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e-mail: cedetusa@cedet.com.br
editor:
Ulisses Trevisan Palhavan
revisão:
Lucas Ferreira Lima
preparação de texto:
Letícia de Paula
capa:
Bruno Ortega
diagramação:
Gabriela Haeitamann
leitura de prova:
Tamara Fraislebem
Mariana Souto Baptista de Menezes
Juliana Coralli
conselho editorial:
Adelice Godoy
César Kyn d’Ávila
Silvio Grimaldo de Camargo
FICHA CATALOGRÁFICA
Pacheco, Paulo.
Regras do amor: um guia sobre os relacionamentos humanos / Paulo
Pacheco — 1ª ed.
— Campinas, sp: Editora Auster, 2022.
ISBN: 978-65-87408-29-3
Pacheco, Paulo.
Regras do amor: um guia sobre os relacionamentos humanos / Paulo
Pacheco — 1ª ed.
— Campinas, sp: Editora Auster, 2022.
ISBN: 978-65-87408-29-3
www.editoraauster.com.br
Q
uais são os fundamentos de uma relação? Quais
são os recursos de que você, leitor, precisa estar
dotado para viver adequadamente esse
fenômeno da condição humana? Qual é a fórmula
para que sejamos capazes de construir relações
melhores, realmente estáveis? Neste livro que você
tem em mãos eu responderei a todas essas
perguntas. Vou orientá-lo nessa jornada e, em cada
capítulo, proporei alguns exercícios práticos que, se
bem realizados, ajudarão a vencer certas
dificuldades. O principal propósito deste livro é fazer
com que você se torne mais consciente das
ferramentas que já possui e ensiná-lo como usá-las. É
hora de começarmos.
Ponto de partida
Comecemos com o ponto de partida: a
autoconsciência, a consciência que você tem de si.
Afinal, uma pessoa precisa, toda vez que vive um
relacionamento, ter presente para si a sua própria
pessoa nessa relação. Vale lembrar que esse ponto de
partida não é útil apenas para a experiência que você
tem do fenômeno dos relacionamentos: ele serve
para tudo. Mas nos limitemos por enquanto. Se você
aprender a reconhecer o fundamento, aqui, depois
ficará mais fácil aplicar o método nos demais âmbitos
da vida.
Realismo
Realismo é partir do pressuposto de que o “Eu” é
uma realidade que tem consistência não porque
você a pensa, mas porque ela é. Trata-se, pois, de
uma realidade que não consiste no que você pensa de
si, porque você não é aquilo que pensa sobre si
mesmo. E mais: o outro com o qual você se relaciona,
seja ele um familiar, seu marido, sua esposa, seu
filho, seu colega de trabalho, uma pessoa que você
encontra no transporte público ou Deus, é sempre
uma realidade, uma presença inexorável, e não algo
que está apenas na sua cabeça.
Moralidade e afetos
Até este ponto, espero que você esteja me
acompanhando. Tratamos já do realismo e da
razoabilidade, agora vou introduzir o último elemento:
se a pessoa quer entender a totalidade dos fatores,
ela também, em alguma medida, espera que, no
processo de compreensão dessa realidade que ela
mesma é e da realidade para a qual está voltada,
todo o seu ser — sua capacidade de percepção, suas
capacidades sensíveis, seu afeto, sua razão, sua
vontade —, absolutamente tudo o que ela é esteja
dominado por isso. A pessoa não estará presente para
si mesma a não ser que tudo aquilo que a compõe
como pessoa esteja presente, sem que nenhum fator
seja jogado fora da situação.
Capítulo ii
Sobre a maturidade
Premissa
O ponto de partida, nesse caso, tem que ver com a
necessidade de identificarmos as possíveis causas da
imaturidade, e penso sobretudo no lugar que ocupa a
estruturação de um modelo de relações sociais
caracterizado pela superficialidade e pelo
egocentrismo como um fator causal dos mais
importantes. Com efeito, dito de outra forma, é
preciso que você saiba que a sua imaturidade não
é só problema seu: a sua imaturidade traz
conseqüências que não terminam só em você, mas
que afetam também o tecido social que o rodeia. A
forma como você estabelece as relações, se você for
imaturo, deixa rastros no seu entorno, e esses rastros
são a criação de um padrão cultural, de
relacionamentos sociais marcados pela
superficialidade, principalmente pelo egocentrismo. A
pergunta que cada um de nós tem de se fazer é:
“Qual é a possibilidade de que a minha imaturidade
transborde para o tecido social?”. Justamente porque
você vivencia a sua imaturidade, em primeiro lugar,
naquele nível de relacionamentos mais básico da sua
vida, naquela célula do tecido social que é a família.
E, se você vive a imaturidade na família, viverá os
seus relacionamentos familiares também segundo a
lógica da superficialidade, segundo a lógica do
egocentrismo, esperando o tempo inteiro que lhe
dêem atenção.
Subjetivismo
Quando somos subjetivistas, inevitavelmente
rompemos com os critérios objetivos e agimos o
tempo inteiro segundo a lógica da subjetividade: “Me
agrada? ou não me agrada?”. Vemos isso quando
deixamos de adotar como critério de ação as
tradições (princípios e valores objetivos universais e
permanentes, que são sólidos e consistentes, o chão
em que pisamos).
Hedonismo
Quando uma pessoa assume o subjetivismo como
norma de vida, acaba por buscar o tempo inteiro
somente o que é agradável e dá prazer. Veremos isso
nas relações familiares das mais diversas formas,
como as do casal recém-casado ou já com um tempo
de casado que resolve se separar por motivos bobos.
Já escutei, no consultório, por exemplo, um cônjuge
dizendo que queria se separar do outro porque não
agüentava seu mau-hálito. E o mais tragicômico —
para não dizer que é apenas trágico — foi o conjunto
de justificativas dadas em seguida: “Mas, veja bem,
não posso ficar com essa pessoa, porque o mau-hálito
é só um probleminha que esconde um problema
muito maior. Como é que vou viver a vida ao lado de
uma pessoa que não cuida de si mesma e que,
certamente, por conta disso, não será capaz de cuidar
de mim ou dos nossos filhos?”. Então, o prazer na
relação foi transformado em critério. Se as coisas são
agradáveis para a pessoa, ela permanece com o
outro; se são desagradáveis, dá um jeitinho de se
afastar dele ou afastá-lo de si.
Superficialidade/frivolidade
Finalmente chegamos ao que se costuma chamar de
superficialidade, ou, usando uma outra palavra mais
dura, frivolidade: nesse ponto, passa-se a estabelecer
as relações segundo a lógica do que é frívolo (palavra
originada do verbo latino friare, que significa quebrar
em pedaços, indicando exatamente a inutilidade e
insignificância dos pedaços). O homem e a mulher
frívolos são as pessoas que vivem o cúmulo da
superficialidade: olham para os pedaços da realidade
que mais chamam atenção, o que lhes interessa são
efemeridades, coisas que vão e vêm sem jamais se
fixar. Ou seja, trata-se aqui de um tipo de
relacionamento familiar onde está em jogo fazer ou
ter alguma coisa, e não ser algo. Trata-se de uma
atividade incessante e sem proveitos.
Integração
estabilidade
Conhece o humano em si
Compromisso e prudência
O caminho da maturidade
Avancemos, voltando um passo: qual é, então, a
primeiríssima condição necessária para que alguém
realize um trabalho que conduza ao amadurecimento?
A primeira condição para que possamos todos
amadurecer é uma disposição para aprender da
própria experiência. Mais do que aprender,
portanto, de um certo conteúdo conceitual qualquer.
Entenda: se você tem uma disposição para aprender
um conteúdo conceitual, mas não transforma esse
conteúdo em experiência, pode saber de cor e
salteado, de trás para frente a obra completa de
Platão, saber tudo sobre Tomás de Aquino, ter lido o
Catecismo da Igreja Católica de trás para diante,
saber toda a história da filosofia, e ainda assim não
ser uma pessoa madura; saberá apenas, na melhor
das hipóteses, repetir um monte de palavras vazias,
um monte de moralismos, e convenhamos, isso nada
tem que ver com maturidade.
N otema
último capítulo fiz uma pausa na reflexão sobre o
desta obra. Mas veja, não foi uma pausa sem
razão, e espero que você tenha entendido. Antes de
avançar no caminho dos relacionamentos, não tenha
dúvida de que um problema se impõe, em primeira
pessoa, para você: o seu amadurecimento. E é bom
que você se comprometa com essa tarefa o mais
rápido possível. Trataremos agora da maturidade nos
relacionamentos.
O Zelig
É interessante ver uma imagem clara, caricatural
talvez, de alguém que é movido pelo padrão descrito
acima: alguém movido por aspirações baixas,
superficiais, planas. O cinema criou um personagem
que é o verdadeiro paradigma disso tudo, Zelig, que
aparece num filme de mesmo nome, dirigido pelo
cineasta norte-americano Woody Allen.
Nós somos
No início da nossa existência, da nossa vinda à
existência, não tivemos a escolha de ser ou não ser.
Não, ninguém nos deu uma escolha. Alguém nos
conferiu o ser, que não foi de nossa invenção. O nosso
ser é um dado com que nos deparamos em um
determinado momento da nossa história, e a nossa
atitude, em relação a ele, é de reconhecimento.
Você precisa reconhecer que não se dá por si mesmo,
que sequer pode decidir acordar amanhã. E,
certamente, essa experiência de não se construir ou
se definir já é algo que tem força suficiente para que
você, em algum momento, possa dizer com todas as
letras: “Sou amado e fui amado”. É verdade que isso
muitas vezes não é suficiente, e é preciso, de fato,
contar com o olhar de uma Eudora Fletcher para que
tornemos esse “amor primordial” uma memória. Esse
amor primordial é o d’Aquele que nos deu o ser e
disse: “Eu quero que você exista. Para mim, é
bom que você exista”. Amar é afirmar exatamente
isso para alguém.
Responsabilidade pessoal
Mas avancemos. É preciso lembrar que o
conhecimento não é nada se não se transforma
em algo que nos modifique. Certamente é muito
louvável a sua preocupação com a própria formação
intelectual, mas precisamos entender que esse tipo
de formação, se não servir para que de alguma forma
sejamos transformados, será inútil. De nada serve,
por exemplo, ler esta obra ou outras tantas e assistir
a milhares de filmes para formar o próprio imaginário
e construir o edifício de uma intelectualidade, se tudo
não passar de um amontoado de tijolos desconexos.
Você pode fazer a si mesmo as perguntas mais
cruciais, estudar os livros mais importantes da
literatura universal e o que há de mais consistente
em termos de pensamento da história humana, mas,
se não se engajar nesse projeto de amadurecimento,
tudo terá sido em vão. E você vai se angustiar ainda
mais. Aqui começa a sua responsabilidade.
Realismo
E por falar em angústia, acredito que seja importante
pensar em outra conseqüência trazida pelo que
dissemos no início do capítulo: esse sentimento tão
freqüentemente encontrado entre nós é auto-
referente, ou por outra, a pessoa se vê como o centro
do mundo e como medida de todas as coisas. Você
pode diagnosticar quão maduro ou imaturo é pelo
nível do seu realismo, pela capacidade de avaliar as
situações objetivamente.
E agora?
Com o que você leu até aqui e com o diagnóstico —
talvez angustiante — a que talvez tenha chegado,
imagino que deva estar se perguntando como é que
pode usar essas conclusões a seu favor, para
amadurecer e construir relacionamentos mais
estáveis, e que queira saber o que fazer para deixar
de ser auto-referente como o Zelig, a fim de assumir
uma perspectiva mais realista e objetiva.
Continuemos.
A paciência
O primeiro recurso que podemos usar para aprender a
ser realistas chama-se paciência. Porém, preciso que
você esqueça as referências à filosofia moral e
enfoque o assunto por seu lado existencial. É assim
que você deve entender a paciência: como uma
virtude externa, que a pessoa toma para si de
maneira um tanto quanto alienada. Quero que você
entenda a paciência como um recurso que lhe
permitirá se encaixar mais adequadamente na sua
relação com as circunstâncias, com o mundo, com
tudo e todos que o rodeiam.
A prudência
O segundo recurso necessário para se desenvolver o
senso de objetividade é a prudência. Segundo a
definição aristotélica, é a capacidade que temos de
emitir um juízo acertado sobre o que se deve fazer
aqui e agora. Portanto, a prudência exige uma
capacidade de avaliação. Ao falar de paciência eu
também falei dessa capacidade, certo? Contudo,
entre essas duas virtudes há uma diferença: a
paciência tem algo de passividade, ao passo que a
prudência é prática, tem um quê de atividade que se
caracteriza pela capacidade de emitir juízos
acertados no aqui e agora. Resta saber o que é um
juízo acertado. Para tanto, devemos falar de
algumas características: em primeiro lugar, um juízo
será acertado se nascer da nossa disposição a
aprender com as nossas próprias experiências; em
segundo lugar, será caracterizado também pela
perspicácia, ou seja, por uma capacidade de estar na
circunstância e, sagazmente, avaliar o que está
acontecendo, com flexibilidade para se adaptar e não
ficar enrijecido em uma posição que, normalmente, é
ansiogênica e mais se parece com o medo do que
com a prudência; uma terceira característica do juízo
prudente é a circunspecção, que não é outra coisa
senão a capacidade de olhar (specere) ao redor
(circum) e, assim, ser previdente, quebrando as
pernas de suas expectativas e projetos mesquinhos;
e, finalmente, podemos dizer que um juízo prudente é
o que nasce ou pode nascer da disponibilidade de
pedir e aceitar conselhos de pessoas mais sábias e
experientes — ou seja, é uma virtude que depende da
humildade.
A aceitação
Por fim, para aprendermos a ser objetivos,
precisamos aceitar o que somos, isto é, entender
nossas limitações, que é pequena a nossa capacidade
de avaliação e que nossas opiniões no mais das vezes
são falhas.
S erelação
pegarmos a estrutura familiar como um todo — a
entre cônjuges, entre pais e filhos etc. —,
veremos o mesmo padrão de imaturidade que
descrevemos nos capítulos anteriores.
As chaves: liberdade,
condescendência e amor à dor
Para que você seja capaz de acolher adequadamente
as pessoas e fazer com que elas experimentem as
três coisas sobre as quais acabamos de falar, é
condição imprescindível a liberdade, quer dizer, você
não pode estar em relacionamento algum se não
estiver livre, se não tiver a possibilidade de ser você
mesmo. Liberdade tem a ver com a possibilidade de
ser o que se é. Não pode haver possibilidade de
acolher o outro se você não experimentou em si
mesmo uma possibilidade concreta de ser quem você
é, de não precisar estar à mercê das expectativas do
outro. E aqui não é “liberdade de” alguma coisa, mas
“liberdade para” agir na relação com o outro. O
primeiro ponto fundamental, portanto, é fazer a
experiência de ser livre no relacionamento, o que não
é a mesma coisa de fazer o que quiser.
Capítulo v
Relacionamentos amorosos
Miguel Mañara foi mudado por uma luz que foi acesa
no seu coração pelo encontro com uma mulher, um
encontro amoroso. Este é o ponto que eu quero que
você tenha em mente ao longo de toda a leitura deste
capítulo.
Vamos às premissas
Não é possível haver um relacionamento
verdadeiramente humano sem amor. Parece um
pouco óbvio como juízo, mas é exatamente isso e,
ainda que pareça óbvio, precisamos explicar e
desenvolver melhor a idéia. Todo relacionamento
humano deve ser uma correspondência entre “Eu” e
“Tu”, o que implica necessariamente no fato de que
devemos mirar, o tempo inteiro, a totalidade do outro,
o “Tu” do outro. Se aquilo com o que estamos nos
relacionando é uma particularidade do outro — seu
corpo, seu dinheiro, seu nome —, o “Tu” do outro
deixou de ser o protagonista da cena e passou a
compor, quando muito, o cenário de fundo. Pense nas
inúmeras situações em que você se relacionou com
outras pessoas e direcionou sua atenção a um único
detalhe. Quando agiu assim, foi como se estivesse se
relacionando com um copo: você não amava o copo,
só precisava que ele fosse útil. O outro, então, deixou
de ser um “Tu” para se transformar num “Isso”.
Condições do relacionamento
amoroso
Quais são as condições para que haja um
relacionamento amoroso? Para essa pergunta eu darei
quatro respostas. A primeira delas: as premissas que
mencionei acima. Sim, esses pontos de partida
estabelecem as condições para que você se torne
mais capaz de amar. Ao se relacionar amorosamente
com outra pessoa, você necessariamente precisa
estar disposto a amar, a contemplar o outro na
totalidade dele, e isso permitirá dar-se de forma
comovida.
Capítulo vi
Relacionamento com o
trabalho
Na simplicidade do teu trabalho habitual, nos detalhes monótonos de
cada dia, tens de descobrir o segredo — para tantos escondido — da
grandeza e da novidade: o Amor.
— Josemaria Escrivá
Q
ue problema está relacionado ao trabalho?
Normalmente, quando as pessoas chegam à
terapia com queixas sobre seus trabalhos, essas
queixas quase sempre estão vinculadas à maneira de
encará-lo e de vivê-lo, e apresentam uma concepção
reduzida do trabalho: elas concebem o trabalho como
um modo de produção inevitável, algo como
escravidão. Há quem diga que o próprio significado da
palavra tem a ver com tripalium (que era um
instrumento de tortura). Podemos até ver o trabalho
assim, e há quem o viva dessa forma, mas esse é um
problema que precisamos saber enfrentar. A
maturidade no trabalho certamente vai depender da
maneira como o concebemos.
Vamos à premissa
Para falar do relacionamento com o trabalho, há um
ponto de partida fundamental, que nos orientará ao
longo desse capítulo: você precisa entender que o
trabalho é uma necessidade, mas não em sentido
estritamente materialista. Essa necessidade deve ser
entendida como um impulso no sentido da realização
integral da nossa pessoa. E a seguinte frase do
Evangelho resume muito bem essa premissa: “O que
pode aproveitar o homem se ganhar o mundo inteiro
e arruinar a sua própria vida?” (Marcos 8, 36) Ou seja,
viver o trabalho como uma necessidade —
entendendo a necessidade como algo que tem a ver
com esse impulso de realização — é entendê-lo como
algo que não prejudica a sua vida.
Meio trabalho é meia realização
Se o trabalho é necessário para que nos realizemos, e
se a realização não é outra coisa senão a plenitude,
não podemos imaginar que nos realizaremos fazendo
algo pela metade. Então, ao falar do impulso de
realização, estamos falando de algo que tem caráter
de totalidade.
Compromisso
Se é preciso haver uma realização plena, deve haver,
da sua parte, um compromisso pleno com o
trabalho. Uma pessoa não pode estar mais ou menos
no trabalho, pois assim o resultado também será
parcial. Com uma entrega incompleta, você não se
realizará plenamente. É preciso trabalhar da melhor
maneira possível.
Capítulo vii
Relacionamento com a
realidade
T ratemos,
realidade.
agora, do relacionamento com a
No mito de Ícaro podemos encontrar
uma comparação interessante. Segundo o que se
conta, certo dia, Ícaro estava preso com seu pai,
Dédalo, num labirinto, na Ilha de Creta. Para sair
daquela situação, eles fizeram asas com penas e
cera. O pai, mais experiente, diz ao filho: “Olha, por
essas asas serem de cera, é melhor que nos
limitemos a voar apenas até certa altura, nem muito
baixo nem muito alto, caso contrário não
conseguiremos sair daqui”. Porém, o impetuoso Ícaro
não agüenta e, quando começa a voar, se dá conta de
que aquilo é muito bom, resolvendo ir cada vez mais
alto. Resultado: as asas derretem com o calor do sol e
o jovem despenca lá de cima, para a morte certa, no
Mar Egeu.
A nossa premissa
A realidade, que não está dentro da nossa cabeça,
mas é aquilo que nos circunda, sempre nos chama
e nos provoca. As coisas que acontecem no mundo
— a vida, os eventos, os relacionamentos — são uma
provocação feita ao nosso mundo interior. Tudo o que
nos acontece é uma solicitação do real, um chamado.
Responder inteligentemente
Assim, se o real nos chama, provoca, solicita, isso nos
impõe justamente o quê? Qual é o passo que
devemos dar? Devemos responder à provocação
do real. A essas solicitações só responderemos
adequadamente quando formos capazes de
interpretar adequadamente a provocação. Então, a
seqüência é: a realidade o provoca, você precisa dar
uma resposta, e para responder, não pode
simplesmente reagir. Por exemplo, vamos supor que
você esteja no metrô e alguém tenha pisado no seu
pé (provocação do real). O que você poderia pensar?
“Vou responder ao fato de que alguém pisou no meu
pé mandando a pessoa para aquele lugar”. Mas assim
você estaria reagindo. Respostas não são reativas,
elas têm um caráter completamente diferente: são o
resultado de uma interpretação das entrelinhas da
provocação. Você precisa olhar para a provocação e
“ler dentro” dela.
Eu, eu mesmo...
Eu...
Eu...
O “Eu” negligenciado
Essa pergunta requereria, numa abordagem diferente
da que venho adotando aqui, que nos debruçássemos
sobre questões filosóficas e antropológicas. No
entanto, seguirei a proposta que vem nos guiando
desde o início: não responderei teoricamente a esta
pergunta, mas o ajudarei a chegar à resposta.
Capítulo ix
Relacionamento com Deus
F oram vários os motivos que me fizeram tratar por
último do relacionamento com Deus. Porém, basta
que você saiba, em primeiro lugar, que o assunto
tratado no capítulo anterior está intimamente ligado
ao que abordaremos nas próximas páginas; em
segundo lugar, você já deve ter percebido em si, e
nas pessoas que o cercam, o ressurgimento do
interesse pela experiência religiosa, o qual não
se trata de mera curiosidade mas tem a ver, isso sim,
com a busca por sentido.
O senso religioso
O retorno a que me referi não é uma novidade. Isso
acontece com certa freqüência na história da
civilização. O problema é que muitas vezes as
pessoas procuram retornar à fé mas o fazem
equivocadamente. A onda do mindfullness, que
tomou conta dos consultórios de psicologia e virou
moda entre empresários, os quais gastam pequenas
fortunas para, todos os dias, na hora do almoço, ficar
alguns minutos em salas sem janelas, ouvindo sons
da natureza ou mantras cantados em alguma língua
oriental esquecida, é um exemplo disso. Vemos,
também, grupos pretensamente religiosos apelarem
ao sentimentalismo, convidando pessoas a terem
“sensações religiosas” no mais das vezes
histeriformes. Há, ademais, os grupos tradicionalistas
cujos membros pensam ser os únicos portadores ou
defensores da doutrina religiosa e de toda a tradição.
— dizem eles — mas por Deus nenhum, e isso jamais acontecera antes
de que os homens renegassem tanto os deuses quanto a sua
adoração, professando antes de tudo a razão e depois o dinheiro, o
poder, e o que chamamos vida, ou raça, ou dialética.
Capítulo x
Aplicando tudo o que
dissemos
H á,somos
na vida social, inúmeros momentos nos quais
como que convidados a iniciar relações. A
vida cotidiana é feita de encontros: não há um
momento do nosso cotidiano em que não sejamos
provocados a sair da nossa concha. Alguns, mais do
que outros, a depender do temperamento, do nível de
maturidade e da história pessoal, aceitam mais
rapidamente essas provocações. No entanto,
especialmente às vésperas das festas de fim de ano,
o relacionamento se torna um problema para a
maioria das pessoas: é um momento em que,
inevitavelmente, somos postos diante da necessidade
de responder ao problema dos relacionamentos, na
família, no trabalho, na relação amorosa, na realidade
que, de todos os lados, traz à tona o tema, na
experiência religiosa que, aqui e ali, é convocada de
alguma maneira. Em minha experiência clínica é
muito freqüente que no fim do ano diversas crises
sejam suscitadas, porque muitos são aqueles que não
sabem como “sobreviver” às comemorações, quando
têm de lidar com familiares, conhecidos, vizinhos,
amigos e colegas que acabam sendo vistos como
indesejáveis e inconvenientes.
Premissa
O grande problema dos momentos de encontro
familiar, como os que acontecem nas festas de fim de
ano, tem a ver com o tema da autoridade: esta é uma
palavra que muitas vezes soa mal aos nossos
ouvidos, mas o que me interessa aqui é que se saiba
que, ao usá-la, me refiro menos à idéia de poder ou à
idéia de temor do que à experiência de estar diante
de alguém que testemunha como é real a
possibilidade do sentido da vida. A autoridade, com
efeito, é alguém para quem a vida tem sentido: você
saberá que uma pessoa é uma autoridade não porque
ela está revestida de um papel de poder, mas porque
reconhece nela pretextos de ação próprios de quem
adere ao sentido, traços de quem entende que a vida
tem sentido. Essa é a característica mais importante
da autoridade.