Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A ADOLESCÊNCIA, O JUDICIÁRIO E
A SOCIEDADE
Desse modo, faz-se necessário que leis, normas e regulamentos estejam voltados
para a aplicação de medidas que assegurem, à criança e ao adolescente, condições
necessárias para seu desenvolvimento, o que fica especialmente delicado no momento
em que tais direitos se tornam vulneráveis ante o clamor social para rebaixamento da
maioridade penal.
Assim, em substituição ao antigo e ultrapassado Código de Menores, foi
promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/90), com o
objetivo de direcionar políticas públicas que atendam tanto à criança e ao adolescente
em situação de risco social, como aos adolescentes autores de ato infracional,
visando à aplicação de medidas de proteção no primeiro caso e socioeducativas no
segundo.
O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe sobre a proteção integral à
criança e ao adolescente, especificando uma rede de direitos e deveres que devem ser
alvo de aplicação dos mecanismos sociais próprios ao estabelecimento da ordem
social. Isto inclui as ações na área de saúde e no âmbito do judiciário.
Em 1989, foi proclamada a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e
do Adolescente, da qual o Brasil é signatário. Por sua importância interna e
internacional, transcrevem-se abaixo alguns tópicos de seu preâmbulo (a íntegra do
texto encontra-se em <http://www.unicef.org/brazil/pt/resouves_10120.htm>),
comentando-se aspectos relevantes sob a ótica da psicologia.
“Recordando que na Declaração Universal dos Direitos Humanos as Nações
Unidas proclamaram que a infância tem direito a cuidados e assistência
especiais.”
“Considerando que a criança deve estar plenamente preparada para uma vida
independente na sociedade e deve ser educada de acordo com os ideais
proclamados na Carta das Nações Unidas, especialmente com espírito de paz,
dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade.”
I – advertência;
II – obrigação de reparar o dano;
III – prestação de serviços à comunidade;
IV – liberdade assistida;
V – inserção em regime de semiliberdade;
VI – internação em estabelecimento educacional;
VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de
cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de
trabalho forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão
tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.
4.2 O ADOLESCENTE
Procura-se, nesta seção, estabelecer um recorte teórico que possibilite uma visão
compreensiva e, ao mesmo tempo, específica, a respeito das transformações
psicológicas que atravessam o adolescente.
Não houve a preocupação de destacar as diversas linhas teóricas que tratam do
tema, a respeito das quais o leitor encontrará referências ao final da obra. Procura-se
restringir o foco para propiciar ao leitor a oportunidade de estabelecer reflexões
relevantes a respeito desse importante período do ciclo vital.
O leitor já encontrou considerações a esse respeito no estudo das teorias de Jean
Piaget e de Erick Erikson, nas seções anteriores, cujos conceitos sempre constituem
pontos de referência significativamente reconhecidos como válidos.
➢ o primeiro é o nascimento;
➢ o segundo surge ao final do primeiro ano com a eclosão da genitalidade, a
dentição, a linguagem, a posição de pé e a marcha;
➢ o terceiro momento aparece na adolescência. O adolescente busca
diferenciar-se do adulto e, em sua luta por adquirir uma identidade, elege
às vezes caminhos distorcidos, como a toxicomania, a liberdade sexual
exibicionista ou outras formas de protesto contra os enganos e as
armadilhas da sociedade adulta.
Maria personaliza o migrante típico que parte de sua cidade natal em busca de
um ideal; deixa família, cultura e valores; despoja-se de referenciais para aventurar-
se pela “cidade grande” para “melhorar de vida”. Não faz ideia do que a espera.
Maria tem sonhos, pensa em se casar, ter filhos e um lar. Para alguns, é ainda
uma menina; em seu meio, está pronta para a vida; assim, vê-se compelida a buscar a
própria subsistência, privada da família, e tudo cala para não perder o emprego.
O playboy age em busca do gozo imediato (o gozo por meio do outro); a idade
da vítima e a violência de seu ato constituem detalhes que escapam à percepção de um
código de ética defeituoso, sem qualquer sintonia com valores fundamentais para a
vida em sociedade. Violenta para obter o gozo do sexo e, também, do exercício do
poder, da demonstração da superioridade sobre a coisa que o serve. Outras razões,
profundas, subjazem ao ato… investigá-las requer um mergulho na intimidade do
indivíduo.
Neste trecho, o autor colocou, com a frieza da navalha, a situação muito difícil
em que Maria se encontra; sugere, entretanto, a possibilidade de reencontro, até as
pedras podem se encontrar…; as pedras sugerem solidão e desamparo temperados
por sentimentos duros e rudes, a face cruel dos novos relacionamentos. Sabe-se lá o
que Maria passará. O tempo, entretanto, seguiu e consuma-se a predestinação.
Não basta seguir a trajetória esperada para crianças de sua idade, vai para a
escola; nessa mesma escola que poderia funcionar como continente para seu
comportamento e suas necessidades, lá mesmo, já desde o começo, sua brincadeira é
polícia e ladrão; o convite a adivinhar de que lado ele está contém a resposta
inevitável. A trajetória desfavorável em vista da constituição familiar e das
oportunidades sociais coloca o dedo na ferida do preconceito – o leitor faz um
julgamento prévio sobre o comportamento do menino e seu futuro, como se tal
desfecho fosse o único possível.
A cola não surge do nada. Fruto de um processo, ela se instala para promover a
troca da escola por alguma coisa percebida como melhor. A “coisa” consome a
“coisa” e a sociedade recebe o troco tardio de Maria. O garoto mergulha no atrativo
mundo das drogas, abandonando a insipidez da escola que lhe fala o que não quer
ouvir, que não o prepara para lidar com suas necessidades prementes.
4.4.8 Epílogo?
Eu não quero ver você cuspindo ódio
Eu não quero ver você fumando ópio pra sarar a dor.
(Zeca Baleiro, “Bandeira”)
Descarrega a arma; tem que aplacar a raiva que o consome. Para isso, precisa
“matar bem matado”. O homem roubou a felicidade de sua mãe, tirou-lhe os sonhos e
agora o menino acredita que pode devolvê-los para ela.
O menino resolveu, enfim, sua situação. Resolveu de modo concreto e não por
elaboração. Não lhe adiantaria matar o pai simbolicamente. Para ele, só o concreto
poderia servir-lhe, uma vez que este pai não foi internalizado, assim como não foram
internalizados instrumentos para lidar de modo diverso com suas frustrações.
Raciocina no concreto. Seu psiquismo não desenvolveu o pensamento abstrato,
que permite deslocar para o futuro as angústias do presente, por meio de soluções
sofisticadas que vão muito além da ação concreta. No capítulo a respeito das teorias
de psicologia, menciona-se a sublimação, um mecanismo de defesa do ego que
permite canalizar de modo socialmente aceitável os impulsos agressivos; uma saída
que ele não desenvolveu.
As privações suportadas não lhe permitiram um outro repertório de respostas.
Poderia ter elaborado se a capacidade de simbolização não tivesse sido prejudicada
pela urgência em enfrentar a rudeza da vida, o que lhe aconteceu precocemente. A
interrupção do estudo desempenha importante papel nesse processo, porque a escola é
uma das mais eficientes portas para o pensamento operatório-formal (confronte-se a
associação entre pensamento e linguagem e os estágios de desenvolvimento de Piaget
e Erik Erikson).
Fim da saga. Aliviado, declara que não precisa mais das armas concretamente
colocadas, pode dar um rumo para sua vida, conhece sua história e pode ser capaz de
reescrevê-la… Será? Seus modelos, condicionamentos, crenças arraigadas; a
linguagem tão diferente… uma complexa e desanimadora bagagem psíquica. Há luz no
fim do túnel, mas este é longo, contém curvas e desvios.
Filmografia
➢ ADOLESCÊNCIA (item 4)
Algumas transformações que ocorrem na adolescência afetam os valores,
os princípios, as crenças, as motivações e os comportamentos dos
indivíduos de maneira única.
Na adolescência, são comuns a experimentação de drogas psicoativas, a
participação em atividades ainda pouco ou totalmente desconhecidas, o
convívio – presencial ou virtual – com pessoas e grupos totalmente fora
dos círculos de relacionamento anteriores. Por outro lado, o futuro acena
ao adolescente com a incerteza, com indefinições e desafios.
Daí a importância de se compreender os fatores que influenciam nessas
transformações: sua natureza e prováveis consequências.
O período de adolescência, nos dias atuais, ganha novas características
em relação ao que, até o início deste século, lhe era atribuído.
A independência em relação aos pais protela-se. Uma nova família, nos
moldes tradicionais (pai, mãe e criança), surge como uma possibilidade
– não mais um objetivo de vida; quando ocorre, não necessariamente
significa a saída do lar ou a presença de filhos.
x
Caso 20 – “Curtindo a vida”
Ivã é um empresário de sucesso, proprietário de microempresa no
ramo de embalagens, na qual emprega 20 pessoas; Neuza, sua esposa,
reconhecida pelas obras de caridade e pela devoção com que promove
ações sociais no bairro em que residem, é mãe de Wilson, de 14, o mais
novo de três filhos.
Wilson já repetiu três vezes na escola; mostra-se relapso,
insubordinado e constitui um problema disciplinar recorrente.
A comunidade encara a situação com perplexidade: de um lado, pais
exemplares, de grande valor profissional e social; de outro lado, um jovem
que não participa de nada construtivo, que vive no clube de campo,
frequenta prostíbulos e, em mais de uma oportunidade, praticou pequenos
delitos.
Segundo Wilson, “a gente assalta e rouba de brincadeira”, uma cândida
explicação que sua ingênua e bondosa mãe não apenas aceita, como
também lhe basta para ocultar os lamentáveis fatos do marido – este, o
único que nada sabe. Ivã, ausente das atividades do lar, concentra-se nos
negócios, dos quais participam os dois filhos mais velhos.
Finalmente, Wilson e alguns amigos foram detidos quando iniciavam
um assalto a uma agência bancária em localidade próxima. O rapaz deu a
entender, então, que seu sonho era assaltar um banco sem ser preso.
Ivã, finalmente, tomou conhecimento da situação. Decidiu enviar o filho
para residir com parentes, em uma localidade do interior, distante de
grandes centros, na crença de que o isolamento e a distância das más
companhias bastariam para cicatrizar as feridas de suas almas. A partir daí,
a vida de Neuza tornou-se um sofrimento, devorada pela saudade;
“ninguém sabe a falta que Wilson me faz”, reclama para as amigas nas
conversas que antecedem os rituais devocionais que pratica com elas.
Wilson ainda será manchete.
X