VERSO EM VERSO: A FORÇA ORALIZANTE NA DRAMATURGIA

Reconhecida como um sistema literário, a Literatura de Cordel se conserva


primordialmente nas práticas culturais e tradição perpassada de geração a geração de ouvintes,
intensificada e, aqui destacada no Nordeste, como principal expoente da formação identitária
de um povo, enquanto extensão de sistemas poéticos orais como o coco de embolada, a cantoria,
aboio até sua consolidação – na escrita – pela literatura de folhetos. Nesse entremeio
sistemático, encontramos a poética de Lourdes Ramalho e sua robustez própria, na qualidade
de poesia narrativa. Tal inspiração, advém, contrapondo o que Ayala (2010, p. 58) designou a

20
Profissionais que trabalham no curtimento e manipulação do couro para laboração de vestimentas (chapéu,
luvas, botas e sandálias, gibão e outros trajes) e de utensílios (cartucheira, cela, chicote, dentre outros objetos
de aboio ou de defesa)
30

estética dos versos de Euclides da Cunha, como “a força dos sertanejos”. Nessa potência
poética, os versos ramalhianos encontram na oralidade cordelista sua nascente particularidade
da estética dramática em questão.
Assim como os cordelistas, Lourdes Ramalho tem, como destacável atuação, um
estandarte de quebra de paradigmas elitistas que se limitam no preconceito de que existe uma
literatura popular/menor por conta dos aspectos orais que circundam o fazer literário de sua
biografia. O historiador Roger Chartier (1990, p. 17) já nos apontava a Literatura (de modo
geral) como “um campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em
termos de poder e de dominação”, ao passo em que nos atentava a respeito de uma predileção
muito mais por uma “afinidade das estruturas textuais” (Ibidem, 1990, p. 174), que se procede
de determinada estética, seja na escrita ou oralidade presente no discurso de uma obra popular,
frente a uma, outrora considerada, erudita.
Tal afinidade atravessa a virtude popular incorporada a um tipo de linguagem pueril
enriquecida pela oralidade, que tem em sua própria matéria prima (o verso ritmado), como
“próprio processo que pretende tornar mais fácil a sua leitura” (Ibidem, 1990, p. 177) e como
processo de coerência da identidade cordelista, essa força poética. A estética ramalhiana se
distingue e se notabiliza pela ímpar aplicação de traços regionais de modo que, tanto essa
“regionalidade, assim, poderá ser tomada como importante conceito operativo, mas também
como uma ideia-força” (MACIEL, 2019, p. 105) quanto essa poesia de traços da oralidade
amarram os laços entre o teatro popular e a linguagem estética do ser nordestino.
De feitio indissociável, a poesia e a dramaturgia de Lourdes Ramalho, enquanto um
único construto, pode ser entendida enquanto uma forma permeada de vários signos e várias
integrações entre o texto poético e o texto dramático – ou de potencial organização teatral. Essa
imanência de aspectos é contingenciada principalmente pelas características de uma poética já
revelada, em estudos sobre a Literatura Armorial. Idelette dos Santos (2009, p.107) nos mostra
como “a relação com o folheto e a cantoria elabora uma verdadeira poética da voz’, que se
evidencia tanto no papel formador e criador da arte poética herdada dos cantadores”. Poética
essa que é muito presente na Literatura de Cordel (no que concerne o registro textual) e na
cantoria (no tocante à memória oral) como ferramenta do próprio texto e na história das
inúmeras (re)montagens de suas peças e obras dramáticas.
Tal representatividade pode ser mencionada, anos depois, como é caso de uma
remontagem da peça O Pássaro Real pelo grupo de teatro infantil Criançada em Cena através
da direção de José Maciel da Silva, no Teatro Armando Monteiro em 23 de outubro de 2012
(VASCONSELOS, 2012, p. 7). Como se não bastasse a própria repercussão de Lourdes
31

Ramalho por sua estética regionalista e potencial visibilidade enquanto dramaturga infantil, e
por conta de seu domínio dos aspectos poéticos e orais que circundam o fazer cordelista, a
musicalidade presente em seus versos e falas dos personagens ramalhianos constituem, até hoje,
como marca original na memória e história da literatura nordestina.
Um outro vestígio da força poética presente na dramaturgia pode ser atestado quando
em “alguns textos de Lourdes Ramalho observamos a repetição de um bordão que marca o
andamento da história” (LÚCIO, 2005, p. 31) ou quando observamos a predileção da
dramaturga pela estrutura de versos metrificados, justamente ao optar pela proeminência de
seis versos de sete sílabas, ou seja, aquilo o que é considerado pelo cordelistas como “martelo
agalopado”, muito comum ao tipo de música chamada de Toré (SANTOS, 2009, p. 120), como
podemos observar na primeira estrofe do Pássaro Real (RAMALHO, 2004, p.30), em que
expomos a estrutura de sete sílabas poéticas da seguinte parte:

De1ª/ pu2ª/ra3ª/ fe4ª/li5ª/ci6ª/da7ª/de


vi1ª/vo’a2ª/ dan3ª/çar4ª/e5ª/ can6ª/tar7ª
- trin1ª/tra2 ª/-la3 ª/- é4 ª/ o5 ª/ meu6ª/ te7ª/ma
co1ª/mi2ª/go3ª/ ve4ª/nham5ª/ brin6ª/car!7ª
Trin1ª/tra2ª/-lá3ª/...4ª/ trin5ª/tra6ª/-lá7ª
sou1ª/ o2ª /Tan3ª/ga4ª/rá5ª/ Re6ª/al7ª

Ainda em análise a essa obra ramalhiana,– quando os personagens Corrupio e Tangará


quebram a quarta parede (fronteira imaginária entre os atores e a plateia) e descem até o público,
vasculhando a barriga das crianças, à procura do ovo sumido, evidenciamos o teor dramático
em rubricas: “(Todos descem para a plateia, procuram nas barriguinhas das crianças)” e
“(Voltam ao palco)” que Ana Lúcio (2005, p. 25) demonstra “a força do texto da dramaturga
que, sem recorrer ao apelo fácil, constrói uma interação com a plateia a partir do riso e do verso
bem rimado”.
Frisando a estética ramalhiana, muito aproximada da oralidade, em seus diálogos com
uma forma semelhante à maneira como o cordelista declama/canta seus versos, as palavras
dessa peça de teatro se dispõem registradas nas variações linguísticas presentes no falar de um
povo, num movimento defendido pela educadora Ana-Mae Barbosa (1997, p. 253) em que “a
diferença é instrumento de consciência estética no Nordeste”, como artifício não apenas da
criatividade/originalidade dessa estética. Vocábulos como ‘Diacho’, ‘Currupio’, ‘ribanceira’,
‘judiação’, ‘arrodeando’, ‘Tejuassu’ e outros demonstram a origem de uma linguagem
32

comumente utilizada pelos arquétipos nordestinos. Tal fenômeno pode ser compreendido
quando:

A busca pelo modo moderno de encenação de um texto se revelava no âmbito


da técnica teatral, na relação com os elencos, na reflexão cada vez mais
contundente sobre os níveis de língua falada utilizados para a caracterização
das personagens e das tramas, que, assim, passam a compor uma das feições
mais destacadas por Lourdes Ramalho do seu projeto de teatro-pesquisa.
(MACIEL, 2019, p. 33)

À medida em que esse tipo de pesquisa de campo se concretizou como uma coleta das
diversas ‘variações linguísticas’ presentes no falar do povo nordestino, Lourdes Ramalho
concentra em seus personagens a originalidade primitiva dos indivíduos em suas respectivas
tradições e modos particulares da cultura popular presentes nos versos trovadores dum ibérico
particular do nordestino brasileiro.
Um outro aspecto dessa peça ramalhiana é o não aparecimento de uma voz narrativa
desde o início da trama até o desfecho ou resolução do conflito – em que o Galo assume o roubo
cometido – não há nenhum discurso do próprio protagonista (Tangará Real), além das falas dos
próprios personagens, de direcionamento ou revelação de encadeamento de acontecimentos.
Apenas no final do conto encontramos a seguinte parte (RAMALHO, 2004, p. 42):

E assim terminou a estória


que teve em si bom final,
o criminoso se acusa,
arrepende-se do mal
A mãe encontra seu filho
que é belo, sem igual.

Façamos a festa juntos


num encontro fraternal
Lic toc lic toc,
um e dois três e três, dois, um,
pula, roda, roda, pula
batendo o pé no bum-bum!
um e dois e três e quatro,
quatro e três e dois e um!

A essência da centralidade dos personagens antropomórficos, porém não da mesma


maneira como aparecem em um habitual livro de fábulas, mas como uma poesia narrativa em
que os animais são “aqueles que julgam ser portadores da razão” (CHARTIER, 1990, p. 183),
se torna marca de originalidade enquanto seu fazer textual, que é comumente atravessado pelas
marcas de oralidade na mesma proporção em que “o modelo teatral, em nossa cultura,
33

representa toda poesia, na própria complexidade de sua prática” (ZUMTHOR, 2007, p.62).
Tais traços da oralidade permitem à comunidade de leitores ou de espectadores ramalhianos
tanto a concretização da memória e tradição atuante no imagético de sua obra, perpassando a
função documentar do texto escrito, quanto a concretização de uma possibilidade de atividades
artísticas, como reprodução ou catar de canções que tenham o universo cordelista em sua
centralidade ou produção e montagem de Contação de Histórias que dialoguem com esse
armorial. Promover esse tipo de ações concretas é também construir uma visada para os “de
leitura realizados em escolas que adotam títulos da literatura de cordel pode nos levar ao
conhecimento do repertório utilizado no ensino, do gosto dos professores e professoras, dos
estudantes, da proporção de novos autores e de suas obras em relação aos títulos de folhetos.”
(AYALA, 2016, p. 27).
Podemos afirmar também que o constructo identitário de uma comunidade é ‘o oral’ e,
no Cordel e poesia dessa autora, encontramos um elo entre a cultura regionalista de versos e
prosas ou folclore populares que transcendem a compreensão (enquanto de uma dramaturgia
como algo que se limita a um sistema de textos escritos. Tal transcendência não ocorre, como
no caso do repente e das cantorias, pela delimitação sistemática de convergências e normas ou
padrões de organização do discurso. E sim, erra ocorre por um equilíbrio existente entre as
marcas culturais, políticas e sociais que se transparece ao discurso expresso. Lourdes Ramalho,
tanto por sua vivência com cantadores e violeiros quanto ao próprio estudo e desenvolvimento
de um discurso embasado na tradição ibérica-lusitana que se apresenta nos versos e rimas de
sua obra literária.

3.2. DE NOTA EM NOTA: A MÚSICA ARMORIAL

Antes de qualquer desenvolvimento deste tópico, é indispensável distinguirmos que tipo


de análise será dada a partir daqui: apesar da importância didática e cultural que a música tem
para todas as civilizações, desde suas fundações até seus desenvolvimentos, para a nossa
sociedade contemporânea, queira ela pela compreensão ocidental ou oriental, pretendemos aqui
nos distanciar da concepção greco-helênica da Música enquanto μουσική21, termo este que está

21
“Do gr. mousiké, scilicet tēchne, artes das musas, as belas artes, especialmente as dos sons [...]. Entre os gregos
a palavra música (mousiké), tinha sentido mais extenso que entre os modernos, [...] os gregos não conceberam
a música como arte independente da poesia. [...] A música, a poesia e a dança constituíam uma só arte, de
grande intensidade e expressão.” (NASCENTES, 1955, p. 347-348)
34

muito mais associado ao estudo ou análise da canção (expressão artística composta por melodia
necessariamente cantada por uma voz humana e, na maioria dos casos, acompanhada por um
ou mais instrumentos musicais). Cogita-se, então, o acercamento de uma compreensão cada vez
mais pitagórica22 de como a Música e seus elementos (melodia, ritmo e harmonia) estão
intrínsecos ao processo de desenvolvimento de nossa proposta pedagógica de Circuito Literário
que perpassa a finalidade educativa e se expande às possibilidades do literário ao artístico,
enquanto desenvolvimento de habilidades e competências relacionadas ao ser e estar ouvinte.
Desse modo, abre-se uma brecha para refletir sobre a realização de Contações de
Histórias – inclusive da própria peça O Pássaro Real – que dialoguem com atividades que
brincam e se incorporam de finalidades lúdicas, fazendo uso de áudios, instrumentos musicais,
materiais sonoros aptos à produção de sonoplastias e outras formas sonoras de brincar de
(re)visitar esses espaços e contextos da armorialidade: tudo isso em consonância com a
dramaturgia ramalhiana que promovam um processo de hibridização (MACIEL, 2019) entre as
várias mídias e categorias artísticas que tangenciam a literatura popular. Em outras palavras,
nos apropriamos de exercícios e momentos musicais nos quais a percepção musical, a
memorização sonora, a interação rítmica, a reprodução melódica à internalização cultural de
um povo da música pela música são fatores e objetivos de ensino-aprendizagem.
Para exemplificar/clarear o que abordaremos, tomemos a canção “Toada do Pássaro
Real”23 (ANEXO 03) que tem como principal mote composicional, servir de modelo ou fonte
de inspiração para um potencial Contador de Histórias ou professor que aplicará tal canção
vinculada ao seu Circuito Literário aplicável à sala de aula. Para esta composição, buscamos
nos amparar em processos composicionais que dialogam ou refletem um complexo de
identitarismo/regionalismo social e cultural com os quais podemos extrair das obras e contexto
dramático-literário da escritora Lourdes Ramalho.
A bibliografia dessa autora é bastante perpassada pelos arquétipos do(a) sertanejo(a),
topificada (enquanto lugar, espaço ou habitat) pela fauna e flora da Caatinga e do Cerrado, do
racho e do curral, timbrada em letras e poesias que evocam as toadas, os aboios e aspectos
trovadorescos contidos nas canções e melodias entoadas pelos vaqueiros e boiadeiros do
Nordeste brasileiro. Nesse contexto, também achamos outro dramaturgo (Ariano Suassuna)

22
Oridunda do Filósofo Pitágoras (Πυθαγόρας – século VI a. C.), a concepção da Música como um elemento
natural e calculável, possibilitou a descoberta e desenvolvimento das escalas tonais e grande parte da
organização harmônica das pelas até hoje são referências e estrutura epistemológica para o estudo aos inúmeros
processos de composição musical das mais variadas Idades (antiga, medieval, moderna e contemporânea) da
Cultura humana.
23
Acesso pelo link: https://drive.google.com/file/d/1x_B0ZBKA7RtwZ-g4JtuT7zNantEChSvv/view
35

que, durante seu período de direção no Departamento de Extensão Cultural da Universidade


Federal de Pernambuco (1969 a 1974) preconizou a criação do Movimento Armorial.
Oficialmente criado em 18 de outubro de 1970, em Recife - PE, especificadamente na música,
a ideia foi confluente à necessidade de criar uma estética artística, que ia de encontro às
influências estrangeiras e oligarquias artísticas emergidas pelas gravadoras e multinacionais, de
modo a propiciar o desenvolvimento de uma arte que tinha o propósito de restauração ou
recuperação de um sentimento ufanista ou de identidade brasileira, conforme explica Nóbrega
(2000, p. 02):

[...] o Movimento Armorial realizava a sua “recriação” da música popular


através do desenvolvimento dos elementos eruditos já contidos nela: músicas
tradicionais dos romances ibéricos, frequentemente compostas por músicos da
Corte que posteriormente foram assimiladas pela voz popular, música
religiosa introduzida pelos jesuítas. A região Nordeste, em especial o sertão,
é privilegiada no Movimento como espaço geográfico que manteve as
características "puras e definidoras" da cultura brasileira, segundo Suassuna.

Nesse sentido, retomemos a discussão a respeito canção ‘Toada do Pássaro Real’ e como
outras possibilidades de canções e músicas estão aqui consolidadas na proposta do Circuito
Literário – a ser apresentado no próximo capítulo – circunscritas em processos de composição
que permeiem as principais características da música armorial. Em depoimento gravado à
Nóbrega (2000, p. 08), o maestro Clóvis Pereira relata sobre algumas características musicais
stricto sensu a respeito daquilo que entendemos como armorial. Uma delas é a prevalência de
músicas compostas em tonalidades de Ré maior ou Lá maior em mixolídio24; outra
característica é o evitamento do sétimo grau sensível, ou seja, para esta tonalidade, que seja
evitada ou literalmente rejeitada a possibilidade da emissão da nota Dó sustenido (#), seja ela
em uma melodia ou acorde formado pelo violão ou rabeca. Consonante ao maestro Clóvis, de
forma ipsis litteris, “melodicamente a escala de Ré com a sétima abaixada e o II grau com sol#,
estando harmonicamente a escala com a quarta aumentada, mesmo que melodicamente não
apareça. Então, talvez a escala fosse um misto de ré - mi e fá# - sol - sol# - lá - sib - si - dó -
nunca dó#”, como também podemos observar abaixo, em nossa composição (que se encontra
na íntegra no ANEXO 03):

24
Quinto grau dos modos gregos. Enquanto cultura ocidental, pode-se afirmar que os modos gregos foram as
primeiras formas de organização dos sons musicais em escalas (sequência de notas musicais que podem ser
utilizadas ou notas que devem ser evitadas na execução de uma performance musical). No caso da canção
(Toada do Pássaro Real) discutida do parágrafo referendado, temos a seguinte sequência de notas permissíveis
à tonalidade proposta (Ré maior em mixolídio), conforme demonstra os Exemplo 01 e Exemplo 02.
36

Exemplo 01 – canção ‘Toada do Pássaro Real’ (compasso 1 ao 9)

Esse rigor a respeito do sétimo grau nota dó nunca estar sustenida, em outras palavras,
o dó♮25) se mantem inclusive em momento de modulação26, como é o caso dos compassos 14 e
36 que contém um acorde de Fá maior como intermediário dessa modulação, conforme
demonstrado a seguir:

Exemplo 02 – canção ‘Toada do Pássaro Real’ (compasso 10 ao 19)

Esse tipo de descrição minuciosa a respeito dos aspectos harmônicos e melódicos da


música armorial se faz necessária, perante a nossa compreensão de memória auditiva e
conceitual de “uma percepção musical convincente” (NICHOLS et al., 2009, p. 471, tradução
nossa), envolvente, nostálgica, que se aproxima de todo um construto identitário de uma
memória cultural – oriunda da culinária, das variações linguísticas ou jargões regionais, do
indumentário ou vestuário de determinada comunidade, que se tem afinidade própria de um
povo. Estreitando essa percepção ao convencimento de características de um povo, ao

25
♮ (bequadro): este símbolo é utilizado em uma determinada nota para ‘eliminar’ (deixar natural) o efeito de
alteração de notas musicais com os acidentes # (sustenido) ou b (bemol).
26
De acordo com o musicógrafo Ernesto Vieira (1899, p. 355): “1. Modular é passar de um tom para outro. 2.
Essa passagem effectoa-se por meio de uma ou mais notas que não pertencem ao primeiro tom e que anunciam
um segundo; chama-se isso por notas características. Os accordes que conteem essas notas características são
acordes transitivos ou intermediários.”
37

convencimento daquilo que conhecemos ser o “nordestinês”27 em sua específica dimensão


sonora, podemos efetivamente nos fundamentar em compor/interpretar – no caso de um
musicista – ou em selecionar/reproduzir canções – no caso de um professor de Língua
Portuguesa que queira incrementar suas ações pedagógicas com esse universo musical
nordestino – pertencente ao âmbito daquilo que é armorial.
Nessa perspectiva docente, podemos pensar em outros aspectos da música que
contribuem para o estudo da própria Língua Portuguesa. Um desses aspectos é a prosódia, pois
ela é, na Música, responsável pelo “posicionamento das sílabas tônicas nos tempos fortes de
cada compasso e pelos crescendo e decrescendo que as acompanham.” (RODRIGO, 2016, p.
44). Tal privilegiamento de sílabas tônicas ou evitamento de sílabas átonas são procedimentos
utilizados também para a construção métrica ou fonética da própria poesia – enquanto Arte da
Letra – e construção mórfica e etimológica – enquanto estudo linguístico.

[...] o acento silábico mais forte também está fortemente associado à


ocorrência de picos melódicos. Esta relação se mantém em ambas as direções:
a probabilidade de um acento primário é significativamente maior nas sílabas
correspondentes aos picos melódicos do que nos não picos, e a probabilidade
de um pico melódico é muito maior em sílabas-tônicas do que sílabas átonas.
(NICHOLS et al., 2009, p. 474, tradução nossa)

Tal fenômeno fonético (Língua) e prosódico (Música) pode ser explicitado novamente
em outra canção nordestina, através de Assum Preto (ANEXO 04) do compositor e ícone da
cultura sertaneja, Luiz Gonzaga. Em ‘vermelho’ encontramos respectivamente as sílabas
tônicas dos vocábulos ‘Tudo’, ‘envorta’, ‘só’ (monossílabo tônico), ‘beleza’, ‘abril’, ‘Assum’,
‘Preto’, ‘veve’, ‘sorto’ e ‘pode’. Sílabas estas, que justamente estão ao início de todos os
compassos (local onde se localiza e se escreve todas as notas fortes) desse trecho musical,
abaixo:

27
Nordestinês, enquanto expressão que intitula o Dicionário do jornalista Celso Calheiros e clarifica a similitude
da cultura dessa região geográfica e o autorreconhecimento (enquanto língua e cultura) por parte de um único
coletivo identitário, mesmo que de nove unidades federativas diferentes (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão,
Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe).
38

Exemplo 03 – canção ‘Assum Preto’ (compasso 15 ao 23)

Fonte: Alfredo et. Hodnik (Orgs., 2000, p. 21 – 23)

Para além dos aspectos prosódicos, anteriormente enfatizados, outro aspecto da letra
acima, que pode ser fruto de estudo/análise, é a Variação Linguística que se expressa tanto nos
dramaturgos mencionados anteriormente (Lourdes Ramalho e Ariano Suassuna) como em
grande parte de outros compositores nordestinos ou que têm em suas estéticas essa musicalidade
de sonoridade ibérica, bucólica, saudosa. O aboio28 é a principal forma cantada que bem
representa essas estéticas e, que por si mesmo em seu superabundante ecoar de melodias em
sílabas ou vocábulos que favoreçam zonas de articulação palatais e velares de timbre fechado
(/ê/, /ô/), refletem “tanto as propriedades estéticas de diferentes tipos de vogais quanto o
impacto de diferentes tipos de vogais na performance de um cantor” (NICHOLS et al., 2009, p.
475, tradução nossa). Cantor ou aboiador esse, que é um arquétipo da própria tradição
nordestina e identitário coletivo que atravessa a dramaturgia, poesia e Literatura in latu sensu
aqui abordados nessa pesquisa em curso. Sendo esse arquétipo – o sertanejo, abaioador,
cantador de toadas – um modelo de performance, enquanto seleção de um tipo de harmonia e
musicalidade presentes no canto armorial, propomos todo esse conjunto de traços musicais para
a formulação das atividades envolvidas nas Contações de Histórias a serem desenvolvidas a
seguir.

28
“Aboio. Canto sem palavras, marcado exclusivamente em vogais, entoado pelos vaqueiros quando conduzem
o gado. [...], apaziguando o rebanho, levado para as pastagens ou para o curral, é de efeito maravilhoso, mas
sabidamente popular em todas as regiões de pastorícia do mundo. [...] abóiam quando querem orientar os
companheiros dispersos durante as pegas de gado. [...]. O aboio não é divertimento. É coisa séria, velhíssima,
respeitada. Abóia-se no mato, para orientar a quem se procura.” (CASCUDO, 1999. p. 21)
39

3. A JORNADA EM BUSCA DO CONHECIMENTO: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E


O CIRCUITO LITERÁRIO PARA O LETRAMENTO LITERÁRIO

Refletir sobre os processos constitutivos que envolvem o ensino-aprendizagem, em


Literatura, é pressupor a presença de leitores, mas, também, é inferir a existência de uma
mínima satisfação ou envolvimento entre dois polos: a obra literária e um receptor.
Entendamos, aqui, que esse receptor não é um ser passivo e passível de apenas um processo de
absorção apático de aprendizado; ele não deve ser apenas um sujeito decodificador de estruturas
sintáticas soltas numa oração ou obra escrita. Concebamos, então, esse receptor29 como um ser
que está potencialmente predisposto a interagir com um processo construtivo de uma vivência
artística – ou seja, um sujeito criador e cocriador – enquanto parte de um corpo discente ou
grupo de pessoas – de sua própria história. Tal viabilidade é possível e potencializada quando
o “Letramento é prazer, é lazer, é ler em diferentes lugares e sob diferentes condições, não só
na escola, em exercícios de aprendizagem” (SOARES, 2009, p. 42). Ou seja, quando se faz
possível inserir neste pensamento literário não o ‘romance’ e os movimentos estéticos que os
fomentam, mas, muito além dessas duas caixinhas epistemológicas, quando se faz possível
entender que Literatura também é ação.
Sobre esse misto de entendimentos encontramos, no texto dramático, tanto a existência
de uma “história que se conta” (como nos romances) quanto convergências estéticas de diversas
esferas. Assim, se faz necessário acionarmos práticas pedagógicas que direcionem o estudo
dramatúrgico não com enfoque à formação de atores, mas tendo em conta aprimorar as práticas
de leitura não só de texto, mas, também, de mundo. Como proposta de conciliação do texto e
ação dramática com as alternativas de práticas pedagógicas, Gomes et Reis (2020, p. 120. Grifo
nosso) aponta como:

Existem diversas maneiras de utilização da leitura dramática no processo de


trabalho de um coletivo teatral. O método pode ser parte de um estudo de
dramaturgia, para posterior montagem integral da peça pelo grupo, enquanto
recurso que precede a encenação. Pode ser uma forma de socialização de
determinado repertório dramatúrgico de um autor ou uma autora, ou sobre um
tema específico, enquanto processo de revelação do texto dramatúrgico e suas
temáticas ao público. Pode ser um método muito útil como exercício em sala

29
Nessa perspectiva propomos a substituição do termo receptor por espectador, pois, assim, enquanto sujeitos
docentes, nos posicionamos em sala de aula como (inter)mediadores de um anseio por conhecimento e pela
facilitação da expressão cognitiva, a qual advém da expectativa de cada mente que participa de um viável e
holístico processo de ensino e aprendizagem em sala de aula, em turmas dos ciclos iniciais do ensino
fundamental.
40

de aula para potencializar o letramento, a partir da leitura interpretada dos


personagens de uma peça, enquanto procedimento pedagógico.

Para além dos aspectos de ação dramática e/ou estruturais de uma peça de teatro, a
música – no que concerne às canções, melodias, ritmos – e os jogos podem estimular a
memorização de sons (fenômenos da natureza, roídos urbanos, a voz), como também fazem
parte desse processo de assimilação didática, o qual também é uma extensão às práticas de
leitura frente aos seus efeitos afetivos/sinestésicos de apropriação de conhecimento, em nível
fonético (Língua) ou em qualidade expressiva (Arte). Nesta direção, se faz necessária uma
manipulação de diversos recursos sonoros “em que o dramático aponta para a compreensão da
forma do espetáculo da atividade audiovisual [...] da disposição de materiais sonoros e visuais,
dramatizar é argumentar e integrar em um espetáculo tarefas composicionais” (MOTA, Mimeo
Inédito, p. 360. Grifo Nosso). Além disso, é importante acionarmos recursos de organização e
sistematização em aulas, que se interligam e se constroem, gradativamente, como um
complexo/ciclo de atividade lúdicas ou expositivas que fomentam práticas de
leitura/interpretação; e, também, recursos que intercalem o jogo com o artístico, tendo como
meta o aprendizado.
Dentro dessa proposta, indicamos a técnica do Circuito Literário como recurso
metodológico ou solução/sugestão – enquanto meio atrativo de aula – de práticas que confluam
Arte, Ensino e Recreação.

3.1. METODOLOGIA

Esta pesquisa, que tem como mote o aperfeiçoamento ou o desenvolvimento de práticas


pedagógicas concretas ao desenvolvimento do saber/fazer docente, em sustento de uma
investigação que dialoga com práticas de ensino enfocadas ao 4º ano do Ensino Fundamental –
apesar de aplicáveis também ao 1º e 3º Ciclos do Fundamental perante a compreensão da
atividade artística de acordo com a atual BNCC (BRASIL, 2018, p. 198), enquanto ferramenta
didática complementar ou interdisciplinar da formação infantil.
Esse instrumento pedagógico do Circuito Literário (RIBEIRO, 2015) nos leva à
disposição do objetivo que norteou esta proposta, a saber: auxiliar professores em atividades de
sala de aula que ultrapassem o conteudismo e, principalmente, atenuar o pré-conceito em face
da arte como pretexto ou matéria de valor secundário em aulas de Leitura e Letramento. Para
formulação de um Circuito Literário que se voltasse à complexidade artístico-dramatúrgica e
41

demandas convergentes ao contexto – enquanto locus de realização – exercemos análises e


comparações, em método dialético, de outras experiências propostas como a de Maria
Nascimento (2021, p. 96) buscando realizar um “trabalho que respeita a integridade do todo e
que, portanto, relativiza o pinçar fragmentado de partes, a compreensão apressada ou mesmo a
leitura exterior,” (OLIVEIRA, 1998 apud MUZACATO, 2018, p. 68).

3.2. CIRCUITO LITERÁRIO

Para a compreensão e efetiva aplicação ou desenvolvimento de qualquer/quaisquer


outra(s) proposta(s) de Circuito Literário, voltamos nossas reflexões à Ribeiro (2015). Tal
proposta também foi reproduzida e aplicada por Maria Elaine Nascimento (2021) e, num
dialogismo dessas duas discussões (a primeira como livro e a segunda como dissertação de
mestrado) desenvolvemos a nossa própria orientação, voltada a uma experiência que
contemplasse, para além da leitura e da encenação, aspectos de musicalidade e poesia que
circunda a cultura nordestina (Movimento Armorial, Cordel e Teatro Popular).
Optamos por essa proposta, mediante a necessidade de busca por um tipo de atividade
em sala de aula, que viabilizasse a aproximação entre a atividade docente e a atividade artística
– especificadamente a teatral – por meio de letramento literário, mediante a Contação de
Histórias, focalizando a dramaturgia ramalhiana como vetores de ações.

Na poética da arte de contar histórias, a oralidade deverá contar, também, com


os elementos e os recursos estéticos da produção criadora – a musicalidade
das palavras, o ritmo, a entonação, o silêncio e a gestualidade – de uma forma
muito particular, pois seu objetivo, mais do que comunicar é comunicar com
prazer para implicar e envolver o ouvinte. Mas não só isso: é preciso também
encantá-lo, para, dessa forma, leva-lo a uma viagem pelas águas do
imaginário. MEDEIROS; MORAIS, 2015, p. 203)

Partindo desse imaginário para a concretude de nossa proposta, esse circuito se


desenvolverá como um tabuleiro, em que cada zona/região interiorizada é demarcada por uma
parte do enredo da peça (O Pássaro Real) de Lourdes Ramalho. Cada novo personagem e nova
trama resulta no deslocamento do personagem principal (o Tangará), como um tipo de peão que
transita, de parte em parte, até o final do jogo (que envolve a história). Combinado ao ensino
ou exercício da leitura, devemos nos atentar ao encadeamento lógico a que este recurso se
propõe, ao ser trabalhado em cinco etapas que se interligam e seguem uma analogia cronológica
42

de desenvolvimento de ações organizadas e sistematizadas até a culminância de uma contação,


realizada de forma conjunta entre professor e alunos. Assim, é indispensável a participação
individual e coletiva do corpo discente em virtude de:

[...] a percepção de si e do outro, do sentimento, da emoção e outras questões.


A montagem é uma atividade possível, em que o objetivo é, aí sim, o produto
final, que trabalha o lúdico, o grupo, a iniciativa de buscar um texto, de ler, de
buscar recursos para montá-lo, de descobrir vocações de ator, de figurinista,
de cenógrafo [...] (NAZARETH 2012, p. 94)

Nessas etapas, que se realizam entre duas a quatro aulas, nos utilizaremos de um vasto
arcabouço artístico, envolvendo música e recursos de artes plásticas, em consonância à
construção de um identitário imagético da cultura nordestina e tendo em conta a cultura popular.
Em cada aula, referenciaremos específicos momentos em que se subdividem essas aulas e que
seguem uma ordem assimilativa de atividades que cumprem ou completam um ciclo de
aprendizado das categorias apontadas anteriormente. Assim, de acordo com Ana Cristina
Marinho Lúcio (2005, p. 34), é “preciso também estar atento ao grupo etário em que as crianças
se encontram” à proporção que seja explícito “que o aluno entenda como se dá a organização,
tempo e ações” de cada momento”.
Nesta direção, devemos buscar a viabilidade de um espaço físico, em que se possa ter
uma distribuição semicircular ou elíptica para o mais prudente exercício de nossa proposta
pedagógica que, antecedidas de aulas preliminares de iniciação temática e discursiva – a
respeito dos elementos musicais, movimentos artísticos congêneres, dramaturgia ramalhiana e
outros assuntos circundantes e essenciais ao desenvolvimento, se completa com a aplicação
(professor) e participação (alunado) corroborativa do Circuito Literário proposto neste trabalho.

3.2.1. Fecundando o tablado

Antes de qualquer contato com algum texto, é o contexto (o espaço físico do teatro)
dessa proposta pedagógica, já pensando em sala de aula, que devemos tomar como ponto de
partida. Nesse espaço, se possibilitam estímulo(s) substanciais à articulação e integração
(GOMES; REIS, 2020, p. 80) das mais variadas linguagens (verbal, não-verbal, do gestual/de
43

sinais) e expressões artísticas ou (inter)midiáticas30. Dessa maneira, o começo de nossas


atuações pedagógicas não se estreia pelo ato da explanação, nem se encerra em qualquer tipo
de exposição vinda por parte do professor que aplique nossa proposta de Circuito Literário.

Nessa etapa da proposta, pensemos em duas aulas de aproximados 45 a 50 minutos:

• AULA I:

Num primeiro momento é importante indagar/sondar o corpo discente sobre o que eles
entendem por Teatro e qual nível de contato (assistir peças, ler sobre, ver vídeos em plataformas
virtuais como Youtube, Facebook, Instagram, etc.) que eles já tiveram (ou não) com o teatro.
Algumas perguntas e discussões são vetores norteadores e essencialmente preparatórios para o
desenvolvimento das aulas a seguir até a culminância das nossas últimas aulas, conforme o
tópico (3.3.5. Voando pela primeira vez). Enfoquemos nessas questões:

i. O que é Teatro?
ii. Onde surgiu?
iii. Quais as partes de um Teatro? – sugestão: utilizar imagens reais e estruturais
arquitetônicas para tal questionamento, como exemplo das figuras a seguir:

Figura 01 – Estrutura física de um teatro

A. palco
B. coxias
C. camarins
D. plateia
E. bilheteria

Fonte: https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.092/174

30
Referindo-se aqui à “intermidialidade” e “intermídias” - é um termo cunhado em 1960 por Dick Higgins que,
através da dialética entre as mídias ou a interseção das várias Artes (visuais, plásticas, musicais, literárias,
cênicas, entre outras) por meio de um único produto ou momento artístico.
44

Figura 02 – Teatro Santa Rosa: João Pessoa - PB

A. cortinas
B. teto de Varas
C. camarotes
D. escotilha ou
escada de fuga

Fonte: http://antigo.paraiba.pb.gov.br/index-49631.html

Em um segundo momento, devemos ampliar e procurar por perguntas que nos levem a
refletir as possíveis ações (espectador, ator, direção, figurinista, iluminador, sonoplasta etc.) ou
funções humanas/profissionais de um teatro, enquanto instituição de atividade laboral, artística
e patrimonial de uma cidade indeterminada ou determinada, como é o caso da imagem acima
(Figura 02). Perguntas essas como:

i. O que é ou quem representa um personagem?


ii. O que veste ou quem veste um personagem?
iii. Você já esteve em um teatro?
iv. Você já participou de uma peça de teatro?
v. Para sim: o que você fez lá?
Para não: o que você gostaria de fazer lá?

Ao passo que estamos nesses questionamentos, já estamos pontuando noções básicas


para o descobrimento do universo dramático, ainda, não textual, mas uma intencional sondagem
do espectro de atuação.

• AULA II:

Nesta etapa, que também deve durar de 45 a 50 minutos, devemos nos distanciar mais
daquela proposta de indagações e começar a nos atentar à relação entre aquilo que é um
45

personagem com aquilo que ele figura ou veste (no que se diz respeito a objetos ou utensílios).
Para essa compreensão, dividimos de forma a se concretizar em dois momentos:

a) O primeiro se detém a uma reflexão a partir de nossa conceituação (nordestinos,


brasileiros, indivíduos ocidentais) e nossa relação simbólica com as cores. Um exemplo
dessa reflexão pode ser iniciado com a cor branca, de tal modo que, já abrindo uma
dessas reflexões: se, para o Ocidente, a cor banca possui relativa “valorização positiva,
[...] de poderes tomados e reconhecidos, de renascimento realizado, de consagração”
(oriunda da forte influência do cristianismo nas culturas hespéricas), para grande parte
dos povos orientais “o branco é primitivamente a cor da morte e do luto” (CHEVALIER
et. GHEERBRANT, 2020, p. 191-192. Grifo nosso). O vermelho que hoje, para alguns
é a cor do amor ou paixão, já foi cor de uniforme de exercícios bélicos.
Adentrar na particularidade do universo cromático-identitário dos alunos
envolvidos com essa aula, pode render instantes peculiares entre pré-conceitos e quebra
de tabu. Por isso, avançar num segundo momento, enfatizando a relação das cores com
arquétipos (personagens de desenhos animados, mascotes de marcas ou afins, dentre
outros) e personagens comuns ao universo infantil se torna ação essencial para fazer
uma primeira relação entre a plumagem de aves e as vestimentas humanas, em que a
“dinâmica de elaboração de figurino e cenografia a partir de elementos pessoais é um
procedimento muito presente na realização do teatro em sala de aula” (GOMES; REIS,
2020, p. 144) e deve ser considerada também como um processo de leitura – mesmo
que não gráfica ou vocabular, é uma leitura de mundo.31

b) Finalizando com uma outra brincadeira que não perde seu desígnio avaliativo, podemos
fazer um jogo de Adedonha32 refletindo a respeito da plumagem, origens e folclore a
respeito das aves que circunda a fauna nordestino-brasileira. Para isso, pode ser
impressos/recortados o conjunto de cards, em que se mostre os pássaros e seus nomes
– e algum recurso sonoro em que se possa conhecer o canto/som através da reprodução
dos áudios de cada pássaro (disponível em ANEXO 07 - tanto os cards quanto os links
do canto dos pássaros). Este recurso se torna vitrine aberta para se explorar as

31
Referenciando-nos que “leitura do mundo precede a leitura da palavra” (FREIRE, Paulo. A importância do
Ato de Ler: três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1989.)
32
Brincadeira de achar palavras conforme tema pré-estabelecido (ave, cor, trejeito, e mais outras) iniciadas por
uma Letra sorteada, exemplo com a letra A (Andorinha, Amarela, Arretada e outras mais)
46

possibilidades cromáticas a serem refletidas e postas em analogia aos arquétipos (o


sertanejo, a lavandeira, o vaqueiro, a índia, o cangaceiro etc.) originários de personagens
e personalidades (Patativa do Assaré, Lampião, Maria Bonita, Luiz Gonzaga, Lourdes
Ramalho, Ariano Suassuna, entre outros) de relevância de nossa cultura.
Ainda nesse jogo de Adedonha, podemos subverter essa análise e, assim,
finalizar o momento propondo aos alunos uma reflexão a respeito do que eles conhecem
sobre esses arquétipo e personalidades e sobre qual pássaro ou qual cor dos pássaros
“vestem” um personagem como Maria Bonita, por exemplo; qual das aves em questão
melhor representa a personalidade dessa mulher? qual dos corpos e tamanho de aves
melhor se compara à esposa de Lampião? Por fim, ainda sobre os cards acima, como o
som também é responsável por uma sinestesia de cores ou pela revelação de uma
personalidade.

3.2.2. Nidificando o som

Para este instante, sugerimos que se tenha em mão algum aparelho de reprodução de
áudios (caixa de som, o próprio celular, para compartilhamento dos áudios propostos e outras
fontes de amplificação ou execução de Mp3), materiais sonoros como cilindros metálicos,
castanholas, pedaços de madeira, chocalhos (feitos de latas, garrafas pet, cabaças ou qualquer
outro material similar), sinos, jarras d’água e tapetes. Nesta etapa do circuito, trabalharemos a
sonoplastia (plano de fundo responsável em sonorizar/climatizar sinestesicamente, pela
audição, os momentos e brincadeiras desse ponto em questão) e faremos brincadeiras de
memorização sonora, apreciação de canções e interpretação das letras (no tocante à poesia)
proposta em curso que se executa em três aulas distintas – cada aula com 45 a 50 minutos:

• AULA III:

Retomando as discussões anteriores, a respeito dos pássaros e outras aves, suas cores
e suas particularidades, perante o conhecimento ou desconhecimento ou depoimento dos
alunos, adentramos na significação e reflexão a respeito do canto desses animais. Dentre eles,
podemos destacar as aves apontadas anteriormente. Aqui, adentramos em um segundo
momento, intitulado SONOPLASTIA I, para apreciar, se espantar (árvores de cantos sombrios
47

como a coruja e a urutau) e se identificar com a variedades de sons, ritmos, roídos e sensações
que cada canto/chiar que esses animais emitem. Como terceiro momento, retomemos aos
materiais sonoros propostos anteriormente. Na possibilidade do incremento de instrumentos
musicais, que assim seja posto, caso contrário, priorizemos “materiais utilizados, simples e
fáceis de encontrar gratuitamente, estratégia importante para iniciativas similares em escolas
públicas de Educação Básica, sempre carentes de verbas para aquisição de materiais (GOMES;
REIS, 2020, p. 69), para podermos nos aprofundar na SONOPLASTIA II.
Experenciando e testando todos os efeitos tanto dos materiais quanto dos cantos dos
pássaros (ANEXO 07), direcionamos os alunos a selecionar e, numa tentativa de criar uma
“tessitura vocal”, ums “cena musicalizada” (MOTA, Mimeo Inédito, p. 226-247), concentramo-
nos na poesia de ‘Ave Musa incandescente do deserto’ de outro dramaturgo importante a essa
pesquisa Ariano Suassuna (2006, p. 24). Decerto, o barulho e a brincadeira com os objetos,
apesar de consolidar como parte experiencial e necessária ao processo, deve ser organizada e
pré-determinada em regras que não transformem a sonoplastia em barulheira:

1. Só pode feito (voz, assobio, palmas e outros sons corpóreos 33) ou utilizado (materiais
sonoros) 3 sons que dialoguem entre si, se atentando para que o volume da sonoplastia
não ultrapasse ao som de quem declama a poesia;
2. Devem ser formados 7 grupos no máximo, para que assim seja feita a devida
sonorização de pelo menos dois versos do poema sugerido anteriormente, que se
encontra em ANEXO 0134;
3. Apenas um único grupo pode emitir sua sonoplastia em seu turno (dupla de versos).

• AULA IV:

Inicialmente, ainda com algum tipo de aparelho reprodutor de áudio ou na


possibilidade de um instrumento de acompanhamento (violão, principalmente), executar a
canção Assum Preto (ANEXO 04) de Luiz Gonzaga – é importante destacar os aspectos sonoros
da música, suas pausas, o aumento e diminuição do volume utilizado na sanfona do compositor,

33
Sons percussivos extraídos principalmente pelas mãos em contato ou fricção com o tronco, ombros, lateral da
boca (aberta em ‘O’ ou em ‘A’) e abdomes.
34
SUASSUNA, Ariano. Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta. 8ª ed., Rio de
Janeiro: José Olympio, 2006.
48

pois todos esses traços melódicos e harmônicos possuem um diálogo entre si e a letra da canção
– abrindo uma discussão com as seguintes indagações:

i. O que é ou quem representa o Assum Preto?


ii. Quais as cores esse pássaro tem e quais as cores você imagina ao ouvir a
canção?
iii. Essa canção é triste, alegre, agitada, dissonante, agradável etc.?

Noutro momento, retomar a reprodução do canto desse passado (ANEXO 07) e


questionar se o canto desse pássaro é triste e por qual motivo (pós) conclusão do debate dos
alunos – que deve ser induzidos a pensar a respeito, principalmente dos versos ‘Assum Preto,
o meu cantar’ e ‘É tão triste como o teu’) e comparar os dois sons (canção e canto do pássaro)
mais a letra, que agora deve ser exposta por completa.
Exposta a letra inteiramente, partimos para a discussão ornitológica35 (cegar os olhos
do animal) e dessa temática tabu a respeito da cultura nordestina. Ainda nessa temática de
pássaros, reproduzir uma segunda canção que é O Galo de Campina (ANEXO 05) de Ricardo
Teixeira. Fazendo um paralelo com o verso ‘Não chora, meu bem, não chora, que eu ainda estou
aqui’, repetir a mesma discussão a respeito da tristeza oculta nessa última canção e, de forma,
intertextual e inter-temática propor um diálogo entre essas duas letras e dois compositores.
Por fim, reproduzir uma das canções de autoria própria (‘Toada do Pássaro Real36’) e
fazer uma relação com as duas canções e letras anteriores – relembrando: que eram de Luiz
Gonzaga e Renato Teixeira –, fazer também uma interpretação induzida e demonstrativa a
respeito de uma ‘felicidade’ que o Tangará (eu-lírico da canção em foco dessa terceira aula)
revela na letra e, na música em si, questionando aos participantes sobre como essa felicidade é
expressa.

35
Estudo dos pássaros - espécies, plumagens, localidade, habitat, folclores envoltos e quais tradições circundam
uma determinada ave
36
Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1x_B0ZBKA7RtwZ-g4JtuT7zNantEChSvv/view?usp=sharing
49

3.2.3. Incubando a luz

Para esse momento, recomenda-se que o professor separe lonas ou lençóis ou qualquer
outra estratégia que possibilite ter um ambiente de escuro. Com apenas folhas recortadas em
moldes37, que podem ser baixados, impressos e recortados, o professor pode fazer uma
Contação de História simplesmente utilizando a lanterna de seu próprio celular ou qualquer
outro instrumento de iluminação que permita a projeção desses moldes no teto ou parede de
uma sala – de modo a ampliar a atmosfera e o jogo lúdico.
Se faz necessário que essa projeção seja feita em um pedaço de vidro transparente
(demarcando a parte cênica38) e colocando sobre o vidro esses moldes para que fiquem contra
a luz projetada no teto e, dessa maneira, forme as sombras como imagens xilográficas, sempre
que possível – por isso evitar locais ventilados ou passíveis de trepidação. Um exemplo dessa
contação, que é intitulado ‘O pequeno ovo perdido39’ pode ser impressa49 e acessível em
ANEXO 06. De forma mais evidente, esses recortes, posição de fitas e xilogravuras podem ser
vistos a seguir:

Figura 03 – Recortes xilográficos

37
Disponível em:
https://drive.google.com/drive/folders/1J_J1-Hiab7un6n9RAoHTRsYvF_h29vSs?usp=sharing
38
Quadrado ou retângulo que deve se enquadrar (pós-projeção) na superfície, permitindo assim que o
manipulador dos moldes não projete a imagem fora desse quadro e saiba do espaço de manuseio possível e
tenha seu controle.
39
Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1eS8pRG3obJzUxjdbvFyWG183KpnmSGK4/view?usp=sharing
50

Esse trabalho de recorte é embasado e inspirado em Thereza Carmem Diniz, a qual


representa em suas Xilogravuras pintadas a tinta óleo em tela sob um teor armorial, de tal forma
descrita pelas palavras de Barbosa (1997, p. 252):

Alto reconhecimento pela maestria e sutileza de sua gravura e destaco em sua


obra a magnífica construção imagética das relações espaciais e arquitetônicas
entre o Recife e Olinda, hierarquizadas e sensualmente representadas numa
xilogravura que articula a influência da verticalização da gravura oriental e as
linhas definidas, de corte profundo, da gravura popular nordestina.

De tal maneira, os moldes, que recortamos, buscam apresentar ou refletir uma parcela
dessa visão e desse imagético identitário. Ao projetar esse tipo de imagem em alguma
superfície, logo vemos o resultado estético dessas gravuras:

Figura 04 – Projeções xilográficos

Em nossa contação O pequeno Ovo Perdido, o vídeo inteiro tem duração de


aproximados 18 minutos – nossa intenção foi de fazer um exemplar –, porém compreendemos
como uma determinada outra versão pode ser mais extensa ou mais curta (o tempo é de livre
aplicação, desde que esse tempo cumpra uma aula por completo, nãos mais que isso). Caso o
professor opte em reproduzia a nossa versão, recomenda-se que ele deixe esse material posto e
pronto antes do começo de sua aula. Tudo sempre depende de alguns ajustes e precauções,
principalmente pelo uso do claro-escuro.
51

Uma aula como essa, para além das discussões e possibilidades brincantes que podem
ser feitas com esse tipo de trabalho (xilogravura projetada em superfícies planas), é capaz de
instigar as crianças a quererem copiar ou formular as suas próprias contações. Nessa
possibilidade, recomendamos que o professor deixe de três a quatro aulas (de 45 a 50 minutos
cada) para esse tipo de atividade, podendo ser:

• AULA V: Exibição do vídeo ou reprodução própria (com impressões e material


exposto nas páginas anteriores) e um momento de discussão, levantamento de opiniões
críticas ou aprovações, correlação da discussão da trama, personagens. Provavelmente,
o que o professor mais vai ter numa aula dessas é a discussão e predileção de alguma
parte (maior ou menor) do corpo discente a respeito dessa experiência com a luz, ou
melhor com o escuro.

• AULA VI: Pós aulas anteriores, sugere-se uma revisão de tudo que foi posto nesse
tópico (Incubando a luz) e etapas aplicadas em sala de aula: 01) reprodução/encenação,
02) discussão de conteúdo pragmático, adentremos na relação que existe entre o
Movimento Armorial entre as músicas passadas, as aves ouvidas e observadas e as
xilogravuras.
Retomando as perguntas ‘i’, ‘ii’ e ‘iii’ (que devem ser refeitas) que foram
deixadas em aberto no ponto anterior dessa ação pedagógica, induzamos os alunos a
começar a desvendar a ‘mulher misteriosa’, de quem brotou a discussão desses pássaros,
tipos de música, imagens recortadas e projetadas à luz, estimulemos essa curiosidade
mais uma vez e, somente no próximo encontro, abordemos a nossa dramaturga como o
objeto de estudo e relevância que ela tem para a Dramaturgia paraibana. Como uma
breve apresentação ou, ‘abrupto degustar’ de um nome: que seja feita uma breve
explanação de uma outra dramaturga se utilizando de material jornalístico40 (CORREIO
DAS ARTES, 2020, p. 4) e perguntas como:

i. Quem é essa autora?


ii. Sobre o que e quem ela escreve?
iii. Quem conhece a peça O Pássaro Real (2004)?

40
O professor pode acessar parte ou total do fascículo comemorativo de 100 anos de vida de Lourdes Ramalho,
através do link: https://auniao.pb.gov.br/servicos/arquivo-digital/correio-das-artes/edicao-digital-
2020/correio-das-artes-agosto-de-2020
52

iv. Lourdes Ramalho fazia que atividades artísticas?


v. Será que uma peça teatral pode ser escrita em poesia?
vi. O que é um cordel?

3.2.4. Eclodindo uma Dramaturgia

AULA VII:

Doravante, pensemos em 3 etapas para o cumprimento desse ‘eclodir dramatúrgico’, que


também é uma possibilidade de abertura para que adentremos, de fato, no Circuito Literário.

• 1ª ETAPA: Um primeiro contato com texto O Pássaro Real (2004) que se encontra em
ANEXO 02, através de uma primeira leitura em que de forma discursiva e dialógica
promova-se “um trabalho de apropriação narrativa” (RIBEIRO, 2015, p. 31) em que a
leitura e debate sobre a obra seja posta em conversação.

• 2ª ETAPA: Executar os áudios das canções41 compostas/arranjadas pelo/para nossa (de


autoria própria) proposta de Circuito Literário. Essas melodias foram diretamente
baseadas e construídas sob algumas estrofes da própria peça O Pássaro Real (2004);
Brincar de identificar uma canção, em meio ao texto dramático – conforme uma das
propostas para essa brincadeira. Os alunos terão 3 chances de escutar uma das canções
e 30 segundos para achar os versos dentro do texto de Lourdes Ramalho.

41
Disponíveis em:
Canção 01 – abertura:
https://drive.google.com/file/d/1a9CzT2F1Lz6rvFGRLu4XD_NbstbnOrc2/view?usp=sharing
Canção 02 – galo Serapião:
https://drive.google.com/file/d/1gFWw03dq9Un87KqioU_6gB2lroY8T_c8/view?usp=sharing
Canção 03 – corre-corre:
https://drive.google.com/file/d/19rz5SOko-qw5pa0FrqyumZdhQkFDMiuW/view?usp=sharing
Canção 04 – roda-roda:
https://drive.google.com/file/d/1eAP86MWLjoOXjJeesYyv7VQgem9rQr_Y/view?usp=sharing
Canção 05 – final:
https://drive.google.com/file/d/1jgG6MlkiBXNfKhxKWWTuZrg9aUfbOznj/view?usp=sharing
53

• 3ª ETAPA: Unir a leitura, que deverá ser feita já imaginando ou fazendo um tipo de
construção de personagem, conforme a personalidade de cada animal (O Tangará,
Corropio, Galo, Tejeassu, Tamanduá etc) e promover a execução dessas canções
(reproduzido por uma caixa de som ou aparelho celular) cada uma das subpartes
sugeridas.

Ao final, é importante fazer uma ‘repescagem’ geral, revisando e apontando aspectos


diferenciais de personagens, das rubricas, de possibilidades de cenários para partes e subpartes
temáticas dessa história e como isso poderia, num trabalho de reescrita da peça, de modo a
identificar as partes da ação. Tal atividade será essencial para compreensão do texto como Atos
e Subdivisões que poderão ser transformadas em zonas ou pontos de parada do jogo proposto
em nosso Circuito Literário que deverá ser montado em sala de aula – quando serão feitas (nas
próximas aulas) a adaptação necessária, produção de cenários, confecção de figurinos,
elaboração/organização de instrumentos musicais e de sonoplastia para os Atos e momentos
cênicos, feitura das partes do tabuleiros que constituíram os ‘pontos narrativos’ – através do
estudo/análise do texto e jogos que objetifiquem a visualização e produção dos passos a serem
trilhados pela trama de O Pássaro Real (2004).

3.2.5. Voando pela primeira vez

Após toda uma leitura e brincadeiras que fomentassem momentos de apreciação, análise
e discussão do texto ramalhiano, partimos para a montagem de cada elemento dramático e
físico-cênico como proposto mais abaixo.

AULA VIII:
Para esse momento, é muito mais importante que haja o sucessivo progredir de cada
etapa, do que, necessariamente haver uma ‘enxugar’ ou ‘alastrar’ um número de aulas que
exorbitem a expectativa/exaustão das crianças envolvidas. Como mediador, o professor deve
orientar esses alunos em um jogar/brincar teatral que compõe e pode ser esquematizado através
de um “organograma da trama” (RIBEIRO, 2015, p. 31) que integram o nosso Circuito
Literário, conforme se verá a seguir.
54

Retomando a dramaturgia de O Pássaro Real (2004), faz-se necessário assimilar a


posição e funcionalidade, assim como a produção do material necessário para o cumprimento
desse circuito, associado à leitura da peça, enquanto jogo que avança e auxilia o protagonista
(o Pássaro Tangará) no transitar da narrativa. Cada ponto (círculos coloridos e polígono
marrom) é um cenário a ser produzido, um personagem a ser posto no local, um conjunto de
objetos cênicos a serem posicionados/escondidos e um ponto (aqui chamado de Atos) a ser
cruzado, conforme trama/leitura do texto de Lourdes Ramalho.

Figura 05 – Organograma do Pássaro Real

Detalhamento:

• Círculo Branco (PLATEIA): Local onde ficam todos os discentes/espectadores


responsáveis por julgar, direcionar e conferir o encadeamento da contação, assim como o
perpassar do protagonista em cada etapa do tabuleiro. É necessário que esses alunos estejam
sentados em um círculo orientados (para frente) em direção ao exterior do círculo – assim
55

poderão assistir e contribuir (fazendo a sonoplastia e sonorização desenvolvida durante o


processo de elaboração) a leitura encenada que ocorre fora do círculo e que também estão
os outros pontos do tabuleiro.
• Polígono Marrom (NINHO): Nessa região, que é ponto de partida do Protagonista e ponto
de chegada de todos os personagens até o fim da leitura encenada, deve ser feito, como
cenário, um ninhário de gravetos e cordões amarronzados ao redor do tapete ou círculo
recortado de compensado ou folheados de madeira – com extrema atenção a farpas ou
superfícies furantes.
• Círculo Amarelo (GALINHEIRO): Em forma de um tapete que pode ser feito em cartolina
ou preferencialmente papelão, pode ser adornado de palhas ou fitas douradas que remontem
um cenário de poleiro. Neste lugar, deve ficar o antagonista, que é o Galo Serrapião. Deve
também haver uma pequena caixa, na qual ficará escondido um ovo amarelo/dourado (feito
em papel ou isopor pintado, representando o ovo perdida). Ovo este que será revelado e
encontrado no final da peça. Entre esse círculo e o próximo, devem estar uma caixa de
papelão/bacia ou qualquer material que faça jus à cena do Barqueiro.
• Círculo Azul (LAGO): Local pintado com tintas índicas e lençóis anis, com intuito de
dissimilar um espaço aquático e onde se realizará a acena cômica entre o personagem do
Barqueiro e os tripulantes (o Tangará, o Currupio e o Galo Serapião);
• Círculo Verde (GRAMADO): Zona compatível (esteticamente) a uma campina, planície
ou várzea é o ponto onde outro personagem (o Camaleão) estará disfarçado e camuflado
entre ‘as folhagens’.
• Círculo Vermelho (POMAR): Arranjado com cabos de vassouras ao redor ou varas que
simulem um conjunto de árvores ou plantas frutíferas, e tampinhas de garrafas pretas
(simulando formigas) deverá ficar o personagem do Tamanduá.
• Círculo Preto (BURACO): Lugar pertencente ao Tejuassu e que tenha ao seu redor papeis
amassados replicando cascas de ovos quebrados.

Nessa perspectiva, dividimos as ações em Atos (das quais podem ser efetuadas duas ou
mais por aula, conforme andamento coletivo). Exercitando a leitura encenada, afincada com as
intenções dos personagens, ritmo poético e valorização da Variação Linguística presente no
Nordeste brasileiro e suas diversas formas prosódicas, propõe-se chegarmos num processo em
que, de forma coletiva e corroborativa, os discentes reorganizem e elaborem um cenário para
cada zona, conforme proposta no organograma acima (Figura 05).
56

3.2.6. Aplicando o circuito em Atos

A esta altura, é importante que se pense em dois grupos que, no encadear de cenas e
momentos do Circuito Literário, serão os responsáveis pelo jogo dramático a ser executado: a
Plateia e o Elenco. Intitulada pelo Círculo Branco, os alunos que se colocarão dentro desta roda
executarão todas as ações de sonoplastia e iluminação, por isso, também é essencial que estejam
orientados pelos diálogos e rubricas/marcas da peça O Pássaro Real (2004). O texto deve ser
impresso e estar nas mãos (individualmente ou em duplas). Já, para o alunado que representará
os personagens e perpassará os pontos cênicos dessa nossa proposta pedagógica, sugerimos
cartolinas impressas ou escritas com canetas-hidrocor grossas – tornando o texto legível,
pregadas/fixadas de forma paralelas aos círculos ou polígono coloridos.
Dessa forma, tornamos a leitura do texto dramático mais fluida (sem misturar o texto do
elenco com o texto da plateia), podendo ser “entendida como um processo de formação de duas
categorias: uma voltada para a leitura do texto teatral impresso, e a outra voltada para a
interação” (NAZARETH, 2012, p. 62). Por essa estratégia, apesar de duas formas de acessar o
texto (um as mãos da plateia e o outro nas paredes da sala), o seguimento da narrativa e leitura
– pincipalmente nos diálogos e canções – deve ser ordenado e progressivo, através da mediação
do professor. A leitura pode ser dividida em momentos diferentes e partes diferentes do texto,
conforme os Atos sugeridos abaixo:

ATO I:

Já em sala de aula, com todos os cenários e apetrechos cênicos/sonoros selecionados e


organizados, começa-se a brincadeira. Nesse instante, é quando, no Polígono Marrom (NINHO)
devem estar postos o Tangará e o Currupio que, em conjunto com a turma localizada no centro
da sala – Círculo Branco (PLATEIA) – cantam a Canção 01 - abertura e se inicia a cena e
diálogo entre esses dois pássaros até o deparar-se com o desaparecimento do filhote do Tangará
Real, o ovo de ouro.

ATO II:

Na cena do aparecimento do galo (RAMALHO, 2004, p. 32), o protagonista e o seu


coadjuvante (Currupio) se encaminham para o Círculo Amarelo (GALINHEIRO); o coletivo
de discente entoa a Canção 02 – galo Serapião – e seguem no desenrolar da cena até a direção
57

do Barqueiro, que se encontra ao lado e os leva, com o entremeio da cena entre eles quase com
o barco afundando, adentrando do Círculo Verde (LAGO), em busca do camaleão.

ATO III:

Imersos no Círculo Azul (LAGO), o trabalho coletivo da sonoplastia se faz necessário


para a sonorização (instrumentos e objetos timbrantes em aço e em cascalhos) de um ‘ambiente
aquático’ violento. Promovendo uma (re) “leitura envolvida de toda uma carga imagética e
sonora” (GOMES; REIS, 2020, p. 23) que embeleza e climatiza de forma sinestésica os efeitos
dramáticos dessa contação que parte em direção da busca pelo ovo de ouro, com primeiro
suspeito da trama.

ATO IV:

Já posicionados no Círculo Verde (GRAMADO), local do Camaleão que dorme


sossegado) numa encenação de batalha, se realiza o período correspondente à cena (Ibidem, p.
34-35) de um interrogatório desse personagem pacífico. Propõe-se aqui, retomar as atividades
e conhecimentos a respeito da musicalidade armorial, criando assim um ambiente sinestésico e
experiência auditiva de terror – no que se diz respeito ao efeito áudio-melódico. Sempre
permeada pela leitura encenada (daqueles que atuam) e leitura supervisionada (do
mediador/professor e dos membros da plateia que funcionam/atuam também como sonoplastas
e coro das canções propostas40, por parte da plateia que também é parte ativa do espetáculo).

ATO V:

Executa-se a cena de caça ao Tamanduá até seu ponto de aparição (Ibidem, p. 36) –
Círculo Vermelho (POMAR), com possibilidade de usar as varas (que anteriormente eram
árvores) como instrumento cômico de contenda de espadas). Noutra cena de batalha, dessa vez
com a vitória do Tamanduá perante o Galo Serapião da plateia), executa-se a cena de caça do
de outro suspeito (Ibidem, p. 36).
58

ATO VI:

Num instante de duas cenas (RAMALHO, 2004, p. 37-39), temos a primeira delas com
a abertura de uma das canções40 propostas (Canção 03 – corre-corre) que arrodeiam o Círculo
Preto (BURACO), onde está o Tejuassu. Para esse instante – como um tipo de simulação do
interior de uma escavação – orienta-se ao mediador que apague as luzes da sala e que a plateia
(na função de iluminadores) clareiem a cena (com lanternas ou luz dos celulares ou qualquer
aparelho luzente que não envolva fogo), construindo atmosferas que, “relacionadas com a
iluminação (luz móvel, focos precisos e variáveis) e a tridimensionalidade da cena (espaço de
atuação em relações concretas entre o corpo do ator e os objetos de cena )” (MOTA, Mimeo
Inédito, p. 17), se transforma em outra possibilidade de um aprendizado contemplativo à arte
visual. Retomando a luminosidade da sala, adentramos na segunda cena em que começa uma
caçada do ovo de ouro na barriga da plateia, ocorrendo – através do Barqueiro, que novamente
é solicitado – a migração dos personagens Tangará e Currupio do Círculo Preto ao Branco,
novamente ao som de uma de nossas canções40 (Canção 04 – roda-roda).

ATO VII:

Como um ato (RAMALHO, 2004, p. 40-41) de “quebra da quarta parede [...] que haja
também um envolvimento emocional na execução dessas narrativas” (Ibidem, p. 209) em um
fazer brincante entre plateia e elenco, direciona-se o momento de retorno ao Círculo Amarelo
ao passo que se adentra em outra canção40 temática anterior (Canção 03 – corre-corre) e um
outro período e ambientação de comicidade que é o desconfiar de um último suspeito: o próprio
detetive Serapião,

ATO VIII:

Ainda, no Círculo Amarelo, os personagens Tangará e Currupio revelam o ovo roubado


dentro da caixa secreta ao cenário e encerra-se a peça ao som da Canção 05 – final, enquanto
todos partem em direção ao primeiro local em formato de polígono (NINHO), onde tudo
começou e tudo termina.

Uma recomendação feita por Ribeiro (2015, p. 34) e pela qual nos direciona e apontar
como solução diante dos inúmeros imprevistos que podem ocorrer, se refere em uma elaboração
59

de um roteiro que possa “auxiliar o professor no desenrolar do enredo, tendo especial cuidado
em manter os pontos significativos e essenciais para o desenvolvimento da trama”, ao mesmo
tempo que é de suma importância que os discentes tenham compreensão e dimensão logística
de como esse esquema descritivo deve guiar e organizar cada prática ao seu devido
tempo/momento.
60

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em símile ao que corresponde ‘pisar pela primeira vez’, num tablado de madeira ou
numa sala de aula, seja isto em um palco ou numa das cadeiras da plateia, seja isto numa carteira
estudantil ou num birô docente, este estudo procurou fomentar – desde esse primeiro passo –
um somatório convergente de bases teóricas, reiterados exercícios discursivos e (auto) críticos
na relação dialógica das interlocuções aqui presentes, para, assim, apurar a substância artístico-
cultural e literária em face da dramaturgia ramalhiana. Na execução de cada etapa transcorrida,
defrontamo-nos com uma pandemia, causada pelo vírus SARS-COV-2, que paralisou,
prejudicou e, no retorno de algumas poucas escolas, afetou todo um sistema educacional a nível
mundial – o que dizer, do brasileiro, mais ainda: situação esta que impediu a plena realização
do que se propunha na prática, no contexto de uma sala de aula e com os alunos.
Esta pesquisa, que também teve seus instantes de primeiro passo, intempéries,
paralisações e retornos, teve seus momentos de lapidação e constatação de si, de forma tal a
refletir como – em meio a uma pandemia e todo um complexo de variáveis (históricas, políticas,
socioculturais e institucionais) avesso ao viável fruir e aproximação epistemológica do
professor ao aluno (validando aqui a recíproca) no ensino-aprendizagem de uma leitura – que
é de mundo, que é de arte e de uma possibilidade, também viável de Leitura da Literatura em
latu sensu.
Premissas e problemas e processo expostos – podemos então afirmar que este trabalho
acadêmico encontrou na Dramaturgia e sua diversa (re) significação um elo entre a Leitura e
Literatura que deve/pode ser desenvolvido em sala de aula a fim de aproximar o mútuo
entendimento discursivo entre o artístico e o didático, também diversificar as possibilidades
imagéticas, linguísticas, recursivas (no que concerne a habilidades e competências individuais
– memória, atenção, criticidade e criatividade, paciência, tolerância e desenvolvimento
humano), culturais e sociais tanto do aluno, quanto professor.
Não minimizando a responsabilidade dos pais e sociedade, como mediadores dessa
ressignificação do letramento e do pensamento em formação, mas é relevante destacar o papel
da escola e corpos docente envolvidos para com suas atenções aos notáveis aspectos que a
leitura dramática tem a acrescentar, principalmente no que se diz respeito ao sentimento
recreativo, consciência (de um silêncio a palmas, de um ato a um coletivo, de um diretor
artístico a um artista educador) e satisfação que as práticas de leitura devem estar permeadas e
propostas à propagação de potenciais leitores dentro e fora da escola.
61

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63

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ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. (1990). Trad. Jerusa Pires Ferreira e Suely
Fenerich. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
64

ANEXO 01:

Disponível em: https://www.revistaprosaversoearte.com/ariano-suassuna-poemas/


65

ANEXO 02:
66
67
68
69
70
71
72
73
74
75
76
77
78
79
80
81

ANEXO 03:
82

Acesso pelo link: https://drive.google.com/file/d/1x_B0ZBKA7RtwZ-g4JtuT7zNantEChSvv/view


83

ANEXO 04:
84
85
86

ANEXO 05:

Fonte: https://www.letras.mus.br/renato-teixeira/1234388/
87

ANEXO 06
88
89
90
91

ANEXO 07:

Galo-de-Campina ou Cardeal-do-nordeste (Paroaria dominicana)

Canto – Mídia Disponível em:


https://xeno-canto.org/explore?query=Paroaria%20dominicana

Fotografia de Gustavo Perdesoli – Fonte: FUNED (2018 p. 51)

Assum Preto ou Graúna (Gnorimopsar chopi)

Canto – Mídia Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=V_gFxSeFV0w

Fotografia de Ricardo Mendes – Fonte: FUNED (2018 p. 45)

Coruja-rasga-mortalha (Tyto Furcata)

Canto – Mídia disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=izufQ_dGCGg

Fonte: https://portalamazonia.com/amazonia/som-da-morte-descubra-a-
lenda-por-tras-da-coruja-rasga-mortalha
92

Urutal ou Bacurau (Nyctibius griseus)

Canto – Mídia disponível em:


https://casadospassaros.net/urutau/

Fonte: https://portalamazonia.com/amazonia/urutau-o-passaro-
amaldicoado-conhecido-como-ave-fantasma-da-amazonia

Bem-te-vi (Pitangus sulphuratus)

Canto – Mídia disponível


em https://www.youtube.com/watch?v=UMAnr-1m-tY

Fotografia de Ricardo Mendes – Fonte: FUNED (2018 p. 32)

Tangará-dourado ou Sairá-amarela (Pitangus sulphuratus)

Canto – Mídia disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=dVySBWaJa-0

Fotografia de Ricardo Maciel – Fonte: FUNED (2018 p. 50)

Canário Belga ou Canário-da-terra (Sicalis flaveola)

Canto – Mídia disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=l-h8dwAE0N4

Fotografia de Eduardo Franco – Fonte: FUNED (2018 p. 54)


93

Pica-pau-verde-barrado (Colaptes melanochloros)

Canto – Mídia disponível em:


https://xeno-canto.org/species/Colaptes-melanochloros

Fotografia de Ricardo Mendes – Fonte: FUNED (2018 p. 24)

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