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A Paleografia e a Diplomática, enquanto disciplinas, têm raízes profundas no trabalho

pioneiro de Jean Mabillon, um monge beneditino francês do século XVII, cuja obra “De
Re Diplomatica” lançou as bases para o estudo crítico de documentos históricos. Em
Portugal, o interesse por essas disciplinas ganhou especial destaque com a fundação da
Torre do Tombo em 1378, um dos mais antigos arquivos nacionais do mundo, que guarda
uma rica coleção de documentos históricos e diplomáticos. A Paleografia concentra-se
na leitura e interpretação de manuscritos antigos, analisando os estilos de escrita,
abreviações e variações linguísticas ao longo do tempo. Essa disciplina é essencial para
decifrar documentos históricos, uma vez que as práticas de escrita na Idade Média eram
diversas e moldadas por fatores culturais, sociais e geográficos. A Diplomática, por sua
vez, vai além da análise do texto que se preocupa com a autenticidade e a natureza dos
documentos. Busca compreender o contexto históricos e as práticas administrativas que
conduziram à criação de determinado documento. A classificação dos documentos em
tipos, como cartas, diplomas ou bulas, é uma parte crucial dessa disciplina.
No contexto específico de Portugal, a escrita medieval foi grandemente influenciada pela
administração régia e eclesiástica. O reinado de D. Dinis (1279-1325) é particularmente
notável, não apenas pela promoção da língua portuguesa, mas também pela
padronização da escrita. Sob D. Dinis, a chancelaria régia assumiu um papel mais
organizado e a produção de documentos oficiais ganhou uma forma mais sistemática. O
registo escrito era crucial para a administração eficiente. Os registos auxiliavam a manter
a ordem e a garantir a aplicação justa das leis, servindo como uma referência para
resolver disputas e litígios.
Durante a Idade Média, a maioria da população era analfabeta, e a transmissão de
conhecimento dependia amplamente da tradição oral. No entanto, os mosteiros e as
instituições religiosas desempenharam um papel fundamental na preservação e
transcrição de textos antigos. Os escribas, muitas vezes monges dedicados, eram
responsáveis por copiar manuscritos à mão, preservando assim obras literárias,
filosóficas e religiosas que, de outra forma, poderiam ter sido perdidas para sempre. Os
oficias da escrita eram essenciais para a comunicação dentro de um reino ou entre
diferentes regiões. Cartas, decretos e ordens eram frequentemente registados e
enviados para governantes, nobres e outros oficias. Isso facilitava a coordenação de
atividades, a implementação de políticas e a resolução de disputas. A capacidade de
documentar transações e acordos também contribuía para a estabilidade e governança
efetiva.
A chancelaria portuguesa e os seus responsáveis estavam a par dos esforços de
organização que eram desenvolvidos em diferentes reinos europeus. Se a elaboração do
registo respondia, por um lado, às preocupações em inscrever para o futuro a memória
de um governo e de uma ação, retendo alguns dos atos mais marcantes, por outro lado
é claro que entre as motivações subjacentes se colocavam em Portugal a par das
chancelarias mais avançadas da Europa cristã. O registo deve ser entendido à luz de toda
uma política levada a efeito ao longo destes anos e da qual a elaboração do livro de
registos será uma das vertentes, mas sem dúvida importante pelo que reflete a difusão
da escrita como meio imprescindível à governação e a necessidade de conservar uma
memória organizada de uma ação.
A escrita, nas suas diversas formas, foi uma ferramenta crucial para a consolidação do
poder régio. O aumento da necessidade de documentação e registo levou ao
desenvolvimento de uma burocracia mais sofisticada. Oficiais de escrita, muitas vezes
ligados à Igreja ou à Nobreza, formavam uma classe especializada que detinha
conhecimento. Os escrivães e notários desempenharam funções-chave, sendo
responsáveis pela redação e autenticação de documentos importantes. O surgimento da
figura do tabelião, especialmente durante o reinado de Afonso II, introduziu uma classe
de profissionais especializados em questões jurídicas, ampliando ainda mais a
complexidade da escrita medieval. A sua evolução reflete a crescente importância dada
à escrita na administração, com chanceleres como Julião Pais e Gonçalo Mendes. A
sociedade portuguesa medieval acompanhou a evolução nas profissões relacionadas à
escrita. Inicialmente, a tarefa de escrever estava nas mãos dos clérigos-notários, mas ao
longo do tempo, especialmente a partir do século XIII, surgiram os escrivães leigos, que
ocupavam posições em diversas esferas da vida pública e privada.
Além das instituições eclesiásticas e régias, os mosteiros e scriptoria também
desempenharam um papel crucial na produção e preservação de documentos escritos.
Os scriptoria eram locais onde monges copistas transcreviam manuscritos, muitas vezes
enriquecendo-os com iluminuras e decorações. Esses mosteiros tornaram-se centros de
conhecimento e cultura contribuindo para a preservação do património escrito.
- Oficiais de escrita: resumo
Para escrever na Idade Média era necessário um especialista. Uma vez que os reis e
magistrados, por vezes, não sabiam escrever, ainda que soubessem ler e que não
houvesse, de alguma forma, ignorância ou falta de cultura. Assim são criadas as
profissões de escrivão e notário.
Os responsáveis pelos escritos epigráficos em Portugal, dos séculos IX a XIII, foram, quase
em exclusivo, os clérigos-notários, homens oriundos do meio eclesiástico. São homens
que raramente se conhece a escrita pessoal, pois estamos numa fase de fraca difusão
ativa da escrita. Estes homens auto designavam-se de “scriptor” e também de “scriba”.
Temos igualmente, exemplo, do monge copistas. As tarefas eram desenvolvidas num
espaço próprio, com o nome de “scriptorium”, sendo que o trabalho dos copistas exigia
uma transcendência física e psicológica.
Desde as primeiras décadas do governo de D. Henrique e de D. Teresa que se torna
possível identificar um ou outro notário responsável pela produção de alguns dos atos
condais, mas então estes notários, eclesiásticos de origem, juntavam as funções de
notário e de escrivão, sem uma clara diferenciação entre os dois papéis e muito menos
das aptidões que os aproximassem das competências de um chanceler. Frequentemente
os atos condais eram redigidos por notários também eles clérigos oriundos das próprias
instituições a que esses atos se destinavam. Só com Afonso Henriques o cargo de
chanceler parece ganhar importância e estabilidade. Destaque-se a noção que esta
outorga reflete, de que o exercício do cargo de chancelaria implicava, obrigatoriamente,
a concorrência de clérigos, únicos a deterem os conhecimentos e a formação
indispensável ao desempenho das funções e de que o rei não vislumbrava ainda como
responsabilidade exclusiva da cúria a produção documental. A existência ‘de mais de um
local de produção de documentação régia se manterá, mesmo quando a chancelaria
régia se apresenta como estável e entregue a personagens marcantes como Julião Pais
ou mesmo Gonçalo Mendes.
Após esta fase rudimentar, em que não restam dúvidas que a maioria dos diplomas foi
passada por scriptores dos destinatários, inicia-se um processo de verdadeira
constituição de chancelaria régia. Aspeto relevante da nossa primeira chancelaria foi o
facto de ela se ter ficado em Coimbra, em 1169, um grande centro de cultura nos fins
dos séculos XII. O chanceler ocupará um lugar particular, não apenas na documentação,
já que a sua identificação surge no final, ao centro ou a um dos lados do documento,
isolado ou a par do notário responsável pela escrita do documento e cujo nome tenderá
a surgir, a par do chanceler, de forma corrente, a partir dos primeiros anos do século XIII,
mas também no contexto dos restantes oficiais, pelo perfil que o caráter das suas
funções exigia que tivesse. O de chanceler, ao implicar, conhecimentos amplos ao nível
da escrita e da produção documental, determinou, pelo menos nos primeiros tempos,
que a sua escolha tendesse a recair no seio da estrutura eclesiástica. À partida caberia
ao chanceler a responsabilidade da escrita dos atos régios. Contudo, com o
desenvolvimento dos serviços de chancelaria e à medida que a memória escrita ganhava
lugar sobre a memória dos atos orais, o chanceler tendeu a rodear-se de um número,
desconhecido, mas com certeza cada vez mais numeroso, de notários e de escrivães que
assumiam a produção literal do documento, deixando ao chanceler a fiscalização do ato
e a sua validação através da colocação do selo. Esta gradual definição das próprias
funções do chanceler, face às de escrivão e às de notário, caminhou a par de uma
progressiva intervenção do chanceler em outras áreas e assuntos.
Não é possível atestar para o período anterior ao reinado de Afonso II a existência de
tabeliães públicos com funções de redação dos documentos e cuja intervenção conferia
aos escritos a necessária autoridade para que fossem reconhecidos como verdadeiros e
revestidos de fé pública. Nada disto significa que antes de 1211 não se vertessem atos
privados em escrito, mas, contudo, não só não existia essa obrigatoriedade, facto que
determinava que muitos dos contratos e atos de gestão e de organização patrimonial ou
de concórdias entre partes não se conhecessem mais do que um acordo oral, cimentado,
por vezes, em gestos ou rituais que tendiam a substituir a força de um documento
escrito.
O tabelionado é uma instituição pública que vem dar resposta a todo um conjunto de
alterações políticas, sociais e económicas, operadas em toda a cristandade ocidental e
também no reino português.
A criação do tabelionado público no reinado de Afonso II assume, pois, uma importância
bastante especial. Através dele é formado um grupo de especialistas locais no registo e
na redação de documentos que lhe eram apresentados ou propostos por particulares
que a eles se dirigiam no esforço de manter a memória dos atos celebrados, conferindo-
lhes a autenticação necessária. Para tal, o notário ou tabelião redigia, pelo menos, dois
exemplares do mesmo texto um que era entregue ao requerente e outro que registava
sob a forma de uma minuta ou de um texto mais desenvolvido, no seu livro de notas. As
primeiras referências a tabeliães surgem logo nos anos de 1212 e 1213, o primeiro
tabelião conhecido é Martinho Martins, tabelião de Guimarães em 1212. No entanto, o
primeiro documento tabeliónico conhecido data de 1214, pelo tabelião de Santarém,
Mendos Eanes. Estas primeiras menções autorizam a colocação do surgimento do
tabelionado público em redor dos anos de 1212 e 1214 e refletem uma pioneira e
coincidente difusão deste ofício por diferentes localidades do reino, desde o norte ao sul
do território senhoreado (25 tabeliães distribuídos em 22 áreas jurisdicionais).
A criação do ofício de tabelião público reflete de forma cabal e mais uma vez a
importância dada à escrita e ao registo escrito por parte da administração de Afonso II
e, ao fazer depender do rei, da sua escolha e designação e indicação de tais oficiais, diz
também muito sobre a importância que era dada ao monarca no processo de difusão da
escrita. Ou seja, todas estas múltiplas facetas de uma política referente à crescente
importância dada à escrita no contexto da ação governativa, denotam também como se
procurava chamar ao controle régio a produção dessa mesma escrita, até aí
monopolizada pela Igreja e pelos seus membros, enquanto instância responsável pela
fixação da memória dos seus atos.
Estes primeiros anos de existência do tabelionado em Portugal não autoriza afirmações
inequívocas sobre as características desta instituição. Contudo, a ligação estrita dos
primeiros tabeliães ao rei, a relativa rapidez com que as menções a diferentes tabeliães
situados em diferentes localidades do rei surgem na documentação, refletem um
processo preparado e instituído pelo rei e pelos seus mais próximos num período
delimitado. Todas estas medidas que refletem uma exaltação da escrita e uma utilização
estratégica das suas vantagens são tomadas durante o governo de um rei acerca do qual
mal sabemos se sabia ler e muito menos se sabia escrever. Um rei que surge como centro
em torno do qual um conjunto de medidas coerentes e interligadas, tendentes à difusão
da escrita e à sua implementação como veículo de transmissão e de perpetuação da ação
régia, se bem que de forma temporária, conjuntural e sem continuidade, ao longo dos
anos seguintes.
Entre 1224 e 1247, o tabelionado adormece. Ficará reduzido no âmbito territorial às
cidades de Braga, Guimarães e Coimbra. A profissão é generalizada com Afonso III, que,
em suas Inquirições de 1258, marco de consolidação de seu poder, faz notar que passa
a ter mais de um tabelião por cidade, diluindo a tensão de haver uma única pessoa
capacitada para autenticar documentos como pessoa pública. O ofício também passa a
se vincular mais às circunscrições e menos à corte régia.

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