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Sumário
Diretor editorial Conselho editorial
Marcelo Duarte rosca Ailine Baroukh
Marcello Araujo
Diretora comercial
Shirley Souza
Patth Rachas
Projeto gráfico
Diretora de projetos especiais
Marcello Araujo
Tatiana Fulas
Ilustração de capa
Coordenadora editorial 7 Introdução
Vanessa Sayuri Sawada Veridiana Scarpelli
Introdução 7
Diante desse contexto, o livro narra um percurso de- algo que não é feito PARA a criança por considerá-la in-
senvolvido na formação de professores, destacando: capaz de agir, mas que torna visíveis suas investigações e
seus conhecimentos construídos.
• o papel do grupo na construção do conhecimento, a
A formação de professores segundo essa concepção é
cultura do coletivo;
vista como uma busca coletiva e permanente de possibili-
• os registros reflexivos como documentação de aprendi-
dades, escolhas, pesquisas e desafios, a fim de enriquecer o
zagens, fonte de planejamento e material de avaliação;
ambiente escolar. Desta forma, experiências podem aconte-
• a reflexão como instrumento de integração entre teo-
cer de maneira cada vez mais enriquecedoras, tanto para as
ria e prática a fim de tornar a práxis cada vez mais
crianças e suas famílias quanto para os adultos, integrando
qualificada;
o espaço da instituição ao seu entorno, formando uma co-
• e os projetos interdisciplinares como uma metodolo-
munidade educativa e uma cultura de grupo.
gia de trabalho potente para a efetivação de apren-
A abordagem metodológica de projetos proposta por
dizagens significativas no contexto de formação de
Malaguzzi requer dos educadores práticas instrumentais
educadores nas instituições, tanto nas escolas quanto
que caminham para uma reflexão intencional, além de fle-
nas faculdades.
xibilidade para trocar experiências, observações e relatos,
Em busca de caminhos para que as aprendizagens ti- que viabilizam a tomada de consciência de uma nova visão
vessem sentido para todos os envolvidos no processo de de criança na contemporaneidade: um sujeito potente, pro-
construção e ressignificação de conhecimentos — crian- tagonista de suas buscas, pesquisador de seus interesses,
ças, professores, gestores, famílias e comunidade, tanto na produtor de cultura e coautor do trabalho realizado no dia
Educação Infantil quanto nas séries iniciais do Fundamen- a dia da escola.
tal I —, fiz a opção metodológica pela abordagem italiana Esta obra discute a potencialidade da articulação en-
para a educação, baseada na filosofia de Loris Malaguzzi tre os fazeres e saberes,essenciais aos professores/educado-
(1920-1994). Nessa abordagem, projetos, registros reflexi- res de Educação Infantil e séries iniciais do FundamentalI
vos como a documentação pedagógica e relações humanas para auxiliar a (trans)formação da prática docente de acor-
complementam-se na construção de percursos formativos do com as demandas da sociedade atual.
da cultura da infância. Esta abordagem aponta um olhar di- Busca configurar um campo de ação a partir de reper-
ferenciado para uma imagem de criança, que é vista como tórios coletivos e das matrizes individuais de atuação dos
um sujeito potente e forte, rica em possibilidades, prota- professores/educadores, capazes de produzir reflexões e
gonista de suas investigações para conhecer e apropriar- mudanças nas práticas pedagógicas, tendo como base pro-
-se da cultura à qual pertence. É uma cultura DA infância, jetos, registros e questionamentos diários para reelaborar a
16 Prática docente
Saberes e fazeres pedagógicos 17
Quando isso ocorre em um processo de formação Nesse contexto, a pesquisa é um poderoso aliado do
pode gerar um distanciamento da proposta realizada professor em constante processo de formação, pois ofere-
pelo formador. ce instrumentos para buscar respostas às suas curiosidades
Quanto mais as ações de formação envolverem o tra- e às faltas detectadas, preparando-o para lidar com situa-
balho do professor na escola, mais condições ele terá de ções imprevisíveis e com as novas informações que circu-
qualificar a sua prática pedagógica e de planejar uma inter- lam a cada dia.
venção com qualidade, passando do fazer por fazer para o Na sociedade do conhecimento e da incerteza, que ca-
fazer intencional, a que Paulo Freire chamava de "práxis". racteriza a pós-modernidade, a pesquisa e a investigação
da própria prática, quando aliadas à teoria, apontam novas
QUEM É O FORMADOR?
possibilidades para a qualificação da docência e revelam o
Ao longo do livro, chamo de "formador" todo sujeito envolvi- compromisso de quem se profissionaliza com competência,
`. do em situações de ensino-aprendizagem, nas quais ele é o
principal responsável, tais como: o coordenador pedagógico, o responsabilidade e envolvimento.
professor universitário, o professor e seu grupo, independen- Em um processo de formação, a ação investigativa do
temente da faixa etária de atuação.. formador se concretiza na elaboração de perguntas desafia-
doras e na colocação de situações-problema que promovam
novas aprendizagens, por meio da ressignificação das ma-
trizes de atuação daqueles em processo de fouuação e do
A investigação é outro conceito central em Piaget. À próprio formador.
medida que o sujeito-aprendiz age sobre o mundo ao seu Mas... quais são as boas perguntas?
redor, vivencia a possibilidade de se transformar em pesqui- São as que tiram o sujeito de sua zona de conforto, pro-
sador de seus fazeres. A familiaridade com determinados movem a apropriação de novas alternativas para pensar de-
aspectos de sua prática propicia a oportunidade de trans- terminado episódio e o Confronto de diferentes pontos de
formá-la em matéria-prima de sua própria pesquisa. vista. São perguntas que geram outras perguntas, outras in-
Como todo pesquisador compromissado com o rigor dagações sob óticas diversificadas, outras possibilidades de
científico de sua investigação, o uso de instrumentos meto- apropriação do objeto. A formação do professor é um pro-
dológicos é fundamental para a qualidade do trabalho de- cesso interativo baseado em sucessivos movimentos de idas
senvolvido: observação, planejamento, registro, reflexão e e vindas ao objeto pesquisado, o que potencializa um novo
avaliação são ferramentas essenciais ao processo de cons- olhar do sujeito, que busca um sentido para suas matrizes
trução de novos conhecimentos. de atuação e a ampliação de seu repertório.
24 Prática docente
Saberes e fazeres pedagógicos 25
Nóvoa introduz o conceito de "pertença" ao contexto E de que forma deve se dar esse desenvolvimento pro-
formativo, com o intuito de fortalecer a relação de grupo fissional e pessoal?
de docentes, no qual os professores possam se sentir par- Segundo Sacristán (1999, 2000, 2002, 2007), que tam-
te integrante do processo, identificar-se com uma cultura bém compartilha o pensamento de Nóvoa e García, o mo-
em comum, que seja capaz de referendar a sua atuação e delo de desenvolvimento deve ser evolutivo e continuado,
possibilitar ajuda mútua. sempre referendado no projeto pedagógico de cada escola
Às ideias de Nóvoa aliam-se as do formador espanhol que, do seu ponto de vista, é a base para a mudança da pro-
Carlos Marcelo García (1999) sobre a relação existente en- fissionalização e do aperfeiçoamento dos professores. É no
tre o desenvolvimento pessoal e profissional dos professo- convívio diário, diante de situações reais problematizadas e
res no contexto da escola. de trocas, que se configura o espaço de transformações dos
Para o autor espanhol, todos aqueles que fazem parte sujeitos e da instituição como um todo.
do cenário institucional têm responsabilidade na sua me-
lhoria e estão implicados no processo de mudanças.
O desenvolvimento profissional baseia-se na formação Urna AAá& Si ira da formação
contextualizada, organizada e orientada para mudanças
Coll (1996, 1998) defende que o processo formativo
pessoais, profissionais e institucionais, integrando a escola,
envolve fatos, ações, opiniões, crenças e conhecimentos
o professor e a pessoa que exerce a função docente. Essa vi-
que, em maior ou menor intensidade, acabam se associan-
são implica melhores condições de trabalho, valorização da
do à profissão. Para ele, "ser professor" está pautado não só
carreira docente e do status profissional.
na formação acadêmica do sujeito, mas também na história
García e Nóvoa partilham do mesmo pressuposto de que
pessoal, na trajetória profissional e na experiência docen-
a formação é um processo contínuo para a mudança e para a
te, representando uma visão sistêmica de interdependência
qualificação da escola como um todo, que busca melhorar a
dos fatores que influenciam o processo de formação de do-
prática profissional daqueles que fazem parte da instituição e
centes voltado à construção da identidade dos professores.
envolve qualquer atividade, individual e coletiva, que desen-
volva o professor, seu pensamento e suas ações pedagógicas. Falar de educação representa referir-se a um mundo de
De acordo com essa visão, a formação requer conhe- significados variados: obtenção de qualidades ou esta-
cimentos práticos e teóricos dos formadores e dos profes- dos subjetivos nas pessoas, processos que conduzem
a eles, aspirações sociais compartilhadas, atividades
sores, o que também contribui para um novo olhar para as
familiares, políticas para educação, atividades profis-
reuniões pedagógicas e demais espaços de formação de pro-
sionais e institucionais. (SACRISTÁN, 1999, p. 18)
fessores para a colaboração do grupo em tarefas escolares.
conhecimento do sujeito, podendo ser considerado um "sócio "trata-se de integrar os dois poios entre os quais a educa-
ção sempre oscilou — a formação da pessoa e sua inserção
30 Prática docente
Saberes e fazeres pedagógicos 31
do Ecleide Furlanetto (2003), perpassa por conhecimentos
mar a formação do docente em uma reflexão crítica sobre a
teóricos e técnicos que são insuficientes.
própria prática pedagógica?
A educação, para Jung (1963), deve ser considerada um
Uma abordagem metodológica coerente com essa
espaço para criar seres autônomos, que possibilite a configu-
concepção de sujeito e de educação, que será desenvol-
ração do indivíduo como um ser único, capaz de destacar-
vida neste livro, é o trabalho com projetos, instrumen-
-se da consciência coletiva, revelando a sua singularidade.
tos metodológicos, redes e portfólios focados no trabalho
De acordo com Furlanetto (2003), a educação é um proces-
coletivo, buscando estruturar uma cultura de grupo de
so sem término, que solicita tempos-espaços adequados para
educadores da Educação Infantil e das séries iniciais do
acontecer e apropriados aos adultos egressos dos cursos ini-
Ensino Fundamental I.
ciais preparatórios para o exercício da docência.
A formação de professores perpassa pela definição ini-
Segundo Jung (1963), a aprendizagem está profun-
cial do termo, a fim de explicitar a concepção de sujeito, de
damente imbricada nos processos existenciais vividos pelo
mundo e de educação que a norteia:
adulto na ampliação de sua consciência — o que permeará
a relação estabelecida com os alunos — e esses • O que é formar(-se) na contemporaneidade?
movimen-
tos não ocorrem sem que o adulto assuma seus próprios • Como lidar com desafios cotidianos?
processos de (trans)formação. Esse movimento implica vas- • Como produzir interativamente aprendizagens signi-
culhar "nichos", a essência de cada um, o que articula con- ficativas?
teúdos criativos, mas também bastante defensivos pelas • Como investigar a metodologia da formação docen-
emoções que despertam nos outros e em si. te no sentido epistemológico que Piaget conferiu à
Refletir, para Furlanetto (2003, p. 23), aprendizagem do sujeito?
32 Prática docente
`~t Saberes e fazeres pedagógicos 33
kih©s ~ny
• Qual a forma mais adequada para manifestação de sa-
~ docente? Q€mak os
beres e fazeres dos educadores que, simultaneamente,
que ,a ronsf(fealrianrm? possibilite a expressão dos sujeitos envolvidos no pro-
A partir do conceito piagetiano de "sujeito-cognoscen- cesso de aprendizagem (professores e crianças)?
te", minha escolha por trabalhar com projetos de acordo
re[açãa interativa
com o pensamento de Loris Malaguzzi aponta para uma APRENDER ENSIN
união de princípios em sintonia, propostas similares, visões
compartilhadas.
PALAVRAS EM REGISTRO
34 Prática docente
Saberes e fazeres pedagógicos 35
Mais uma vez, encontro inspiração nas palavras de s ria s
fd u céu É r c€ç
Quatl
Munduruku:
adequado para propk ar reS,s
[...] não escolhi ser índio... mas escolhi ser professor, mudanças nos sujeitos de ação
ou melhor, confessor de meus sonhos. Desejo narra-
-los para inspirar outras pessoas a narrar os seus, a Apesar da ampla divulgação pela mídia contemporânea
fim de que o aprendizado aconteça pelas palavras e de cursos, palestras, seminários, congressos, oficinas e litera-
pelo silêncio. É assim que "dou" aula: com esperança„ tura especializada para "reciclagem" e "capacitação" de pro-
e com sonhos [...]. (1996, p. 39) fessores, termos que são inadequados à complexidade do
tema por desconsiderarem, na maior parte das propostas, a
A formação docente, vista como um processo de atri-
experiência vivida pelo educador até o momento, acredito
buição de sentido "ao que se faz", "como se faz", "para que
que a formação em serviço deva ser feita no local de traba-
se faz" determinadas intervenções é um movimento con-
lho do sujeito: na escola ou em grupos de estudo para apro-
tínuo de busca e "re-criação" dos elementos centrais que
x fundamento em longo prazo.
constituem o sujeito-educador: com responsabilidade, envol
Justifico a opção da escola por ser o ambiente real de
vimento, autonomia e compromisso qualifica-se, dá-se uma
atuação dos professores/coordenadores/diretores e crian-
forma, cria-se uma imagem como profissional de educação.
ças, contexto no qual as situações de conflito acontecem, em
No grupo, formas de agir e de pensar são discutidas e
especial, por contemplar a presença do grupo como um todo.
construídas coletivamente, sem receitas ou moldes de atua-
Nessa perspectiva, é de fundamental importância a con-
ção, mas com questionamento crítico e reflexão permanente
figuração de tempos e espaço de formação, como as reuniões
sobre possibilidades diferenciadas de ação em determinadas
pedagógicas com este objetivo e o respaldo da escolha de
situações, ampliando o repertório dos docentes e a clareza
teóricos que compartilham os princípios propostos, que de-
de justificativas para as intervenções a serem feitas.
vem ser explicitados no projeto pedagógico institucional.
O termo "sujeito" designa o indivíduo consciente e
E por mencionar as reuniões pedagógicas voltadas à
capaz de agir autonomamente, alguém que não se dei-
formação de professores, considero que devem se constituir
xa manipular por outrem, que não reproduz imposições
como um espaço privilegiado de encontro entre os sujei-
e prescrições como se fossem receitas e "formas" de atua-
tos e a cultura. Precisam ser devidamente planejadas pelo
ção apresentadas como planejamentos, previamente ela-
coordenador, com objetivos específicos, pautas explícitas
borados e disponíveis no mercado editorial, que podem
com o foco do encontro, socializadas com o grupo; dinâmi-
ser pontos de partida, aquecimento de discussões e deci-
cas, tarefas e atividades estreitamente relacionadas ao que
sões compartilhadas.
se pretende tratar; avaliação da proposta feita; e registro,
36 Prática docente -
Saberes e fazeres pedagógicos 37
não só do trabalho proposto/realizado, mas também das
os habitus locais se constituam em valores característicos
decisões tomadas pelo grupo.
do grupo de Educação Infantil e da instituição, atribuindo-
Só há possibilidade de transformação, de fato, na atitu-
-lhes uma identidade genuína, modificando determinados
de dos docentes se houver, por parte do grupo, compreen-
padrões que precisam de alterações para se adequar a no-
são do que está sendo feito, do por que (motivo) e do para
vas exigências/necessidades.
que (objetivo) está sendo feito, num movimento coletivo de
Ao se repensar uma determinada situação, os profes-
atribuição de sentido à proposta realizada pela coordenação, sores se deparam com a problematização de suas práticas,
ou pelos professores de acordo com suas reais necessidades. articulando-as à discussão realizada, podendo conservá-
As reuniões pedagógicas nas quais sejam vivenciadas
-las ou modificá-las com consciência, autonomia de de-
trocas de experiências significativas podem se converter em cisão e envolvimento com o conflito: Como estabelecer
espaços (trans)formadores, como nas experiências que re- conexões entre o modo de agir/pensar de cada um e do
gistrei ao longo do livro. grupo como um todo?
Reuniões em que o diálogo possa ser estabelecido, em O desafio de organizar o pensamento para expor ao
que as vozes dos educadores tenham espaço; que promo- outro uma experiência vivenciada na sala de aula, isolada-
vam escuta por parte do grupo, compartilhando dúvidas, mente, caracteriza a socialização como um percurso for-
conflitos e conquistas; que incentivem o respeito à diversi- mador trabalhado nas reuniões pedagógicas: trocas de
dade dos sujeitos que participam e a elaboração coletiva de experiências, relatos e diálogos sobre o dia a dia dos gru-
diferentes soluções; que fortaleçam a cultura do grupo, os pos possibilitam a reflexão sobre a ação pedagógica ao mes-
sentimentos de pertencimento e a parceria entre seus mem- mo tempo em que se mostram como novas possibilidades
bros; que reforcem a identidade do grupo e oportunizem aos integrantes do grupo.
aprendizagens significativas para as crianças — objetivo fi-
nal de todo o processo educativo. • Como construir coletivamente novas respostas a pa-
drões predeterminados de ação?
•
Como provocar o pensar sobre o que se faz?
A troca de experdêncP s que transformo • Como transformar matrizes construídas ao longo da
trajetória do educador?
Segundo García, as mudanças implicam transforma- • Quais ações têm sentido para o professor?
ções nos modos de agir e pensar padronizados e na organi-
zação escolar como um todo. Portanto, requerem a presença Como vimos, de acordo com Piaget, o desenvolvimento
de todos os envolvidos no processo educacional para que se dá de acordo com as estruturas internas do sujeito, que
vão, gradativamente, se tornando mais complexas à medi-
40 Prática docente
Saberes e fazeres pedagógicos 41
4. Domínio para elaborar propostas
diferenciadas, ava
liando-as e concretizando-as em novas ações.
INSTRUMENTOS
Diante deste cenário, complemento as ideias
METODOLÓGICOS
descritas
por Macedo com os quatro pilares da
Educação para o sé-
culo XXI, citados no Relatório Delors para a
Unesco (1999):
aprender a fazer, a conhecer, a ser e a conviver
destacando
a relação estabelecida pelas quatro
aprendizagens.
O texto do relatório enfatiza a
importância do con-
vívio, da vida em grupo e da construção de í...] A segunda coisa é achar o caminho...
objetivos em
comum entre grupos de pessoas, concluindo
ser preciso não desisto... É isso que dá o curiosismo...
"aprender a aprender" como uma das metas da Mas mesmo assim, esta vida não deixa de
educação
para o novo milênio. ser curiosa f...].
Para fechar a reflexão desenvolvida até Lewis Carroll
aqui, deixo
um quadro que sintetiza o
desenvolvimento profissio-
nal do professor/educador em relação aos
vários aspec-
tos abordados neste capítulo e que serão A partir da concepção de formação do professor, descri-
desenvolvidos ao
longo do livro: ta no capítulo anterior, surgem algumas questões:
DESENVOLVIMENTO
Qual metodologia contempla a proposta expressa nes-
DE CARREIRA
CONHECIMENTO E te livro?
COMPREENSÃO DE 51
(AUTOCONHECIMENTO)
DESENVOLVIMENTO • O que é metodologia?
PEDAGÓGICO
DESENVOLVIMENTO • Quais as suas possibilidades?
PROFISSIONAL DO • De que maneira elas seriam efetivadas?
PROFESSOR
DESENVOLVIMENTO
• O que é (trans)formar por meio de uma metodologia
DESENVOLVIMENTO
COGNITIVO
TEÓRICO de trabalho?
INVESTIGAÇÃO • Qual a relação entre metodologia e a postura de edu-
---família cador?
- currículo e inovação
ensino • E as conexões estabelecidas entre os saberes e fazeres
- professores
do educador?
cador trabalha.
Esses instrumentos
metodológicos são: planejamento Planejamento: organização do cotidiano
observação, registro, reflexão e
avaliação.
O objetivo do uso desses Esse instrumento metodológico é o ponto de partida e
instrumentos é facilitar e or-
ganizar a ação pedagógica, de chegada de todo e qualquer trabalho referente à educa-
documentá-la, planejá-la, re-
fletir sobre ela, registrá-la para ção pois é responsabilidade do professor organizar como
poder avaliar e replanejar.
Assim, a história vai sendo ele pretende trabalhar com os objetivos e conceitos propos-
construída; a trajetória do pro-
cesso vai fluindo e tomando tos ao seu grupo.
corpo; a formação contínua de
educadores vai se processando por Desenvolvi uma pesquisa sobre formação de professo-
meio do fio da meada
que é tecido no cotidiano da es em serviço com um grupo de Educação Infantil durante
escola, em parceria com todos
44 Prático docente
Instrumentos metodológicos 45
quatro anos. A partir da leitura
dos registros das professo Fixar remete a pôr em prática descobertas e conhecimen-
ras com as quais trabalhei o grupo pos-
nesse período, vou subdividir
ene os construídos em diferentes situações, para que
Para que isso
três as fases de planejamento,
pois pude confirmar o que". sa fazer uso e dele se apropriar cada vez mais.
possa acontecer, é essencial a sistematização, a organização
já havia constatado como
grupo.
professora: nem sempre a aula; e o compartilhamento de informações socializadas no
transcorre do modo como foi planeada
, o que implica ou-M
tra forma de registro.
com base na ex-
2. Planejamento posterior (realizado):
Planejamento: s.m. (planejar + mento) 1 periência concretizada, registra-se o que, de fato, acon-
Var. pia-r;
está
neamento. 2 Ato de projetar um
trabalho, serviço; teceu. Por ser uma construção do grupo, o processo
ou mais complexo
empreendimento. 3 Determina- sujeito a imprevistos, situações emergentes a serem con-
ção dos objetivos ou metas de
um empreendimento,,, sideradas. É preciso fazer uma reconstrução reflexiva dos
como também da coordenação
de meios e recursos interesses-necessidades- faltas dos participantes, refletin-
para atingi-los; planificação de
serviços. 4 Depen-
dência de uma indústria ou do sobre o percurso desenvolvido, seus fazeres e saberes
repartição pública, comì9.
o encargo de planejar pedagógicos cotidianos. Ao registrar o que foi vivido pelo
serviços. (Dicionário Michaelis
on-line) grupo, revela-se o fio condutor da proposta e os ajustes
1. Planejamento antes da realizados ao longo do processo.
atividade (prévio): realizado
com base em experiências
anteriores e na leitura de re- 3. Replanejamento dos passos seguintes (ajuste da pro-
gistros sobre o trabalho
desenvolvido; tem como função posta): é a construção da continuidade do planejamen-
nortear o fazer cotidiano, de
acordo com as observações to prévio articulado ao que foi vivido na ação do grupo.
e as avaliações articuladas
aos objetivos propostos. É um Algo, vivo, um currículo conectado à realidade, com ca-
ponto de partida para o
trabalho a ser realizado e deve racterísticas individualizadas, que tem como referência
contemplar o tempo de evocação
(retomada) e de fixação os conteúdos do projeto pedagógico da escola. Ao re-
(sistematização e apropriação) para que planejar, o professor-autor, mediador da construção de
o conhecimento
seja referendado e memorizado, conhecimentos, deve estar atento para possibilitar que
adequando o currículo em
ação às propostas previamente seus aprendizes signifiquem informações e vivências,
estabelecidas.
ransformando-as em aprendizagens contextualizadas,
EVOCAÇÃO E FIXAÇÃO com sentido. Esse tipo de planejamento/registro não só
Evocar significa lembrar, buscar o fio pode transformar o ato de ensinar em investigação cria-
que está sendo feita em torno de condutor da pesquisa
um determinado objeto para tiva, mas também propiciar que o professor se trans-
dar continuidade, indo além das
informações iniciais. forme em autor da produção de conhecimentos sobre o
46 Prática docente
Instrumentos metodológicos 47
ensino a partir da pesquisa em relação à dia a dia
própria ação, o planejamento é construído no registro do
visando o contínuo aperfeiçoamento e à das a dia
adequação das,do grupo, adequado a necessidades e interesses et
atividades curriculares pedagógicas ao
construir um ;ças, mas'tem'opapel de manter a coesão a proposta inicial
"currículo em ação".
experiências doa e se
projeto pedagógico institucional a serem
"ensinados
-aprendidos", e é fundamental que o professor
tenha a
clareza do que pretende atingir em cada
proposta feita.,Observação
Mas há, também, os conteúdos dos
sujeitos que precisamI o objetivo deste instrumento metodológico é o de apu-
ser contemplados de acordo com a
faixa etária, ritmo do Irar o olhar e a escuta do professor, permitindo-lhe fazer a
grupo, características individuais de seus
membros, inte- leitura do que acontece em seu grupo — tanto de fatos ex-
resses, ansiedades, frustrações, medos,
articulando-se a plícitos quanto implícitos, muitas vezes nebulosos —, detec-
todo instante a relação eu-outro, as
singularidades dos tando necessidades, desejos, faltas e interesses dos sujeitos
integrantes do grupo com o que é coletivo e de
interes- envolvidos no processo de aprendizagem.
se comum.
É fuml
pelosquaisnda oenta a dosobservação dos momentossilênciodeconfli-
Independentemente da fase do planejamento é fun- grupo passa, momentos de , de
to
damental que ele seja flexível, pois o professor
deve ter desinteresse, de agitação e de ansiedade, pois eles fazem
abertura para considerar os interesses
momentâneos emer- parte do aprender. Sem situações-problema interessantes e
gentes no grupo e os acontecimentos
inusitados, que tam- instigantes, dúvidas, ansiedades e a consciência do não sa-
bém fazem parte do cotidiano,
contextualizando-os com o ber, enfim, sem a vivência do conflito cognitivo, as crianças
percurso do trabalho realizado.
não se sentirão suficiente}nente desafiadas para conhecer.
No planejamento, o tempo, o espaço, os
materiais a se
rem utilizados e as interações passíveis CONFLITO COGNITIVO
de acontecer são
quatro fatores determinantes. Por exemplo:
há limites do O'termo "conflito cognitivo", na visão de Piaget, refere-se às
espaço físico real, que está à disposição do divergências de hipóteses entre o sujeito e seu interlocutor,
professor, assim
como há limite do tempo necessário para a desafios que os objetos provocam e a situações -problema
pôr em prática o
que planejou. É preciso considerar os para as quais a criança se depara com a falta de respostas..
ritmos individuais de
aprendizagem e o tempo que o grupo leva para
construir e O professor precisa certificar-se do que realmente vê,
socializar o conhecimento.
contrapondo-se ao que ele acha que sabe sobre o grupo.
48 Prática docente
Instrumentos metodológicos 49
Para observar é fundamental conhecer as
características
egistro
faixa etária com a qual se trabalha, para poder
criar d
material de escrita, fru-
safios pertinentes e possibilitar que os alunos
superem O registro é definido como um
que já sabem. Para haver aprendizagem é preciso vividas pelo professor. Uma forma de
ir ale o das experiências
da zona real do sujeito, do que ele já conhece e do cotidiano, além de ser uma fonte
trabalha"estudo e organização
na sua zona de desenvolvimento proximal, pois a criançde memória. O ato de registrar possibilita um estudo refle-
pode assimilar todo o entorno do ambiente escolar relação ao seu grupo e à sua prática
ao qutxivo do professor em
está exposta. Segundo Vygotsky (1989), no processo distanciamento
de déri pedagógica, pois lhe
senvolvimento cultural, a criança assimila não somente sobre fatos, sujeitos, praticas culturais do contexto observa
conteúdo da experiência cultural, como também os ~ conhecimentos produzidos.
prol do e
que está au-
cedimentos da conduta cultural e do pensamento;
doma O registro permite comunicar ao elemento
na os meios culturais particulares criados pela (coordenação, outro professor do grupo, professores
humanidad sente
no processo de desenvolvimento histórico, por trabalho desenvolvido, além de constituir
exemplo, em formação) o
professor
idioma, os símbolos aritméticos etc. uma forma de documentação da trajetória do
Para que a observação não se perca, e o olhar não se grupo — que é único, singular —, transformando-o
dis com o seu
perse diante da multiplicidade de fatos para
observar é fu em uma fonte viva de história.
damental que se estabeleça um foco, ou seja, o
planejamen Ao escrever, o professor deixa marcas, que são muito
da prioridade de trabalho para direcionar o olhar e comprometedoras do que as palavras, que se perdem
a escuta mais
Isso só é possível se houver um planejamento de esvaziam O fato de escrever é fonte de dificuldade no
pon e se
tos de observação, elaborados previamente. Esse processo de aquisição do hábito de registrar, dada a comple-
planeja
mento parte do objetivo proposto: a partir dele é xidade da escrita formal, pelo fato de as palavras exigirem
feita
escolha do que será observado — interesse, posicionamentos e responsabilidades consequentes. Esse é
participação, en-
voIvimeno, t dinâmica utilizada, aprendizagem do grupo ti um dos, obstáculos a serem transpostos o que só acontece
outi
de alguns membros. com a familiaridade e a constância do ato de registrar.
Feita a observação das práticas culturais do O registro contém aspectos objetivos e subjetivos,
grupo, o
professor tem em mãos a matéria-prima para seu pois lida com a forma particular/individual de quem o re-
registro,
gue pode ser feito no ato da observação ou digiu — ele tem um caráter pessoal e único, que precisa ser
posteriormen
te. O registro simultâneo à observação garante a mantido. Não há uma receita, uma forma, pois cada sujei-
memórias
de comentários das crianças, curiosidades ou o tem assuas características, a sua história de vida e as
eventuais fa-
lhas, que são pistas essenciais à reflexão sobre o suas peculiaridades.
percurso.
50 Prática docente 51
Instrumentos metodológicos
O registro escrito pode ser ampliado e se
mandest
também, por meio de diferentes linguagens:
visual, auditiv
ato sobre o que foi visto,
estética, escrita, plástica, ente outras. Ao
registrar busca- A partir do registro feito no
o ser integral, total, pois os aspectos o educador deve refletir
cognitivos e afetivos s tuído, aprendido e observado,
inseparáveis; tudo o que se refira ao sujeito, educador e pedagógico cotidiano, ressignificando-o,
ed obre o seu fazer
aprendizagens.
cando, deve ser considerado dentro de um
contexto. eorizando-o e transformando-o em novas
reflexiva oportunizam a
O ato de registrar é um momento de pausa
para refl O distanciamento e a escrita
xão, tomada de consciência da realidade e de conhecimentos já existentes, à luz de novas
escolha dos c mpliação dos
minhos a serem seguidos. É a hora de fazer um os respaldem. O professor reflexivo
recorte n arcerias teóricas que
própria
prioridades do trabalho, tendo a clareza das perdas que
ca consciente do seu papel profissional constrói a
pedagógico, tor-
opção envolve. É o momento de assumir
posicionamento "teoria, que revela o seu "ser-saber -fazer"
comparti-
construindo os próprios caminhos, individualizando q
o ando-se autor do seu processo de crescimento
foi construído e aprendido com o grupo ao
qual pertença. ~lhado no grupo ç associativa entre
evidenciando a relação
O registo, segundo Madalena Freire (1995), consciente, fundamental à formação do
passa po teoria e prática
dois momentos diferenciados: num
movimento inicial, el professor reflexivo.
é feito no ato, tendo como apoio os
pontos de observação',
princípio propostos, quando se registram
palavras-chave qu
remetam ao conteúdo central, frases marcantes,
sensaçõe Avaliação
rotina, tarefas, material suficiente para
reconstrução do pro A avaliação como instrumento metodológico é consi-
cesso vivido e posterior análise; numa etapa
seguinte, na qu derada com um novo olhar, diferenciado do enfoque tra-
o sujeito se encontra distanciado do
contexto, o registro deidicional de caráter seletivo, autoritário e excludente de
ser refeito sob um novo olhar, articulando
a situação vivida: julgamento. Ela passa a ser vista sob a ótica da formação,
com as experiências anteriores do sujeito,
transformando-s!como um diagnóstico do que se passou até o momento no
em material de reflexão, de ampliação das
matrizes pedagógi processo'de ensino-aprendizagem, com a intenção de "che-
cas e transformação da prática pedagógica do
educador. car" o que o grupo construiu como aprendizagem, indi-
O ato de registrar é um exercício diário sobre
o cotidian vidual e coletivamente. Ela é decorrente dos registros do
da sala de aula, que envolve treino e
disciplina, além de fazer professor, das observações, da reflexão posterior, do plane-
o sujeito educador operar diversas
habilidades mentais, tais jamento proposto e das experiências vivenciadas.
como: observar sintetizar, priorizar, agrupar,
selecionar, ana- A avaliação é fonte de replanejamento, pois prioriza
lisar, optar ao se apropriar das experiências
vividas. e estabelece os passos seguintes do trabalho, verifica se os
• O que me move?
• O que move a formação do outro?
• O que é projeto?
• O trabalho configura-se como uma metodologia? Ou
é uma postura do educador compromissado com a
aprendizagem pessoal e do outro?
• Quais teóricos referendam esta abordagem?
• Quais as etapas de trabalho?
84 Prática docente
O trabalho com projetos
85
REGISTRO EM PORTFÓLIOS "Portfólio", de acordo com a grafia que é utilizada neste
livro, pode ser definido como um instrumento de constru-
ção de conhecimentos no processo de ensino-aprendizagem
— uma ferramenta do professor, que complementa a meto-
dologia de formação abordada.
É uma forma de trabalho que, da mesma maneira que
os projetos e as redes, está referendada no coletivo, na reu-
nião de sujeitos que compartilham informações e aprendi-
[...] para escrever não importa o quê, o meu matei.'h zagens em uma cultura específica: a da Educação Infantil.
básico é a palavra. Assim é que esta história será fel' É um álbum, uma pasta, um caderno, um arquivo,
de palavras que se agrupam em frases e destas se evot que pode ser escrito, fotografado, filmado, gravado, docu-
um sentido secreto que ultrapassa palavras e fras mentando o percurso de um processo na sua totalidade: o
Clarice Lispec trabalho realizado durante o ano escolar, um projeto des-
tinado a um fim específico, o trabalho com projetos, deter-
minada pesquisa sobre um tema escolhido pelo professor...
Os registros em portfólios são registros reflexivos con todos esses registros podem compor o portfólio. Na Educa-
derados como espaços da memória, documentação da p ção Infantil há um leque de possibilidades para organizar o
pria prática, caminhos de reflexão, fonte de planejameni material coletado, que pode variar conforme a proposta e a
da continuidade dos projetos desenvolvidos em cada g intenção do professor.
po, marcas da identidade de um educador compromisso
com a qualidade de seu trabalho.
A origem do trabalho com portfwlios
Historicamente, o trabalho com portfólios remete a
Mas... o que é um portfólio? Freinet, que difundiu a importância do testemunho
coti-
Portfólio é um instrumento do professor para do diano das atividades vivenciadas pelo grupo,
documenta-
mentação e avaliação do trabalho realizado no decorrer das em um grande álbum/caderno exposto na
entrada da
sala de aula.
um determinado período, como um ano escolar. Há al
mas designações diferenciadas para nomeá-lo, como "pe Para o pedagogo francês, a relação entre a
escola e a vida
era de fundamental valor: o registro de
ta-fólio" ou "portfolio" (sem acento). sentimentos, impres-
86 Prática docente
Registro em portfólios 87
sões, experiências vividas no grupo, em sintonia com as ali criança em particular. É, também, um material de comuni-
vidades realizadas na comunidade. O "livro da vida", com, cação entre a escola e a família que, diante da visibilidade
chamava o álbum, que registrava, tanto pelo professor quan das informações contidas no álbum, se apropria e participa
to pelas crianças, as marcas deixadas pelo trabalho realizado, do trabalho realizado com seus filhos.
impressões, sentimentos, conquistas, desafios, descobertas... Os portfólios remetem à ideia de coleção, de reunião,
O livro da vida freiniano era uma forma primária de ré de agrupamento, de conjunto, de algo que é construído de
gistro da livre expressão dos componentes do grupo, compo- acordo com critérios preestabelecidos e selecionados pelo
to por conquistas e descobertas coletivas e por contribuiçõ•'~ protagonista da ação: o professor, a partir da leitura dos
pessoais, numa dimensão interativa do trabalho realizad®g teresses das crianças com as quais compartilha decisões.
em parceria com a comunidade. Um dos aspectos conte As coleções são fornias genuínas do sujeito "reunir"
piados no livro era o "painel das manifestações", organizadei (unir novamente), agrupar, reapresentar objetos, textos, in-
por títulos como "eu sugiro", "eu critico", "eu felicito". formações, trechos de leituras realizadas em busca de res-
Da mesma forma, os portfólios devem abranger os co paldo teórico às suas dúvidas e curiosidades, documentos
teúdos das práticas pedagógicas e dos sujeitos que faz significativos à reconstituição do processo de aprendiza-
parte dessa história. É um documento da "vida" do grup®;', gem, anotações e registros das experiências cotidianas, de
redigido, ilustrado, organizado por um responsável p (! tal forma que fiquem evidentes os passos dados e o produ-
grupo — no caso específico da Educação Infantil, o professo to elaborado em função dos momentos de aprendizagem.
responsável pela coordenação do trabalho realizado —, O portfólio do professor é uma ferramenta de traba-
por uma criança do grupo, o que possibilita a identificação, lho, um diário de aprendizagem, no qual os registros de
a emergência do sentimento de pertencimento de cada dúvidas, conquistas e atividades são feitos constantemente,
ao grupo como um todo, em parceria com o coordenador. acompanhados de amostras de trabalhos. É uma estratégia
pedagógica que leva à descoberta de novos conhecimentos,
tanto para o seu autor quanto para seus leitores, como o
Tipos de portfóiios coordenador pedagógico ou o professor auxiliar do grupo.
Os portfólios das crianças são feitos por adultos quan-
Há dois tipos de portfólios: o do professor, que é, do elas são bem pequenas, a fim de reconstituir o percurso
multaneamente, pessoal e coletivo, e o de cada criança, q formativo de cada uma delas, suas conquistas e experi-
representa a memória do ano que ela viveu com seu grup mentos realizados na tentativa de construção de novos co-
No caso da Educação Infantil, é uma elaboração do prof- nhecimentos. As crianças procuram em seus portfólios a
sor a partir dos materiais produzidos pelo grupo e de ca econstituição da própria história escolar, como uma me-
90 Prática docente
Registro era portfólios 91
pedagógica, faz suas escolhas, e quais os possíveis caminhos Há "receitas" para a sua construção? Há um percur-
para modificar as intervenções de pouco sucesso. Ao manu- so de elaboração que acompanha a trajetória do professor?
sear o material é possível intermediar um diálogo a partir da para quem ele se destina? Memória, documento ou espa-
ação documentada que, devidamente questionada pelo lei-. ço de socialização e reflexão sobre a própria prática? Como
tor, pode provocar a tomada de consciência da falta de clare- torná-lo um espaço de busca individual e de grupo?
za de habitas adquiridos e reproduzidos mecanicamente no Os portfólios não devem ser formatados a priori, com
cotidiano, fazendo emergir a necessidade de mudanças ou y. prescrições da instituição ou da coordenação pedagógi-
:t
de aprofundamento do porquê de determinadas ações. ca quanto à maneira de serem feitos. Isso é válido tanto
Os portfólios representam, também, uma forma genuí-;4 para o portfólio do professor quanto para o das crianças,
na de organização que o professor faz do material a ser pois perderiam a sua identidade e se tornariam reprodu-
arquivado/colecionado, não só em relação aos conteúdos ções de ordens dadas, esvaindo a oportunidade de sua
que irão compor o álbum, mas também no modo como se confecção transformar-se em uma situação de aprendi-
rão dispostos, compondo um diálogo estético entre forma,; zagem significativa.
conteúdos conceituais, recursos materiais, distribuição es- A construção de um portfólio desvela o modo como o
pacial, uso de imagens e outros aspectos ligados à sua com- professor aprende a aprender; o que ele conhece sobre o
posição. É interessante notar que o termo "portfólio" ve seu grupo, o que gostaria de conhecer; seus desejos, pre-
da área da Arte - "dossiê" com amostras de produções are,. ferências e faltas; a opção que faz em seus registros, o que
tísticas; book de um designer; pasta do artesão -, o qu prioriza em sua rotina diária; as parcerias que estabeleceu
justifica seu uso associado ao processo de criação do sujei com os teóricos e com os demais professores; a reflexão
to-professor ao narrar a trajetória de seu grupo. que faz, ou não, sobre suas práticas pedagógicas; e, princi-
Além disso, o trabalho com portfólio é uma forma d palmente, qual o foco de seu olhar: as tarefas propostas, a
avaliação inicial ou diagnostica, e também a avaliação con- construção da rotina de trabalho, a participação e o interes-
tínua e processual do trabalho realizado com as crianças se do grupo como um todo ou em um caso em especial; in-
por meio do qual se pode verificar e problematizar hipój dica se ele integra e conecta todos os elementos da relação
teses sobre as ações docentes nas mais variadas situações pedagógica, contextualizando-os; a maneira como lida com
convertendo-se em um instrumento de formação de profe conflitos emergentes no cotidiano escolar.
sores em reuniões pedagógicas. O álbum pode ser usad Ao narrar a história pessoal e coletiva, o professor se com-
como um pretexto para questionamento e conscientizaça promete com o que registra e com o enigma da criação de um
de fazeres dos professores, ressignificando saberes pedag memorial, com a arte da estética e a responsabilidade dos
gicos do grupo como um todo. significados de cada palavra. Segundo Nélida Piíïon:
Registro em portfólios 95
94 Prático docente
em (...1 Para fechar nossa reflexão, apresento a seguir alguns
ra, os procedimentos e a própria aprendizag
estimula o processo de enriquecimento conceituai, dos registros do portfólio pessoal desenvolvido pela profes-
fundamenta os processos de reflexão para a ação, sora CHS, organizados tematicamente:
garante mecanismos de aprofundamento conceitua)
continuado, estimula a criatividade e a originalida- A MEMÓRIA DE UM GRUPO DE 16 CRIANÇAS
de, garante o desenvolvimento da identidade e faci- COM TRÊS ANOS DE IDADE (2007)
lita a aprendizagem [...]. (1998, p. 47) Adaptação do grupo no início do ano
material co- É no período de adaptação, quando as crianças estão iniciando
Do arquivo inicial à seleção reflexiva do o ano escolar, que começam a se estabelecer vínculos entre to-
passado-pre-
letado há um percurso formativo que integra dos os membros desse novo grupo: funcionários, professores,
aprendizagens crianças e pais. Nesse processo, a participação das "antigas"
sente-futuro na construção da autoria e de
professoras, associada à ambientação já existente pelo espaço
significativas para o professor e seu grupo. previamente conhecido por todos, favorece, e muito, os primei-
avaliação,
O portfólio, visto como um instrumento de ros contatos e, assim, as relações entre eles se iniciam e, gradati-
e das
planejamento, reflexão e registro da ação do professor
vamente, vão se tornando cada vez mais estreitas e sólidas. Para
todo que isso, muitas atividades e materiais são oferecidos, além de as-
crianças, permite a visualização da dimensão do suntos propostos e abordados, a fim de que as crianças tenham
a integra-
abrange um processo de formação, contemplando a possibilidade de se expressar, de se manifestar, e, ao mesmo
suas dimen- tempo, de demonstrar qual é o interesse geral da classe, o que
lidade do desenvolvimento humano em todas as
"[.•.] não será., nos levará à definição do tema do projeto a ser desenvolvido com
sões. Como nas palavras de Coll et al. (1996): o grupo. Dentre as várias atividades propostas, a da leitura de his-
a avaliação
exagero afirmar que o currículo, a instrução e tórias foi uma das mais solicitadas pelas crianças. Os livros apre-
portfólio". sentados inicialmente foram: 77co e os lobos moas; Ariel; livro em
que são feitos pelo professor se interceptam no
marcas inglês sobre fundo do mar: Commotion in the oceon...
As vivências experienciadas com sentido deixam A brincadeira do trem também as atraía bastante, especial-
profes-
significativas nas matrizes da docência e na pessoa do mente porque, aproveitando para inserir alguns conteúdos da
aprendizagens°; matemática, fui gradativbmente complementando-a com "cur-
sor: possibilidades de mudanças por meio de
Zabalza,: vas malucas", "retas certinhas e compridas ou curtas". Além
significativas. De acordo com as palavras de Miguel disso, o deslocamento do grupo se tornou cada vez mais orga-
nizado e "unido", já que, passado o período de adaptação à
o próprio fato de escrever", de escrever sobre a pró-
da. brincadeira/rotina, todas as crianças passaram a formá-lo, até
pria prática, "leva o professor a aprender através mesmo as mais reservadas.
sua narração. Ao narrar a sua experiência recente,
professor não só a constrói linguisticamente, com A leitura de interesses, desejos, necessidades do grupo
também a reconstrói ao nível do discurso prático A enorme vontade demonstrada pela maioria delas por "puxar" o
narraçaï
da atividade profissional [...]. Quer dizer, a 4. trem nos levou a uma ideia: a de sortearmos diariamente um aju-
constitui-se em reflexão. (1994) dante para que ele pudesse me auxiliar nas tarefas do dia, inclu-
o posicionamento diante das questões colocadas, o com- sujeito que é afeto, cognição e emoção, que se mesclam na
prometimento com a aprendizagem pessoal e com a dos tessitura de novos conhecimentos, como dizia Paulo Freire.
parceiros, a união de braços, vozes e repertório coletivo:
histórias e experiências da vida de grupo... "bocas que mur-
muram... palavras... enquanto se procuram..." e formam Redes/mapa conceituai como metodologia
uma teia formativa e uma cultura coletiva de profissionali- As redes remetem a imagens formadas por palavras,
zação docente. ou por figuras, desenhos, abras de arte que, juntas, confi-
No grupo, a escuta do outro agrega novas palavras aos guram uma mensagem a ser compreendida, interpretada,
repertórios de cada um, que ficam "armazenadas", à espera "lida" nas entrelinhas pelos membros do grupo, incluindo
de significação, como se estivessem em um espaço embrio- a coordenação. A percepção do que foi dito, e do que foi
nário, latente, um `vir a ser" dos projetos. representado, aponta para valiosas fontes de informação
Como vimos no capítulo "Redes formativas: a cultura de interesses, necessidades e faltas do grupo: caminhos de
de grupo", Vygotsky nomeava este espaço intermediário en- (trans)formação da prática docente, desde que sejam recu-
tre o que o sujeito sabe (conhecimento na sua zona real) e o perados em planejamentos posteriores com o olhar sensí-
que ele virá a se apropriar (zona potencial), como zona vel, aberto e flexível do coordenador.
de desenvolvimento proximal: uma área de gestação e ama-
01N3
rA70eN3z 0134V
A construção de redes aponta caminhos e soluções fa- jetos possam garantir a integração dos diferentes conteúdos
cilitadoras para os encaminhamentos dos projetos, subsi- das áreas do conhecimento e âmbitos de experiências pro-
diando intervenções criativas dos professores. postos no planejamento institucional para cada faixa etária.
As redes, vistas como objetos transicionais na concep- Se pensarmos no tema do projeto — considerado um
ção winnicottiana anteriormente citada, apontam para a to- elemento aglutinador de conteúdos e atividades, um eixo
mada de consciência do percurso formativo do grupo de de integração de objetivos a serem atingidos —veremos que
crianças, tornando-se uma ferramenta auxiliar de impor- ele possibilita idas e vindas entre os diversos conteúdos a
tância considerável na qualificação da docência. serem pesquisados, a interligação de possibilidades des-
Aliada ao planejamento, à observação, à avaliação e cobertas pelo educador à medida que caminha com o seu
à reflexão, essa forma diferenciada de registro abre uma grupo, mas requer, para a organização do percurso, a cons-
outra dimensão à ação dos docentes: a conexão entre ob- trução de uma rede, como um mapa conceitual que guia o
COMPARTILHAR
explicação do conceito, construindo um mapa conceituai so-
bre os saberes do grupo explicitados a partir da ação estética:
Solicitei, em seguida, que registrassem em seus cader-
INTENÇÃO:.. nos a rede elaborada pelo grupo, que pesquisassem os ter-
PERCEBER COMUNICAÇÃO mos conceituais utilizados e escrevessem em tiras de papel
• Distinta da sensação •Trarramissão e recepção de mensa- uma reflexão sobre alguns deles.
• Processo construtivo gem entre emissor e receptor.
•Organizando e captando Transmiasão de significação em A montagem da rede do grupo seguiu um percurso mui-
conjuntos ou produzis vários níveis
do buscando sentidos. to interessante: o encontro foi marcado por uma intensa
REPRESENTAÇAO
discussão, argumentação embasada em pesquisas pessoais,
SOBREVIVER ^Artificia para acessarcomeúdo con-
to de pensamento, em busca de palavras que articulassem pontos de vista di-
*Signos revelam ou representam cai
CONHECIMENTO'.
sasser as caisas:da fato versificados e fundamentassem um consenso do grupo, por
•Causar a conhecimento ao serapre
sentado, meio de muita negociação.
er a begera o a reprodução de'.
CULTURA uma imagem. O painel construído pelo grupo ficou exposto na sala dos
EXPRESSÃO
professores durante todo o semestre para que a reflexão se
IMAGEM
• Figura ou representação
• Relação de tensão (mtsno(extemo) aprofundasse nos encontros posteriores. O envolvimento com
• Imitação de realidade,
• G imaginado
a proposta foi intenso e urna das professoras trouxe uma ima-
INTERPRÉTAÇAO
140 Prática docente Projetos, portfólios e redes na formação dos professores 141
que são seus referenciais e que, se forem devidamente 5. O uso dos instrumentos metodológicos: observação,
problematizados pelo coordenador e pelos demais mem- registro, planejamento, avaliação e reflexão.
bros do grupo, podem ser altamente transformadores da
6. O questionamento pessoal e do outro como elemento
prática pedagógica.
de transformação — relação teoria prática: ação refle-
O sujeito-educador, visto na integralidade do humano,
xão gift ação intencional (práxis)
move-se baseado na forma como pensa e concebe o mundo
que o cerca, pautado em emoções, percepções corporais e 7. A visão dialética e sistêmica da relação pedagógica: a
sensoriais, que referendam ações práticas, fazeres e saberes lógica da inclusão (isto "E" aquilo).
da docência. As matrizes individuais, os "nichos" de identi-
8. O trabalho com projetos: a construção do conceito e
dade de cada um, como nas palavras de Furlanetto (2003),
da postura metodológica.
ao encontrarem "ecos" na cultura do grupo de trabalho,
referendam a ação coletiva e individual, o sentido de "ser 9. Os portfólios como fonte de documentação, memória,
professor" da infância, com todo o encantamento do "bri- reflexão, registro, coautoria e coprodução do grupo, além
lho nos olhos" da constância dos "porquês" da criança na de matéria-prima para a formação em serviço.
Educação Infantil.
10. As redes como espaço coletivo de síntese, registro e
O produto/resultado da reflexão sobre o processo de
socialização de saberes.
formação é a síntese abaixo, que elenca fazeres saberes
essenciais à docência, que constituem o "currículo em ação" 11. O papel formador da Arte no conhecimento de si, do
para a (trans)formação de professores de Educação Infantil: outro e da cultura.
1. O trabalho coletivo: a construção do grupo, o fortale- 12. A interdependência entre fazeres +4 saberes: a cons-
cimento do sentimento de pertencimento ("pertença") e trução do currículo em ação.
dos vínculos afetivos e cognitivos.
142 Prática docente Projetos, portfólios e redes no formação dos professores 143
a partir de alguns eixos fundamentais comuns à riências realizadas, fortalecer a cultura de grupo "apren-
liberdade, à cooperação, à integração pessoal. dente/ensinante" e de uma rede de parcerias de trabalho
José Manuel Moran foram algumas das conquistas desta experiência para todos
os sujeitos que dela participaram, direta ou indiretamente.
Quem conta um conto, ou registra uma experiência, Ainteração das singularidades das vozes dos educa-
constrói um ponto de partida para a documentação de outras dores viabilizou a consolidação de uma cultura de coleti-
histórias pedagógicas pessoais e para seu grupo de trabalho. vidade, na qual o diálogo estabelecido deu visibilidade aos
A relevância da qualificação profissional de docentes da indivíduos em suas diferenças, em sintonia com a proposta
primeira infância, considerando pressupostos teóricos da fi- metodológica do grupo de Educação Infantil, no qual a di-
losofia do Piaget e a premissa central de Wallon sobre a versidade é um valor promotor de aprendizagens.
importância do outro na constituição do sujeito, foi com- A metodologia utilizada no processo de formação de
provada pelos relatos de experiências desenvolvidas ao lon- educadores e das crianças — o trabalho com projetos e os re-
go de anos com professores em serviço. gistros em portfólios e redes — que reapresentam palavras-
Compreender como a criança aprende, vivenciar ex- -chave e imagens significativas para o professor, configuram
periências relacionadas às múltiplas linguagens expres- uma possibilidade eficaz à construção de um currículo em
sivas e ao uso de instrumentos metodológicos, definir ação para a formação de professores em serviço, pautada na
possibilidades de metodologias que contemplassem os in- ação/reflexão/uma nova ação intencionalmente planejada.
teresses da faixa etária e, a meu ver, o maior de todos, À medida que a proposta vai sendo apropriada pelo gru-
fortalecer uma cultura coletiva, que consolidasse a impor- po de professores, o trabalho com projetos e registros em re-
tância de cada um no grupo, a partir de um referencial em des e portfólios vai ampliando o repertório de atuação dos
comum, traçando referenciais de identidade da Educação docentes, despertando um interesse cada vez maior nas crian-
Infantil/Primeira Infância. ças pelas propostas de trabalho e envolvendo todos os parti-
A formação dos educadores da infância, vista como um cipantes: professores, coordenação, crianças e suas famí ias...
espaço de trocas entre sujeitos que se mobilizam para arti- um currículo vivo, capaz de "fazer brilhar" os olhos de seus au-
cular objetivos propostos no projeto pedagógico institucio- tores diante da criação de seus projetos pessoais e de trabalho:
nal, com os desejos e as faltas das crianças é o motor desta "feito por... NÓS", superando "nós"/conflitos inerentes à cons-
formação. Formar(se), transformar(se), ampliar repertó- trução do conhecimento e à vida em grupo.
rios de atuação, socializar descobertas pessoais, ter contato A metodologia de projetos, registros em redes e port-
com a prática dos profissionais parceiros, registrar expe- fólios propicia a apropriação de fazeres e saberes das
práticas pedagógicas dos professores que, ao se conscien-
144 Prática docente Projetos, portfólios e redes na formação dos professores 145
tizarem de seus atos, de suas crenças e de seus valores têm ao mesmo tempo em que consolida a rede de educado-
a clareza do que mobiliza as escolhas feitas na organiza- res da infância.
ção do seu cotidiano. A intencionalidade da ação docen- A construção de novos conhecimentos se dá no grupo,
te fortalece a postura do educador diante dos princípios com o grupo, pelo grupo, para o grupo e, principalmente,
da docência, ampliando a metodologia para uma postura para o próprio sujeito-educador, o que comprova a máxima
profissional do grupo. walloniana de que o ser humano é, geneticamente, social e
Mas o que me move? O que move os demais educa- constitui-se a partir do outro, em sucessivas trocas intera-
dores? A pergunta central aponta para a importância da tivas. Interagir, trocar, expor, dialogar, compartilhar, plane-
tomada de consciência da relação entre questões motiva- jar, observar, agir, escutar, registrar, refletir e avaliar são, de
doras do sujeito-educador, a observação dos interesses e fato, objetivos que norteiam a transformação da ação pe-
desejos do grupo de crianças com o qual trabalha, as ne- dagógica de quem ensina enquanto aprende, e vice-versa,
cessidades da faixa etária e a satisfação decorrente da como nas palavras de Paulo Freire.
autoria de um projeto de trabalho. O que mobiliza o sujei- A ação do educador compromissado com a aprendiza-
to, independentemente do lugar que ele ocupa na relação gem pessoal e dos indivíduos com quem convive mobiliza
pedagógica, é a possibilidade de perceber-se como parte in- o grupo como um todo a vencer desafios, a buscar respos-
tegrante do processo de construção de conhecimento, de tas às situações-problema do dia a dia, a compartilhar con-
apropriação de saberes e fazeres da cultura a que ele per- quistas, contradições e conflitos, a ter objetivos em comum,
tence. Um sujeito com uma autoestima fortalecida ao vi- a cooperar a favor do bem-estar coletivo, enfim, a viver a
venciar a autoria do processo, em parceria com um grupo vida de grupo com toda a sua intensidade, afetiva, emocio-
de referência, com quem tenha um repertório em comum: nal e cognitiva, como apontam os relatos das professoras.
"o brilho nos olhos" de quem é validado a apresentar algo Além do compromisso e do desejo de novas aprendi-
feito com sentido para o sujeito que, de fato, "põe a mão zagens, a curiosidade, como a da personagem Alice, de
na massa" no dia a dia da sala de aula e promove aprendi- Lewis Carroll, também é um motor para a formação, pois
zagens consistentes para todos os envolvidos, afetando-se o interesse pela pesquisa sobre a própria prática tornou-
com as conquistas alcançadas e desafios superados. -se um diferencial no currículo que foi construído a partir
A socialização articulada de fazeres pedagógicos dos da ação de seus integrantes. A paixão pela Educação In-
integrantes do grupo, articulados a saberes que justificam fantil e pela competência profissional também motivam a
e referendam essas práticas, viabiliza o fortalecimento e busca de potenciais metodologias para compor um currí-
a apropriação, individual e coletiva, da intencionalida- culo de formação de professores que, realmente, atenda
de da ação docente, ampliando as conquistas de todos às características da criança de zero a cinco anos de ida-
146 Prática docente Projetos, portfólios e redes na formação dos professores 147
de (objetivo final da formação) que, avidamente, quer co- nessa área. Como o processo pedagógico é fruto de uma
nhecer o mundo que a cerca. relação interativa, ao mesmo tempo em que o formador
O trabalho com projetos, um `vir a ser" diário, vai ao propõe metodologias (que ampliem repertórios de fazeres
encontro da concepção de professor que planeja o seu fa- docentes, evoquem a discussão de saberes dos teóricos e
zer, que registra suas ações para refletir e documentar o seu dos professores e os pautam em confronto com os pensa-
percurso, que observa o seu entorno como matéria-prima mentos/ideias dos demais), ele lida com saberes e fazeres
do processo pedagógico e avalia cada passo realizado para pessoais, experiências significativas vivenciadas em sua tra-
propor novas intervenções; portanto, usa instrumentos me- jetória e conflitos decorrentes da falta de algumas respostas
todológicos como ferramentas fundamentais à qualificação às questões que desconhece.
da docência. Nesse movimento, constrói-se uma comunidade apren-
A riqueza das interações e dos vínculos afetivos con- dente e ensinante, forma-se e transforma-se um ciclo inte-
solidados no exercício da docência aponta para uma va- rativo, que gesta novas aprendizagens e consolida matrizes
riedade de possibilidades formativas, não só por meio das de atuação do sujeito-educador; e no pulsar do próprio fa-
múltiplas linguagens expressivas utilizadas como percurso zer, tece o saber pessoal, que alimenta a prática, entrela-
formativo, mas também pelo espaço de diálogo, de escuta çando os fios da "cadeia pedagógica", que se realimenta
e fala que os professores tanto necessitam para lidar com a cada nova experiência significativa, firmando pontos, te-
seus conflitos pessoais, incertezas e conquistas. De acordo cendo nós de sustenção e nós coletivos da rede educacio-
com o poema "Infância", de Drummond (2005): "E eu não nal. Formar e transformar: verbos da ação pedagógica, que
sabia que minha história era mais bonita que a de Robin- interagem e propiciam os múltiplos sentidos do aprender
son Crusoé"! a ensinar... a ressignificação dos objetos culturais e da pró-
(Trans)formar(-se) no convívio-parceiro com o outro, pria vida de professor da infância!
adultos compartilhantes do ambiente escolar e crianças do O que é ser professor dá infância? Um sujeito capaz de
grupo de trabalho, requer tempo de apropriação das ex- ensinar e aprender a encantar-se com o "curiosismo" infan-
periências vivenciadas, espaço para acolhimento e identifi- til que o move, em busca de novos caminhos promotores de
cação com a proposta feita pela coordenação pedagógica, aprendizagens significativas para si mesmo e para a crian-
além de práticas de rotinas estruturantes que validem a sin- ça, com a paixão de quem se maravilha com as descobertas
tonia entre o que se pensa e o que se faz no cotidiano da es- transformadoras da docência. É nesse sentido que este livro
cola, lócus genuíno de formação de professores. considera o exercício da docência como um país semelhante
A formação de professores de Educação Infantil é uma ao que abrigou Alice em suas aventuras: com conflitos, como
meta desafiadora para os que se prontificam a trabalhar os desmandos da Rainha de Copas, mas com as belezas das
148 Prática docente Projetas, partfólios e redes na formação das professores 149
descobertas de si e dos outros. Sou professora por opção, me
Referências bibliográficas
fiz professora ao longo de minha vida, com desejo de acertar
e buscar a competência para qualificar o sentido da docên-
cia... Com certeza, as crianças agradecem!
Termino o texto com as palavras de uma das professo-
ALARCÃO, Isabel. Formação reflexiva de professores: estratégias de su-
ras que participou do projeto de formação:
pervisão. Porto: Porto Editora, 1996.
[...] é assim, portanto, que entendo uma participa- . Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo:
ção ativa: uma forma de realizar, de transformar, de Cortez, 2003.
mobilizar, de criar, abraçar causas, atuar com res- ALMEIDA, Laurinda; MAHONEY, Abigail. Afetividade e aprendizagem:
ponsabilidade, recorrer com humildade, `socorrer' contribuições de Henri Wallon. São Paulo: Loyola, 2000.
com o coração, decidir com razão, viver em comu- ANDRÉ, Marli Eliza. Etnografia da prática escolar. 33 ed. Campinas,
SP: Papirus, 1995.
nhão, existir nessa imensidão.
(org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos profes-
A professora ilustrou o texto com uma imagem de roda: sores. Campinas: Papirus, 2001.
BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. São Paulo: Difel, 1986.
uma grande ciranda formada por crianças de alguma escola
BARBIER, René. A pesquisa-ação. Brasília: Liber Livro, 2004.
deste imenso país chamado Brasil.
BARBOSA, Maria Carmen Silveira. Por amor e por força: rotinas na
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