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1) SPEAK TO ME (FALE PARA MIM)

Batidas de coração, ruídos ininteligíveis, vozes dispersas e risos nervosos: período da gestação.

2) BREATHE (RESPIRAÇÃO)

Em meio ao estado de confusão mental, surgem os gritos representando o nascimento.

Respire, inspire o ar

Além da própria denotação ao primeiro respirar sucedente ao ato do parto, existe também o
significado simbólico relacionado com o desenvolvimento posterior do indivíduo: o ar
representa o sopro vital, elemento espiritual que anima o homem. Psicologicamente falando, o
elemento espiritual é o próprio inconsciente (que estará presente em todo o álbum, inclusive
dando o nome ‘lado escuro da lua’). É o inconsciente parte fundamental por proporcionar o
crescimento psíquico e o desenvolvimento da personalidade, e nesse trecho é feita a primeira
menção a ele.

Não tenha medo de se importar


Vá, mas não me deixe

O inconsciente é sentido, num primeiro momento, através da figura materna, com quem a
criança está psicologicamente fundida. Mãe e criança, no início do desenvolvimento, formam
uma totalidade. A criança não vê separação entre o mundo interior e exterior. Assim, ela não
conhece problemas, pois vive de forma onipotente e em comunhão com a figura materna. Como
forma natural de desenvolver sua própria individualidade, o primeiro passo é se diferenciar da
mãe, e lentamente adquirir consciência de si como um ser distinto e separado. Esse trecho
exprime, então, a primeira grande batalha da vida: voltar-se para o mundo externo, a vida
consciente. Mas o apelo é que, mesmo indo, não deixe totalmente as portas fechadas para o
inconsciente. Esse duelo entre o consciente e o inconsciente marcará toda uma vida, e também
todo o transcorrer do álbum que versa exatamente sobre isso. Conforme se verá, veremos os
extremos representados nas músicas que seguem: a vida totalmente materialista voltada para
o mundo externo, e a vida totalmente imersa no mundo interior, que pode ser causa de
neuroses (loucura). O desafio é manter-se equilibrado.

Olhe em volta e escolha seu próprio chão

A medida que vamos ganhando mais liberdade, o processo de aquisição da consciência vai
levando a nos tornarmos cada vez mais responsáveis e conscientes. Vamos ser colocados diante
de questões e dilemas éticos e teremos que recorrer cada vez mais à nossa própria
consciência, que passará a assumir uma importância cada vez maior nas nossas vidas. São
marcantes as fases em direção ao distanciamento do inconsciente: a primeira noção do mundo
exterior ao se desligar da mãe, a escola com as primeiras longas horas totalmente afastado da
mãe, a adolescência e a eclosão de um novo mundo de sensações, em que a energia psíquica
passa a ser despendida em parte para a sexualidade, o início da vida adulta sendo o ponto, no
mundo moderno, em que toda a energia psíquica passa a ser direcionada para um mundo
exterior de cotidiano de trabalho e luta por posições de poder. Assim, a separação e afirmação
do nosso ego quando somos criança, nos leva cada vez mais à valorização da razão e da
consciência, que são simbolicamente representadas pelo Sol, princípio masculino por
excelência. Porém, para um desenvolvimento psicológico saudável, o inconsciente não deve ser
completamente abandonado ou deixado para trás, pois nele estão todas as forças criativas que
conseguem sempre levar a nossa vida a novos desdobramentos, novas formas e novos
horizontes.

Tenha uma vida longa e voe alto


E sorrisos você dará e lagrimas chorará

O caminho da vida seria nos mantermos fiel à nossa criança interior, que fica, de certa forma,
esquecida no inconsciente. É ela que não devemos abandonar ou deixar para trás, para não
gerarmos um desequilíbrio, pois quando levamos uma vida unicamente centrada no nosso ego
e na razão, corremos o perigo de cair em uma vida estéril, carente de significado e marcada por
sentimentos de poder e vazio existencial. E, assim, como nos dizem os versos da música, o que
era alegria há de se tornar tristeza e se converter em lágrimas, pois a dor vai nos mostrar que
voamos alto demais e ignoramos certos limites da vida. O desafio é, após ir ao mundo exterior
e obter experiências, sempre retornar à sua verdadeira essência, integrar todo o conhecimento
adquirido ao seu verdadeiro eu. O eterno retorno. Esse é o sentido da vida.

E tudo o que você toca e tudo o que você vê


É tudo o que sua vida sempre será

A sociedade moderna valoriza a razão e a realidade física e material acima de todas as coisas,
ou seja, “tudo aquilo que se toca e vê”, como nos versos da música. Ignoramos o lado irracional,
intuitivo e criativo da vida, que são os domínios da Lua (representação simbólica do
inconsciente). Principalmente no ocidente existe a supervalorização para a extroversão, ou seja,
não temos nunca espaço para nos voltarmos ao mundo interior, estando fadados a, como diz o
verso, termos que nos contentar com essa vida banal ausente de significado.

Corre, coelho, corre


Cave esse buraco, esqueça o sol
E finalmente, quando o trabalho terminar
Não vá se sentar, é hora de começar outro

O coelho é um animal associado à Lua e ao feminino nas lendas e religiões de todo o mundo, e
também muito associado ao medo, porque está sempre fugindo e se escondendo. Nesse
sentido, o coelho simboliza o indivíduo que está fugindo, correndo como um coelho assustado,
diante do medo e da falta de sentido, levando uma vida estéril e repetitiva, onde o que lhe resta
é, como diz na letra, cavar um buraco atrás do outro. Em Alice no País das Maravilhas, é um
coelho que conduz Alice ao mundo da fantasia e da imaginação, onde elementos simbólicos
levam a crer que o País das Maravilhas é o próprio inconsciente da personagem.

Tenha uma vida longa e voe alto


Mas só se você se deixar levar pela maré
A música nos mostra que a saída para tudo isso seria se deixar levar pela maré. As formações
das marés, como se sabe, se devem às influências da Lua, então, podemos compreender a
analogia utilizada na música como uma atitude de maior sensibilidade e receptividade ao
inconsciente (já que a Lua é símbolo do inconsciente). Só assim o indivíduo poderá alcançar a
promessa de uma vida longa e um voo alto, uma forma simbólica do pleno desenvolvimento de
si mesmo.

Equilibrado sobre a onda maior


Você corre em direção a uma precoce sepultura

Porém, falta para o homem de hoje a condição necessária para esta experiência, que é uma
atitude de maior introspecção. Algo que está muito além de tudo o que se toca e tudo o que se
vê. Falta para o homem de hoje reverência e respeito pela vida, pelo fato de acreditar demais
na onipotência do seu ego, e almejar sempre o lugar mais alto na crista da onda ou a onda
maior. Sendo assim, o último verso de “Breathe” traz a ameaça da morte para quem viveu
limitado por sua consciência unilateral, pois não manteve o diálogo com o inconsciente. A morte
aqui pode ser entendida não como morte física, mas como morte psicológica ou espiritual,
quando a vida se torna vazia e sem propósito. Como diz Jung, se você não começar a dominar e
a conversar logo com o inconsciente, coisas que você não espera acontecerão na sua vida e você
chamará isso de destino.

3) ON THE RUN (NA CORRIDA)

A música “On The Run” é uma composição instrumental, que foi elaborada a partir de sons
eletrônicos. Esses sons eletrônicos nos remetem ao ritmo frenético e acelerado do mundo
moderno, o que já foi constatado anteriormente em “Breathe”, na imagem do coelho que corre
para cavar buracos, sem parar nem encontrar sentido naquilo que faz. Como “On The Run” vem
na seqüência de “Breathe”, que termina com o verso “você corre em direção a uma precoce
sepultura”, podemos considerar que essa música se refere a esta trágica corrida, interrompida
ao som de uma forte explosão no final, como se fosse o colapso do homem moderno, que apesar
de suas mais elevadas conquistas, é incapaz de impedir a própria tragédia. A música nos
transmite a sensação de um indivíduo imerso num turbilhão de sensações, meio fora de órbita
e absorto em uma atmosfera contaminada pelo caos. A fala que foi adicionada à música “Viva o
hoje, o amanhã já era, este sou eu”, seguida por risos assustadores, ilustra a perturbação e o
descontrole mental de quem está prestes a sucumbir. As vozes anunciando voos em um saguão
de aeroporto fazem alusão à essa viagem enquanto destino dos insanos. Essa vida egocentrista,
materialista e racionalista vai ser representada com maior clareza nas próximas faixas.

4) TIME (TEMPO)

As horas passam marcando os momentos que se vão em um dia monótono


Você desperdiça e perde as horas de uma maneira descontrolada
Perambulando num pedaço de terra de sua cidade natal
Esperando que alguém ou algo venha mostrar-lhe o caminho
Cansado de se deitar à luz do sol e de ficar em casa observando a chuva
Em “Time” é mostrada a relação do tempo e o desenvolvimento de sua percepção com a psique.
A música começa com referências ao ritmo desacelerado do tempo. Neste início ele é sentido
como algo abundante, o que nos remete para um estado de inconsciência, já que a percepção
do tempo linear só é possível a partir do desenvolvimento da consciência. Isso ocorre a partir do
nascimento e se estende gradualmente até a idade adulta, quando a nossa consciência atinge o
seu grau máximo de diferenciação. Na fase inicial do desenvolvimento psicológico, mãe e criança
formam um todo psicológico onde predomina na criança o estado inconsciente. Nesta fase o
ego não se diferencia do mundo exterior, o eu e o outro são sentidos como algo único e
inseparável, como uma totalidade inconsciente. A vida ainda não é medida pelo tempo, mas
regulada pelo instinto. Mais adiante o filho se identificará com a figura paterna e,
posteriormente, surgirão outras identificações importantes: com a família, o grupo social, a
aldeia, a comunidade, ou mesmo com a pátria. Todas essas identificações conferem um sentido
de identidade e pertencimento. Nessa fase da música, o indivíduo está inteiramente voltado à
natureza, em estado de contemplação e passividade. Passa os dias deitado ao sol, ou
observando a chuva, vivendo o tempo que está relacionado à natureza. Essa forma de se lidar
com o tempo é observada na criança e aponta para o estado anterior ao despertar da
consciência, quando a vida é apenas um fluir, livre de preocupações ou expectativas, mas sem a
possibilidade de realização plena de si mesmo. A formação da consciência começa na infância,
a partir dos primeiros anos de vida, mas atinge o seu ponto crítico e de maior importância na
adolescência, que é quando o indivíduo deixa o solo materno e as identificações que resumem
o que seria sua cidade natal, como diz a música, para trilhar o caminho que o conduzirá ao
encontro e descoberta de si mesmo.

Você é jovem e a vida é longa e há tempo de viver o hoje


E um dia você descobre que dez anos ficaram para trás
Ninguém te avisou quando correr, você perdeu o tiro de partida.

O caminho citado na música representa o desenvolvimento da personalidade. O tempo passa a


ser sentido de outra maneira, como algo que não volta. Ele perde seu caráter circular, que antes
foi representado pelos fenômenos da natureza, dias de sol e chuva que se sucediam como uma
roda que gira. Esse “novo” tempo é o tempo linear, o tempo da consciência, o tempo no qual o
mundo civilizado se organiza, compartimentado em dias, horas, minutos e segundos. A partir
deste momento, que coincide com a vida adulta e com a competitividade do mundo moderno,
o relógio passa a ditar o ritmo, alinhando o indivíduo aos seus ponteiros, como se cada tic-tac
fosse um ajuste, e o despertador, o tiro de partida.

E você corre e corre para alcançar o Sol, mas ele está indo embora no
horizonte
Girando ao redor da terra para se levantar atrás de você outra vez
O Sol permanece relativamente o mesmo, mas você está mais velho
Com fôlego mais curto e a cada dia mais próximo da morte

Agora o indivíduo se vê obrigado a apressar os passos, a correr como diz a música, pois o tempo
deixou de ser abundante como o tempo da infância, e a vida já não é mais algo a se perder de
vista. As demandas da vida adulta, organizada em função de jornadas de trabalho, horários,
prazos e todo o tipo de exigências relacionadas ao tempo, transformam o seu curso num fluir
sem volta. Esse fluir sem volta no que se transformou o tempo aumenta o desespero e a vontade
de controlar os seus efeitos. Assim, alcançar o Sol é uma forma de não se sujeitar ao tempo, já
que, como diz a música, o Sol não envelhece, ou seja, ele representa aquilo que não está sujeito
ao tempo enquanto passado, presente e futuro. Por outro lado, a imagem do Sol se pondo no
horizonte também nos dá a ideia do tempo como algo que empurra o ser humano para frente,
em direção a um futuro do qual a única certeza é a morte.

Cada ano está ficando mais curto, você nunca parece ter tempo
Planos que tampouco deram em nada ou em meia página de linhas rabiscadas
Permanecer num desespero quieto é o modo inglês
O tempo se foi, a canção acabou, pensei que tivesse algo mais a dizer

Neste ponto, percebe-se como é difícil lidar com o tempo. Ele tornou o indivíduo um ser
impotente e incapaz de atender às demandas que lhes são impostas pelo mundo exterior.
Porém, uma vida significativa e plena de realizações só pode ser alcançada se o inconsciente
estiver presente neste processo, algo que não aconteceu em “Time”, onde os planos do
indivíduo não deram em nada, não passando de meia página de linhas rabiscadas.

Em casa, em casa novamente


Gosto de estar aqui quando eu posso
Quando eu chego em casa com frio e cansado
É bom esquentar meus ossos junto ao fogo
Bem longe através do campo

Somente através do retorno ao nosso mundo interior é que o eterno e o atemporal podem se
manifestar, conferindo um significado maior à nossa vida. Esse retorno é uma experiência
religiosa, no sentido de religare, que significa restabelecer novamente a ligação perdida, entre
o ego humano, através do reconhecimento de sua finitude e transitoriedade, com aquilo que há
de eterno em cada um de nós. Como nos diz Jung, a Modernidade, ao privilegiar o ego racional
e materialista, orientada para o mundo exterior em busca de satisfações mundanas e fixada
numa temporalidade vazia, sem história e sem raiz, afasta o indivíduo do essencial, tornando-o
um ser oprimido pelo tempo e temeroso diante da fatalidade do seu destino. O elemento
espiritual que em “Breathe” foi relacionado ao ar, agora está representado pelo fogo. Tanto o
ar quanto o fogo são elementos que se referem à realidade psíquica, ou realidade da alma.
Segundo Jung, se compreende facilmente que a respiração, por ser um sinal de vida, também
serve para representa-la simbolicamente, assim como o fogo, ou uma chama, porque o calor é
também um sinal de vida. Esses significados apontam para uma atitude religiosa do indivíduo
(no sentido de religar), que busca encontrar dentro de si, no mundo interior, um ponto de apoio
que o ajude a se orientar no mundo exterior. Jung mostrou que a melhor coisa que o homem
moderno pode fazer para lidar com sua angústia espiritual, com seu sentimento de estar perdido
num mundo sem sentido, com seus anseios irrealizados e também com sua sensação ilusória de
bem-estar dentro de um vazio espiritual e religioso, é trilhar o caminho da experiência interior.
Portanto, estar junto ao fogo é também uma forma de se consumar a experiência simbólica que
faltou em “Breathe”, e que só veio a ocorrer agora, logo após a vivência angustiante da primeira
parte de “Time”.

O badalo do sino de ferro


Conclama os fiéis a se ajoelharem
Para ouvir os encanamentos proferidos com fala suave

Porém, o que acontece ao longe, onde os fiéis são chamados a se ajoelharem, está muito
distante do que se passa dentro da casa, na beira do fogo. Há um contraste na música entre a
experiência religiosa, relacionada ao mundo interior, e a confissão, enquanto atividade
relacionada ao mundo exterior. Nesta parte, a experiência religiosa ocorre em outro contexto,
através dos símbolos e dos ritos consagrados para este fim. Tradicionalmente, o badalo dos sinos
servem para anunciar a morte de alguém, principalmente no momento de prestar-se as últimas
homenagens. Assim é abordada também a questão da morte, um tema ao qual a razão não
oferece conforto algum, nem tampouco respostas satisfatórias. Apesar destas alusões à morte,
é na próxima música “The Great Gig In The Sky” que ela será abordada de forma mais direta, o
que nos faz pensar que o badalo do sino de ferro conclamando os fiéis a se ajoelharem é o
prenúncio do que ainda está por vir.

5) THE GREAT GIG IN THE SKY (UM GRANDE CONCERTO


NO CÉU)

“The Great Gig In The Sky” traz a questão da morte. Embora a morte seja o tema principal da
música, ela já vem sendo abordada em suas mais variadas nuances desde o início do disco. O
fato é que a morte é um mistério que perturba o ser humano, podendo ser considerada, por
assim dizer, o lado oculto da vida, aquilo que de fato não conhecemos e que, portanto, está
muito mais relacionada ao inconsciente do que à consciência, à superfície visível e ao mundo
exterior. A morte, enquanto mistério, pode vir acompanhada de sentimentos contraditórios de
dor e alegria. Do ponto de vista do nosso ego, ela é uma terrível brutalidade, pois como diz
Jung (Em Memórias, Sonhos, Reflexões) “um ser humano é arrancado da vida e o que permanece
é um silêncio mortal e gelado. Não há mais esperança de estabelecer qualquer relação: todas as
pontes foram cortadas”. Porém, sob o ponto de vista da alma, a morte é um acontecimento
importante, pois com ela, pode-se assim dizer, a alma alcança a metade que lhe falta e atinge a
totalidade. Essa totalidade é uma forma de encontro, ou casamento, que se refere ao mais
completo estado de união. Por isso, há muitos ritos que inserem a morte num contexto de
alegria e festividade, representada entre banquetes e dançarinas. Ou seja, essas manifestações
mostram que a morte é sentida, por assim dizer, como uma festa. Um Grande Concerto no Céu,
que é o nome desta música.

6) MONEY (DINHEIRO)

Dinheiro, caia fora


Dinheiro, volte
Dinheiro, é um crime
Acho que vou comprar um time de futebol pra mim
Estou bem, cara, tire suas mãos do meu monte
Dinheiro é um sucesso
Estou no grupo de viagem da primeira classe e alta-fidelidade e acho que
preciso de um jato da Lear
Divida-o de modo justo, mas não mexa na minha fatia
Dinheiro, assim dizem
É a raiz de todo mal hoje em dia
Mas se você pedir um aumento, não se surpreenda
Se não receber nenhum
Dinheiro é um sucesso
Estou bem, cara
Mas não venha com essa conversa fiada de fazer o bem
Dinheiro é o máximo
Agarre essa grana com ambas as mãos e esconda-a
Carro novo, caviar, sonho acordado de quatro estrelas.

A música “Money” refere-se, com uma refinada ironia, a mais moderna das temáticas: o
materialismo e o consumismo. No contexto do disco, a referência ao dinheiro sugere que ele
pode ser um meio de aliviar o sofrimento e as aflições relativas ao mundo moderno, como a
falta de sentido da vida. A necessidade imperiosa de se consumir e possuir bens materiais pode
ser entendida abordando-se o centro vazio instaurado na alma do homem moderno. Esse
processo é o resultado da perda de contato com a natureza e, consequentemente, com a vida
instintiva, algo importante na evolução humana por propiciar as condições necessárias para a
diferenciação do homem em relação aos demais animais. Sem a renúncia ao ímpeto instintivo,
a vida social e os valores morais não seriam possíveis. A questão é que esse desenvolvimento,
configurado pelo predomínio do Sol, enquanto símbolo da consciência e da razão, levou a um
perigoso rompimento com aquilo que é primitivo e irracional no ser humano, representado pela
Lua, contribuindo assim para a instauração de um vazio insaciável, que tem sua origem na
atrofia, ou repressão, dos impulsos instintivos. Para o homem moderno, a realidade
fundamental está contida na capacidade de pensar e raciocinar, levando-o a suposição de que
aquilo que não pode ser explicado causalmente não tem legitimidade, favorecendo o ceticismo
em relação aos mistérios inerentes à vida. O crescente predomínio da razão levou o homem a
ter sentimentos de poder e domínio sobre a natureza, como se ele não fosse parte dela. Este
estado psicológico traz consigo um inevitável sentimento de solidão, devido, sobretudo, à perda
das raízes. Psicologicamente, o homem perdeu o contato com seu centro, a experiência daquilo
que poderíamos chamar de alma e que poderia lhe conferir o sentido do sagrado. Porém, a
necessidade instintiva de se religar a algo maior permaneceu inalterado ao longo deste
processo, justificando o consumismo e apego aos objetos de desejo retratados em “Money”,
pois se supõe que estes possam conferir algum conforto e segurança, preenchendo
necessidades antes cabíveis aos instintos. Soma-se a isso o fato de que o homem passou a se
relacionar com os bens materiais como se ambos constituíssem uma coisa só, ou seja, ele passou
a acreditar ser aquilo que tem. Sucesso e ascensão tornaram-se a medida da alma, numa
flagrante tentativa de se buscar algum sentido para a vida. O propósito passou a ser buscar
refúgio nos bens de consumo e nas posses materiais, fazendo deles as suas raízes. Por outro
lado, quando perde suas raízes, o homem também é tomado por sentimentos de inferioridade,
ou por uma insaciável necessidade de poder, dois lados de uma mesma moeda. O ego vai se
enaltecendo cada vez mais e assume a condição de autoridade central. Ele se sente o poder em
pessoa e age dessa maneira em relação a tudo e a todos. Busca no materialismo e no
consumismo uma forma de satisfazer seus anseios de prazer. O resultado acaba sendo o
individualismo e o narcisismo. Assim, outro fator decorrente é a crescente incapacidade de se
preservar as relações humanas. A exaltação do dinheiro, da forma como é feita em Money,
impede a prática do altruísmo e da solidariedade humana, pois como o poder está voltado
unicamente para o ego, este deixa de reconhecer o outro naquilo que ele tem de único e
particular, impedindo o relacionamento genuíno e criativo entre ambos. O poder acaba sendo
um meio de forçar uma relação baseada, sobretudo, na dominação, já que o envolvimento
afetivo foi rechaçado pelo desejo de poder. A este propósito serve o dinheiro, principalmente
quando alimenta o sentimento de competitividade entre as pessoas e o desejo de ser sempre
melhor do que o outro. Portanto, a música “Money” pode ser abordada como uma referência
ao "Deus dinheiro" que atinge o homem de hoje com extraordinária numinosidade, tornando-
se facilmente fonte de adoração e desejo. O fascínio que ele exerce é análogo à necessidade
humana de estar ligado a algo maior, como fonte doadora de vida que nutre o ser humano em
todas as suas necessidades. Porém, a insaciável busca pela elevação do padrão de vida e o
consumismo desenfreado revelam, de forma distorcida, a ânsia por um sentimento de
totalidade, que não atende a real necessidade do indivíduo, que não é a satisfação narcísica de
seus desejos, mas o impulso em buscar algo que o faça se sentir completo. Isso só será possível
quando o indivíduo se voltar para dentro, ao encontro de sua verdadeira realidade fundamental,
que deixará de ser sentida nas formas do mundo exterior, para, enfim, ser descoberta no âmago
de seu ser mais profundo.

7) US AND THEM (NÓS E ELES)

Nós e eles
Afinal somos todos homens comuns
Eu e você
Deus sabe que não é isso que teríamos escolhido para fazer
Avante, gritou ele da retaguarda
E tombaram os homens da linha de frente
E o general sentou-se e as linhas no mapa
Eram movidas de um lado para o outro
Preto e azul
E quem saberia dizer qual é qual e quem é quem
Para cima e para baixo
E tudo afinal
É apenas uma continuidade de círculos
Você não ouviu, é uma batalha de palavras
Gritou a pessoa que carregava o cartaz
Ouça, filho, disse o homem com a arma
Há um lugar para você lá dentro
Por baixo e na pior
Não dá para evitar
Mas isto pode ser encontrado em todo lugar
Com, sem
E quem vai negar que esta é a razão de toda briga
Sai do caminho
Estou com a mente ocupada
Por falta do preço do chá com uma fatia
O velho morreu

A música “Us and Them” traz a ideia de violência. A expressão “nós e eles” se refere às
divisões entre as pessoas, países e culturas que acabam levando à discriminação, preconceitos,
conflitos, e, por fim, às guerras, a mais brutal das formas de violência. O termo também
pressupõe a ausência do “eu”, enquanto entidade dotada de singularidade e valor próprio,
muito diferente de um “eu” alienado, internamente dividido e sempre pronto a irromper com
os mais insanos atos de violência. É bom lembrar que a ideia de indivíduo, como uma entidade
dotada de um mundo interior e subjetividade própria, é algo recente na história humana. A
identidade, no tempo anterior a Renascença, era algo essencialmente grupal e coletiva.
Pensava-se e agia-se em função do grupo e da coletividade. Hoje, mesmo sendo capaz de se
reconhecer como um ser distinto, o indivíduo é levado muitas vezes a agir com a suposição de
que é igual ao seu próximo. Isso ocorre na medida em que a consciência grupal, ou o “nós”,
como diz a música, se impõe sobre o indivíduo. O predomínio do social em relação ao individual
se dá devido ao reducionismo conferido pela visão estatística do ser humano, que se
fundamenta na anulação daquilo que cada um tem de único e particular em favor de
generalizações, que reduzem o indivíduo a números e cifras, quando não a diagnósticos
psiquiátricos. A visão estatística é construída a partir de uma concepção abstrata, que ao visar a
média, exclui as diferenças e enaltece o que é comum, ou seja, a normalidade. E, então, cria-se
a ideia de um “homem ideal”. A hegemonia do coletivo, por sua vez, é do interesse social, pois
tendo sua individualidade reprimida, o sujeito submerge na massa como uma unidade anônima,
destituído de suas virtudes e de seu potencial criativo. Alienado de si mesmo, o indivíduo acaba
sucumbindo à mentalidade coletiva. Assim, “O que muitos acreditam ser verdadeiro, o que
muitos desejam, deve ser digno de luta, necessário e, portanto, bom”. Qualquer tentativa na
direção contrária pode ser enquadrada como egoísmo, soberba ou subversão. Assim, para nossa
segurança e comodidade, passa a ser mais fácil para nós ser parte do rebanho, onde somos
apenas homens comuns. Então, com seu poder de contágio, a massa forma um amontoado de
seres inconscientes e despersonalizados, que sucumbem a valores, interesses e ideias que lhe
são impostos de fora. O indivíduo se subordina a interesses alheios a sua vontade. Isso o torna
influenciável e susceptível de ser tomado por instintos de crueldade e violência, pois o que
acontece é um rebaixamento do nível da consciência, enquanto vontade e capacidade de
reflexão e decisão, potencializando aquilo que é primitivo e inconsciente. A massa também
favorece a constelação da figura de um líder ou ideal, cujo fascínio e força de atração levarão o
indivíduo a agir de tal forma que ele, em seu juízo normal, jamais o faria. O indivíduo passa a ser
literalmente contaminado e guiado por forças que encobrem fraquezas e inferioridades que ele
desconhece em si mesmo, justamente por estar alienado de si mesmo. E, como o estranho e o
desconhecido são sempre atribuídos ao outro, este se torna uma ameaça que precisa ser
combatida. Assim, o indivíduo trava batalhas que apenas refletem, em escala maior, um conflito
que deveria ser travado consigo próprio. E, alheio à própria sombra, o indivíduo passa a projeta-
la em inimigos externos que, no nível pessoal, pode ser um vizinho ou alguém que declara uma
opinião diferente da sua, mas que no nível coletivo assume proporções maiores, levando o
mundo a se dividir em lados opostos. Divisão esta que está na raiz da maioria das guerras e
conflitos mundiais. É a extinção da personalidade singular que torna a massa suscetível aos
poderes e vontade de um líder. Este determina o caminho a ser seguido, formando a linha de
frente de batalha, onde estão os primeiros a tombar. Ele faz crer que concentra em si toda força
e poder que cada indivíduo, tomado isoladamente ignora em si mesmo, pois uma característica
da psicologia das massas é a formação de indivíduos inseguros e facilmente influenciáveis,
sempre prontos a obedecer e avançar àqueles que se impõem como autoridade central, seja ela
política, religiosa ou social. A música, num determinado momento, também faz referência a uma
“batalha de palavras”, ou seja, algo que ocorre no plano ideológico. O uso da linguagem indica
a possibilidade de se renunciar à violência física em favor de um processo dialético, como ocorre
na democracia, por exemplo. Jung já dizia que a democracia é o melhor modelo de organização
política e social, pois só ela propicia espaço para o confronto de opiniões com respeito à lei do
próximo. A massa pode lutar de maneira justa e organizada. Porém, a esperança é logo perdida
pelo homem que com a arma ameaça aquele que carrega o cartaz, mostrando um contexto de
intolerância e falta de compreensão, o que favorece a eclosão de atos violentos. Qualquer tipo
de entendimento parece improvável, o que significa que as coisas de fato não estão bem, e se
assim estão, é porque o indivíduo também não está bem. A eclosão de grandes guerras e
catástrofes fizeram o homem moderno perceber da forma mais cruel possível o seu potencial
para a morte e a destruição, nos mostrando que não somos nada daquilo que imaginávamos
ser. Como diz a música, em todo lugar a situação é de ruína e derrocada, e isso não dá para
evitar. Jung sempre ressaltou a importância que devemos dar a cada pessoa em particular, algo
que está se perdendo atualmente, como se observa na música em relação à morte do velho,
ocorrida por motivos absolutamente banais. Este fato mostra que a vida está perdendo seu
sentido, porque o indivíduo, tomado pelo sentimento de nulidade em relação a si próprio, não
está tendo mais valor. Consequentemente, o seu sentimento de nulidade é dirigido também
para o outro, alguém que como ele, também não tem valor e importância. A alienação gera falta
de compromisso com o outro e consigo mesmo e alimenta o desejo de poder e dominação de
uns sobre os outros, o que é oposto à capacidade humana de amar e se relacionar. Como diria
Jung, onde falta amor, reina o poder, e onde há o poder, inexiste o amor. Um é a sombra do
outro.

8) ANY COLOR YOU LIKE (ALGUMA COR QUE VOCÊ


GOSTE)

A música “Any Color You Like” é inteiramente instrumental e podemos lhe atribuir um
significado simbólico, relacionando-o ao prisma que compõe a capa de The Dark Side of The
Moon. Assim, a cor a ser escolhida nos remete ao espectro, onde as cores refletem a capacidade
da consciência em reconhecer como elementos diferentes o que antes formava um todo
indiferenciado, a exemplo do que ocorre na decomposição da luz ao atravessar o prisma. Da
mesma forma que o branco é a junção de todas as cores, o inconsciente reúne todos os
elementos indistintos que depois serão discriminados pela consciência. Assim, o feixe colorido
que sai do prisma é uma analogia à aquisição da consciência, pois ao deixar para trás o estado
de indiferenciação, representado pela luz branca, o ser humano tornou-se um ser consciente e
capaz de escolher e decidir de acordo com sua vontade. Nesse sentido, importante mencionar
a capacidade de abstração, principalmente bastante desenvolvida em pessoas introspectivas: o
inconsciente assimila tudo junto, num primeiro momento, mas conscientemente em seu mundo
interno você pode abstrair o significado de cada parte da energia retirada do objeto (mundo
exterior). Tudo isso se reflete no sentimento de que somos verdadeiramente livres e donos de
nosso destino, uma crença comum ao homem moderno. Porém, esse sentimento de liberdade,
sem dúvida uma conquista do ser humano, não pode levar o indivíduo a se afastar do
inconsciente, sob o risco de perder o contato com suas camadas vitais e criativas, que no prisma
estão relacionadas ao raio infravermelho e ultravioleta, respectivamente os domínios do instinto
e do espírito, analogia feita pelo próprio Jung. Mas o que tem acontecido é justamente o
desprezo pelo aspecto vital e transformador da psique, fato que caracteriza a alienação do
homem moderno, extremamente identificado com a razão e com a vontade do seu ego, que se
julga capaz de fazer suas escolhas sem se preocupar. Para se evitar essa unilateralidade é preciso
que, além das cores visíveis, que no espectro estão associadas à consciência ou ao conhecido,
seja tomado consciência de outras coisas que não são imediatamente acessíveis aos sentidos,
mas que são parte de um todo mais abrangente, ainda que desconhecido, como os raios
infravermelho e ultravioleta, que neste caso representam os aspectos inconscientes da psique.
O ego não é somente o sujeito da razão e da consciência, mas também o objeto de um outro
que o transcende em força, poder e extensão. É possível considerar ainda “Any Color you
Like” como um mergulho no caleidoscópio da loucura, onde tudo é mais intenso e revelador,
pois ela é a música que antecede Brain Damage, que no contexto do disco é para onde converge
tudo o que está relacionado ao lado oculto da Lua.

9) BRAIN DAMAGE (DANO CEREBRAL)


O lunático está na grama
O lunático está na grama
Relembrando jogos, colares de margarida e sorrisos

Se nas músicas anteriores foi colocada a disposição neurótica do homem que se volta
completamente ao mundo exterior, deixando totalmente de lado o inconsciente, nesta música
vemos o outro lado da neurose: o indivíduo que se imerge totalmente no seu mundo interior,
característica também de doenças mais graves, como a esquizofrenia. Cabe lembrar que o
comportamento pleno do indivíduo, que Jung tentou colocar como prática de busca em seu
processo de individuação, está no caminho do meio, no equilíbrio, na integração das partes
opostas (consciente e inconsciente). Nem tanto lá, nem tanto cá. Logo nos versos iniciais, a
música traz uma figura muito associada à loucura: o lunático. O lunático é aquela pessoa que
sucumbiu aos poderes do inconsciente, simbolicamente representado pela Lua. O fato de ele
estar na grama, em contato com a natureza, nos mostra que ele está muito próximo da vida
instintiva e, consequentemente, do inconsciente. É nesse lugar que cenas do passado vêm à
tona, e o lunático revive algumas de suas lembranças. Essas lembranças evidenciam cenas que
surgem do inconsciente, onde o lunático parece entrar de forma cada vez mais profunda. A
pessoa, ao se tornar cada vez mais incapaz de lidar com as demandas da realidade externa,
aciona um movimento que se chama de regressão da libido. Libido é o nome que se dá para
energia psíquica. Quando permanece neste estado, o indivíduo vai se distanciando cada vez mais
do mundo, podendo chegar a ponto de permanecer definitivamente afastado dele, que é
quando as fantasias, devaneios ou lembranças passam a dominar a mente. Se este movimento
não for compensado por tentativas de adaptação ao mundo exterior, o sentido de realidade se
altera. O ego poderá ser dominado pelo inconsciente, e o sonho poderá assumir o lugar da
realidade. Isso é a esquizofrenia, um transtorno mental que se caracteriza pelo predomínio dos
conteúdos do inconsciente sobre a consciência, afetando os processos de pensamento, emoção
e linguagem.

É preciso manter os doidos na linha

Nesse momento, fica evidente na música a imposição da censura e da dominação em relação a


tudo aquilo que se mostra estranho e alheio à ordem estabelecida, pois “é preciso manter os
doidos na linha”. Normalmente, o que se faz em relação a isso é a reclusão e o isolamento social,
atitude que tem respaldo científico no intuito de se fazer os devidos ajustes sobre a mente e a
moral dos loucos.

O lunático está no saguão


Os lunáticos estão no meu saguão

No entanto, a música mostra que o lunático não mais se mantém isolado e começa a
compartilhar um espaço em comum, pois agora “o lunático está no saguão”. Ele entra em cena
para se tornar uma figura familiar que participa de um mesmo ambiente, junto com outras
pessoas. A ideia deste verso é de que a loucura está se tornando cada vez mais comum, e que
nos dias de hoje qualquer um está sujeito a ela. Avistar o lunático no saguão é o mesmo que
dizer que “a loucura está entre nós”.
Os jornais seguram seus rostos dobrados colados no chão
E todo o dia o entregador traz mais

O lunático, então, passa a representar a loucura num sentido mais amplo, o lado mórbido do
mundo moderno, que é retratado ao longo de todo The Dark Side of The Moon através do medo,
poder, violência e demais formas de insanidade encontrada nos dias de hoje. O lunático se
desdobrou em várias figuras pelo saguão. A loucura se multiplicou e passou a afetar um número
cada vez maior de pessoas. Eles também surgem retratados no jornal, uma forma de dizer que
a loucura também foi elevada ás esferas do poder e da fama. E cada dia o entregador traz mais.

E se a represa arrebentar muitos anos cedo de mais

No verso seguinte surge a imagem da represa que pode vir a arrebentar. Essa imagem mostra o
que seria o colapso mental. A água, em termos psicológicos, simboliza as emoções e o
inconsciente. Então, a represa arrebentando seria a invasão do inconsciente, com toda a sua
força, rompendo com as frágeis resistências do ego, ou da consciência. Jung diz em de seus livros
o seguinte: “a consciência individual está cercada pelo mar ameaçador do inconsciente. É apenas
aparentemente segura e confiável; na verdade, é algo frágil, assentada em bases instáveis”, ou
seja, isso já aconteceu com o lunático, mas pode acontecer com qualquer um.

E se não houver espaço em cima da colina


E se sua cabeça explodir com presságios sombrios também
Verei você no lado oculto da Lua
O lunático está na minha cabeça
O lunático está na minha cabeça

Porém, existe a possibilidade de se buscar refúgio em cima da colina, como diz a música. A colina,
nesse caso, representa o aspecto da consciência que é capaz de suportar a invasão do
inconsciente, ou seja, o próprio ego. Porém, se o indivíduo não tiver um ego forte e desenvolvido
ele poderá ser tragado pelas águas do inconsciente e enlouquecer. Sendo assim, a explosão da
cabeça, o próximo verso da música, é um a forma de representar exatamente isso, a
fragmentação da personalidade, que é reduzida a estilhaços e que leva as pessoas a agirem de
forma impulsiva e desproporcional. O lunático, então, invade e toma o lugar que antes era
ocupado pelo ego, ele agora está dentro da cabeça, como diz a música.

Você levanta a lâmina, você faz a mudança


Você me rearranja até eu estar são
Você tranca a porta
E joga a chave fora

A partir daí surge a lógica psiquiátrica frente à loucura que, com sua lâmina, ou seja, com seu
poder discriminatório, separa, divide e classifica os indivíduos de acordo com o seu diagnóstico.
No entanto, o que se observa é que, na maioria das vezes, o indivíduo se sente impotente
quando está diante dessa lógica que, não raro, usa o isolamento e a exclusão forçada como
meios de operar uma mudança, ou seja, tranca o indivíduo e joga as chaves fora, como nos
versos da música. Esse método é bastante questionado hoje em dia, na medida em que só faz
aumentar os anseios de fuga deste mundo fazendo com que a pessoa mergulhe cada vez no
inconsciente, trazendo tristeza e sofrimento.

Há alguém em minha cabeça, mas não sou eu


E se a nuvem estourar o trovão em seus ouvidos
Você grita e ninguém parece ouvir
E se a banda de que você faz parte começar a tocar em tons diferentes
Verei você no lado oculto da Lua

A música também não deixa de ser uma homenagem a todos aqueles que de um modo ou de
outro são tocados pela loucura, os vários lunáticos que estão espalhados por todos os cantos do
mundo.

10) ECLIPSE (ECLIPSE)

Tudo o que você toca


Tudo o que você vê
Tudo o que você prova
Tudo o que você sente

A música Eclipse retoma os temas abordados ao longo do disco com um novo e surpreendente
final. Ela aborda as experiências e aspectos da vida que têm relação com a personalidade
consciente, com o ego, mas que têm origem no inconsciente. Assim, os primeiros versos da
música, tudo o que você toca, vê, prova e sente, se referem às quatro funções da consciência:
Sensação (o que você toca), Pensamento (o que você vê), Sentimento (o que você prova) e
Intuição (o que você sente). Nascemos com todas estas funções em potencial dentro de nós,
mas desenvolvemos apenas uma delas, mais do que todas as outras. A função que a gente
desenvolve melhor se tornará a nossa função principal. Assim, cada indivíduo tem uma função
dominante que vai influenciar o seu modo de perceber o mundo e de se relacionar com os outros
e consigo próprio.
Quem tem a função sensação como principal prioriza os sentidos como maneira de se orientar
e foca sempre o aspecto concreto daquilo que é percebido. A função sensação percebe que algo
existe pelo gosto, cheiro, cor, forma, etc.
Se a função sensação diz que algo existe, a função pensamento interpreta e conceitua aquilo
que se apresenta. Quem tem a função pensamento como principal prima pela razão e pela lógica
dos fatos, organiza os dados dos sentidos e aquilo que vê passa a conhecer, atribuindo um
julgamento para aquilo que é percebido.
Quem tem a função sentimento como principal, por sua vez, atribui um valor a tudo que é
percebido. Este valor surge de um julgamento subjetivo e pessoal que varia de acordo com cada
um. A função sentimento leva em conta os critérios pessoais, ao contrário da função
pensamento que leva em conta critérios lógicos e racionais gerais que provém do conhecimento
humano. É importante saber que sentimento não é o mesmo que emoção. A emoção é uma
reação fisiológica que não depende de critérios de avaliação, ao contrário do sentimento, que é
uma função que atribui valores pessoais ao que é percebido.
A quarta e última função da consciência é a intuição, ou “tudo aquilo que você sente”, como diz
a música. A função intuição se refere a um tipo de percepção inconsciente sobre a realidade,
pois surge espontaneamente na consciência, como um pressentimento. Ela fornece um
conhecimento irracional sobre a experiência, sua finalidade ou possibilidades futuras. Sendo
assim, ela é oposta à função sensação, que se relaciona com os dados concretos e imediatos da
experiência.

Tudo o que você ama


Tudo o que você odeia
Tudo o que você desconfia
Tudo o que você salva

Os versos “tudo o que você ama, odeia, desconfia e salva” nos remetem novamente à questão
da conscientização e integração da própria sombra como forma de ampliarmos a nossa
consciência sobre as coisas e sobre nós mesmos. Tudo aquilo que não conhecemos ou não
aceitamos em nós mesmos tendemos a enxergar do lado de fora, nas outras pessoas. Nesse
sentido, duvidar e desconfiar de todos os nossos juízos e reações emocionais exageradas ou
desproporcionais em relação às coisas e às pessoas é extremamente importante para que
possamos nos libertar do aprisionamento causado pelas nossas projeções. Assim, podemos
ampliar a consciência sobre quem de fato nós somos, promovendo a paz e o entendimento com
aquilo que nos cerca.

Tudo o que você dá


Tudo o que você negocia,
Tudo o que você compra, mendiga ou rouba

Os versos “tudo aquilo que você dá, negocia, compra, mendiga ou rouba” nos lembram a
temática da música “Money”, que retrata algumas situações comuns no capitalismo e suas
contradições, onde as relações humanas são mediadas pelo mercado e pelo capital, e onde o
consumo tornou-se a medida de todas as coisas. Estes versos também mostram hábitos comuns
da nossa vida cotidiana, muito sujeitos a deslizes e tentações, mas que no geral representam o
jogo de papéis que cada um de nós assume na vida social. Esses papéis formam a Persona, que
é o termo utilizado por Jung para o aspecto mais visível e superficial da nossa personalidade. A
Persona é a nossa identidade social que facilita o convívio e interação com as outras pessoas. É
a máscara de cada um de nós, para o bem ou para o mal.

Tudo o que você cria


Tudo o que você destrói

Os versos “tudo o que você cria e destrói” mostram as forças opostas de criação e destruição
que se manifestam na consciência humana. Cultura e contra-cultura, ordem e revolução,
masculino e feminino, consciência e inconsciente são expressões dessas forças em constante
conflito dentro de nós, como também expressa o símbolo do yin-yang. É na nossa alma que essas
forças opostas podem dialogar e buscar o equilíbrio e a totalidade, pois todas são necessárias à
vida e à nossa existência.

Tudo o que você faz


Tudo o que você fala

Os versos “tudo o que você faz e fala” se referem a nossas atitudes, ou às escolhas e decisões
que vamos tomando ao longo da vida. Tudo aquilo que a gente faz está baseado num conjunto
de valores e códigos de conduta, que se refletem naquilo que a gente fala. Há momentos, porém,
que a nossa atitude pode ser moralmente indesejável, mas ser eticamente necessária. Isso
acontece quando optamos por não reproduzir a moral dominante e resolvemos nos tornar um
agente de transformação no nosso meio social. Isso só acontece quando nos permitimos ouvir
a nossa voz interior e colocarmos ela na prática, através das nossas atitudes.

Tudo o que você come, todo mundo que você encontra


Tudo o que você despreza, todo mundo com quem você luta
Os versos “tudo o que você come, todo mundo que você encontra, despreza e todo mundo com
quem você luta” se referem à capacidade humana de relacionar através do amor ou do poder. O
ser humano é um ser gregário por natureza. Nós precisamos nos sentir aceitos pelos outros e
também precisamos participar de uma vida em comum com as outras pessoas. Sem o instinto
gregário a nossa vida não seria possível. O que nos liga às outras pessoas não é só a necessidade
de juntar forças para um bem comum, mas também o afeto, ou seja, a nossa capacidade de
estabelecer relações afetivas, característica que está muito mais próxima dos sentimentos e das
emoções do que com o mundo da razão, voltada para o ego. O sentimento de desprezo pelo
outro está intimamente ligado ao desejo de poder, pois ele surge do nosso sentimento de
inferioridade em relação ao outro, da ignorância que temos em relação à nossa própria sombra
e da nossa incapacidade de estabelecer relações afetivas. Então, recorremos ao uso da força
física, moral ou intelectual como forma de impor uma relação baseada na dominação, na disputa
e não reconhecimento das diferenças.

Tudo o que é agora, tudo o que passou e tudo o que está por vir

Os versos “tudo o que é agora, tudo o que passou e tudo o que está por vir” nos remetem
novamente a questão do tempo. Como vimos na música “Time”, passado, presente e futuro só
podem ser percebidos pela consciência, pois sem ela tudo repousaria no mais absoluto estado
de inconsciência. Isso equivale ao desenvolvimento da nossa personalidade ao longo de todo
ciclo vital, dividido em infância, fase adulta e velhice, e também à relação do consciente com o
inconsciente, simbolicamente representados pelo Sol e pela Lua.

E todas as coisas estão em harmonia sob o Sol,


Mas o Sol é eclipsado pela Lua.

O último verso de “Eclipse”, que também é o último verso do disco, “E todas as coisas estão em
harmonia sob o sol, mas o sol é eclipsado pela Lua” nos fala que todos os fatos e eventos que
foram citados ao longo da música estão em sintonia com os valores da consciência. Nos
adaptamos à vida exterior e a vida foi transcorrendo de forma ordenada. Desenvolvemos a razão
e passamos a acreditar que ela é o único critério para conduzir nossos pensamentos e ações.
Assim também passamos a acreditar que todas os nossos questionamentos relacionados à
morte, ao tempo, à loucura e ao poder podem ser respondidos seguindo os critérios e atributos
da nossa consciência. Tudo isso está em “harmonia sob Sol”, não fosse pelo fato que de que “o
Sol é eclipsado pela Lua”. Este verso que encerra o The Dark Side of The Moon resume toda a
essência do disco. A imagem do sol eclipsado pela Lua representa a consciência sendo
obscurecida pelo inconsciente. Todos os valores, experiências e planos que nos trazem conforto
e segurança, na verdade, não passam de ilusão e fantasia. Assim, o eclipse denota o estado de
desequilíbrio que está na raiz de todas as guerras, medos, vícios, sofrimentos e vazio abordados
ao longo do disco. Desequilíbrio que é causado justamente pela unilateralidade da consciência
que se afasta do inconsciente, fazendo com ele ressurja em seu aspecto destruidor, justamente
porque foi negado, ou deixado para trás. O disco termina em sombras. Porém, Jung sempre dizia
que quanto maior a escuridão, maior a chance de se encontrar luz. O inconsciente, apesar de
avassalador, traz sempre com ele o germe da reconstrução, a semente do novo. O inconsciente
é a própria vida e tudo o que a vida quer é a realização plena de si mesma. Talvez seja justamente
isso que aquela enigmática fala colocada no fim do disco queira dizer: “Não há lado oculto da
Lua; na verdade, ela é toda escura”.

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