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UNIDADE II

Infâncias Brasileiras e as Relações


Com o Sistema de
Garantia de Direitos

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Infâncias Brasileiras e as Relações Com o Sistema de Garantia de Direitos

Car@s estudantes,
Nesta unidade, vamos conhecer um pouco mais sobre o Sistema de Justiça, seu funcionamento e atuação no sistema
de proteção, promoção e defesa dos direitos das crianças na Primeira Infância. Neste âmbito coloca-se como fundamental a
compreensão da integração deste com o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Para iniciar o nosso estudo, podemos dizer que o Sistema
de Justiça se trata de uma estrutura que possui certa
complexidade, uma vez que tem suas regras próprias, que
seguem uma hierarquia elaborada. Entretanto, sabe-se que a
Constituição Federal é a norma superior, que garante prioridade
absoluta para as diversas situações que tratam da Infância e da
Juventude. Somado a isso, foram elaboradas diversas leis,
desde regulamentações internacionais até atos de conselhos
setoriais, conforme o previsto no art. 4º, da Resolução nº 113,
de 19 de abril de 2006, do CONANDA. Destacam-se o Estatuto
da Criança e do Adolescente e o Marco Legal da Primeira

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Infância, cujos efeitos se irradiam para as demais leis, como, por exemplo, a Lei da Escuta Especializada (Lei nº 13.431/2017)
e a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006).
A disposição do Sistema de Justiça segue o que está previsto na Constituição Federal, de 1988, e, portanto, temos na
cúpula, o Supremo Tribunal Federal e demais ramos da Justiça: Justiça comum estadual, comum federal, trabalhista, eleitoral,
militar estadual e militar federal. Cabe mencionar que o Sistema de Justiça não se resume ao Poder Judiciário, estendendo-
se aos demais órgãos previstos na Constituição Federal: Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia privada e pública.
O Sistema de Justiça integra o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, que, por sua vez, é
integrado pelos órgãos da Segurança Pública, Conselhos Tutelares, entidades de defesa de direitos humanos, Conselhos
nacional, estaduais, distrital, e municipais de direitos da criança e do adolescente e organizações da sociedade civil
organizada, nos termos do “caput” do art. 1º, da Resolução nº 113, do CONANDA, 2016:

Art. 1º O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente constitui-se na articulação e


integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos
normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos
direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal.

Deste modo, pode-se dizer que a juntura e a conexão de todos os órgãos governamentais com os da sociedade civil
estabelecem os elementos centrais para a concretização dos direitos das crianças e dos adolescentes, razão pela qual faz-
se necessário ampliar os conhecimentos acerca do papel de cada um dentro dos sistemas.

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O Sistema de Garantia dos Direitos da Crianças e do Adolescentes

O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) foi


instituído em 2006, objetivando fortalecer a implementação do Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA, 1990) e garantir a proteção integral à infância e à
adolescência.
Instituído pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(Conanda), por meio da Resolução nº 113, o SGDCA é um sistema formado pela
articulação e integração de vários atores sociais – de instâncias públicas
governamentais e da sociedade civil – que atuam para garantir que os direitos
humanos se concretizem na vida das crianças e dos adolescentes em todo o
território brasileiro.
O SGDCA é composto por conselhos tutelares, promotores, juízes, defensores
públicos, conselheiros de direitos da criança e do adolescente, educadores sociais,
profissionais que trabalham nas políticas públicas de educação, saúde e assistência
social, policiais, profissionais e voluntários de entidades de defesa dos direitos
humanos de crianças e adolescentes.

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Cabe mencionar que a atuação de todos esses órgãos está organizada por normas estabelecidas pela Constituição
Federal e em leis infraconstitucionais, principalmente no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Marco Legal da Primeira
Infância, e ocorre de duas formas bem distintas.
A primeira delas se trata da atuação em rede, na qual não se observa hierarquia entre cada uma delas, entretanto ainda
se nota que não há transferência de responsabilidades de cada integrante, razão pela qual se torna necessária a articulação
intersetorial para realização dos objetivos da doutrina da proteção integral prevista nas normas legais. Essa maneira de atuar
pode ser desenvolvida em diversos momentos, sendo possível considerar a perspectiva preventiva, na qual os juízes da
Infância e da Juventude, Promotores de Justiça, Defensores Públicos e equipes multidisciplinares destes órgãos estão
articulados com os demais integrantes da rede de proteção, evitando a judicialização, no decorrer das ações judiciais, em
que se deve buscar o melhor interesse da criança.
A atuação em rede pode ser ampliada por diversas outras atividades, até mesmo para a realização de audiências
públicas, formulação de políticas públicas, pesquisas, localização e formulação de dados, entre outros. Cada órgão conserva
procedimentos internos a fim de evitar a judicialização de situações a serem analisadas. Como exemplo poderíamos
mencionar a atuação da Defensoria Pública, a qual tem possibilidades de atuar por meio diálogo com qualquer serviço público
de forma a garantir que as crianças tenham acesso à educação infantil.
Acerca das atividades que podem ser contempladas por meio da atuação em rede, pode-se mencionar a realização de
recepção e acolhimento (de qualidade) em qualquer situação; descentralização do atendimento para que as crianças e os
adolescentes tenham a oportunidade de serem contemplados por um atendimento que está mais próximo de onde residem;

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proteção das crianças e dos adolescentes nas mais variadas situações em que se identifiquem ameaças ou qualquer outra
violação de seus direitos, assim como de suas famílias, devendo atuar de forma imediata nestes casos.
Em relação a segunda forma, que é hierarquizada e deriva da existência do conflito entre os interesses da criança e
outra pessoa (genitores, família ou Estado), ou de imposição pela própria lei, que impede que a medida ocorra de outra
maneira. Nesse aspecto a ação judicial decorre de diversos procedimentos legais, em que os princípios mais importantes são
o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. Devido processo legal trata-se da compreensão que o processo
presidido pelo juiz observará a ordem prevista na lei; ampla defesa pode ser compreendida como a garantia de que o réu
contará sempre com defensor, público ou privado, em todos os momentos do processo, e, por sua vez, o contraditório é o
direito de ter ciência de todos os atos jurídicos e poder impugná-los. Em razão desses princípios, pode haver recursos aos
tribunais e, das decisões destes, aos tribunais que formam a cúpula do Poder Judiciário, o Superior Tribunal de Justiça e o
Supremo Tribunal Federal.
O Sistema de Justiça compreende que a criança deve ser sujeito de direitos e não objeto de assistência ou tutela, assim
sendo as ações desenvolvidas devem ser realizadas de forma a considerá-las como absoluta prioridade conforme
determinado pelo artigo 227 da Constituição Federal (1988) e também como está disposto pelo artigo 4º do ECA, quando
estabelece que “a garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução
das políticas sociais públicas” (Brasil, 1990, art. 4, parágrafo único) .

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Acerca do entendimento de prioridade absoluta está disposto que
a tomada de decisões seja realizada a partir do ponto de vista da
criança e não exclusivamente dos seus genitores, porque criança é
sujeito de direitos. Destaca-se aqui a necessidade da escuta das
crianças, de forma a levar em consideração os seus interesses, além
de garantir sua proteção, uma vez que se trata de pessoas que estão
em processos de desenvolvimento e que essa condição específica
deve ter atenção especial durante todos os trâmites em que elas forem
envolvidas.

Aspectos acerca da atuação do Sistema de Garantia dos Direitos

Desde o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) se reconhece a necessidade de trabalho em rede entre todos os
atores do Sistema de Garantia dos Direitos implicados na Doutrina da Proteção Integral de crianças e adolescentes
brasileiros. Isso envolve também o Sistema de Justiça e corresponde a um “microssistema” altamente complexo, mas
fundamental para efetivar a atenção integral, prevenir sobreposição de ações e, inclusive, revitimização.

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O modelo pautado na concepção da criança e do adolescente como sujeitos de direitos em condição peculiar de
desenvolvimento demandou uma redefinição e reordenamento de toda política de atendimento a eles direcionada (arts. 86 a
97, da Lei nº 8.069/90), promovendo a formação de uma rede intersetorial amplificada. Destaque é dado para a
municipalização e a participação popular na formulação da política de atendimento e no controle de sua execução (art. 88,
incisos I e II, da Lei nº 8.069/90), fato que é enfatizado pelo Marco Legal da Primeira Infância, quando estabelece como um
de seus princípios “descentralizar as ações entre os entes da Federação” (Lei nº 13.257/2016, art. 4º, inc. VIII).
Entre as inovações trazidas pelo ECA (1990) houve a criação do Conselho Tutelar, o qual é compreendido como um
órgão integralmente composto por pessoas da sociedade, autônomo e naturalmente coletivo, não jurisdicional, com a função
precípua de defender o cumprimento da Lei que define direitos às crianças e aos adolescentes e afirma deveres à família, à
comunidade, à sociedade e ao Poder Público (Brasil, 1990). E dentre suas diversas funções destacam-se o atendimento das
diversas demandas, reclamações, necessidades, solicitações, e demais questões relacionadas às crianças e aos
adolescentes, de forma que possam escutar, orientar, aconselhar, encaminhar e acompanhar os casos recebidos, sempre
priorizando a proteção e a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes.
Dessa maneira, o Conselho Tutelar representa um importante instrumento integrante do Sistema de Garantia dos
Direitos da Criança e do Adolescente, uma vez que se coloca como essencial para representar a sociedade na proteção e
garantia desses direitos, no âmbito municipal. O Conselho Tutelar é uma forma de promover ações que busquem prevenir e
impedir situações de risco para crianças e adolescentes nos diversos âmbitos sociais.

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Além desse avanço, destaca-se, também, que a elaboração e implementação de políticas públicas intersetoriais,
previstos pelo ECA (1990), venham a satisfazer as mais diversas demandas e necessidades de todas as crianças e os
adolescentes, independentemente de sua condição social ou espécie de atendimento.
A legislação atual compreende que o bem-estar de crianças e adolescentes é de responsabilidade de todos os níveis
de governo e dos mais diversos setores da administração. Para ressaltar a importância de estruturação proativa da rede
integrada prevista no Marco Legal da Primeira Infância, podemos historicamente relembrar que uma das principais inovações
fundadas pela Doutrina da Proteção Integral foi justamente passar de um modelo anterior em que não se atribuía ao Estado
e em especial ao município, qualquer responsabilidade pelas mazelas da população infanto-juvenil, deixando o atendimento
de crianças e adolescentes basicamente a cargo de entidades filantrópicas e assistenciais, e a intervenção do Poder Judiciário
restrita às hipóteses em que aqueles, individualmente considerados, se encontrassem em “situação irregular” (ou seja, com
seus direitos já violados), para um novo modelo, em que cabe ao Estado, em todos os níveis de governo atuar para proteção
e promoção de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana (cf. art. 3º, da Lei nº 8.069/90), a todas as crianças
e os adolescentes.
Neste novo cenário legal, destaca-se que esta ação do Estado precisa acontecer de maneira espontânea, por
intercessão de políticas públicas intersetoriais que, contemplem, de forma prioritária, as mais diversas necessidades e com
maior especificidade ainda, a primeira infância.

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LEITURA COMPLEMENTAR

BAPTISTA, M. V. Algumas reflexões sobre o sistema de garantia de direitos. Serviço Social & Sociedade, n. 109, p.
179–199, jan. 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/478ZwRHWkjzk7G9ZYd4p7yP/# Acesso em 09 set. 2023.

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Resolução nº 113/2006. Dispõe sobre
os parâmetros para a institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Ministério Público. Rio Grande do Sul, 19 abr. 2006. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=104402
Acesso em: 9 set. 2023.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAPTISTA, M. V. Algumas reflexões sobre o sistema de garantia de direitos. Serviço Social & Sociedade, n. 109, p.
179–199, jan. 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/478ZwRHWkjzk7G9ZYd4p7yP/# Acesso em 09 set. 2023.

BRASIL. Lei da Escuta Especializada. Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017. Estabelece o sistema de garantia de direitos
da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da
Criança e do Adolescente). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13431.htm Acesso
em 09 set. 2023.

BRASIL. Lei Maria da Penha. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica
e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o
Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm Acesso em 09 set. 2023.

BRASIL. Lei nº 8069/90. Estatuto da Criança e do Adolescente. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente
e dá outras providências. Brasília - DF: Ministério da Justiça, Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, 1990.

BRASIL. Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016. Marco Legal da Primeira Infância. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13257.htm. Acesso em: 31 jul. 2023.

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BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Resolução nº 113/2006. Dispõe sobre os
parâmetros para a institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Ministério Público. Rio Grande do Sul, 19 abr. 2006. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-
informacao/participacao-social/conselho-nacional-dos-direitos-da-crianca-e-do-adolescente-conanda/resolucoes/resolucao-
no-113-de-19-04-06-parametros-do-sgd.pdf/view Acesso em: 9 set. 2023.

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