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COMARCA DE TRÊS PASSOS

JUIZADO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE


Av. Júlio de Castilhos, 210
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Processo nº: 075/5.17.0000105-5 (CNJ:.0004209-29.2017.8.21.0075)


Natureza: Destituição do Poder Familiar
Autor: Ministério Público
Réu: Ademir da Silva Perchim
Anali Conceição Pinheiro
Juiz Prolator: Juíza de Direito - Dra. Sucilene Engler Werle
Data: 18/01/2019

Vistos e analisados os autos.


O MINISTÉRIO PÚBLICO ajuizou a presente ação de
destituição do poder familiar, com pedido liminar de suspensão em favor de
ELEMAR VILSON CONCEIÇÃO PERCHIM e CARLOTA VITÓRIA CONCEIÇÃO
PERCHIM, em face de ADEMIR DA SILVA PERCHIM e ANALI CONCEIÇÃO
PINHEIRO, após o acolhimento dos menores realizado em 11 de novembro de
2017, como medida de urgência pelo Conselho Tutelar, em virtude de denúncia
anônima comunicando que as crianças estariam sendo vítimas de maus tratos
pelos genitores.
Em suma, o Parquet relatou que os requeridos são pais de
Elemar e Carlota, sendo que estes vem expondo os infantes a todo tipo de risco,
submetendo-os a maus-tratos e abandono, em face de reiterada embriaguez dos
pais. Teceu considerações acerca da legislação aplicável, em especial o ECA,
requerendo, liminarmente a manutenção do acolhimento institucional das crianças e
a suspensão do poder familiar, com a imediata determinação de avaliações com as
partes e, no mérito, o julgamento de procedência do pedido de destituição (fls.
02/08).
As guias de acolhimento foram expedidas (fls. 25/28).
O requerido peticionou o desacolhimento dos filhos, sob o
argumento de que “são nítidas as boas condições da família” (fls. 29/33). Acostou
documentos (fls. 34/53).
Recebida a inicial, foi indeferido o pedido de desacolhimento,
oportunidade em que restou convalidado o acolhimento institucional de Elemar e
Carlota (fl. 54 e verso).
A liminar foi deferida, suspendendo-se o poder familiar dos
requeridos (fl. 72).
Sobrevieram aos autos os laudos de avaliações médicas dos
requeridos (fls. 78/79), bem como estudo social realizado na residência de Ademir e
Analí (fls. 81/83).
Os requeridos foram citados (fl. 74 verso) e ofereceram
contestação às fls. 97/108, alegando, em síntese, que os argumentos da exordial

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não condizem com a realidade dos fatos, tratando-se apenas de “situação de
desinteligência dos réus”, o que não é motivo suficiente para desconstituir o núcleo
familiar. Ao final, pugnaram pela revogação da medida liminar e improcedência do
pedido de destituição do poder familiar. Trouxeram documentos (fls. 109/118).
Às fls. 120/121 foi juntado parecer psicológico dos requeridos e
às fls. 122/123 veio ofício do Conselho Tutelar, complementado pela mídia
constante na fl. 139.
Houve réplica (fl. 124 e verso).
Apresentados os PIAs dos acolhidos (fls. 125/136).
Foi indeferido o pedido de reinserção familiar (fl. 137).
O Órgão Ministerial juntou documentos (fls. 140/149).
Os requeridos apresentaram nova manifestação, oportunidade
em que postularam o deferimento do pedido de visitas (fls. 150/157), cujo pleito foi
indeferimento (fl. 159 e verso).
Aportaram aos autos relatório social (fls. 178/180) e pareceres
psicológicos dos requeridos (fls. 184/191).
O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) encaminhou
informações complementares a avaliação psicológica (fls. 198/200).
Realizada audiência concentrada (fl. 220).
Instadas as partes sobre o interesse na produção de outras
provas, o Parquet postulou o julgamento da lide (fl. 223) e os requeridos a
designação de audiência para oitiva própria e de testemunhas (fls. 226/231), o que
foi acolhido (fl. 245).
Juntado relatório de acompanhamento no CAPS (fl. 249).
O Ministério Público, após tomar ciência de que a requerida
estaria novamente grávida e, considerando a situação que ensejou o acolhimento
de Carlota e Elemar, requereu fossem apurados os fatos (fl. 251), tendo a equipe
técnica do Município confirmado à gestação (fl. 252).
Posteriormente, veio a notícia de que Analí deu à luz, em
nosocômio da cidade de Lajeado/RS, a um bebê do sexo masculino (fl. 259).
À vista disso, o Ministério Público requereu a inclusão do
nascituro como favorecido na presente demanda, a suspensão do poder familiar de
Analí e Ademir em relação ao nascituro, e o encaminhamento deste ao Lar
Acolhedor local (fls. 257/259), o que foi deferido pelo juízo à fl. 261 e verso.
O Conselho Tutelar do Município de Três Passos apresentou
ofício relatando situações envolvendo os genitores (fl. 273).
Com o aporte da certidão de nascimento do nascituro (fl. 283),
foi expedida a guia de acolhimento de CLAUDIO CONCEIÇÃO PERCHIM (fl. 289).
Realizada a audiência, foi colhido o depoimento pessoal das
partes e inquiridas três testemunhas, bem como determinado que, com o aporte do
estudo social solicitado na solenidade, restava encerrada a instrução (fls. 297/299).
Adveio aos autos o estudo social do núcleo familiar (fls.
300/306).

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Diversos relatórios do CAPs sobre o acompanhamento de
Ademir foram juntados aos autos.
Memoriais apresentados às fls. 319/323, 324/327, 333/335.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.
Passo a fundamentar e a decidir.
Não há preliminares a demandar enfrentamento. O feito teve
tramitação hígida, estando isento de vícios que impeçam a apreciação da matéria
de fundo.
Assim, passo à análise de fundo dos presentes autos.
Trata-se de ação de destituição de poder familiar de Ademir da
Silva Perchim e Anali Conceição Pinheiro, relativos aos menores Elemar, Carlota e
Cláudio.
Não merece prosperar o pedido.
Em primeiro lugar, pontua-se que a destituição do poder familiar
é medida excepcional e irreversível, justificável nas hipóteses em que o abuso ou
inobservância dos deveres paternos vão ao ponto de atentar contra os valores e os
direitos fundamentais dos filhos cuja integridade aos pais incumbia preservar e
desenvolver.
Dada a relevância do instituto, a perda ou a suspensão do poder
familiar somente ocorre em hipóteses de extrema gravidade na infringência dos
deveres inerentes aos pais, e tais casos vêm expressamente arrolados nos arts.
1.637 e 1.638 do Código Civil, a saber:

“Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade,


faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos,
cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar
a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus
haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a
mãe que:
I – castigar imoderadamente o filho;
II – deixar o filho em abandono;
III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo
antecedente.”

Com efeito, no caso, não há elementos suficientes nos autos a


indicar a impossibilidade de os requeridos retomarem a posse dos filhos, após,
obviamente, processo de reaproximação.
Do cotejo dos autos, constata-se que o motivo para acolhimento
dos menores deu-se pelo fato de os protegidos estarem em situação de

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vulnerabilidade, em face de reiterada embriaguez dos pais, que os teriam deixado
sem alimentação adequada, mal vestidas e mal higienizadas, conforme relatos do
Conselho Tutelar.
No que se refere a prova produzida, o estudo social, realizado
em 01/12/2017, apontou que a “residência localizada na Avenida Perimetral, nº
2300, centro de Três Passos-RS, a casa é alugada no valor de R$ 180,00, é uma
casa com estrutura física simples e pequena, encontrava-se razoavelmente
organizada e com ambiente limpo, o que vale ressaltar é que o ambiente estava
todo organizado para o retorno das crianças, as roupas todas limpas,
dobradas e armazenadas em armário e prateleiras, com fralda e produtos de
higiene para bebês”. Por fim, consignou “evidências de laços de afetividade
com as crianças”, “havendo necessidade de alguns ajustes importantes de
convivência e dinâmica familiar, sendo que após o trabalho técnico da rede
municipal seguido de parecer, será mais adequado inciar processo de
reinserção familiar”. (fls. 80/83)
Após o abrigamento, os genitores das crianças foram
submetidos a inúmeros acompanhamentos pelo Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS I), inclusive a exames médicos, os quais evidenciaram não se tratar de
dependentes químicos.
Os Pareceres Psicológicos de fls. 184/191, confeccionados em
12/03/2018, reportaram que os requeridos não apresentaram características de
comportamento indicativo de intoxicação por uso de substância psicoativa.
Consignaram, ainda, a desnecessidade de tratamento para desintoxicação. Por fim,
sugeriram que a família permanecesse em acompanhamento pela equipe do
CREAS.
Na mesma linha, os atestados e exames acostadas às fls. 78/79,
175/176 e 199/200, confeccionados, respectivamente, no mês de novembro de
2017 e março de 2018, igualmente não constataram a necessidade de tratamento
para desintoxicação.
No ponto, calha mencionar que a resistência dos pais
(requeridos) em entregar os filhos (protegidos) ao Conselho Tutelar, conforme
revela o vídeo armazenado na mídia de fl. 139, a meu sentir, somente demonstra o
interesse deles em permanecerem com as crianças, tanto é que compareceram
regularmente aos atendimentos no CREAS, conforme relatório social das fls.
178/180.
De outro canto, no que se refere ao estudo social de fls.
301/306, tenho que os relatos de supostos vizinhos, por si sós, não são suficientes
para demonstrar que os requeridos não reúnem condições de exercer o poder
familiar. Isso porque embasado em relatos de terceiros, os quais não foram ouvidos
em juízo – sequer foram arrolados como testemunhas – a fim de comprovar o
comportamento agressivo de Ademir e o consumo excessivo de álcool por parte
dos requeridos.
Nesse viés, a despeito do histórico de violência doméstica
envolvendo os requeridos, o fato é que a prova material não traz elementos que
possam amparar pretensão tão drástica como é o pedido de destituição do poder
familiar.

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No que diz respeito a prova oral, a requerida, ANALÍ
CONCEIÇÃO PINHEIRO, em seu depoimento pessoal, contou que possui 3 filhos
com Ademir Perchim. Que reside em Padre Gonzáles, Três Passos, numa casa
alugada. Que no dia do fato, o tio de Ademir invadiu a residência e agrediu a
depoente e seu companheiro Ademir. Nega ter ingerido bebida alcoólica no dia em
que seus filhos foram levados pelo Conselho Tutelar. Que foi agredida por Ademir
duas vezes, sendo que a última vez registrou medidas protetivas. Que depende
financeiramente de Ademir. Que seus pais são falecidos. Que o motivo da agressão
foi porque tomou remédio de Ademir. Que consumiu o medicamento para ficar
calma, referindo que tem saudades das crianças. Que as crianças nunca foram
mau tratadas.
O requerido ADEMIR DA SILVA PERCHIM, em seu depoimento
pessoal, disse que é vendedor de vassouras e aufere renda aproximada de R$
600,00 por semana. Que chegou em casa e encontrou seu tio no local, o qual
pretendia retirá-lo do imóvel. Em seguida, apareceu o Conselho Tutelar e a Brigada
Militar. Que nunca agrediu seus filhos e nunca fez nada de errado. Que criou outros
três filhos, com outra mulher. Que frequenta o CAPs. Nega ser alcoólatra. Que
consome calmante, diazepam. Que foi agredida por Analí e revidou, acertando-a no
ombro. Que não possui inimizade com a vizinhança. Que possui 3 filhos com Analí.
Que a última vez consumiu bebida alcoólica em Três de Maio, antes do
abrigamento. Nega ter ingerido cerveja durante o retorno da cidade de Lajeado.
Que Analí não frequenta o CAPs porque “deram alta”.
A testemunha FRANCISCA DOS SANTOS contou que conhece
Ademir desde pequeno. Que era vizinha dos requeridos. Que Ademir morava com
outra mulher, antes de conhecer Analí. Que as crianças deles sempre andavam
faceiras pela rua. Que não presenciou brigas do casal. Que a relação de Analí com
as crianças sempre foi boa. Que as crianças sempre andavam limpas. Que sabe
que Ademir tinha problemas com o tio. Que ouviu falar que Ademir usa medicação.
Que nunca viu Ademir embriagado. Que nunca soube de maus tratos.
A testemunha ALBERTO MEIRELLES disse que sempre viu os
filhos dos requeridos bem cuidados. Que nunca presenciou brigas envolvendo o
casal. Que não sabe se eles consomem bebida alcoólica. Que não sabe o motivo
de intervenção do Conselho Tutelar. Que os requeridos levavam doações ao Lar
Acolhedor. Que Ademir toma medicação, “calmante”.
A testemunha ANA CLAUDIA SANTO declarou que conhece as
crianças e sempre as viu limpas. Que na sua percepção, o relacionamento de
Ademir e Analí era boa. Que desconhece eventual situação de risco ou maus tratos
evolvendo os filhos da parte ré. Que não sabe de nenhum atrito envolvendo as
partes.
Como se vê, nenhum dos requisitos para a perda do poder
familiar restaram configurados. A prova indica que os requeridos, embora possuam
relacionamento conturbado, são pais preocupados com a prole, com a qual mantém
vínculos afetivos.
A propósito, o seguinte aresto:

“APELAÇÃO CÍVEL. ECA. DESTITUIÇÃO DO PODER

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FAMILIAR E ADOÇÃO UNILATERAL PELO PADRASTO. REQUISITOS.
INSUFICIÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS SOBRE A
QUALIDADE DA RELAÇÃO ENTRE PAI E FILHO. PREVALÊNCIA DO
INTERESSE DA MENOR E DA FAMÍLIA NATURAL. SENTENÇA
REFORMADA. Para a adoção de medidas em prejuízo do exercício
pleno do poder familiar, faz-se necessária uma análise acurada e
aprofundada, focada na relação havida entre os genitores e a sua prole.
Os presentes autos não trazem ao conhecimento desta Corte elementos
suficientes para que seja decretada a medida extrema de destituição do
poder familiar. APELO PROVIDO.”
(Apelação Cível Nº 70063365787, Sétima Câmara Cível, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em
24/06/2015)

Desse modo, não tendo o Ministério Público anexado aos autos


prova cabal de que os genitores estão sendo negligentes com as crianças, inviável
o acolhimento do pedido de destituição do poder parental.
Isso posto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO em desfavor de ADEMIR DA SILVA PERCHIM e ANALÍ
CONCEIÇÃO PINHEIRO, o que faço com fundamento no artigo 487, inciso I, do
Código de Processo Civil, restabelecendo o poder familiar dos requeridos.
Determino, ainda, que os requeridos faças visitas, semanais, no abrigo onde
se encontram as crianças, ELEMAR VILSON CONCEIÇÃO PERCHIM, CARLOTA
PERCHIM e CLÁUDIO CONCEIÇÃO PERCHIM, a fim de possibilitar a gradual
readaptação das crianças ao núcleo familiar, com acompanhamento do
Conselho Tutelar.
Sem condenação em honorários ou custas (art. 141, § 2º, do
ECA).
Comunique-se a decisão ao Conselho Tutelar e ao Lar
Acolhedor.
Publique-se, registre-se e intimem-se.
Três Passos, 18 de janeiro de 2019.

Sucilene Engler Werle,


Juíza de Direito
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Signatário: SUCILENE ENGLER WERLE
Nº de Série do certificado: 02B205
Data e hora da assinatura: 28/01/2019 18:26:25

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