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13/07/2022 A guerra como continuação da política - 12/07/2022 - UOL Notícias

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A guerra como continuação da política


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24.out.2016 - Imagem ilustrativa - homem armado, arma


Imagem: Getty Images/iStockphoto

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12/07/2022 09h00

Infelizmente, há de se reconhecer que algo como o assassinato de


Marcelo Arruda, por um homem armado que entrou em sua festa de
aniversário gritando "Aqui é Bolsonaro", já era esperado. Esse caráter de
algo já anunciado aumenta ainda mais o assombro e a amargura pelo
ocorrido. Pois tal ausência de surpresa mostra de forma clara onde 
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estamos, ou, ainda, o tipo de projeto de engenharia social ao qual estamos


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submetidos.
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Já na eleição passada, o Brasil havia se deparado com


pessoas mortas por apoiadores de Bolsonaro, como o
caso de Mestre Môa do Katendê, assassinado a facadas
em Salvador, entre o primeiro e o segundo turnos da
corrida presidencial de 2018. Na ocasião, qual foi a
reação do senhor que ocupa atualmente a presidência
da República? Nenhuma declaração pública de
consternação e luto. Apenas a afirmação: "Mas quem
levou uma facada fui eu". Agora, o padrão é o mesmo:
ausência completa de consideração a respeito da
morte, apenas a reclamação de que o caso estaria
sendo tratado de forma distinta da maneira com que
fora tratado seu próprio incidente, que redundou na

famosa facada. Topo

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Esse padrão do governo não é estranho. Infelizmente, sua racionalidade é


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bastante evidente. Trata-se de naturalizar a lógica da guerra como forma


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de relação entre grupos sociais. Em uma guerra, não haveria razão
alguma para demonstrar consternação pela morte de inimigos. Na
verdade, em uma guerra é fundamental que tais mortes ocorram, pois elas
podem produzir uma espiral de violência cuja verdadeira função é
empurrar o país inteiro para uma tensão armada, consolidando as
posições antagônicas. Daí a necessidade de minimizar tais assassinatos
como "incidentes" não muito distintos de uma "briga de trânsito", como
insinuou o líder do governo na Câmara.

Essa generalização da guerra seria a situação ideal para o governo do sr.


Bolsonaro. Pois isso lhe permitiria afirmar que o país se encontra em uma
situação de caos, abrindo espaço para um jogo duplo, a saber, tanto
procurar criar as condições para uma saída golpista (ou algo parecido)
quanto crescer no medo, recuperando setores conservadores que saíram
de sua órbita, mas que podem sempre voltar, se a lógica da guerra
imperar. Ou seja, tudo isso nos lembra que o terrível assassinato de
Marcelo Arruda em sua própria festa de aniversário provavelmente não
será o último.

Alguns podem se perguntar como chegamos até aqui. E é sempre bom


lembrar nesse contexto que o Brasil conheceu 13 anos de governo de
esquerda sem nenhum caso de violência eleitoral que tenha terminado em
assassinato perpetrado por apoiadores ou apoiadoras do antigo governo.
Não há possibilidade alguma de falar em alguma forma de acirramento
mútuo. Se mesmo diante da violência simbólica normal dos embates
políticos nunca houve casos reversos é porque não há linha direta entre
violência simbólica e violência real. Muitas vezes, a violência simbólica
é, na verdade, um anteparo contra a violência real, pois ela desloca a
violência para uma outra cena, com dinâmicas próprias. 
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Há de se insistir nesse ponto não para apagar a responsabilidade desseASSINE


governo em atos dessa natureza. Ao contrário, trata-se de mostrar onde
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exatamente está tal responsabilidade. Pois, se estamos em uma situação
como essa agora, devemos procurar uma de suas causas principais na
generalização da lógica de milícias que marca o fascismo popular de Jair
Bolsonaro. O bolsonarismo provoca uma reordenação social cujo eixo
central é a "quebra de monopólio" no uso estatal da violência. É essa
reordenação a verdadeira responsável por assassinatos brutais como esse.

Já se notou que a base fundamental desse governo não é apenas as Forças


Armadas, mas principalmente as forças policiais. A lógica de extermínio,
desaparecimento e assassinato que compõe a espinha dorsal da polícia
brasileira ganhou um elemento suplementar quando tais ações passaram a
ser feitas sem necessidade de sombras, sem precisar se deslocar dos
holofotes, como aconteceu nesse governo. Algo de fundamental ocorre
quando a mesma coisa é feita, mas sem a necessidade de mascaramento,
com a certeza absoluta da impunidade e com aplausos do Palácio do
Planalto. Nesse caso, o fundo miliciano da polícia brasileira aparece de
forma completamente desrecalcada, podendo produzir uma dinâmica
irresistível de contágio social. Ou seja, outros grupos sociais, ou mesmo
indivíduos isolados, se vêm cada vez mais autorizados a agir como se
estivessem em uma situação de guerra.

De fato, como em movimentos fascistas históricos, a base armada desse


projeto político não vem exatamente das forças militares tradicionais, mas
da organização da sociedade a partir da lógica de milícias. A milícia se
torna então o modelo fundamental de organização social. Isso significa
que o exercício da violência aparece como atributo fundamental do
exercício da cidadania, por mais estranho que isso possa inicialmente
aparecer. Ser cidadão, ser cidadã é, nessa lógica, poder usar a violência
para se "autodefender", sendo que sempre é bom lembrar (e isso a 
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experiência colonial nos mostra claramente) que nem todos têm o ASSINE

pretenso "direito de autodefesa". Alguns têm apenas a condição de corpos


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a serem alvejados.

Assim, não erra quem afirma que o objetivo maior desse governo é fazer
de todo brasileiro um miliciano potencial. Ou seja, fazer de todos os que
se identificam com esse "Brasil", com suas cores nacionais, sua história
de apagamentos e genocídios, com seu agronegócio depredador, um
miliciano reconciliado consigo mesmo. Alguém indiferente a morte de
"inimigos", solidário a corrupção vinda dos seus, identificado a figuras
brutalizadas de poder e força, ao mesmo tempo que se vê como o
defensor armado do Ocidente e seus valores. Esse não é apenas um
projeto de poder, mas efetivamente um projeto de sociedade. Contra isso,
precisaremos de algo do tamanho da força de outra imagem de sociedade.

Vladimir Safatle é membro fundador da Comissão Arns, filósofo, escritor, músico e professor da Universidade de
São Paulo (USP).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL


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