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NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 119

Neuropsicologia e
Emoções

Pano de Fundo
Por definição, a palavra “emoção” surge da combinação do termo motio, “movimento”
em latim, com o prefixo ex que significa "fora". Numa “tradução” significaria algo como
“movimento para fora”.
Ou seja, o significado etimológico da palavra “emoção” pode ser interpretado como
“movimento para fora”, uma definição que cabe muito bem no conceito de emoção como
função cognitiva.
As emoções, sem nenhuma dúvida, são um fenômeno central de nossa existência e
sabemos que elas têm grande influência na aprendizagem e na memória. Sabemos que
momentos nos quais experimentamos uma carga emocional ficamos mais vigilantes e
nossa atenção se volta para os detalhes considerados importantes, pois as emoções estão
intrinsicamente ligadas aos processos motivacionais.
Além disso, sabe-se que a amígdala interage com o hipocampo e pode influenciar o
processo de consolidação da memória. Portanto, uma pequena excitação, como já vimos,
pode ajudar no estabelecimento e conservação de uma lembrança.
Existe, porém, o outro lado da moeda, as emoções podem prejudicar a memorização e
a aprendizagem, começando já na “porta de entrada” que é a atenção. Além disso, a
ansiedade e o estresse prolongado sustentam a produção de hormônios glicocorticoides
que ao alcançarem os neurônios do hipocampo, podem chegar a, literalmente, matá-los. E
uma vez que esses neurônios são muito importantes, funcionando como uma “alça de
retroalimentação”, auto regulando a liberação desses mesmos hormônios, cria-se,
portanto, um “círculo vicioso” que se auto alimenta.
Intuitivamente, sabemos, o que são as emoções e podemos facilmente elencar algumas
delas, como alegria, raiva, medo ou tristeza. Porém não é tão simples “explicá-las” ou dizer
a serventia delas. Do ponto de vista que aqui nos interessa, as emoções apontam a
presença de algo importante ou significante em um determinado momento na vida.
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Elas se manifestam por meio de alterações fisiológicas e neurofisiológicas, portanto,


“sequestram” os recursos cognitivos disponíveis, como a atenção e a percepção.
As emoções atuam como um sinalizador interno de que algo importante está prestes a
acontecer, acontecendo ou aconteceu. Elas vão além da esfera individual, sendo crucial
para a dinâmica social de grupos. Reconhecer emoções uns dos outros e, por meio delas,
comunicar situações e decisões relevantes aos demais indivíduos ao nosso redor é de
fundamental importância para o sucesso coletivo.
Os animais também são capazes de perceber as respostas emocionais dos seus
semelhantes e reagir de forma adequada.
O valor de sobrevivência coletivo é fundamental para a garantia da perpetuação do
grupo. Por exemplo, o medo demonstrado por um membro do grupo pode servir de alerta
para que todos se prontifiquem em resposta à ameaça presente.
Charles Darwin, o criador da teoria da evolução, já havia chamado a atenção para a
importância das expressões das emoções no comportamento animal (Figura 10.1), e
pesquisas mais recentes demonstraram que as expressões faciais relativas às emoções
básicas: Alegria, tristeza, medo, raiva, surpresa e nojo; são invariáveis nas diversas
culturas, o que as tornam instantaneamente identificáveis, mesmo para indivíduos de
culturas distantes e até as mais remotas1.
Ao que tudo indica, o fenômeno emocional tem raízes biológicas antigas e foi mantido
na evolução exatamente por seu valor na garantia da sobrevivência como espécies e
indivíduos.

Figura 10.1 - (Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Expression_of_the_Emotions_Figure_20.png -


https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Expression_of_the_Emotions_Figure_15.png)
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O desenvolvimento das emoções foi essencial para a evolução, porque elas permitem
atingir objetivos úteis. Como, por exemplo, lutar ou fugir de predadores, motivados pela
emoção de medo; intimidar um competidor, através da demonstração de raiva; evitar o
consumo de alimentos estragados, mediante sensação de nojo e assim por diante2.
Da mesma forma, o desenvolvimento das emoções é extremamente útil, também, para
a sobrevivência da criança, no início da vida. Este que é o período em que as suas
necessidades são vividas como sensações corporais e expressas na forma de reações
emocionais. As reações emocionais do bebê assumem um papel fundamental na
construção de vínculos afetivos com os seus cuidadores, além de funcionar como uma
espécie de sinalizador das suas necessidades e vontades3.
Em nossa cultura, as emoções costumam ser consideradas um resíduo da evolução
animal e são tidas como um elemento perturbador para a tomada de decisões racionais.
Acredita-se que os seres humanos deveriam controlar suas emoções, afinal somos
seres racionais! Na verdade, as neurociências têm mostrado que os processos cognitivos
e emocionais estão profundamente enraizados no funcionamento basal neurofisiológico e
cada vez mais traz a biologia à tona! Evidenciando que as emoções são importantes para
“eleger” o comportamento mais adequado à sobrevivência em momentos cruciais da vida
dos indivíduos.
A ausência das emoções nos tornaria como uma legião de zumbis, aquelas que estão
na moda em filmes e séries de TV.
Todos nós experimentamos emoções e sentimentos em diversos momentos.
Entretanto, o que os define precisamente? Serão sinais sensoriais de nosso corpo, padrões
de atividade espalhados em nosso córtex, ou seria algo mais?
As emoções envolvem respostas que podem ser observadas “externamente”, como o
aumento do estado de alerta, dilatação da pupila, sudorese, lacrimejamento, alteração da
expressão facial, etc. Além disso, nós mesmo somos capazes de perceber alterações
internas, como o coração acelerado, “saindo pela boca”; “borboletas no estômago” ou
ainda o famoso “nó na garganta”.
Essas respostas fisiológicas são acompanhadas por um sentimento emocional, ligado
ao universo afetivo do organismo: euforia, desânimo, irritação, etc. Além disso, na maioria
das vezes, podemos identificar a emoção que estamos sentindo: amor, medo, ódio, ciúme,
decepção e por aí vai.
Acredita-se que esta “consciência” emocional esteja presente apenas na nossa espécie,
enquanto os outros animais, são capazes apenas de experimentar os demais aspectos do
fenômeno emocional. Nesse sentido, as emoções dos animais são um pouco diferentes da
emoção humana.
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As emoções, portanto, são importantes para os seres humanos da mesma forma que
para os outros animais. Contudo, diferentemente deles, somos capazes de tomar
consciência desses fenômenos, identificá-los e rotulá-los. Em animais, a atividade
encefálica e os efeitos de lesões no encéfalo foram observados e interpretados no contexto
de emoções, porém, não podemos determinar os “sentimentos” dos animais.
Os órgãos dos sentidos enviam as informações relevantes até o encéfalo por meio de
diversos circuitos neuronais. Se um estímulo importante, é captado, por conta de sua
“carga emocional” ele acaba mobilizando a atenção e atingindo as regiões corticais
específicas, onde é percebido, identificado e interpretado, tornando-se “consciente”.
Conforme já vimos anteriormente, a amígdala parece desempenhar um papel crucial
nesse processo. Pesquisas têm demonstrado, em diferentes espécies, que lesões da
amígdala atenuam as emoções.
É interessante termos em mente o fato de que a informação proveniente de todos os
sistemas sensoriais alimenta a amígdala, sobretudo os núcleos basolaterais (figura 10.2).

Figura 10.2 – Núcleos da amígdala - (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)

Em nosso dia-a-dia, as informações sensoriais podem nos chegar de forma neutra ou


virem acompanhadas de um “peso” emocional, negativo ou positivo. Um hamster, por
exemplo, pode ser apenas um “dado ambiental”, mas caso esse tenha sido seu animal de
estimação quando criança, pode provocar uma sensação agradável, ou simplesmente
“despertar” pânico caso você tenha aversão a ratos.
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Esse “valor” emocional é rotulado quando a informação atinge as regiões, como a


amígdala, encarregadas do processamento das emoções.
Cada sistema sensorial apresenta um padrão de projeção diferente para os núcleos da
amígdala (figura 10.2), e interconexões dentro da amígdala permitem a integração de todas
essas informações quem chegam das diferentes modalidades sensoriais. Por sua vez, a
amígdala também interage com o córtex cerebral, hipocampo e giro cingulado permitindo
que a emoção seja identificada, e podendo afetar, inclusive, o estado de humor*.
A amígdala é importante ainda na aprendizagem das reações de medo e na
identificação das expressões faciais a ele relacionadas.
Pessoas ou animais em que a amígdala foi comprometida, geralmente, não identificam
os sinais de perigo emitidos pelos seus pares e com isso não reagem adequadamente
quando em situações ameaçadoras. Sendo um dos sintomas a incapacidade de
reconhecer o medo em expressões faciais.
Existem diversos relatos indicando que a estimulação elétrica da amígdala em seres
humanos leva à quadros de ansiedade e medo. Não é à toa, que a amígdala esteja sempre
associada às teorias sobre transtornos de ansiedade.
Pode-se ainda confundir a emoção que estamos sentindo, já que emoções distintas
podem ter as mesmas respostas periféricas. Por exemplo, nosso coração “dispara” quando
estamos com raiva, mas também quando estamos alegres. Choramos por alegria ou
tristeza.
Além disso, somos capazes de aprender a controlar, inibir, nossas reações emocionais
de acordo com as conveniências sociais, mas para isso é necessário a intervenção
“consciente” o que nos leva ao segundo ponto de discussão, os sentimentos!

Emoção x Sentimento
Existe diferença entre emoção e sentimento?
De acordo alguns autores, a experiência mental, que começa com um estado
emocional, seria o sentimento. Mas nem todos os sentimentos parecem “emergir” de uma
emoção.
O sentimento de bem-estar, por exemplo, pode aparecer simplesmente pelo fato de nos
percebermos “de boa” com a vida que estamos levando. Por essa razão, entende-se que
nem todos os sentimentos provém de emoções, porém todas as emoções podem originar
sentimentos4.

*
Humor é um estado de duração mais prolongada do que a emoção e o sentimento e não é de caráter
reativo como os dois últimos
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Uma forma de distinguir emoção de sentimento é compreendendo que as emoções


dizem respeito ao conjunto de alterações fisiológicas e comportamentais provocadas por
determinado estímulo do qual não necessariamente tomamos consciência, já o sentimento
é a experiência mental que temos quando estamos avaliando, “conscientemente”, essas
alterações. As emoções podem ser observáveis, os sentimentos, pelo fato de serem
“mentais”, nem sempre.
Da mesma forma que contribuem com a nossa adaptação ao meio, as emoções e
sentimentos também nos prejudicam. Isso acontece, principalmente, quando nos deixamos
dominar pelas emoções e sentimentos negativos, como, a raiva, o medo, a culpa e a
vergonha.
Porém, quando conseguimos “assumir o controle”, é possível não externalizar e
apresentar comportamentos mais adequados e equilibrados ao contexto social, garantido
assim consequências mais amenas.
Podemos, inclusive, disfarçá-lo, comportando-se como se estivesse sentindo o oposto
do que sente na realidade. Por exemplo, quando seu chefe, que já estava “fumegando” e
vem te pedir para buscar um café, apesar de internamente você estar morrendo de vontade
de mandá-lo “catar coquinho”, você simplesmente sorri, respira fundo e diz: - Sim, claro!

Figura 10.3 - (Fonte: © pngtree.com)


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Classificando as Emoções
Agora que aprendemos a distinguir emoção de sentimento é importante sabermos que,
pela sua complexidade, as emoções podem ser divididas em categorias. Geralmente são
divididas em duas: primárias e secundárias.

Emoções Primárias
As emoções primárias seriam aquelas consideradas inatas, adquiridas pelo ser humano
ao longo de sua evolução e ocorrem de maneira involuntária. Ou seja, são emoções que
já vieram “programadas” em nosso DNA para serem ativadas toda vez que nos deparamos
com determinados estímulos ambientais.
As emoções primárias surgem com uma determinada função em nossa evolução, como
“soluções” encontradas pela natureza para respostas rápidas e efetivas, garantindo a
sobrevivência e bem-estar. As emoções nos permitem, avaliarmos os estímulos do
ambiente quase instantaneamente, nos preparar e motivar para as ações; expressar as
nossas intenções e, também, perceber as do outro.
As outras emoções consideradas primárias, via de regra, são5:

➢ O medo, diante de estímulos que podem representar uma ameaça à nossa


sobrevivência;
➢ a raiva, quando nos deparamos com um obstáculo que nos impede de atingir
os nossos objetivos;
➢ a tristeza, quando perdemos algo ou alguém com grande valor afetivo;
➢ a surpresa ao nos depararmos com algo ou alguém inesperado ou quando
ocorre a interrupção súbita de um estímulo;
➢ a alegria, diante da conquista de algo a que se atribui valor;
➢ o nojo, quando estamos diante de um objeto repulsivo ou indesejável.

Não existe um consenso em relação a quantas e quais são todas as emoções primárias
e as secundárias, porém a maioria dos pesquisadores costuma considerar como emoções
primárias, as 6 listadas acima. Os mais românticos acrescentam ainda o amor dentro da
categoria de emoções primárias.
As emoções primárias são comuns a todos os seres humanos, independente da cultura
e, também, à algumas espécies de animais. E cada uma destas emoções possuem formas
de expressão comportamental típicas.
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Elas podem ser expressas através de mudanças em nossa expressão vocal, tom,
volume e ritmo; na gesticulação, podendo variar de acordo com a cultura em questão; na
expressão facial (Figura 10.4), sendo esse o aspecto mais estudado dessas
manifestações, pois, aparentemente, trata-se de uma manifestação universal, ou seja,
comum a seres humanos de diferentes culturas e até mesmo outros primatas6.

Figura 10.4 - (Fonte: lassedesignen © 123RF.COM)

Não podemos esquecer que por trás desses comportamentos observáveis existem uma
série de alterações fisiológicas acontecendo no organismo2:

➢ Sistema motor, que gera as expressões faciais e posturas corporais.

➢ Sistema endócrino e peptídico, promovendo ações químicas que resultam


em mudanças no estado do corpo e do cérebro.

➢ Neurotransmissores, que realizam a ativação e inibição de determinadas


regiões cerebrais.

➢ Sistema visceral, responsável pela alteração no funcionamento do coração,


pulmões, intestino e pele.
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Emoções Secundárias
Enquanto as emoções primárias são respostas inatas, evolutivas e partilhadas por
todos, as emoções secundárias resultam da aprendizagem pessoal. Está relacionada com
a nossa história de vida, nossas experiências individuais, sociais e culturais2. De um modo
geral, com a forma como percebemos o mundo.
São emoções associadas a fatos, situações, acontecimentos, estímulos da nossa
história pessoal aos quais atribuímos algum valor afetivo, negativo ou positivo, passando
a ser ativadas sempre que as circunstâncias às quais elas foram associadas vêm à tona
novamente, seja através de um pensamento, uma memória, uma situação que esteja
sendo vivenciada ou ainda a expectativa dessa situação.
Alguns autores também consideram emoções secundárias como sendo o resultado da
junção entre duas emoções primárias. Por exemplo, decepção seria a mistura de surpresa
e tristeza; remorso, a mistura de tristeza e nojo; saudade, a mistura de alegria e tristeza;
desprezo, a mistura de nojo e raiva; vergonha, a mistura de medo e tristeza e assim por
diante7.

Teorias da Emoção
Muitos “nomes” importantes, pensaram na questão de como o encéfalo está envolvido
na expressão das emoções, alguns muito conhecidos como Darwin e Freud. Porém
algumas das primeiras teorias foram propostas por autores, talvez, não conhecido por
todos. Então vamos agora dar uma passadinha por elas.

A Teoria de James-Lange
Uma das primeiras teorias acerca da emoção foi proposta, em 1884, pelo renomado
psicólogo e filósofo norte-americano, William James (1842-1910). E de forma semelhante
pelo psicólogo dinamarquês Carl Lange (1834-1900).
Sendo, portanto, conhecida como teoria de James-Lange. Segundo essa teoria a
emoção é “percebida” como resposta das alterações fisiológicas em nosso corpo. Por
exemplo:
Você acordou sentido cócegas em sua perna e percebe que é o hamster de estimação
do seu sobrinho. Se você for aquela pessoa do exemplo, com pavor de ratos, poderá
começar a ter uma “palpitação” e uma “suadeira”. Para James-Lange, o seu sistema
sensorial envia uma “mensagem” para o seu encéfalo, que responde enviando comandos,
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os quais alteram funções em músculos e demais órgãos. Sendo que essas respostas
seriam consequências diretas da entrada sensorial, ainda sem um componente emocional.
Em outras palavras, você não pula para fora da cama em resposta ao medo que sente,
você, na verdade, sente medo porque tomou consciência de seu coração disparando e de
seu pulo da cama. Isso pode parecer para você um tanto quanto estranho, como também
pareceu na época.
Até essa teoria ser proposta, a ideia comum era de que uma emoção é evocada por
uma situação, e o corpo muda em resposta à emoção: você fica com medo quando vê
certo animal, então, em seguida, seu corpo reage. Segundo a teoria de James-Lange
ocorre exatamente o contrário.
Vejamos a explicação que essa teoria propõe:
Suponha que você está com muita raiva, pois acabou de chegar ao estacionamento e
bateram no seu carro. Vamos então à seguinte experiência, tire todas as alterações
fisiológicas associadas a essa emoção. O coração em disparada se acalma, os músculos
tensos relaxam e a sua face irritada volta a ficar calma. Conforme a teoria propunha, é
difícil imaginar como manter a raiva na ausência de qualquer uma dessas respostas
fisiológicas.
Resumindo, a teoria de James-Lange diz que não é a emoção que causa as alterações
corporais, mas, sim, que as alterações corporais causam a emoção.

A Teoria de Cannon-Bard
A teoria de James-Lang, apesar de ter se tornado popular, foi rapidamente contestada.
Em 1927, o fisiologista norte-americano Walter Cannon (1871-1945) fez inúmeras
críticas à teoria de James-Lange, e trouxe, então, uma nova proposta.
A teoria de Cannon foi modificada por Philip Bard (1898-1977), passando a ser
conhecida como teoria de Cannon-Bard da emoção. Ela propõe que a experiência
emocional pode ocorrer independentemente da expressão emocional.
Um dos argumentos de Cannon foi de que as emoções podem ser experimentadas
mesmo quando mudanças fisiológicas não podem ser sentidas. Para apoiar essa hipótese,
ele descreveu os casos de animais, após transecção* da medula espinhal.
Essa cirurgia elimina a “percepção” sensorial do organismo abaixo do nível do corte,
mas, aparentemente, as emoções permanecem. Em animais nos quais foi possível manter
o controle motor muscular da porção superior ao corte, ainda eram observados sinais de

*
Transecção - Cortes transversais
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emoções. Cannon também observou em humanos que uma transecção de medula não
diminuía a emoção.
Se a experiência emocional, conforme propõe a teoria de James-Lange, ocorre quando
o encéfalo “percebe” as mudanças fisiológicas do organismo, a eliminação das sensações
deveria, portanto, eliminar as emoções, e isso não acontecia.
Uma segunda observação de Cannon, é de que não há correlação confiável entre a
experiência emocional e o estado fisiológico do organismo. Por exemplo, o medo é
acompanhado por um aumento da frequência cardíaca, uma inibição da digestão e um
aumento da sudorese. Entretanto, essas mesmas mudanças fisiológicas acompanham
outras emoções, como raiva, ou ainda sintomas de patologias, como um estado febril.
Como, então, pode o medo ser uma consequência de mudanças fisiológicas, quando
essas mesmas mudanças estão associadas a outros estados além do medo?

A teoria de Cannon colocou como


peça central o tálamo* (Figura 10.5) o
qual teria um papel especial nas
sensações emocionais. Em sua teoria, a
entrada sensorial é recebida pelo córtex
cerebral, que, por sua vez, ativa certas
mudanças no organismo.

Figura 10.5 – Tálamo - (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)

Ainda, de acordo com Cannon, esse circuito neural de estímulo-resposta, em si, é


desprovido de emoção. As emoções são produzidas quando sinais alcançam o tálamo,
seja diretamente, a partir dos receptores sensoriais. Lembram do conceito de bottom-up?
Seja por estímulos corticais descendentes, top-down.
Dessa forma, segundo essa teoria, a emoção é determinada pelo padrão de ativação
do tálamo, independentemente da resposta fisiológica à entrada sensorial.

*
Tálamo – Parte dorsal do diencéfalo, altamente interconectada com o neocórtex.
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Vamos comparar as duas teorias e entender as suas diferenças (Figura 10.6):


De acordo com James-Lange, você sente tristeza quando sente que está chorando; se
você pudesse evitar chorar, a tristeza se iria também.
Na teoria de Cannon, você não precisa chorar para estar triste: basta, apenas, que
ocorra a ativação apropriada do seu tálamo em resposta à situação.

Figura 10.6 - comparação das teorias de James-Lange e de Cannon-Bard. - (Fonte: © pngtree.com - Editada)

Trabalhos posteriores demonstraram que cada uma das velhas teorias tinha seus
méritos, assim como suas falhas.
Por exemplo, ao contrário do que imaginava Cannon, medo e raiva estão associados a
respostas fisiológicas distintas, embora as duas ativem basicamente o sistema nervoso
simpático*. Embora isso não prove que essas emoções resultem de respostas fisiológicas
distintas, as respostas ao menos são diferentes.

*
O Sistema Nervoso Simpático estimula ações que permitem ao organismo responder a situações de
estresse, como a reação de lutar ou fuga. Essas ações são: a aceleração dos batimentos cardíacos,
aumento da pressão arterial, o aumento da adrenalina, a concentração de açúcar no sangue e pela
ativação do metabolismo geral do corpo e processam-se de forma automática, independentemente da
nossa vontade.
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Alguns estudos mostram também que, de certo modo, podemos ter consciência da
função “visceral*” de nosso corpo a chamada interocepção† consciente, que é um
componente-chave para a teoria de James-Lange. Por exemplo, foi demonstrado que as
pessoas são capazes de julgar as suas frequências cardíacas.
Estudos posteriores, mostraram que, algumas vezes, as emoções são afetadas por
lesão da medula espinhal, contrariando a teoria de Cannon-Bard. Em um estudo com
homens adultos lesionados na medula, encontrou-se uma correlação entre a perda
sensorial e as diminuições nas experiências emocionais, embora outros estudos de
indivíduos com lesão espinhal nem sempre encontrem semelhante correlação.
Trabalhos experimentais apoiam a hipótese de que algumas das estruturas no lobo
límbico de Broca e no circuito de Papez tenham um papel na emoção, conforme vimos no
capítulo sobre o sistema nervoso.
Dada a diversidade das emoções que experimentamos e as diferentes atividades
encefálicas associadas a cada uma delas, não há uma razão para pensarmos que apenas
um sistema esteja envolvido. Evidências indicam que algumas estruturas envolvidas no
processamento da emoção estão também envolvidas em outras funções; dificilmente
podemos afirmar categoricamente “uma estrutura, uma função” quando falamos de nosso
sistema nervoso.
Embora o termo sistema límbico seja ainda comumente utilizado em discussões acerca
dos mecanismos encefálicos da emoção, está se tornando cada vez mais claro que não
existe um sistema único e bem delimitado para as emoções.
As teorias iniciais da emoção e as descrições subsequentes do sistema límbico foram
construídas baseada principalmente em lesões e doenças encefálicas: se uma estrutura
do encéfalo é lesionada, resultando em alteração da expressão ou da experiência
emocional, imaginamos, portanto, que aquela estrutura seja importante para a função
emocional normal. Porém, o estudo de doenças e consequências de lesões não são ideais
para revelar a função normal do encéfalo.
Analisando sob a perspectiva de circuitos distintos para diferentes emoções, a atividade
da amígdala está mais associada ao medo que à tristeza, e a atividade do córtex pré-frontal
medial está mais associada à tristeza8

*
O Sistema Nervoso Visceral é a parte do sistema nervoso que está relacionada ao controle da vida
vegetativa, ou seja, controla funções como a respiração, circulação do sangue, controle de temperatura
e digestão.

Interocepção é a capacidade de reconhecer os estímulos e sensações que nosso corpo nos envia sobre
seu status fisiológico e patológico.
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Uma outra possibilidade sugerida para as teorias básicas das emoções são as teorias
dimensionais, baseadas na ideia de que as emoções, podem ser “desmembradas” em
“peças” menores que se combinam de formas e em quantidades diferentes (Figura 10.7).
Exemplos de possibilidades dimensionais são os pares, “prazeroso (positivo) -
desagradável (negativo)” e “emoção fraca (alerta baixo) - emoção forte (alerta alto)”.
Podemos, então, imaginar um gráfico bidimensional da seguinte forma:

Figura 10.7 - representação dimensional das emoções básicas (Fonte: Gráfico Composto com base em Hamann, 2012)
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Algumas coisinhas mais


A partir do que vimos, podemos concluir que a emoção é uma função cognitiva que
cumpre um papel decisivo em nossas vidas e relações sociais, no processo de construção
de vínculos afetivos, em nossa sobrevivência, motivação para ação e adoção de atitudes,
além do forte poder no modulador nos estados de atenção, memória e aprendizagem.

Humor
O humor está ligado ao nosso estado de ânimo. É um estado de duração mais
prolongada do que a emoção e o sentimento e não tem caráter reativo e instantâneo.
Por ser mais duradouro, o humor está mais relacionado com um estado de “base”, ao
passo que as emoções e os sentimentos são estados mais superficiais e passageiros.
O humor representa o somatório de diversas experiências afetivas, de emoções e
sentimentos, em um dado momento da nossa vida e pode persistir durante dias, semanas
ou anos. Também envolve componentes somáticos e psíquicos.
Alguns exemplos de humor são: calmo, feliz, triste, ansioso, deprimido, alegre, eufórico,
tenso, hostil, apático, sério e exaltado.

Teoria da Mente
Considerada um dos domínios da cognição social, a teoria da mente é objeto de
investigação e de teorização de muitos estudiosos. O conceito de teoria da mente é fruto
de muitas controvérsias entre os teóricos, vamos, portanto, buscar a forma como mais
comumente tem sido postulado.
Denomina-se de teoria da mente, a capacidade de deduzir, a partir das circunstâncias,
o que o outro pode estar pensando, crendo, sentindo ou desejando. Ou seja, é criar uma
“teoria hipotética” sobre o que pode estar “passando pela mente” do outro. Coisa que não
é possível fazer quando não se tem a compreensão de que os outros podem ter
pensamentos, crenças, sentimentos e desejos diferentes dos nossos 9.
A teoria da mente é uma capacidade muito complexa e demanda a aquisição prévia de
outras competências para se desenvolver, tais como: a empatia, a capacidade de
representação simbólica e compreensão da linguagem figurativa, a diferenciação entre o
mundo da imaginação e o mundo real, a imitação, dentre outras. Por este motivo o seu
desenvolvimento se dá no final da primeira infância, por volta dos 4 anos de idade.
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Vale ressaltar que, assim como a maioria das habilidades cognitivas, o funcionamento
da “teoria da mente” depende de uma série de outros processos mentais, como: a atenção,
a memória, a linguagem e as funções executivas10.

Figura 10.7 - (Fonte: © pngtree.com)


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Referências
1
Darwin, C. The Expression of the Emotions in Man and Animals. 2ª Ed. New York. Cambridge University
Press. 2009
2
Damásio, A. R. O Erro de Descartes. São Paulo. CIA das Letras. 2012
3
Miranda, M.; Piza, C.; Freitas, T., et al. Projeto pela primeira infância: temas em desenvolvimento
infantil. São Paulo. 2014
4
Damásio, A. R. O sentimento de si: corpo emoção e consciência. Lisboa: Temas e debates. 2013
5
Miguel, F. Psicologia das emoções: uma proposta integrativa para compreender a expressão
emocional. Psico-USF. Vol.20. n.1:153-162. Bragança Paulista. 2015
6
Ekman, P. Facial Expression and emotion. American Psychologist Association. EUA. 1993
7
Plutchik, R. Emotions and life: Perspectives from psychology, biology and evolution. American
Psychological Association. Washington, DC. 2002
8
Hamann, S. Mapping discrete and dimensional emotions onto the brain: controversies and
consensus. Trends in Cognitive Sciences 16:458–466. 2012
9
Jou, G.; Sperb, T. Teoria da mente: diferentes abordagens. Revista Psicologia: reflexão e crítica. Vol. 12.
n.2:287-306. Porto Alegre. 1999
10
Organizadores: Fuentes, D.; Malloy-Diniz, L. F.; Camargo, C. H. P. de.; Cosenza, R. M. Neuropsicologia:
teoria e prática. 2ª Ed. Porto Alegre. Artmed. 2014

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