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Comer Emocional e Mitos Sobre Comportamento Alimentar

O espectro emocional vem da época da Darwin no século 19, já que o livro dele traz uma
perspectiva interessante a respeito de como as emoções trabalham filogeneticamente e entre
as espécies. Darwin observou que nós humanos, junto com outros animais, temos emoções que
são compartilhadas, ou seja, já está dentro do nosso espectro psíquico expressar essas emoções
em respostas e interações com o meio. Quanto maior a complexidade do cérebro, conjunto de
conexões e trabalho que esse cérebro exige, mais complexas e amplas serão essas emoções. Há
um conjunto de emoções que são consideradas básicas para qualquer espécie, como a raiva, o
medo, a tristeza, a felicidade, a surpresa, o desgosto e desprezo (tende a ser um pouco mais
específica). Essas emoções são compartilhadas com outros animais justamente porque possuem
papel importante pesando em sobrevivência! Essas emoções são essenciais e, dentro desse
conjunto, apresentamos maior número de emoções negativas do que positivas, mas isso não
significa que uma é boa e outra é ruim, mas sim que representa a valência dela. Além disso,
temos outras emoções que foram construídas e que são compartilhadas de uma maneira muito
mais especifica.

Vale ressaltar que nós temos alterações somáticas no corpo diante das emoções, como
a sensação de frio na barriga ao ter medo/receio. Mas, hoje, sabemos que já há descrição de
cerca de 27 categorias de emoções, e a partir delas temos subcategorias, ou seja, há um espectro
muito amplo de emoções. Obviamente, as emoções têm significados diferentes para cada
indivíduo, é algo subjetivo e, por isso mesmo, temos respostas comportamentais diferentes.
Logo, a emoção tem papel muito importante nos nossos comportamentos. Emoções são
respostas corporais (neuroendócrinas, tanto psicológica quanto somática), muitas vezes
inconscientes (não temos controle dessa emoção que está sendo manifestada), que levam o
indivíduo a ter um comportamento X diante de um estímulo Y. É reflexivo, nós temos o estímulo
e automaticamente respondemos, pois construímos esse reportório (eventos aprendidos), mas
também temos respostas inatas a certos estímulos (como o prazer inato a alimentos doces).
A partir disso, o indivíduo vai construindo seu repertorio emocional, que tem como
função a sobrevivência, o cérebro entende que aquilo é o melhor a se fazer. O sentimento é a
percepção consciente, é aquilo que sente a partir daquela resposta emocional, é a percepção
posterior (por isso é importante avaliarmos o que sentimos). Quando há um estímulo que causa
aquele evento ansiogênico, o sentimento da ansiedade vem devido a essas sensações corporais
de respostas emocionais.

O humor é a complexidade de eventos/estímulos que vão ocorrendo e vão se alterando,


que não são perceptíveis por esse indivíduo, mas que alteram nossas condições basais. Nós
“temos medo porque corremos” e não “corremos porque temos medo”, justamente porque é o
comportamento que prediz a emoção, é ele que reflete na emoção sentida. O correr é
desencadeado por um estímulo, que reflete na sensação posterior, então é a emoção que faz
correr, mas o sentimento de medo só vem depois. Logo, ninguém “come porque tem
ansiedade”, o comportamento ansiogênico é refletido por outros fatores e consequências, só
que nós tendemos a relacionar gatilhos que nem tem relação com a ansiedade, mas que
refletem no consumo de alimentos. Por isso precisamos aprender a discriminar de onde está
vindo esse estímulo desencadeador. Também precisamos entender que não foi o sentimento
que causou o comportamento, o comportamento já foi causado, e foi causado por outro evento
que levou a esse sentimento. E é a partir de tudo isso que devemos tentar entender o que aquele
sentimento significa, tentar identificar o que ocorreu e o que levou a aquele comportamento.
Por mais que o sentimento seja um reflexo posterior, ainda assim ele pode
retroalimentar/reforçar esse comportamento que foi desencadeado por outro evento, é como
se fosse uma validação daquilo que estamos sentindo através da repetição.
Logo, tenho um estímulo, um estado emocional, as respostas/comportamentos e, por
fim, um sentimento (relato subjetivo), depois teremos uma mudança cognitiva (processo de
interpretação e avaliação do evento). Devemos lembrar que, nem sempre, o relato verbal é
condizente com o que o indivíduo vivenciou. Além disso, precisamos entender a intensidade e o
nível de excitação dessa resposta emocional, para que, por fim, consigamos fazer uma
ressignificação cognitiva (mudar a maneira como avalia aquilo e a resposta). A emoção é função,
ou seja, ela tem um papel importante, por mais que pareça ser prejudicial. Nós construímos
comportamentos ao decorrer da vida agindo de determinadas maneiras que trouxeram
resultados positivos, e por isso continuamos fazendo cada coisa. E é importante que a gente não
fique tentando bloquear o que sentimos, por isso faz com que entremos em um ciclo de
restauração dessa resposta emocional gigantesco, faz parte do nosso repertorio biológico. Não
temos que bloquear, mas sim trabalhar para que elas ajam de maneira que não nos prejudique.
Uma resposta que valida um comportamento é um reforçador, ou seja, aumenta a probabilidade
de frequência de determinado comportamento.

O reforço tem como objetivo uma recompensa, no reforço positivo há uma exclusiva
busca pela recompensa, apenas por uma gratificação. No reforço negativo não somente quer
uma recompensa, mas quer também uma maneira de eliminar desconforto, e isso impacta
muito no nosso aprendizado. Enquanto que uma punição é algo que tenta reduzir a frequência
de determinado comportamento. Uma punição negativa é a retirada de algo prazeroso (como
diminuir as calorias e palatabilidade da dieta de alguém que tinha dieta muito palatável e
calórica).

Uma punição positiva é colocar um estímulo aversivo para que esse indivíduo reduza
determinado comportamento. Precisamos entender também que o nosso cérebro tem uma
tendencia de resposta que visa o imediato e não tanto o longo prazo. Só que a modernidade traz
certo reflexo problemático na maneira como nós interagimos com o ambiente, já que hoje
temos muito mais disponibilidade alimentar e maneiras de lidar com emoções negativas através
de processos compensatórios (o que pode ser bem problemático). Logo, é o nosso ambiente que
propicia esses tipos de comportamentos visando o imediato. Então devemos trabalhar com a
identificação do estímulo, qual foi o comportamento e qual foi a consequência (contingências),
além de trabalhar em cima de qual foi a minha avaliação cognitiva acerca disso que ocorreu
(quais os pensamentos e crenças que tenho a respeito desse comportamento e dessas
consequências).

A partir disso, conseguimos entender como esse comportamento será elaborado nas
próximas situações. Às vezes, por mais que a pessoa queira mudar, os padrões de resposta dessa
pessoa se mantem porque o cérebro entende que aquilo é positivo! Logo, tanto as emoções
positivas (alegria) quanto negativas (tristeza, frustração, ansiedade) acabam trabalhando
através do reforço do evento! Com relação às estruturas cerebrais que estão relacionadas com
as nossas respostas emocionais, temos uma camada externa do cérebro chamada de
“neocórtex” (mais complexa) e temos as camadas mais profundas, chamadas de “camadas
subcorticais”. O que entendemos como “cérebro emocional” é justamente uma parte desse
neocórtex, mais especificamente o córtex orbito-frontal (COF), e as camadas mais subcorticais
(que chamamos de sistema límbico). São essas estruturas que trabalham com relação às
respostas afetivas, como medo, ansiedade, prazer, tristeza... Mas isso também ocorre em
conjunto com outras estruturas do neocórtex (com aspecto evolutivo mais avançado pela
complexidade de neurônios). Essas camadas subcorticais, mais primitivas, que estão
relacionadas com atividades emocionais do cérebro, são elas a amigdala, os núcleos da base
(estriado ventral e estriado dorsal), o hipocampo (que tem relação com a memória afetiva), o
núcleo parabraquial, a área septal, etc. Mas temos estruturas mais superiores, que são o COF
(que é uma sub-região do córtex pré-frontal/CPF), o cingulado anterior e a ínsula. Todas essas,
em um conjunto de elementos de respostas químicas, ativam grupos de neurônios que
correspondem a uma determinada emoção (exemplo: dor do afeto).
O fenômeno da neuroplasticidade são mudanças nas conexões e na maneira como essas
estruturas se comunicam, pode ser interessante na mudança de como enxergamos os estímulos
do ambiente, pois isso sim é modificável (ressignificação neuroquímica). Nós temos um conjunto
de respostas que, por mais que pensamos serem racionais, na verdade são inconscientes (a
grande maioria das nossas decisões e respostas são inconscientes, automáticas e irracionais).
Isso não necessariamente é ruim, é algo importante para a nossa sobrevivência, inclusive. O
“sistema dual” consiste em termos o sistema 1 (quente) que tem como atividade respostas
automáticas, intuitivas e rápidas, e temos o sistema 2 (frio) que trabalha com o controle
inibitório, são respostas lentas, analíticas e deliberadas! Mas esses sistemas não se separam, a
racionalidade tem teor emocional, e nós vamos construindo racionalizações de crenças durante
toda a vida. Temos que lembrar racionalizar consome recursos cognitivos, isso gasta energia,
então nem sempre nosso cérebro estará usando o sistema mais deliberado, já que nossa energia
é finita, então o cérebro priorizará respostas mais automáticas que gastam menos energia. Por
isso é tão difícil quebrarmos padrões de comportamento, isso gasta mais energia e requer mais
esforço (as vezes o paciente sequer sabe o porquê querer aquele objetivo de emagrecimento,
então o valor disso para ele será menor).

Além disso, nós iremos responder com o sistema que chamamos de “bottom up”
(impulsividade) ou com de “top down” (contenção/análise do que está acontecendo), mas nem
sempre o racional vai contrariar o impulsivo/rápido/reativo, pois as vezes o racional será aquele
cara que justifica o porquê de você estar fazendo isso! Por isso não devemos “apenas
racionalizar”, mas sim mudar a maneira como o indivíduo racionaliza a situação, fazer uma
REINTERPRETAÇÃO do evento. Afinal, o nosso racional foi construído através de CRENÇAS
nossas. Quanto ao “comer intuitivo”, se o “intuitivo” significa “automático”, deveríamos saber
que cada pessoa constrói padrões de comportamentos que automaticamente visam obter
prazer através da comida. O intuitivo trabalha com o direcionamento automático de manter o
que já faz, por isso usar a intuição para mudar comportamentos não faz muito sentido, e muitas
coisas automáticas são disfuncionais. Quanto às estruturas cerebrais, algumas trabalham com
esse “top down” e outras com o “bottom up”. Com o bottom up, trabalham aquelas estruturas
subcorticais (região límbica), como o estriado ventral, o hipocampo e a amigdala. Com o top
down trabalham as estruturas do CPF, do cingulado anterior, a ínsula e o COF.
As chamadas “funções executivas” são da região pré-frontal (top down), e são
justamente as nossas capacidades diferenciais com relação à avaliação, mudança de
comportamento, aprendizado, memorização, inibição... Como estamos em uma modernidade
que estimula muito o sistema de recompensa//bottom up, acaba que deixamos de lado o nosso
top down, e o problema ocorre quando temos um prejuízo na nossa capacidade executiva (de
cognição). Outro ponto importante para entendermos – que tem total relação com o
comportamento alimentar - é a interação da nossa genética (nurture) com o nosso ambiente
(nature). Nós temos pré-disposições genéticas, mas o que realmente consolida certos
comportamentos/respostas emocionais é a experiência com o meio (ambiente social, familiar,
acadêmico, etc). Então nossos comportamentos têm sim um aspecto filogenético (genético do
indivíduo), um aspecto ontogenético (experiencias desse individuo junto com a genética,
experiência fenotípica), e um aspecto sociogenético (são as relações que são feitas a partir de
interações com os indivíduos daquela sociedade/cultura). Há algumas teorias que estão
relacionadas com alterações que correspondem a formação de comportamentos e à
desregulação no comportamento alimentar (como no caso da obesidade, no caso de transtornos
alimentares, etc). A teoria da externalidade é a proposta ambiental, então vai interferir na
relação/interação do indivíduo com o meio. A teoria do ponto de ajuste consiste no fato de que
há certos momentos em que o indivíduo consegue estabilizar em certo peso, mas esse ponto de
ajuste é deslizável, ou seja, há certa flexibilidade nesse ponto de ajuste do peso.

Então isso depende de fatores genéticos, ambientais e socioculturais, componentes


metabólicos e afetivos. Fora isso, há também a baixa sensibilidade discriminatória de excitação
corporal com o apetite. Ou seja, uma criança, por exemplo, está muitas vezes aprendendo como
come, ela não tem todo um conjunto de normas de como se alimenta dentro de determinado
meio social, ele apenas tem o reflexo de comer! Só que, depois, através dos nossos
ensinamentos, ele vai observando como é a melhor forma de comer para se estabelecer naquele
meio. Um exemplo são pais que obrigam a criança comer até o prato ficar vazio mesmo que
esteja “cheia”, isso é uma forma de ensinar para a criança que não é a sua sensibilidade de
apetite e saciedade que manda, mas sim o prato vazio... A partir de tudo isso, conseguimos
começar a entender o conjunto de elementos eu podem sinalizar apetite e saciedade.

As sensações viscerais como a dor no estômago (esvaziamento gráfico) costumam sim a


causar certo desconforto na pessoa, mas isso não significa que esse é o sinal primário para
sinalizar fome de verdade. Isso porque as nossas respostas trabalham conforme as
oportunidades no ambiente relacionadas à recompensa e também o nosso comportamento
rotineiro, logo, se a pessoa der um intervalo maior entre as refeições, irá sentir desconforto,
mas não porque ficou com pouquíssima energia, mas sim porque quebrou um padrão de rotina!
Ou seja, usar o estômago como único fator representativo é ruim, já que o indivíduo condiciona
as respostas dele com base no que ele tem de experiencia. Fora isso, os estados afetivos
relacionados à alimentação também são um dos principais fatores (inclusive se sobrepõem a
essas sensações viscerais), e esses podem ser compostos por gostar (reação hedônica ao
estímulo) e por querer (desejo).

Não tem como dissociarmos apetite de fome, o desejo é uma manifestação do


comportamento de adquirir algo que tenha um resultado positivo (e é presente na fome e em
situação que tenha alimento exposto, em uma situação de estresse, etc). O desejo pelo alimento
exposto e toda aquela resposta hedônica associada, que é justamente aquele prazer associado
ao alimento e toda aquela expectativa de resultado com o alimento, e os pensamentos
associados a isso, tudo isso faz com que tenhamos uma construção que pode ter a presença do
desconforto gástrico ou não! Gastrectomizados têm estados normais de saciedade e fome, e
também estados normais afetivos com relação à alimentação (desejo e prazer)!
Não é porque está com desconforto gástrico que é “fome de verdade”, já que disrupções
no intervalo entre as refeições, por exemplo, já causará o desconforto gástrico, mas a questão
é que vem o desconforto emocional junto, então não temos como dissociar esses dois. O
desconforto emocional vem e junto com ele virá a busca por alimentos que promovam uma
experiência de prazer maior. Fome é o estado mais grave em que há a depleção energética, o
apetite é alguma vontade que pode aparecer proveniente de alguma necessidade (condição
voluntária que o indivíduo apresenta como vontade). Fora isso, componentes relacionados ao
ambiente como a exposição a alta diversidade de alimentos, há uma condição de aumento na
aquisição desses alimentos chamados de “saciedade sensorial específica” (SSE).

Essa SSE consiste no indivíduo ter uma necessidade de interagir com diversos tipos de
estímulos alimentares para obter o máximo de prazer possível (“quer um pouco de tudo”). Em
suma, tudo isso pode ser interferido não só pelo esvaziamento gástrico, mas também pelo maior
intervalo entre as refeições, pelo estresse percebido, pelo desconforto devido à proximidade ao
horário da refeição habitual (fase cefálica), respostas emocionais (como o tédio), etc. Sendo
assim, é impossível dissociar fome fisiológica de fome emocional. Uma coisa que devemos cuidar
são indivíduos com comportamentos de risco, que se colocam em eventos restritivos fortes
visando o alcance de um corpo ideal que vai contra a fisionomia dele. Isso faz com que o corpo
entre em alerta e, do ponto de vista feminino, pode inclusive prejudicar o início da menstruação
da mulher. Essa pessoa possui, então, uma pré-disposição importante para transtornos
alimentares (TAs), e observa-se que mais de 90% dos TAs possuem certa correlação com
desordens psiquiátricas. Com a teoria da aprendizagem social, conseguimos entender como o
indivíduo construiu seu comportamento, e nós precisamos entender como tal condição se
estabeleceu naquela pessoa, o que levou a aquele comportamento. Um ponto muito importante
para nós, profissionais, é entender a terminologia adequada de certos distúrbios alimentares,
pois muitas vezes vemos caracterizações erradas, como a frase “compulsão por doces”. Ter
desejos e momentos de impulso não é ter compulsão, é algo totalmente normal, que tende a
ficar mais expressivo quando estamos em restrição na dieta.

E isso tende a causar certo desconforto, que culmina na interação do indivíduo com o
alimento e com um consumo mais exagerado devido à presença desse desconforto já que ele
tentou minimizar o consumo daquele alimento. Em conjunto a isso, com o processo de perda de
peso, há alterações hormonais que ocorrem, como a redução da leptina e aumento da grelina,
que culminam em aumento do apetite de cerca de cerca de 100kcal. Mas não só isso, também
há aumento da vontade de consumir alimentos palatáveis, aumenta a experiencia de satisfação
com esses alimentos palatáveis diante de eventos estressores, e tudo isso resulta em resultados
emocionais que reforçam isso como compensação. Mas isso tudo não é compulsão, é algo
natural dentro de um contexto, de um complexo emocional funcional, é um comportamento de
consumo mais exagerado e impulsivo. Só que a compulsão já é uma condição disfuncional, que
remete a uma patologia, a um distúrbio do comportamento. Na compulsão há um consumo
demasiado devido a uma disfunção na atividade cerebral que pode causar prejuízo pelo tanto
de alimento que consome em curto período de tempo, de forma recorrente. Precisamos
diferenciar também o transtorno de compulsão alimentar de episódios de compulsão, que são
coisas diferentes. Os episódios, de maneira espaçada, em situações muito especificas, podem
ocorrer e são considerados normais, e não é um transtorno.

Mas os TAs, aí sim, são um conjunto de sintomas relacionados a distúrbios na


alimentação que, de forma persistente, levam o indivíduo a ter prejuízo na saúde (física e
mental). Os TAs são multifatoriais e, na maioria das vezes, a pessoa com TA não tem apenas o
TA, mas sim alguma comorbidade associada (como depressão, transtorno de ansiedade,
transtorno dismórfico corporal, transtorno de personalidade, etc). Pessoas com TA já possuem
uma predisposição genética e, somado a isso, há a relação do ambiente com essa pessoa, que
pode levar a expressão desse TA nesse indivíduo. O aspecto sociocultural também influencia
muito nessa expressão patológica. A bulimia é o transtorno de compulsão alimentar associado
à purgação ou compensação, seja por medicações, por exercício em excesso, por vômito... O
transtorno de compulsão alimentar periódica (TCAP) é quando a pessoa faz o consumo
exagerado de alimentos, de forma recorrente, em uma quantidade enorme, em curto período
de tempo, que não faria em uma situação normal. Há fatores desencadeadores que levam esse
indivíduo a ter esse consumo exagerado, pode ser fatores ambientais, pode ser alimentos
hiperpalataveis que iniciam o processo de consumo e depois termina em um pote de feijão, por
exemplo... O TCAP não é seletivo, mas há alimentos que, em algumas situações, podem ser
gatilhos para que depois o indivíduo passe a comer exageradamente.

O TCAP pode aumentar o risco para obesidade, mas não necessariamente a pessoa com
obesidade possui o transtorno. Entendemos, assim, que comer buscando prazer é algo natural
do ser humano, e não é porque você gosta muito de um alimento que você tem compulsão por
ele. Por isso devemos cuidar para não falar que certos alimentos viciam, isso não procede, o
impacto desses alimentos no sistema de recompensa não se compara com as de substâncias de
abuso (não é porque libera um neurotransmissor que esse alimento confere dependência igual
uma droga, isso não existe)! Outra coisa que precisamos entender é a falácia do “dietas causam
compulsão”, precisamos compreender que a dieta é uma ferramenta, e se a pessoa deseja
alcançar determinado corpo ela terá que usar ferramentas para tal. Mas a questão não é a
ferramenta em si, mas sim se esse corpo que ele quer alcançar realmente é “alcançável” por ele.
Precisamos observar se esse objetivo não ultrapassa as condições desse indivíduo específico,
pois “lutar” para isso pode causar sofrimento muito maior para essa pessoa, além dos fatores
que motivam essa pessoa a querer esse corpo e o que ela faz para tentar chegar ali. Tudo isso
pode causar grande sofrimento, pode apelar para medicações, pode fazer muitas coisas. Essa
pessoa provavelmente já tinha pré-disposição para TAs, já vinha de um quadro patológico, e não
foi a dieta que causou isso, mas sim a condição patológica dessa pessoa, ela já tinha
comportamentos de risco justamente por causa do transtorno (e não por causa da dieta). Outro
ponto é que alguns estudos já observaram que, mesmo indivíduos com TAs, não
necessariamente terão piora no quadro ao iniciar alguma restrição alimentar (bem-feita),
inclusive podem até melhor a condição patológica.

Outra coisa é que restrição alimentar não é o mesmo que privação, já que a restrição é
uma limitação, um controle, uma regulação, enquanto a privação é a eliminação total. E mesmo
sabendo dessa diferença, é bom entender que nem sempre a privação será dolosa ao paciente,
as vezes é interessante privar o indivíduo, eventualmente, de forma que ele minimize a sua
interação com o estímulo e melhore sua condição. Quando pensamos no que leva um indivíduo
a ser bem ou malsucedido no emagrecimento, um ponto a levar em consideração é a avaliação
cognitiva que essa pessoa tem da dieta (como ele entende ela). Um fenômeno que observamos
quanto a isso é a “privação percebida”, em que a pessoa se antecipa achando que será privado
do alimento e, portanto, já sente sensações desconfortáveis ansiogênicas, então já pensa que
não vale a pena essa privação (o benefício futuro não é palpável para essa pessoa)... Por outro
lado, o bem-sucedido já enxerga que privar aquele alimento (ou restringir/controlar quantidade)
lhe trará um benefício futuro mais importante. Além disso, os malsucedidos também
apresentam outros fatores que interferem nessa interpretação quanto ao “fazer dieta”, um
deles é o fato de serem indivíduos mais sensíveis ao estresse, são mais reativos e desinibidos às
sugestões alimentares, não conseguem tolerar muito o desconforto emocional, autoestima mais
baixa, maior compensação na comida, etc... Logo, essa pessoa já antecipa, com base em suas
crenças, que irá fracassar. E, depois, de forma a validar essas crenças, a pessoa realmente acaba
fracassando. Logo, não é a dieta em si que leva ele a ser malsucedido no emagrecimento, são
uma série de fatores que fazem com que ele fique mais reativo e tenha pensamentos e crenças
disfuncionais. Dessa forma, precisamos trabalhar todos esses pontos com esse indivíduo, e
tentar estabelecer uma organização de rotina para que ele entenda como essa intervenção será
realizada, e diminua esse impacto negativo e ansiogênico que a dieta tem para ele.
Outro fenômeno interessante é o “processo irônico do controle mental”, que é quando
paciente inicia a dieta e automaticamente começa a pensar mais em alimentos hiperpalatáveis
e pensar mais em dieta (viés de atenção). Precisamos analisar então se esses pensamentos são
sabotadores, e quais são esses pensamentos, para poder trabalhar em cima. Não precisamos
brigar com os pensamentos, mas sim deixá-los fluir, e não ficar brigando ou reprimindo. Outro
ponto a considerar é a dicotomização, “ser 8 ou 80”, que é justamente aquele paciente que faz
uma restrição mais severa inicialmente como se a relação de dor/desconforto que ele tem fosse
ser proporcional ao resultado esperado. Então esse é outro ponto a trabalharmos, alinhar as
expectativas e gerenciar as metas. Há então alguns “perfis” relacionados ao tipo de
comportamento alimentar, há o “comedor restrito” (flexível ou rígido), o “desinibido” (habitual
ou situacional) e o “emocional”. O comedor restrito é aquele que se monitora muito e toda hora
está pensando em como restringir a alimentação, que gosta de ter tudo sobre controle. Os
desinibidos comem mais exageradamente, se relacionam com os estímulos não só com a
qualidade, mas sim quantidade, gostam de consumir muito.

O perfil emocional é aquele que tende a ter sua forma de lidar com situações
desconfortáveis por meio da comida. Às vezes, um desinibido pode, depois, tentar fazer um
perfil mais restrito, como forma de compensar a desinibição. Esses indivíduos com perfil maior
de desinibição tendem a ter risco maior para obesidade e para TAs, dessa forma, precisamos
associar com a terapia. Um estudo com mulheres bulímicas mostrou que o grupo que fez dieta
com restrição calórica e restrição seletiva de alimentos-gatilhos, apresentou menores episódios
de compulsão alimentar comparado com as bulímicas que não receberam intervenção de
restrição calórica. Logo, a intervenção de restrição calórica, bem-feita, não serve somente para
obesos, mas também para quem possui TAs, proporcionado resultados inclusive muito
satisfatórios. Todavia, é importante que tenha também o acompanhamento psicoterapêutico.
Precisamos trabalhar avaliando os pontos que estao relacionados ao indivíduo que apresenta
comportamento de risco, como a necessidade de controle, a preocupação excessiva e distorção
da própria imagem, perfeccionismo, baixa autoestima, necessidade de aprovação social,
pensamento negativo constante, autopunição como maneiras compensatórias, etc...
Precisamos entender também que o estresse é uma resposta biológica importante para que
consigamos lidar com situações ameaçadoras, é algo de importância evolutiva. Boa parte das
situações, como ansiedade, medo e angústia, possuem reflexo da atividade estressora.

Logo, pessoas que passam por essas situações constantemente também passam por
situações de estresse constante, o que gera um desconforto e prejudicará a saúde física e
mental, de forma crônica. O estresse teria uma resposta de redução de apetite, já que
evolutivamente ele quer preparar o indivíduo para sair de uma situação (exemplo: predador
vindo). Todavia, a exposição crônica ao estresse provoca mudanças no eixo hipotálamo-hipófise-
adrenal, em conjunto com uma atividade de controle modificada na estrutura da amigdala e no
hipocampo. Logo, tenho uma hiperativação constante da amigdala, relacionado a situações
ameaçadoras, e o hipocampo é importante para inibição do eixo da sinalização do estresse. Mas
a exposição crônica ao estresse causa prejuízo na atividade do hipocampo de inibição e acentua
as respostas do estresse (quebra da alostasia), e isso gera comportamentos compensatórios
futuramente para eliminar o estresse (como o consumo excessivo de alimentos hiperpalatáveis).
Mas precisamos entender que nem todo o estresse ou ansiedade leva a comer, precisamos
investigar qual o evento/situação especifica que leva a essa resposta que tem como recurso a
alimentação (em que contexto essa pessoa apela para o comer?

Que tipo de estresse está ocorrendo na vida dessa pessoa? O que ela sente antes de ir
comer?). E vale lembrar que o comer não está relacionado com mais prazer, mas sim como uma
medida de lidar com aquela situação desconfortável. E, além disso, o estresse implica em um
prejuízo na nossa tomada de decisão, já que a atividade estressora leva a comportamentos mais
impulsivos e reduz a nossa capacidade inibitória. Logo, precisamos compreender qual a relação
emocional que o paciente tem com a alimentação, compreender qual a interpretação que ele
tem quanto á alimentação, quais as bases emocionais dele, etc. Precisamos saber em qual
situação essa pessoa se encontra emocionalmente e qual a intensidade, qual a sensibilidade dele
aos estímulos emocionais, quais as respostas que ele tem e qual a demora que esse paciente
tem para voltar à linha de base emocional dele! Um outro ponto importante com relação ao
“comer emocional” do paciente é no aspecto associativo que essa pessoa costuma realizar,
como o “chego em casa e vou comer porque estou com estresse”...

Muitas vezes, a narrativa do “eu como por ansiedade” é uma justificativa vaga (narrativa
conveniente) para tentar caracterizar que há um motivo por trás, as vezes pode ser por um
condicionamento que ele tem com base nesse ambiente (casa) e por próprias preferências
alimentares. As vezes não são as emoções que estão levando essa pessoa a ter comportamentos
de consumo exagero, mas sim o condicionamento criado por ele diante de estímulos. Quanto à
TPM nas mulheres, por mais que cause sim oscilações de humor e desconforto emocional, ainda
assim devemos ter em mente que é a representação de determinados alimentos (chocolate) na
nossa cultura que faz com que eles sejam necessários para que a mulher consiga lidar com a
situação da TPM, isso é um condicionamento aprendido por causa da nossa cultura (reforço
negativo)! Um estudo mostrou que os indivíduos que comiam chocolate após estarem saciados
apresentaram menores desejos do que quando comiam chocolate com fome.

Ou seja, o evento antecessor (fome, desconforto emocional) aumentou o desejo por


chocolate sempre que havia essa situação. Mas quando comiam esse alimento quando estavam
saciados, havia redução desse desejo, pois a presença do desconforto e apetite já era muito
baixa. Logo, é um processo de aprendizado, e é muito cultural e social. Um fato muito comum
em processos de emagrecimento é a autossabotagem, que muitas vezes ocorre com uma
antecipação negativa, por parte do indivíduo, sobre si mesmo (já acha que vai dar errado, então
já faz as coisas de forma errada para validar o próprio pensamento).
Alguns pensamentos sabotadores que podemos citar é o “senso de injustiça”, a
procrastinação, o sentimento de culpa com relação a certos alimentos, pensamento dicotômico
(8 ou 80), etc... Tudo isso acaba fazendo com que o indivíduo saia do planejamento, e isso nem
é de forma proposital, muitas vezes é algo que vem das próprias crenças já estabelecidas no
cérebro dessa pessoa! Outra coisa muito comum de observarmos é a culpa e a purgação, há
pessoas que, se comem algo “errado”/fora do planejamento, já se sentem extremamente
culpados e, dessa forma, acabam “chutando o balde”. Precisamos entender o que que levou
essa pessoa a se sentir culpado, e tentar ressignificar esses pensamentos sobre a dieta, é
interessante trabalhar a flexibilidade com essas pessoas. Devemos trabalhar com o paciente
para identificarmos o que ele sente, entender um pouco da história previa dele com a
alimentação, quais foram as experiencias anteriores, o que levou ele a ter – por exemplo – essa
obsessão pelo corpo, etc. Devemos ajudar ele a se conhecer, refletir sobre o que veio na mente
dele naquele momento, o que ele sente, o que está tendo como comportamento associado ao
evento, ajudar ele a lidar com o desconforto! Entender tanto o evento precoce quanto o tardio,
o antes e o depois.

Quanto à motivação, há uma crença de que “não precisamos de motivação, apenas fazer
o que tem que ser feito”... Todavia, todo o comportamento que executamos tem um motivo por
trás, logo, precisamos sempre identificar com o nosso paciente o PORQUÊ de ele querer aquele
objetivo, qual a importância e motivo para isso. Pois é justamente isso que constrói um
significado e motiva o paciente a continuar fazer o que está fazendo. Precisamos identificar
esses motivos do paciente e enaltecer, pois isso faz com que ele tenha uma clareza maior. E vale
lembrar que não é só a evolução no peso na balança que podemos valorizar, mas sim vários
outros aspectos de melhora que esse paciente possa estar tendo (mais disposição, mais
determinação, mais força, mais saúde cardiovascular, etc).

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