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Sentidos da mestiçagem no
Império do Brasil
C o m is s ã o J ulgadora
A R Q U IV O N A C IO N A L
Presidente da República
Luís Inácio Lula da Silva
Projeto gráfíco
Giselle Teixeira
Di agram ação
Alzira Reis
Capa
Ângelo Venosa
Foto da capa
Menino em Salvador, de Alberto Henschel, 1869
(coleção Reiss-Museum, Mannheim)
À memória de Sinhozinho Lima.
Ògún á jó
E màriwò
Ògún akòró
E màriwò
Iwò a gba ’lè gb'ònà
Ògún á jó
E màriwò
Màá tú yeye
Ogum dançará
Coberto com a fronde
da palmeira
Ele ocupará a casa e
o caminho
Fronde da palmeira,
cresça
Digam o que disserem os moralistas a este respeito, o entendi
mento humano deve muito às paixões, que por um comum teste
munho também lhe devem muito: ê através da sua atividade que
a nossa razão se aperfeiçoa; nós não procuramos conhecer se
não pelo fato de desejarmos gozar e não é possível compreender
a razão pela qual aquele que não tivesse nem desejos nem temo
res se daria ao trabalho de raciocinar.
Jean-Jacques Rousseau,.
D iscurso sobre a origem e fu ndam entos da desigualdade entre os hom ens
S um Ario
Prefácio 13
Introdução
M arcas de u m a p allssem ia 17
Capítulo l
Um mito se apaga 7Ü
Capítulo 2
A utilidade da estatística 93
A população e o território 95
Artifícios de classificação 98
Capítulo 3
Conclusão 203
Bibliografia 209
P r e f á c io
13
o texto de Ivana acompanha esse processo, mostrando que as noções
de identidade brasileira e de mistura de raças se apresentaram relacionadas
desde a afirmação do Brasil como país independente. Nem uma nem outra,
entretanto, tinham significados precisos e amplamente compartilhados na
quele período. Ao contrário, foram objeto de disputas de significação pelos
diversos atores sociais que interagiam no complexo cenário social das pri
meiras décadas após a abdicação de d. Pedro I, quando a perspectiva de rom
pimento com Portugal tornou-se rcalmente definitiva, deixando como her
deiro do Império do Brasil, seu filho, nascido em terras brasileiras e por isso
cabra como nós, como queriam alguns dos que foram às ruas para pedir a
abdicação do pai.
14
Delineava-se, assim, um homem de cor que não se identificava, pois
escrevia usando o recurso do anonimato, e que recusava identificações raciais.
Para ele, a igualdade entre os cidadãos brasileiros só poderia se efetivar atra
vés do silêncio sobre as marcas hierarquizantes, sentido este expresso desde a
época pombalina, que proibia que os ditos meus vassalos casados com as índi
as ou seus descendentes sejam tratados com o nome de caboclos, ou outro
semelhante que possa ser injurioso.
Por fim, um atentado terceiro capítulo aborda mais uma arena das apro
priações da mestiçagem e de sua polissemia, a discussão sobre a língua brasi
leira, que iria se propor mapear a língua falada no Brasil, buscando os elemen
15
tos a serem valorizados e integrados à norma culta. Língua mestiça que busca
va valorizar os vocábulos de origem tupi, mas que repudiava tomar-se uma
geringonça luso-africana. Fazendo parte do movimento romântico, a discus
são sobre a língua brasileira iria enfatizar a uniformidade lingüfstica como
uma das bases da unidade nacional, de fato reprimindo fortemente os falares
indígenas e africanos, ainda correntes em muitas regiões e grupos sociais do
país. Por intermédio dos personagens mestiços de Gonçalves Dias e de José de
Alencar, Ivana conclui seu trabalho explorando a forma fortemente racializada
através da qual uma certa sensibilidade romântica incorporou a questão da
heterogeneidade sociocultural eda continuidade da escravidão ao processo de
construção da identidade nacional.
1 6
In tro d ução
Claro que é difícil entender que uma confusão pudesse ter um princí
pio (no sentido de preceito, regra ou lei), mas nessa dificuldade residem os
17
múltiplos sentidos da mestiçagem. Outras expressões - que não são equivalen
tes entre si - aproximam-nos também da singularidade da época: “multiplici
dade das raças’’.’ "povo mesclado e heterogêneo’’,'* “nação composta de raças
estranhas’’,^ "amálgama do sangue, das tradições e das línguas’’.*
IK
Além disso, a noção de identidade é bastante ampla; aqui foi conside
rada a partir de três campos: a política, a população e a nação, relacionadas a
lemporalidades distintas no período que se estende entre as décadas de 1830 e
1860, Em cada um deles a questão da identidade se constituiu de forma dife
rente; as identidades raciais como tema da política no início do período regen-
cial; o conceito de população como forma de discurso e de racionalidade go
vernamental, que será enfocado ao longo das referidas décadas; e as reflexões
sobre a nacionalidade, que adquiriram uma notável relevância política e mobi
lização, sobretudo por volta da metade do século, e que aqui foram abordadas
a partir da problemática da língua nacional. A política, a população e a nação
foram os três campos em que se analisou a polissemia da mestiçagem, a qual
não se distribui simplesmente entre eles, mas também em seu interior. A cada
um foi dedicado um dos capítulos deste livro.
15
complexos com aparência de simplesmente políticos - que todo
ele se distingue pela trepidação e pela inquietação.'
Não foi objetivo deste trabalho, e nem seria possível em uma pesquisa
individual como esta, esgotar todo o material constituído pela imprensa dos
anos 1831 a 1833; trata-se de uma documentação extremamente rica e comple
xa. com uma linguagem que não é exatamente transparente para o leitor atual,
e que ainda está por merecer inúmeras pesquisas que não a submetam a cate
gorias preconcebidas e que busquem sua própria inteligibilidade.
20
A Corte do Império do Brasil era marcada por uma população diversifi
cada e em intenso e constante movimento. A formação da população da cidade,
desde a mais arraigada, fixa, até a mais flutuante, estava em estreita ligação com
suas diferentes funções. Enquanto capital, exercia atração não só sobre homens
de negócio e produção, mas também sobre visitantes involuntários, como os das
“deputações de índios selvagens” para a contemplação do imperador e para o
enriquecimento da coleção do Museu Nacional, com seus exóticos objetos. índi
os cuja visita seria ainda mais involuntária, porque capturados em “guerra Justa”
nas províncias distantes, eram trazidos para trabalhar em obras públicas. Do
interior vinham também tropeiros, que levavam suas mulas para beber água no
Campo de Santana. Chegavam escravos que fugiam das fazendas, abrigando-se
no anonimato da cidade. “Atravessadores” de escravos vindos de outras provín
cias encontravam no Rio compradores, ou outros atravessadores. Havia ainda os
que eram vistos como arredios e pérfidos ciganos, que vendiam bugigangas ama
relas como se fossem ouro, e que tanto preocuparam as autoridades que não
conseguiam sequer enquadrar seu comportamento no Código Criminal.’
2 1
social, apesar da escravidão, senão contra a mesma. O conceito de cidade
negra desenvolvido por este autor c um horizonte presente, mesmo que nem
sempre explícito, nesta pesquisa. O que conceitua como cidade negra ocupou
espaços físicos e simbólicos marginais, e apesar de objeto de práticas especí
ficas de dominação e controle, seus membros devem ser considerados pelo
historiador como sujeitos históricos, em seu sentido micropoIítico.'“
23
vos”, por exemplo. E essa diferença não é casual, ela revela uma dimensão soci
al tensa. Um dos momentos em que essa tensão tomou a forma de ameaças arma
das às autoridades foram as revoltas em algumas localidades do Nordeste no
final de 1851, por ocasião do Regulamento para o recenseamento da população
do Império e para o registro civil de nascimentos e óbitos.'®
24
Segundo limar Rohioff de Mattos, a difusão de um “espírito de associa
ção” constituiu uma dimensão essencial do que conceitua como ações do gover
no do Estado sobre o governo da Casa, atuando de modo eficaz e duradouro, na
medida em que procuraria construir um consenso^' em torno da suposta unidade
moral, cultural, histórica da nação, O movimento romântico teve nesse processo
um papel central. A literatura brasileira, a língua brasileira, a história e a ciên
cia nacionais ajudaram a construir aquela unidade, perturbada (ao menos para
alguns) pela existência das divisões. Aquestão seria como, simbolicamente, con
ceber essas divisões em uma unidade? A concepção de nação no Império do
Brasil não operava uma união direta entre os cidadãos. Ao contrário, as diferen
ças não só eram percebidas, mas também entendidas como naturais. Contudo,
nem por isso foi uma operação tranqüila para os românticos, notadamente em
Gonçalves Dias. E tampouco isenta de disputas, tendo deixado 'testígios a serem
recuperados. A questão do terceiro capítulo deste livro interroga exatamente de
que forma o processo de construção de uma língua nacional lidou com a diversi
dade; como ela fez face à polissemia da mestiçagem?
25
ve, de um lado, uma incorporação, procurando transformar um conjunto de lín
guas em uma língua brasileira e, de outro lado, todo um processo de depuração
do que era considerado indigno de se fazer representar naquela língua, sobretu
do uma depuração dos africanismos. Daí o título do capítulo evocar, por um
lado, o que foi apontado por um contemporâneo como a “geringonça luso-afri-
cana”, um falar viciado, desprezível, que estaria contaminando até mesmo as
pessoas “de qualidade” e, por outro, as elaborações românticas sobre o tupi e
como isso significava uma exclusão das demais línguas indígenas.
26
Mariella, Simone Rodrigues e, especialmente, à minha irmã Tânia StolzeLima.
A meus amigos da Casa de Rui Barbosa agradeço a carinhosa e estimulante
acolhida. Os funcionários do Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional, Biblio
teca da PUC-Rio e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro foram funda
mentais para a realização deste trabalho. O CNPq concedeu o auxílio financei
ro indispensável para a dedicação à pesquisa.
27
N o tas
2 A expressão faz parte do discurso de Nicolau Rodrigues dos Santos França e Leite, na funda
ção da Sociedade Conma o Tráfico e Promotora da Colonização, e Civilização dos Indígenas.
O Philantropo, n* 76, de 13 de setembro de 1850.
3 idem.
5 Leopoldo Cesar Burlamaque, apud Célia Azevedo, Onda negra medo branco: o negro no
imaginário das eliles no século XIX, p. 43
7 Essa recorrência foi o tema da minha dissertação de mestrado: Ivana Stolze Lima, O
Brasil mestiço: discurso e prática sobre relações raciais na passagem do século XIX
para o século XX.
9 J, B. Debrel, Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, p. 7-8; Mary Karasch, Slave life in
Rio de Janeiro(IS0S-I850), p, 7; Thomas Kolioway, Polícia no Rio de Janeiro, p. 22 e 129;
Sidney Chalhoub, W.iõej, da liberdade, p. 50 e segs.: Gilberto Frcyre, op. cit., p. 256-257 c 460.
10 Um ofício da Secretaria de Polícia da Corte (Arquivo Nacional, IJ6 204, 25 de abril de 1845)
cita o caso de três mulheres provenientes de Montevidéu e que, provavelmente, tendo sido
abolida a escravidão naquele país em 1842, foram trazidas para serem vendidas como escravas.
O caso suscitou também o problema do regresso de escravos levados para fora do Brasil, uma
vez que a lei de 1831 proibia a entrada de escravos. No Diário do Rio de Janeiro (2 de
Janeiro de 1850, n. 8.290), existe referência a quatro “orientais", da República Oriental do
Uruguai, que estariam sendo escravizados ilegalmente na Corte, o que sugere que isso tenha
sido um problema comum.
11 Mary Karasch, op. cit., p. 3 e 9. Acredito porém que se deva ler cuidado com a conclusão
da autora, pois o estatuto de imigrante livre, embora não seja impossível, pode ter sido um
subterfúgio de comerciantes ou proprietários para burlar a lei de 1831, que proibia a entra
da de escravos no país.
12 Secretaria de Polícia da Corte, op. cit.. Arquivo Nacional, IJ6 204, 1845.
13 Gilberto Preyre fala dos “escravos quase louros que aqui chegavam, das aldeias portuguesas,
uns inocentes de oito, nove anos”. O autor cita outros exemplos colhidos de anúncios de
jornal, oferecendo-se ou procurando-se portugueses enlre dez e 14 anos. Gilberto Freyre,
o pcit.,p, 271-272 e.134- ”
28
14 “A cidade negra é o engendramento de um tecido de significados e de práticas sociais que
politiza o cotidiano dos sujeitos históricos f...] no sentido da transformação de eventos
aparentemente corriqueiros no cotidiano das relações sociais na escravidão em aconteci
mentos poKUcos que fazem desmoronar os pilares da instituição do trabalho forçado. Castigos,
alforrias, atos de compra c venda, licenças para que negros vivam ‘sobre si’, e outras ações
comuns na escravidão se configuram então como momentos de crise, como atos que são
percebidos pelas personagens históricas como potencialmente transformadores de suas vidas
e da sociedade na qual participam, Em suma, a formação da cidade negra é o processo de
luta dos negros no sentido de instituir a poUtica ~ ou seja, a busca da liberdade - onde
antes havia fundamentalmente a rotina”, S. Chalhoub, op. cit., p. 186.
15 Sobre esse tema, as seguintes obras de Martha Abreu constituem referências fundamentais:
Festas religiosas no Rio de Janeiro: perspectivas de controle e tolerância no século XIX, p.
183-203; c O império do divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro -
1830-1900.
19 É importante ainda ressaltar que as reflexões de Hebe Maria Mattos acerca dos signiFicados
da cor na sociedade escravista do século XIX constituem referencias importantes no desen
volvimento deste trabalho. Hebe Maria Mattos, Das cores do silêncio: os significados da
liberdade no sudeste escravista - Brasil século XIX; e Escravidão e cidadania no Brasil
monárquico.
20 Para a crftica a esta imagem de apogeu do Segundo Reinado nas décadas de 18S0 e 1860,
ver Sidney Chalhoub, Diálogos políticos em Machado de Assis, p. 103-104. E também
limar Rohloff de Mattos, op. cit., especialmente p. 83, 116 e 128.
29
C apItulo 1
31
como auto-imagem positiva, ora como xingamenio ou insulto, ora como
desqualificação. Há uma historicidadcda questão racial.~e neste momento
encontramos uma forma própria de invenção do tema das diferenças raciais,
preenchendo de significados políticos palavras como “mulato” ou “branco”
—algo que acontecia simultaneamente aos conteúdos reivindicados para o
atribulo “brasileiro”.
32
o tempo que será aqui considerado, os anos de 1831 a 1833, é ainda
marcado pelo processo da consolidação da emancipação do Estado, iniciado
em 1822, bem como pela formação de uma sociedade política cujos núcleos
serão titulados como cidadãos, seguindo os preceitos daquela época liberal. O
liberalismo não existe em forma pura, existe apenas referido a certos usos, e
sua ocorrência, mesclada a muitas outras formas de entender e imprimir valor
ao mundo, não é menos material por isso. Por outro lado, não foi apenas o
corpo de doutrinas, valores e mecanismos de representação política do libera
lismo que influiu na construção das concepções de identidade nacional e das
designações raciais produzidas por certos campos discursivos.
3.T
A revolução na imprensa e a revolução na rua
Íi4
M ultiplicava-se o alcance da palavra im pressa." Nesses casos a dimen
são coletiva dos pasquins torna-se evidente. Esses impressos não se des
tinavam apenas a uma leitura individual ou isolada, mas sim a uma ence
nação pública. Em 1832, houve um motim que reivindicava a volta de
um ministro:
Uma das testemunhas do caso contava que viu "um fulano conhe
cido por Fuão que parece ser branco" e que "na parede do Correio afixara
uma proclamação convidando os povos às arm as”. Naquele dia, outros
impressos foram também distribuídos à multidão.'^
35
mento burocrático. Publicava-se nela, ainda que sob a condição da censu
ra prévia dos manuscritos, muito mais que papéis oficiais, leis e avisos.
36
o teatro, o riso e a polissemia das identidades
37
das, bem como os demais. Aliás, é notável o tempo c o espaço dedicados a polêmi
cas que quase só diziam respeito à própria vontade de polemizar.
Em estilo jocoso, o Sete de Abril publicava uns versinhos sobre João Ba
tista de Queiroz, atribuindo-lhe a autoria de alguns títulos, que terminavam assim:
ás
escreveu o Verdadeiro Patriota, e muito nos insultou chamando-nos Cabelos In
subordinados? Quem disto souber, e nos queira esclarecer, receberá al víssaras”.**
39
cada um no tom. que llie insinua a comunhão a que pertence. Reina a intriga,
continua o Despotismo, tudo são paixões particulares...”.^’
40
tarde, à noite, vive na ociosidade mais profunda discorrendo sobre política; e
que política!".^' O mesmo estranhamento era expresso em outros periódicos,
como se. fora de espaços delimitados e de certos códigos compartilhados, falar
de política fosse uma pretensão descabida. Já não se podia, porém, conter uma
onda da qua! a imprensa retirava sua razão de existência. Seria importante, aos
olhos das posições semelhantes à da Aurora, temperar a linguagem. A livraria
resguardava-se da desordem do teatro da rua: os botequins, armarinhos, boticas...
41
Os criados ocupam, entre os personagens, o papel da sabedoria e do
equilíbrio, Um deles é o dono do teatrinho, e lhe empresta o nome. O tcatrinho.
aqui, é impresso, simulacro de vários outros teatros particulares espalhados pela
cidade, mantidos por amadores, como o Teatrinho do Largo de S. Domingos,'* o
Teatrinho do Largo do Rocio, que entre 1815 e 1817 disputava a audiência com
o Real Teatro de São João, e a Sociedade do Teatrinho da Rua dos Arcos.'’
42
E o Conselheiro acrescenta: “É justo; uma pitada boa tem seu lugar, e
quando é em boceta alheia tanto melhor!”. Além dessas pitadas, a pinga circu
lava: Gerebita não cra o único beberrào. Ripanso procurava encaminhar me
lhor a reunião:
(...) vamos sempre tratar de objetos legais, que interessam cá aos nos
sos: cá eslá 0 nosso financeiro presente, e o seu novo colega que deve
ser ensaiado na matéria; temos também aqui vários liberais entendi
dos no negócio; ele é de espalhar capitais; isto de capitais empatados
não nos convém, porque são o mesmo que bens em mão de frades.
43
através de palavras que dançam. O fato de tratar-se de uma peça, de um discur
so organizado em forma de diálogos, cenas, um pequeno enredo, não deve
obliterar sua materialidade de palavra escrita, que talvez nesse caso seja o
próprio fim deste discurso. Dizendo de outra maneira: esse discurso não tem
como finalidade uma única encenação, que lhe completaria o objetivo; mas,
cm si, parece ser um uso pouco convencional da palavra escrita e impressa.
Não é simplesmente uma peça de teatro que foi impressa, é uma práti
ca cultural - o teatro burlesco - que se apropria da crescente difusão dos peri
ódicos. Por outro lado, a linguagem dos periódicos é invadida por essa orali-
dade e dramatização.
Severo:
Victor sério Lagartixa!
Leve o diabo paixões!
Imitemos nossos amos
Não sejamos toleirões!
44
Lagartixa:
Eu não posso meu Severo
Ter uma alma de cortiça
Se a Igreja vai por terra
Adeus pechinchai Adeus missa!
Severo:
Vasconcelar, minha bela
É coisinha delicada!
É pechincha que tem feito
Muita gente moderada!
Severo:
Eu quase estalo de riso
Quando vejo no Brasil
As mil caras que tem feito
Certa gentinha d’Abril.
Ora taques tataques.
Lagartixa;
Quando a aleluia chegar
Que coisinhas se verão!
Uns a correrem sem sangue
Outros de calções na mão.
Ora taques tataques
Severo:
Então nós ambos unidos
Por um laço verdadeiro
Veremos esses bandalhos
Como porcos no chiqueiro.
45
Mais um indfcio da cultura política no teatro é a comédia de Martins
Pena, O juiz de paz na roça. escrita, segundo Darcy Damasceno. em 1833.
embora não tenha sido logo encenada, pois o autor, então com 18 anos, tecia
temido pela sua ambição de desfrutar um emprego público (o que ele, ironica
mente. conseguiu poucos anos depois). Seu desfecho é um festivo fado, cujo
anfitrião declara: “Essa casa não é agora do juiz de paz - é de João Rodri
gues” .'*' Em seu decorrer, vários movimentos da presença do Estado (o recruta
mento, a guerra para garantir a unidade nacional, as eleições, a “justiça" do juiz
da paz, a Constituição, a Assembléia Provincial) tornam-se matéria de riso.
46
dúvida, é um racha na estrutura do mundo, na clássica natureza ordenada. Como
sugere Georges Balandier, o biifáo indica que “as classificações impostas pela
sociedade e pela cultura podem ser confu.sas”,'*’
47
Os perversos aos quais dói o cabelo,
Por causa das ações mal enroladas,
Com gritos, e palavras enfeitadas.
Aos bons querem quebrar o tornozelo.
Alguns temas que aparecem nesses versinhos são recorrentes. Por exem
plo, a junção do cabelo a ações “mal enroladas”, sugerindo cabelos enrolados,
sinal físico possivelmente atribuído a quem não fosse branco. Insulto semelhan
te foi o de “Cabelos Insubordinados”, em trecho já citado.^* Vemos também a
crítica tanto à violência das “rajadas”, quanto à inspiração norte-americana.
48
Como em muitos outros periódicos, n atuação dos militares é uma importante
reivindicação de O Filho da Terra. Trata-se, em suma, de tentativa séria.
O Amigo fica surpreso ainda por ser o tal veterano “tão branco" e seu
filho ter saído “tão fusco”. O Veterano responde que a verdadeira mãe do me
nino não era a escrava, e sim uma sua amante, “alva como a neve”. (Parece que
nos deparamos aqui com um furo no roteiro, pois como teria o menino saído
"fusco”? A não ser que seu objetivo fosse afirmar que mesmo com pais bran
cos tal possibilidade existiria.)
O menino foi criado com toda a atenção pelo Veterano. Foi mandado à
escola, mas o mestre não lhe ensinou as primeiras letras, pois ocupava todo o
seu tempo em “ler gazelas” e discutir política com “alfaiates”. Após algumas
aventuras educacionais, o Pai tencionava mandá-lo a Paris para estudar, po
rém “toda sua inclinação e vontade era aprender a sapateiro”. Logrando em
barcar o filho, tampouco teve sucesso seu zelo paterno:
49
Chegara porém em algo modificado, agora “sua mania é querer ser
escritor público"'.
50
voga: esia é a lática que lenho seguido desde que me entendo; e
não me tenho dado mal com ela,
—Porém, João, e se... se...
-A h! ah! ah! ah! ah! Para então já eu lenho feito cálculos; e v, m.
verá como hei de ir com vento em popa. Olhe. quando sc tratou
das nomeações de S.... çu tive inimigos, que votaram a meu fa
vor; tais foram meus artifícios! Contar-ihe-ci ura caso, que vem
a propdsito. Minha mulher, logo depois do nosso casamento,
entrou a parecer desgostosa, por me não ouvir nunca falar em
pais c avós etc. etc.; receando que (pobre inocente!) quem me
não conhecesse a ascendência {é boa asneira!) supuseste não ser
eu oriundo das principais famílias do Brasil: porém hoje está
tão crente no [sic| meu puritanismo. que fala em farroupilhas, e
em gente ordinária, com uma frescura, que faz gosto! Meu ami
go. esta é a grande vantagem que eu tenho tido nos meus negó
cios; dc maneira que sempre saio com partido cm todos eles.”
31
qualificação dos oficiais da Guarda Nacional, e propunha a separação entre os
batalhões "segundo os quilates da cor”. O mesmo usara expressões curiosas para
retratar as clivagens sociais, opondo “habitantes pacíficos e que têm a perder",
que "fogem de ajuntamentos populares”, de um lado, c, de outro, o eufêmico
"gente que lisonjeia o povo”. Ora, um dos principais interesses defendidos pelo O
Homem de Cor era exatamente a participação naquela instituição, e a essas cliva
gens e divisões replicava com o seguinte argumento: “o título 2" da Constituição
marcando os cidadãos brasileiros não distinguiu o roxo do amarelo o vermelho do
preto, mas o ditador Zeferino, na pátria dos Agostinhos, e Camões, ousou em me
noscabo da grande Lei cravar agudo punhal em os peitos brasileiros”.
52
Lima e Silva, Carlos Miguel de Lima (e irmão do futuro duque de Caxias. Luís
Alves de Lima e Silva, que desde 1831 ocupava um posto de comando na orga
nização policial), episódio que ocupou as páginas impressas de vários jornais,
dividindo os partidos de opinião. A Aurora Fluminense procurou retirar o con
teúdo político do assassinato, ao afirmar que era do campo da honra familiar,
ferida pelo redator, que teria dado tempos antes um depoimento a uma autorida
de Judicial no qual as irmãs do regente leriam sido caluniadas. AAurora tentava
equilibrar a lei pública e a lei familiar: “Nós não podemos aprovar uma ação que
as leis condenam, mas perguntamos a qualquer pai, esposo, ou irmão o que fa
zia, se acerca do que lhe é mais caro, de pessoas de um sexo que não tem defesa,
um bandido, um insolente usasse da linguagem que usou em público, perante um
juiz, o indivíduo que foi acutilado pelo sr. Carlos Miguel de Lima?!”.’*Ao contrá
rio, O Homem de Cor refutava o conteúdo e a própria existência desses documen
tos, eprocurava denunciar a impunidade de crime injusto. Mais uma vez procura
va afirmar sua identidade: “Criminoso seria o homem de cor, se na crise mais
aniscada, na ocasião em que os agentes do poder desembainham as espadas dando
profundos golpes na Constituição, na Liberdade, e em tudo que há de mais sagra
do no enjeitado Brasil, guardasse mudo silêncio, filho da coação, ou do terror”.’*
53
munhas afirmou ter o impresso saído da Tipografia do Diário.*’ Essa referên
cia ê importante, pois quando um impresso anônimo tivesse seu teor conside
rado subversivo, o tipógrafo é que deveria indicar o autor ou ser responsabili
zado pelo “abuso da liberdade de imprensa”.
54
J
ça de cor e islo enlre os homens livres! A Constituição tantas
ve/es desflorada pelos moderados, é hoje apenas letras de que
apreço nenhum fazem os liberais por excelência. Seria melhor
que tomassem o conselho do Homem de Cor. que não exaspe
rassem os mulatos sempre amigos da Ici e da ordem, e se deixas
sem de distinções que em verdade são fatalíssimas. mormente
quando a nação brasileira se acha dilacerada pelos partidos
55
"integração" (perspeetiva que diluí os conflitos de identidade tão fortes
nesse momento), nem s6 ‘‘preconceito’’. Ainda que de forma tensa, nesses
anos iniciais do período regencial e da Guarda Nacional, encontra-se, como
os jornais indicam, a tentativa de participação dos autodesignados "cida
dãos mulatos", íncluindo-se a possibilidade de participação dos libertos.''*
5o
Analisando o pensamenio liberal reformista do período que se es
tende entre 1827 e 1837, Thomas Flory nota a mesma atitude de negação
por parte de Evaristo da Veiga a respeito do “descontentamento de grupos
livres de cor” . Segundo Flory, os liberais procuravam criar uma visão de
coesão social; “Reconhecendo seu ponto mais fraco, a imprensa liberal
fez um débil intento para convencer seus leitores (ou a si mesma) de que
os grupos racialmente ‘impuros’ compartilhavam os interesses sociais co
muns de um Brasil basicamente harmonioso”. Essa “intriga de cores” era
também designada como “haitianismo” pelos liberais moderados. Aquele
autor, embora não tenha aprofundado a investigação sobre os jornais por
ele apenas citados, como O Mulato ou O Brasileiro Pardo, chama a aten
ção para um “vocabulário simbólico” expresso nestas disputas sobre a raça:
“Grande parte destas discussões sobre raça podiam ser vistas mais exala-
mente como parte de um vocabulário simbólico em que se debatia a ques
tão mais geral das classes”.’^
L 37
de “estilo emaranhado”/* e apresenta mais uma variação das figuras raciais;
cruzador. Nascer mulato seria um ivisie acidente.
58
“viu-se pela primeira vez uma promoção de mulatos, para oficiais de linha
[...); nomearam-se presidentes, e secretários mulatos: foram dignitários, ofi
ciais e cavaleiros da nova ordem do Cruzeiro, c de outras assim o mulato
teve de crer. que já era homem".
Afirma ainda que a palavra “pardo” não teria o mesmo efeito escanda
loso, e que, em compensação, não “tem nenhum sentido, e não designa coisa
alguma com precisão". Neste trecho também bastante emaranhado, surge um
matiz novo, trigueiro:
Uà 59
Essas afirmações um tanto confusas, emaranhadas, de alguma forma
advogavam pela incerteza racial, pela mobilidade das definições, pela gradua
ção, mais que pela essencialização. O Sentinela, procurando fazer com que a
gente mulata fosse “lembrada” após o 7 de Abril, contestava a afirmação da
Aurora de que haveria representantes dos “homens de cor” no Colégio Eleito
ral, no Júri, na Magistratura e no Clero. Não se encontrariam nessas funções
senão três nomes textualmente citados.*’ Mais uma vez defende a Constitui
ção: “no Brasil não há brancos, nem mulatos, há cidadãos brasileiros, ingênu
os ou libertos!! Esta é a frase da Constituição; e é a Constituição de fato que
quer o Sentinela” .** A Carta “não trata de cores”, e por isso deve ser extinta a
“jerarquia fsic]e aristocracia de cores”. Afinal, os mulatos são “cidadãos reco
nhecidos”, que vivem empenhados em “conservar a boa ordem” entre “ho
mens igualmente filhos de Deus, e todos cristãos”.*'*
60
bundeíra a ser levantada eom obediência. Isto é, o discurso antilusitano dos
moderados era visto como falso e ilusório. Assim escrevia O Brasileiro Pardo'.
61
A abundância das designações, das formas de ideniificação, compõe
uma linguagem racial na apresentação das disputas políticas. Porém, não pare
cia referir-se a uma pura ou evidente identidade étnica natural. O Cabrito fala
va em “brasileiros mulatos”, “cabrito vosso patrício”, “malvados chumbeiros”;
O Brasileiro Pardo, em “homens de minha classe”, “homens de minha cor",
“gente da classe média”, “nós, os pardos”. Há uma espécie de jogo de xinga-
mentos e atribuições de identidades. Tratando de contexto diferente —Salva
dor na década anterior —. João José Reis comenta a guerra de símbolos entre
setores da população, e os in.sultos de “cabras” e “caiados”:
f>2
aproximar-se dos “homens de cor, enquanto se persuadirem, que dali se possa tirar
partido em proveito chimangal", da mesma forma como fizeram no “7 de abril”:
63
folha alguns pedaços da mesma exposição, para lembrá-las a
alguns que já se tiverem esquecido.”
64
os caramurus, que leve, e lem com os exaltados, contem com
eles l—]. Contudo fazei justiça aos verdadeiros exaltados: ficai
certos, que, quando esse príncipe galego vier às nossas praias,
os exaltados formando ura corpo separado, mostrarão que sa
bem baier-se cm defesa da pátria e da liberdade, e preferem
morrer livres a ser escravo d’um lusitano.
k. 65
A defesa dos direitos dos ‘‘mulatinhos”, porém, parece servir a dois
intuitos. De um lado, o trecho traz a defesa dos “talentos e virtudes”, e de
outro ironiza a frase do senador, e defende a lei de naturalização.
Está doido. Qual doido nem pcra doido. Outro dia o sr. Vasconcelos
dando o seu passeio a pé por não ter sege, porque desgraçadamenie
é um dos homens que entrou pobre para ministro da Fazenda, e saiu
pobríssimo, c como o sr. Vasconcelos é achacado de moléstia nas
pernas (o que tem causado não pequeno número de lágrimas aos
homens de bem longe) e anda tropicando, vinha por acaso atrás do
dito sr. um preto tocando rebeca Moçambique, pois logo o sr. má
língua disse que o sr. Vasconcelos vinha da floresta,’* e que todos
os dias ia a este lugar aprender a dançar a contradança da valsa
tirada da marcha do rei da França com o mestre Lucas. Ah! bom
Feijó, que só tu és capaz de acabar com esta corja.”
Tal como é definido por Roland Barlhes, o conceito mítico é uma “con
densação informal, instável, nebulosa, cuja unidade c coerência provêm sobre
tudo da sua função’’.”” Ao operar a aproximação entre tal conceito e os usos
encontrados nas polêmicas da imprensa, não se espera esvaziar seu significado,
mas sim singularizar formas de representação da política que parecem ter se
perdido com o avançar da década de 1830, e as exclusões no acesso ao título de
cidadão no processo de consolidação do Estado imperial. Barthes afirma ainda:
“O mito não esconde nada e nada ostenta também; deforma; o mito não é nem
66
uma mentira nem uma confissão; é uma innexão".“* Outros mitos sucederam-
se, passando a privilegiar, na nacionalidade, as formas de homogeneidade e uni
dade, em detrimento da reflexão sobre as diferenças e clivagens sociais.
67
e óperas italianas, companhias contratadas em Paris e representações clás
sicas. Como acontecia aos militares estrangeiros, os atores, cantores, dan
çarinos estavam sendo demitidos e substituídos por “atores nacionais, em
geral mulatos" que “infelizmenle colhiam patriótico aplauso". Compunha-
se um “drama popular” em que “predominavam completamente os mulatos;
arranjavam, como melhor podiam, alguns dramas modernos, traduziam hor
rivelmente as novidades estrangeiras, e nunca esqueciam de condimentar
exageradamente esse mingau dramático com as mais ridículas alusões aos
funestos dias de abril, qual pimenta malagueta, tornando o prato totalmente
intragável para paladar europeu” . D e s s a forma, o teatro foi tomado (as
sim como as ruas) pelos assuntos políticos, e pela própria política.
ÕS
desde que o ícatro assumira carâier político, os espectadores
não estavam seguros da vida. O povo tinha sacudido os grilhões,
como um urso dançarino escapa a seu guia; sofrerá fome e sede,
pois na sua selvageria domada não sabia aiimentar-se por si mes
mo; procurava novo senhor, melhor, mas não podia decidir-se na
escolha. O teatro imperial tomou-se o teatro do novo drama nacio
nal. Toda geme participava na representação, no palco, atrás dos
bastidores, na platéia, nos camarotes, nas galerias; na tola loucu
ra do entusiasmo da hora todos se supunham artistas natos.""
A representação parece que tinha saído dos limites em que deveria ser
contida, perdendo sua marca. A insegurança alcançava um momento delicado
no episódio conhecido como “tiros no teatro*’, que ocorreu em 2S de setembro
de 1831.''” Esse episódio foi cuidadosamente rememorado pela imprensa, tan
to lamentando os mártires, como atacando o "Saturnino Olerê”, ou Saturnino
Oliveira, juiz de paz responsável pela “matança do teatro". Já segundo a A«ro-
ra Fluminense, tudo foi tramado pelos ‘^agentes, ou soldados da Nova Luz, e
do Jurujuba. Estes apenas reúnem qualquer pequena força, saem logo com o
negro braço assassino”. O acontecimento é assim narrado por Seidler;
69
exibir e o comentou com breve monólogo”. O juiz procurou impedir que as
pessoas deixassem o recinto, para prender os “desordeiros”, no entanto os sol
dados, ao chegar às portas, foram alvo de tiros da platéia, “e a multidão furiosa
avançou sobre eles como a maré tempestuosa”. Segundo Seidier, o juiz de paz,
desgastado, ordenou que se atirasse contra a multidão, o que resultou em “mais
de trinta mortos e feridos”. Dentre estes, o único lamentado por Seidler é um
negociante suíço “a quem com certeza era sumamente indiferente que o Brasil
fosse república ou monarquia" e que provavelmente “depois de afinal curado
[...] nunca mais ele foi ao teatro no Rio de Janeiro”.'®
7(1
o Brasil é a icrra malriz da natureza e do mundo das fadas, terra
da fantasia e da insensatez, da anarquia, da especulação, terra
de macacos, frades e mulatos, o Estado imperial de um arlequim
de traje multicor, que com a sua vara de condão transforma ouro
em papel, pão em pedra, homens era animais, e que na velha
pantomina ‘Juca. o macaco brasileiro’ mostra sua ascendência
sobre súditos quadrúpedes.'*^
71
cio, cantoria e iluminação das casas. Era costume antigo da cultura portu
guesa grupos se reunirem em torno da viola e da fogueira; competidores
que conseguissem destruir tanto um como outro enchiam-se de orgulho.’*^
Pois bem, aqui uns procuravam destruir fogueiras alheias, enquanto tentavam
gritar mais alto seu próprio viva.
72
tropa. Voltou em seguida ao Rocio e achou “dois grupos de povo" a quem
ordenou que se recolhessem “já que não eram horas próprias de andarem à
rua", mas estes começaram os vivas: também a “Sua Majestade o impera
dor", porém acrescentando um decisivo “constitucional” e vivas à Assem
bléia Legislativa e aos “deputados liberais” . Queixaram-se ainda que “os
portugueses tinham derramado sangue dos brasileiros e que devia ser vin
gado [sic]". Uma das testemunhas descreve um dos grupos que gritavam
pela federação como “uma porção de homens quase todos pardos de ja
quetas armados de pau” e com “muito poucos homens brancos” . Nova
mente um “grande bando com músicos” vem pela rua do Ouvidor, dizendo
que iam “acabar com os republicanos e federalistas”, a quem a autoridade
faz retornar, dessa vez com uma escolta de cavalaria e infantaria. Voltan
do ao Rocio, a autoridade foi atingida por uma pedra. A confusão perma
neceu ainda durante algum tempo. Os grupos se enfrentaram com fundos
de garrafas e outros objetos. Muitos foram presos (como, por exemplo,
“os pretos José Honório, José Bernardes, Antônio José Lopes, Egídio
Manuel, Manuel Francisco, e os pardos Elias de Sousa, Bonifácio José,
Alexandrino Antônio. Albino Joaquim da Costa, e o francês Pedro Lior-
de”, e um escravo que mentiu dizendo ser forro). A polícia atirou sobre a
multidão, mas provavelmente o que de fato dispersou os rivais tenha sido
o temporal que se abateu sobre a cidade. Dentre os muitos feridos, um
cadete de prim eira linha, Luís Carlos Cardoso Cajueiro, natural do M ara
nhão, a quem o coronel Frias prendeu para evitar que morresse das paula
das que recebera, pois, ao observar as luminárias, um grupo de homens se
aproximou dando vivas ao imperador e ele respondeu o fatídico “constitu
cional”. Teve a cabeça quebrada por isso.
i 73
atual Primeiro de Março, e próxima ao campo “português” , ele dava vivas
à Federação direcionados à tropa que ali se encontrava, isto é, aliciava os
próprios mantenedores da ordem.
lA
que se autodesignaram “brasileiros” não nasceram necessariamente no Bra
sil. Muitos dos “cabras” ou “pardos” não eram forçosamenle de pele escura.
Exaltados de Salvador, na mesma época, defendiam a substituição do impe
rador por seu filho, afirmando que Pedro II é “cabra como nós”,'*''
L 75
Um mito se apaga
76
qüilização do restabelecimento da “paz”, mas também aproveitando para
lembrar a conveniente “confiança no governo”.
77
Aureliano Coutinho era o ministro da Justiça em 1833, e em seu
relatório defendeu a reformulação dos critérios e práticas para a repressão
à imprensa:
78
as” e '‘injúrias” , e o alarme precisava ser soado pois “um abismo horro
roso está a um só passo de nós", e apenas o governo poderá “salvar o
Brasil”. O ministro da Justiça alertava para os diferentes meios de que o
escritor dispunha para escapar à responsabilidade. A sua proposta con
sistia em que as injúrias, calúnias e ameaças, classificadas como crimes
policiais, fossem do mesmo modo consideradas quando aparecessem na
forma de impressos,
79
N otas
5 Sobre a ação do inventário como atividade do historiador que evita impor seus próprios
conceitos como eternos, e que por isso preza a histori cidade, a des continuidade reconhe
cendo as tensões entre passado e presente, ver Paul Veyne, O invemário das diferenças.
4 A historiografia produzida na segunda metade do século XIX sobre esse período, que
usou depoimentos orais e documentos, representada principalmenle por Moreira de
Azevedo, é muito parcial em defesa dos valores de sua própria época política, e do
desenrolar político do processo de formação do Estado, em concepção semelhante à de
Justiniano José da Rocha: encontram-se pouquíssimas observações sobre os grupos
sociais ali interessados em fazer política e mesmo sobre seus objetivos c projetos. Os
seguintes artigos são de autoria de Moreira de Azevedo (ver bibliografia); Os tiros no
teatro; motim popular no Rio de Janeiro; Motim político de 3 de abril de 1832 no Rio de
Janeiro; Sedição militar de juiho de 1S3U Motim político de 17 de abril de 1832 no
Rio de Janeiro; Origem e desenvolvimento da imprensa no Rio de Janeiro; Motim político
de dezembro de 1333 no Rio de Janeiro. No que concerne ao horizonte teórico em que
esses movimentos foram enquadrados, bem como a posterior ordem política consoli
dada, teve papel fundamental o autor Justiniano José da Rocha cm seu célebre panfleto
Ação, reação, transação. Escreve ele; “A anarquia foi comprimida!". In Raimundo
Magalhães Júnior, Três panfletários do Segundo Reinado, p. 178-180. Sua concepção de
história, que revela sua representação sobre seu próprio tempo, ê analisada por limar
Rohioff de Mattos, O tempo saquarema, p. 133 e segs.
3 A expressão foi utilizada por João José Reis que, referindo-se ã guerra da Independência na
Bahia, em 1822 e 1823, explora de forma interessante os insultos de "cabra" e "caiado",
apontando uma "linguagem racial como dispositivo de combale". O jogo duro do Dois de
Julho; o ‘Partido Negro' na Independência da Bahia, in João José Reis e Eduardo Silva.
Negociação e conflito, p. 85. Esse artigo será retomado adiante.
6 A ortografia dos periódicos foi atualizada, embora tenha sido mantida a pontuação original,
mas não o uso de minúsculas e maiúsculas. Todos os grifos que aparecem são originais;
nenhum grifo foi acrescentado. Optei por não enfatizar nenhuma citação dos periódicos, pois
diferentes formas de grifo faziam parte da diagramação original desses impressos (itálicos,
negrito, palavras inteiras em maiúsculas e, ãs vezes, os tipos invertidos de ponta-cabeça).
Procurei ainda, na medida do possível, ser fiel a esses grifos originais.
80
10 N o v a L u z B r a s i l e i r a . a° 14S, S de ju n h o de 1831.
II Roger Chartier recuperou os variados u.sos populares da palavra escrita para o contexto
europeu. As práticas da cscríla, in Roger Charlier e Philippe Ariès (orgs.). História da vida
privada, v. 3: Da Renascença ao sdculo das Luzes, p, 147,
12 Processo Lafuente (Autos de sumário... pelo motim e assuida, ajuntamemo ilícito no largo du
Paço e lugar do Correio no dia doze de setembro da pane que faz culpa ao réu Maurício
José Lafuente. 1832). Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos. (Grifo meu)
13 Roger Chartier. A ordem dos livros: leitores, autores r bibliotecas na Europa entre os
séculos XIV eX V lIl. p. 12.
15 Lei de 20 de setembro de 1830, sobre o abuso da liberdade de imprensa. Coleção das leis
do império do Brasil, 1830. p. 35-49. Arquivo Nacional.
IS Não foi possível localizar praticamenie nenhuma documentação (como recibos de assinaturas
ou pedidos de impressão) produzida pelas tipografias p r iv a i. Sobre a Tipografia Nacional
(nome que recebe a Impressão Real apôs 1822) encontram-se alguns ofícios no Arquivo
Nacional: Ministério do Reino e do Império. Tipografia. Ofícios. 1822-1849,
23 Sete de Abril, n“ 86, 1833, apud José M. Vaz Pinto Coelho. Cancioneiro popular
brasileiro, p. l l t .
25 A esse respeito, a lei de 1830 operou uma mudança importante, consolidada em 1837
quando um decreto estreitou o eerco aos "abusos de exprimir os pensamentos”. As duãs
81
nonnas imputavam ainda o tipógrafo, caso o autor não fosse designado por este. Lei de
20 de setembro de IS30. sobre o abuso da liberdade de imprensa, op, d l., p. 35 a 49; e
decreto de 18 de março de 1837, dando instruções sobre o processo c sentenças nos crimes
por abuso de liberdade de imprensa. Coleção das leis do Império do Brasil, 1837,
parte 11, p. 11-13. Arquivo Nacional.
28 Traslado do processa a que deu fsic] motivo os tumultos das garrafadas do dia 13, 14 e 15
de março de 1831. Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos.
33 Segundo Hélio Vianna. esses personagens eram caricaturas de Francisco Lima e Silva,
João Brãulio Muniz, Evaristo da Veiga. Aureliano de Sousa e Oliveira, Joaquim José
Rodrigues Torres e Nicolau P. C. Vergueiro. Hélio Vianna, A pequena imprensa na
Regência Trina Permanente (1831-1835).
34 Os significados aqui citados para certos termos têm como referência o Novo dicionário
Aurélio, 1* ed., Nova Fronteira, s.d.; Antônio Moraes e Silva. Dicionário da língua
portuguesa recopilado.
35 Nesse jornal, embora sem haver a opção exclusiva pelo estilo cômico, aparecem per
sonagens parecidos; “Teatro particular da Floresta
Terça feira 12 do corrente por ser dia de S. Diogo haverá o seguinte divertimento dividido da
seguinte maneira, depois que a orquestra tiver executado a bem aceita sinfonia intitulada a morte
dos grilos, terá lugar um elogio da composição do Mané Mendes Pangaio. no qual aparecerá o
retrato do herói da chimangada Jeifó, com um coroa de c... Findo o elogio terá lugar a bem aceita
comédia da composição do Pemeira. intitulada a Emigração dos quatrocentos contos, no fím do
primeiro ato, o goiaba da rua dos Pescadores, dançará a caxuxa, [ilegível] o Jeremias cantará a
ária fúnebre da queda do 30 de Jullio; o pinto carranca tocará um concerto de bodoque, acompa
nhado de puila pelo cônego Ignez. e finalizará o divertimento, com u roubo do [ilegível] dos
Órfãos, da composição do mesmo Pemeira, onde se verá boas mágicas arranjadas pelo general
fêmea, c o Almirante Genebra executará ao vivo a parte de um oficial bêbado.
82
É Esle o divcrlimento com que a Sociedade pretende festejar o memorável dia de S. Diogo".
A “Floresta" era o apelido da chácara dc um dos membros do governo regcncial. O
Evarisio, n" 5, 15 de novembro de 1833.
38 Támina, segundo o Aurélio, origina-se do quimbundo ritainma, "tigela" de ração dos escravos,
podendo significar também a própria ração, e a porção de água que em época de seca podería
scr retirada por cada pessoa das fontes públicas. Nesse caso. não há sentidos figurados, pejora
tivos, indicados pelo dicionário. A palavra mandu vem do tupi e seu uso popular expressa
"tolo". O mesmo sentido para a palavra tamina aparece em Antdniú Moraes e Silva, op. cit.
44 Martins Pena, Folhetins, apud Vílma Sant'Anna ArSas, Na tapera de Santa Cruz: uma
leitura de Martins Pena. p. 43.
4È ibidem, p. 25.
53 O flomem de Cor, n" I, 14 de setembro de 1833. A partir do n" 3. o Iftulo muda para O
áfjífíiío ou 0 Homem de Cor.
83
54 O Mulato ou o Homem de Cor. n" 3, 16 de outubro de 1833,
63 Processo Lafuente (Autos de sumário... pelo motim e assuada, ajuntamento ilícito no largo
do Paço e lugar do Correio no dia doze de setembro da parte que faz culpa ao réu Maurício
José Lafuente. 1832). Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos.
68 Sobre esse último ponto, ver o prefácio de Sérgio Buarque de Holanda ã obra de Jcanne Berrance
de Castro, A milícia cidadã, in Livro dos prefácios, São Paulo, Companhia das Letras. 1996.
70 Aurora Fluminense, n“ 538, 24 de agosto de 1831, A Nova Luz 8ra.siieira utilizava a mesma
injúria: "os membros grandes criminosos do gabinete secreto, os homens que estão senhores
dessa manobra haitiana". N" 145, 8 de junho de 1831.
7 4 Segundo o jornal, seria uma promessa que Evaristo da Veiga íeria feito “se escapasse". T>ata-sé
provavelmente do atentado que sofrerá, em 8 de novembro de 1832: tiros Oatingiram quando
estava na sua livraria. Segundo Nelson Wemccfc Sodré. a responsabilidade coube ao “campo
84
cararnuru”, e "Davi da Fonseca Pinto, escriba dos Andradas, chegou a lastimar que Evaristo
tivesse escapado". Neison Wenteck Sodré, ffhtória da imprensa tio SroJií. p. 142.
78 A referência a essas profissões deve ser interpretada com cuidado, pois se numa leitura mais
direta pode-se entender que este "mulato” gostaria de alcançar atividades mais vantajosas que as
citadas profissões, por outro lado estes eram termos ligados à maçonaria, e talvez baja aí uma ironia.
80 No dia 30 de julho de 1832 houve uma tentativa de golpe do governo regencial, após a
derrota no Senado do projeto para a destituição do tutor José Bonifácio. Paulo Pereira de
Castro, A "experiência republicana", 1831-1840.
87 Por exemplo em Euclides da Cunha, em Os sertões, que parecia traduzir um sentido compartilhado.
88 João José Reis, O jogo duro do Dois de Julho: o ‘Partido Negro' na Independência da Bahia,
in João José Reis e Eduardo Silva, Negociação e conflito, op. cit., p. 85.
93 Cladys Ribeiro teceu uma exaustiva análise sobre a questão da naturalização de estran
geiros, sobremdo no caso da imigração portuguesa, mapeando os conflitos sociais aí envol-
85
vidos. A liberdade em ctm,\lrm:ão: identidade nacional e ccmriitos aiuílusíunos no
Primeiro Reinado.
107 Ver artigo de Moreira de Azevedo. Os tiros no teatro: motim popular no Rio de Janeiro, op. cit,
115 Traslado do processo a que deu motivo os tumultos das garra fadas do dia 13, 14 c 15 de
março de 1831, Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos.
86
118 ibidcm. p. 217.
120 A expressão é citada por Sluart Schwartz.The formation of a colonial idenlily in Brazil.
121 A expressão é de Michcl Foucauh, em artigo onde procura criticar uma concepção de his
tória que acreditaria na possibilidade de reconstituir gfneses lineares, origens e continui-
dades: “A genealogia é cinza: ela 6 meticulosa e pacicniemenic documentária. Ela trabalha com
pergaminhos embaralhados, riscados, várias vezes reescritos". Nictzschc. a genealogia c a
história, in Microfisica do poder, p. 15.
125 Thomas Hallewell afirma que Francisco de Paula Brito, proprietário da Tipografia Flumi
nense, resistiu no dia 2 de dezembro de 1833 a uma multidão que tentava invadir seu esta
belecimento, furiosa com a publicação de O Restaurador. Thomas Hallewell, op. cit., p. 84.
127 Relatório do ministro da Justiça. 1833. Rio de Janeiro. Tipografia Nacional, 1834.
128 Relatório do ministro da Justiça. 1831. Rio de Janeiro. Tipografia Seignot-Plancher, 1832.
131 Decreto de 18 de março de 1837, dando instruções sobre o processo e sentenças nos crimes
por abuso de liberdade de imprensa. Coleção das leis do Império do Brasil de 1837, parte
11. p. 11-13. Arquivo Nacional.
87
C apítulo 2
L 89
ram «sos diferenciados. Palavras como pardo foram usadas nos censos como 1
categorias de classificação e quantificação, não mais como forma de fazer
política. Tratava-se de um saber técnico que pretendia esvaziar o seu prdprio
sentido político. Práticas de identificação, os censos procuraram ordenar a
população em um discurso - ou em alguns discursos, fragmentados ou isola
dos. que partiram de combinações entre um leque de princípios: a condição, a
naturalidade, o sexo, a idade, a cor. O eixo deste capítulo trata dos termos
utilizados no.s censos e outros documentos estatísticos sobre a população, no
processo de formação do Estado imperial; investiga como tais termos foram
relacionados enquanto complementares e opostos, formando em cada tabela
ou quadro um sistema de classificação; observa a questão da menção ou não
da cor. da sua imbricação com a condição social e jurídica, e sua relação com
as categorias de classificação. Pode-se dizer, como o desconhecido autor auto
denominado “bode”, que nosso objeto é agora a “linguagem oficial” .
vo
postos, recrutamento, ou às vezes - quem sabe? - a própria classificação. Pode
ser o caso revelado no trecho em que o jornal 0 Homem de Cor combatia o
desígnio político de fazer, no meio da população livre, uma divisão por cores.
Talvez não fosse demais citá-lo novamente;
VI
do início do período regencial. No caso da Corte, em 1834 houve uma tentati
va de contagem do número de habitantes que acabou fracassada. Pouco mais
tarde, em 1838, novo recenseamento de alcance também restrito. De certa for
ma, o conhecimento da população era virtualmente paralelo ao processo de
centralização política c administrativa. limar Rohloff de Mattos situa este co
nhecimento no conjunto mais amplo daquele processo:
92
i
A utilidade da estatística
93
Denire as diferentes aplicações da estatística apontadas por Haddock
Lobo, dava-se atenção especial às estatísticas médicas, criminais e de instru
ção pública, publicadas, embora sem regularidade, nos relatórios ministeriais.
04
Ao governo cabia pois a tarefa de implementar os meios de uma
estadística. forma da “força e grandeza de um país”, e para isso solicitava
o apoio da Câmara. “ Sem ela ou falham, ou dificuliam-se todos os cálcu
los financeiros, e administrativos, e mal podem avaliar-se, e mesmo co
nhecer-se os melhoramentos morais, físicos, científicos e políticos, que se
devem fazer na organização social, e nas suas diversas partes, e relações".'®
A palavra traduzia, portanto, a intrínseca relação entre aquele tipo de co
nhecimento e 0 Estado.
A população e o território
i 9S
ços livres”, ao passo que os escravos seriam eternamenie escravos, ainda que
0 tráfico terminasse, e houvesse um aumento do número de alforrias.
96
Á
iios podia vir um imenso número de colonos infatigáveis, que
povoassem a beira*rnar, e os sertões do nosso Império.'*
Sim, vão outra vez habitar as áridas margens do Senegal esses fi
lhos de incultos campos, esses selvagens dignos da compaixão da
humanidade... Se o Brasil quer aumentar sua população, mande vir
colonos alemães, suíços e outros de outras nações civilizadas, que
os podem dispensar. Desta maneira não sentiremos a falta dos africa
nos. e nossa civilização se engrandecerá. É preciso porém que o Bra
sil faça adaptar as colônias a lugares próprios à sua manutenção.*’
i 97
Artifícios de classificação
Não havia porém regularidade nas questões inquiridas por tais mapas.
Embora o mais comum fosse o esquema acima, consolidado pela distribuição de
formulários impressos, em algumas freguesias, mesmo na Corte, novo arranjo sur
98
gia. Consultando outro conjunto documentaP (as listas originais enviadas ao mi
nistro) percebemos tal dimensão. Três áreas rurais exemplificam esta variação. Na
Fazenda Nacional de Santa Cruz, o mapa operava as seguintes distinções:
99
relação ao último grupo distinguiam-se os libertos e os cativos, donde se deduz
também que aí não cabia a possibilidade de ser ‘'livre”. Neste caso, não apareceu
a categoria pardos. O mapa manuscrito estipulava a seguinte fórmula:
Óbitos dos livres e forros; (...) brancos adultos, (...) pardos, (..,][
pretos dc nação
Escravas; (...) crioulos, (...) pretos de nação
Ainda para ilustrar certa descentralização (mais de falo do que por princí
pio) na organização dos levantamentos sobre a população, e procurar inventariar
100
os designativos empregados, consideremos alguns mapas ou quadros provinci
ais.^'* Nas províncias havia também grande variedade nas expressões utilizadas.
Embora isso não pareça fazer parte de uma estratégia declarada, algu
mas listas trataram apenas da população livre. O “Quadro estatístico da popu
lação livre da província do Rio Grande do Norte organizado segundo os mapas
dos delegados de polícia nos diferentes termos da província", de 1849, classi
ficava a população em brancos, pardos c pretos, e cada uma dessas categorias
em sexo, estado civil e idade.
101
1
Verifica-se desse variado conjunlo de mapas sobre a população algu
mas conclusões. Há uma intrínseca participação da cor e da condição na clas
sificação; ambas aparecem imbricadas, de forma que certas cores limitam o
que pode ser inquirido sobre os grupos a que se referem. O grupo “índio”, que
não se define como uma cor, aparece como um grupo distinto de população,
um certo lado de fora, que parece incorporado, quando isso acontece, de for
ma marginal. No que toca à terminologia empregada, os seguintes termos fo
ram encontrados no conjunto aqui composto: brancos, pretos, pretos de nação,
pardos, crioulos, mulatos, índios; ressalte-se que não ocorre o termo mestiço e
nem, nos textos que eventualmente acompanham alguns quadros estatísticos, a
expressão mestiçagem. Uma última conclusão se impõe: a oposição entre li
vres e escravos é a primordial, por ser a única que está sempre presente, mes
mo no caso de mapas que tenham computado apenas a população livre. A irre
gularidade da distinção da categoria dos libertos deixa transparecer uma ques
tão política essencial do regime escravista no Brasil monárquico, no que diz
respeito aos estatutos de cidadania desse grupo. No capítulo anterior foram
examinados alguns exemplos de disputa dos “cidadãos de cor” pela participa
ção no funcionalismo público e na Guarda Nacional, o que equivaleria a ter
sua cidadania reconhecida. A ausência de distinção entre os que nasceram li
vres e os que, tendo nascido escravos, obtiveram a liberdade foi uma das ques
tões decisivas que contribuíram para que não tenha existido o que Hebe Mat
tos define como uma “justificativa racializada" da escravidão no Brasil.“
102
Um texto precioso foi escrito em 1870, anexado ao relatório do ministro
do Império, Paulino José Soares de Sousa, com o título Investigações sobre os
recenseamentos da população geral do Império e de cada província de per si,
tentados desde os tempos coloniais até hoje, por Joaquim Norberto de Sousa c
Silva, que além de ser então chefe de seção daquele ministério, era também histo
riador, escritor e membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Nas pági
nas que se seguem, procuraremos utilizar e analisar as informações compiladas
pelo autor, confrontando e complementando seu texto com outros documentos do
período. As suas reflexões sobre a estatística compõem também o contexto teórico
e político aqui visado, como esta, expressa já na abertura do texto, com uma epí
grafe assinada por Forjaz Sampaio sobre a ciência ali tentada: “A estatística é a luz
do legislador, do ministro de Estado e do diplomata; a prova e comentário de toda
a história, e o único fundamento seguro dos cálculos do porvir”.^*
lOJ
menlo feito chegou ao número de seis mil eleitores, haveria seiscentos mil
fogos e. tendo cada fogo a média de seis pessoas, o Império contaria então
com 3.600.000 habitantes. O autor lançava mão, em seguida, de extrapolações
sobre o tempo necessário para que houvesse uma duplicação desse número,
comparando o Brasil aos Estados Unidos, onde isto aconteceria no espaço de
20 a 25 anos, e calculou também a proporção da população escrava (um escra
vo para cada dois habitantes livres), chegando afinal ao número de 5.520.000
livres e 2.500.000 escravos, perfazendo oito milhões de habitantes. Acrescen
temos a observação de que os índios foram excluídos do cálculo. Está aí uma
amostra do que poderiamos chamar uma espécie de ‘"recenseamento de gabi
nete”, notando porém que tais cálculos nunca eram dispensados mesmo quan
do houvesse a realização do recenseamento. O estudo foi apresentado no Ins
tituto Histórico e Geográfico Brasileiro, um dos muitos exemplos que indicam
a preocupação deste centro cora essa forma de conhecimento.
KM
A dificuldade da centralização política e territorial expressava-se tam
bém nesse aspecto.
i 105
revoltas contrárias, não especificamente ao censo, mas ao registro dos nasci
mentos e óbitos, cm diferentes localidades do Nordeste. Segundo o relatório do
ministro do Império, as "manifestações criminosas"’ e "reuniões armadas" foram
fruto de um “boato arteiramente espalhado | ...J de que o registro só tinha por fim
escravizar a gente de cor". Em Pernambuco, tai boato "atraiu maior número de
desvairados, que em frenético deltVio o apelidaram —lei do cativeiro”.”
Ainda assim, sendo um "boato” que afirmava que esta seria uma "lei
do cativeiro", é de se notar que um boato exige alguma veros.similtiança. Atra
vés de diferentes relatos de algumas autoridades de Pernambuco, de finais de
dezembro de 1851 e primeiros dias de 1852, pode-se distinguir os contingen
tes sociais envolvidos. O juiz de paz de Santo Antão falava em “povo mais
miúdo”, “pessoas incautas”, entre os quais se teriam espalhado “idéias bastan
te anárquicas" com ameaças claras às autoridades. A resposta a ele dirigida
pelo presidente da província considerava a necessidade de se dissolver “os in
fundados preconceitos" contrários ao Regulamento, “que em nada ofende, antes
protege os direitos e garantias dos povos”. Por essa negação, pode-se suspeitar
lo r.
que estivesse cireulundo exatatnenle esta idéia, de que os “direitos e garantias
dos povos" estavam sendo ameaçados. O presidente dirigia-se também aos pá
rocos, dentre os quais alguns pareciam ser indiferentes, no mínimo, a esses mo
vimentos. Aposição dos párocos comporta uma ambiguidade, pois eles próprios
eram funcionários do Estado; por outro lado, como membros da Igreja, talvez
resistissem a não mais controlar uma atividade que por séculos lhes coube.
i 107
A idéia de que o decreto “tem por objeto escravizar a todos os recém-
nascidos e aqueles pardos que forem batizados com as formalidades prescri
tas” fez-se presente também em Nazaré, onde apareceram “mais de quarenta
indivíduos armados para se oporem ã fixação do edital”, um número muito
superior ao da força policial com que contava o delegado daquele lugar.^^
108
o primeiro recenscamemo geral do Império acabou sendo realizado
em 1872, Seguindo a tendência que se pode depreender do relato de Joaquim
Norberto. bem como do exame dos relatórios do ministério do Império do
período que se estende entre as décadas de 1830 e 1870, não houve inquirição
sobre a cor da população. Pode-se arriscar a hipótese de que, no âmbito do
discurso imperial mais central, na figura do ministro, não cabia explicitar a
diferença da população nesses termos. A partir de acontecimentos como as
revoltas no Nordeste, pode-se suspeitar o porquê dessa opção pelo silêncio,
Esses acontecimentos indicam, também, que havia diferentes motivações para
a resistência à estatística e ao que ela representava, não apenas entre os “che
fes de família", mas também entre a “gente baixa”.
too
Na Memória e considerações sobre a população do Brasil, texto es
crito em 1836 e republicado pela revista do Instituto Histórico em 1867, Hen
rique Jorge Rebello demonstrou compartilhar do mesmo olhar sobre a popula
ção, que deveria, antes de mais nada, ser reformada em sua “corrupção de
costumes’’, sua “indolência natural ou adquirida”, sua cobiça, sua “incontinên-
cia pública” ou “libertinagem”. Tais aspectos fazem parte, ao lado de questões
como propriedade, impostos, recrutamento, de sua concepção de "estadísti-
ca”.^* Joaquim Norberto compartilhava o cuidado com tal dimensão da popu
lação, assim como os dirigentes imperiais inquietavam-se com o ócio, a vadi
agem, a desordem, a presença indesejada. Mas deveria reconhecer a dificulda
de de implementar tais quesitos (inclusive o da cor) em um recenseamento.
Podemos supor que. para ele. caberiam tais tarefas a outras técnicas de gover
no mais precisas e imediatas, como a polícia e a medicina pública. Pode-se
citar, como exemplo, a estatística médica, que incluía entre seus objetivos co
nhecer a população em sua “índole e costumes”.^’
no
niliva. havendo antes uma variação entre os termos, de toda forma predomi
nando 0 uso da noção de cor no conjunto dos levantamentos. Como será nota
do adiante, a partir de 1872 o conceito “raça” assume importância nos censos.
III
dosamerte acrescenta que houve ou há países em que a população escrava
representava ainda maior proporção, chamando a atenção para o problema do
recrutamento em um país escravista.
112
A partir dessa amostra dos censos na província do Rio de Janeiro per
cebe-se um maior detalhamento, em comparação seja aos censos que se tentou
realizar, seja às estimativas sobre a população geral do Império. Esse detalha
mento incluiu a inquirição das cores ou das raças. E confrontar a relação que
diferentes instâncias do Estado imperial mantiveram com essa inquirição cons
titui uma interrogação que parece útil levantar.
lu
0 recenseamento de 1849. organizado por Haddoek Lobo, não teve
questionamento sobre a cor. Haveria na cidade 116.319 livres, 10.732 libertos
e 78.855 escravos, totalizando 205.906 habitantes. A apresentação final dis-
tinguia a população entre sexo, as condições livre, liberto ou escravo e a naci
onalidade (nacionais ou estrangeiros). No entanto, as listas a serem feitas por
cada inspetor de quarteirão sobre cada residência ou “fogo" trariam mais algu
mas informações, como idade, estado e profissão. Muitas dificuldades citadas,
como por exemplo a numeração irregular das ruas, talvez não tenham sido
mais difíceis de serem vencidas que a imposta por “chefes de famílias remis-
sos e que não podem ser compelidos a este dever em consequência de tal ou
qual consideração, que gozam inerente aos lugares que exercem” . No texto
que acompanha o manuscrito do recenseamento, o responsável justifica: “aban
donamos a classificação por cores” porque, “além de odiosa, deveria sair mui
to imperfeita pela infidelidade com que cada indivíduo faria de si próprio a
necessária declaração; contudo poder-se-á saber muito aproximadamente qual
é a soma da gente de cor, se diminuírem da totalidade todos os indivíduos
escravos, libertos e mais um terço dos livres.”
Embora tenha dado uma fórmula sobre a questão da cor, Haddoek Lobo
não apresenta as bases que a sustentariam. Ou seja, além do número dos escra
vos e dos libertos, por que razão um terço dos livres seria parte da população
de cor? Mais expressivo é que o próprio poderia ter apresentado tal cálculo,
porém parece ter realmente procurado se eximir de apresentar o resultado: o
número de “gente de cor” superaria o dos demais, totalizando 167.133, contra
apenas 38.773 brancos.
115
tervenção maíor e com investigações prévias. Afinal, conseguiram reprimires
pretos minas reunidos em volta de orações e rufar de tambores. Na ocasião
foram apreendidos escritos indecifráveis que causaram profunda apreensão.*^
116
Criava-se toda uma seqUência burocrática (comissão central, distrital,
subcomissões) para driblar os já conhecidos obstáculos. Procurava-se ainda
regularizar as listas com as informações:
117
cada fogo ou edifício, número de escravos e livres, menores e maiores, ho
mens e mulheres, estrangeiros e nacionais etc. Procurou-se enfim o “movi
mento da população” a partir dos mapas de batismos, óbitos e casamentos, e
1
traçando paralelos com os censos de 1838 e 1856. Curioso é que não tenha
sido feito senão uma referência ao censo de 1849, desqualificando sua veraci
dade (o que em geral é contestado exalamenie para os dois levantamentos cita
dos, sobretudo o de 1856). Talvez isso se explique porque a comissão defendia
a tese da diminuição progressiva do número de escravos em 1838,1856e 1870,
Os censos poderiam, portanto, servir a uma concepção de direcionamento ou
mesmo evolução da história do país. Um olhar sobre o tempo, a partir da no
ção de “movimento da população”, que em 1870, final da Guerra do Paraguai,
véspera da Lei do Ventre Livre, talvez tivesse pouquíssimo interesse em gerar
um retrato da população marcado pela face escrava. O total apresentado é o de
que haveria 235.381 habitantes, sendo 50.092 escravos e 185.286 livres; não
foi feita a distinção dos libertos. Segundo os autores desse relatório, o recen-
seamento de Haddock Lobo teria superestimado o número de habitantes do
município da Corte.’’
118
1...] os habilames das freguesias do município da Corte conven
ceram-se dc que o censo, que se tratava de organizar, nâo tinha
por fim agravar impostos, ou o serviço militar, mas somente
conhecer a população real, que até então era um mistérii), o qual
cumpria desvendar, pois motivava apreciações e deduções errô
neas, de que eram vítimas não somente o governo, mas também
os particulares.”
114
Raças
Dos liomcns Das mulheres
Brancos Pardos Prelos Caboclos Brancas Pardas Pretas Caboclas
Município 06.255 22.762 14.198 665 55.544 22.083 14.268 258
neutro
Império 1.971,772 1.673.971 472,008 200.948 1.815.517 1,650.307 449,142 186.007
Raças
Dos homens Das mulheres
Pardos Pretos pardas Pretas
Município 5.275 19.611 5.786 18.267
neutro
Império 252.824 552.346 224.680 480.956
120
o censo de 1872 indica uma mudança iniciada na forma de conceber e
gerir a população, orientada cada vez mais por certo entendimento - ainda que
sempre indefinido - do conceito de raça; o que não significava, evidentemente,
deixar de lado a cor, mas ancorá-la em suporte pretensamente mais rígido. Com a
crise mais acentuada da escravidão e do regime monárquico, e o conseqüente
empobrecimento dos pilares, tidos como naturais, da distinção social, a cor e a
raça tornavam-se quase obrigatórias. Se, como vimos, os ministros imperiais ope
ravam certas traduções nos documentos sobre a população enviados por outras
instâncias da burocracia, em geral silenciando sobre a cor, outras traduções com
novas tendências ganhavam vez ao aproximar-se o final do século XIX. Em 1889,
Fávilla Nunes impunha conceitos novos ao recenscamento de 1872: segundo seus
lermos a população do Brasil dividia-se em “raça caucasiana” (3.787.289), “raça
africana" (1.959.452), “raça americana” (386.955) e “mulatos e mestiços”
(3.801.702). Claro, não apresenta os critérios para tal tradução, uma vez que não a
apresenta enquanto tal. Mas se fizermos os cálculos, notamos que para “raça cau
casiana” ele somou o número de “brancos”; o número da “raça africana" soma os
livres e escravos “pretos”; transformou “caboclos” em raça americana; e os par
dos, tanto livres como escravos, foram transformados em “mulatos e mestiços”.'”
Nesse momento, não interessavam mais as fronteiras entre livres e escravos.
121
Na verdade, a mancha de sangue consistia em um dos procedimentos
hierárquicos da sociedade escravista colonial,“ e o decreto pombalino, dando
às avessas prova de sua força, pretendia revogá-la apenas em relação a um
certo grupo, o dos vassalos casados com índias e seus filhos. A Constituição de
1824, como observa Hebe Mattos, revogou o preconceito de sangue, abran
gendo, na qualidade de cidadãos, os homens livres na sociedade civil, operan
do nesta a distinção dos que participariam, díferenciadamente, da sociedade
política, a partir do critério da propriedade.^’
Não falar sobre a cor, em determinados discursos, não indica não agir,
em outras instâncias, a partir de uma série de critérios associados à distinção
de cor: a condição social, proveniência, as práticas culturais etc.
122
exemplo dos “prelos armados” de Haddock Lobo e na cotidiana função da polí
cia. sequer a questão de enunciar ou não a cor seria colocada.
123
dor de cabeça para os mantenedores da ordem. A clareza da cor,
como indicativo da condição, abria caminho para a suspeição
generalizada, único meio de coibir o trânsito entre livres e es
cravos; todos são suspeitos até prova em contrário.
124
menta algo mais elaborada do que a calça de casimira de cor, e a
camisa de meia da sua última estadia, em 20 de setembro.”
125
A liberdade era. a princípio, um airihuto do ‘branco’ que poten
cializava a inserção social e a propriedade, Durante a segunda
metade do século XIX, entretamo, esta representação da liber
dade começa a ter suas bases solapadas. O crescinienlo demo-
gráíico de negros e mestiços, livres ou libertos, já não permitia
perceber os não-brancoa livres como exceçôe.s controladas.”
126
í
lituição imperial, aparlirde meados dos oitocentos, rellete uma
transformação social que sc apropriava e tornava efetiva aquela
disposição legal,’'
i 127
N o TA5
2 A única menção que conseguimos registrar desta palavra nos periódicos analisados no pri>
meiro capfiulo se deu no Aurora Fluminense, n” 818, de 20 de setembro de 1833.
3 A coleção áo Monitor Sul Mineiro existente na Biblioteca Nacional tem início apenas em 1892,
o vigésimo primeiro ano de publicação daquele jornal. Por isso não foi possível localizar o
texto da citação. Porém, a partir dos exemplares consultados, deve ser notado que era um
periódico diário, de provável signiricatíva difusão na região, contendo diferentes seções,
desde as informativas até anúncios locais. Outro indicabvo da difusão do periódico foi, no fitiaj
do século XIX, uma campanha realizada em benefício da construção da estátua de José
Alencar, encomendada a Rodolfo Bernardelli, ainda hoje exposta no Rio de Janeiro.
8 Mapas da população das províncias. 1815-1844. Ministério do Reino e Império. Caixa 761.
pacote I. Arquivo Nacional.
9 Relatório do ministro do Império sobre o ano de 1837. Rio de Janeiro. Upografia Nacional, 1838.
10 ibidem. Outro exemplo da grafia de estadística encontra-se em texto publicado pela primeira
vez em 1836, de Henrique Jorge Rebello, Memória e considerações sobre a população do
Brasil, RIHGB, tomo 30. 1867.
11 Relatório do ministro do Império, ano 1834. Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, 1835.
12 No relatório do ministro do Império, ano 1835, o dirigente comentava a "afinidade” destas duas
rubricas, tratando delas em um só tópico. Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, 1836.
13 Cf. limar Rohioff de Mattos, op. ciL, p. 220; e também o prefácio de Sérgio Buarque de Holanda
a Memórias de um colono no Brasil, 1850, de Thomas Davatz, in Livro dos Prefácios,
espccialmente p. 11 e 18.
15 Relatório do ministro da Justiça, ano 1834, op. cit. Alguns anos mais tarde, a proposta ainda era
válida, a ouvir O Filantropo. “O Brasil deve quanto antes tratar de fazer a aquisição de uma pe
quena porção de terreno nas costas da África: deve para aí enviar os libertos e proporcionar-lhes
todos os meios de moral e de religião." O Filantropo, ano I, n“ 3, sexta-feira, 20 de abril de 1849.
128
16 O pareeer é assinado por Rainrando José da Cunha Mattos, em 9 de junho de 1827, do Paço da
Câmara. Pareeer da Comissão de Diplomada e Estatística sobre n convenção da abolição do
comércio da escravatura, celebrado entre S, M. 1, e... britânica. Tipografia Nacional, 1827.
Biblioteca Nacional. Seção de Manuscritos.
17 Henrique Jorge Rebello, Memdria e considerações sobre a população do Brasil, op, cil„ p. 37.
18 Relatório do ministro do Império, ano de 1835, op. cit.
19 ibidem. Ê necessário esclarecer os critcrios por mira utilizados na apresentação das tabelas
deste capítulo. Todos os termos utilizados são literais, bem como a sua disposição nos mapas
ou quadros originais, Algumas informações foram suprimidas, por não interessarem dire-
tamenie ao objeto cm análise. Também os dados numéricos não foram citados, a não ser
quando lançassem luzes sobre a própria classificação.
20 Mapas das freguesias da província do Rio dc Janeiro, ! 835. Inclusa no documento "Mapas da
população das provfndas". 18J5-1844. Arquivo Nacional,
2i Sidney Cbalhoub, Vaões da tibeidade\ uma história das últimas décadas da escravidão na Corte.
24 Mapas da população das províncias. 1815-1844. Arquivo Nacional. Esses mapas não são
regulares, nem existem para todas as províncias. Essa documentação manuscrita, do fiindo do
Ministério do Reino c depois do Império, não constitui um conjunto homogêneo. Contam-se
também relações de arraiais, freguesias, vilas e cidades, relações de aulas públicas e particu
lares, informações sobre colégios e distritos eleitorais, bem como as listas de casamento, nas
cimento e óbito da Corte, citadas anteríormente. A minha lista é, portanto, também uma lista
possível, para examinar as categorias utilizadas no levantamento sobre a população.
27 ibidem, p. 11-12.
28 Decreto n° 797, dc 18 de junho de 1851. que manda executar o Regulamento para a organi
zação do censo geral do Império. Coleção das leis do Império do Brasil, 1851, p. 161 e segs.
29 Relatório do ministro do Império. 1851. Rio de Janeiro, Tipografia Nacional. 1852, p. 16-17,
129
32 Richard Ofaham faz breve referência às revoltas, siluando-as numa incerteza, quanto aos
laços clicntelisias, sentida pelos homens pobres: "O protesto era provável sobretudo se
os de cima transgredissem as regras de comportamento consideradas corretas. Os pobres
de cor, por exemplo, não hesitavam cm recorrer ãs armas quando sc sentiam ameaçados
pela escravidão". Richard Graham, Clientelisiiia e poliúca nn Brasil tiii xéailo XIX. p. 59,
34 Roger Charticr analisa uma hostilidade coletiva contra o controle e domínio da escrita
enquanto instrumento de poder. Esse "ódiosocial” à escrita teria três motivações: como
veículo da justiça, como Tixação das obrigações econômicas dos mais pobres e como tendo
uma certa força mágica e maléfica. Roger Charticr, As práticas da escrita, p. I23-I2S.
36 ibidem, p. 87.
43 limar Rohloff de Mattos (op. cit,. p. 226-228) indica como o fim do tráfico em 1850 rela
cionou-se a uma decisão pela defesa da soberania nacional, pondo fim ã extralerritorialidade.
da mão-de-obra, fonte tanto de temores das revoltas escravas como de uma subordinação
dos proprietários de terra e de escravos diante dos traficantes. Sidney Chalhoub (op. cit., p. 186
e segs.) destaca também a preocupação com a segurança interna que motivou o ministro da
Justiça em 1850, Eusébio de Queiroz, a assinar a lei.
47 Mapa da população do município da Corte. 1838. Mapas da população das províncias. Minis
tério do Reino e Império. Arquivo Nacional.
130
J
4K Ofícios diversos. Secrcliria dc Polícia da Curte, 1B45, Instrução para se regularem os ins-
petorc.s de quarteirão na confecção do mapa do arrolamento dos habitantes do mesmo mu
nicípio [mês de novembro]. Arquivo Nacional,
50 "A Câmara Mun, desta cidade, tendo recebido a portaria da Secretaria dc Estado dc Negócios
do Império de 10 do corrente mês. em que se Ibe tleterminava que organizasse uma relação dos
indigenss existentes no município, exigindo dos inspetores dc quarteirão os necessários
esclarecimentos, vem respeilosamenle ponderar a V, E.xa. a impossibilidade em que se acha de
jioder, como desejaria, cumprir esta determinação, por não se achar atualmente em contato com
os inspetores dc quarteirão [...] estando inteira mente subordinados ao chefe dc Polícia, por cuja
repartição mais facilmente se poderia organizar s mencionada relação". Câmara Municipal ^
Corte, Ofícios. 24 de outubro de 1845. Arquivo Nacional,
52 Reccnscamcnto da ]K>pu]ação do município neutro organizado no fim do ano de 1849 pelo dr.
Roberto Jorge Haddock Lobo. Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos, O número fina! fm
de 266.466 habitantes, sendo 155.864 livres e libertos e 1!0.602 escravos,
56 Sídney Chalhoub, op. cil., p- 235: "escravos vivendo ‘sobre si’ contribuíam para a descons-
Lrução de significados essenciais â continuidade da instituição da escravidão”.
58 ibidem, p. 35.
59 idem.
61 Sobre a relação entre política de mão-de-obra e política de terras, ver Umar Rohioff de Mattos,
op. cit.. p. 218-251. Segundo Manuela Carneiro da Cunha (Política Indigenista no
século XIX, in M. C. da Cunha (org.). História dos índias no Brasil, p, 133 e segs.), a
desapropriação das terras dos índios foi o principal resultado da política indigenista
imperial.
131
t
62 Jorge Enrique Mendoza Posada, A cor segundo os eeitsos demográficos.
63 As terras dos aldeamentos passaram a ser demarcadas pelas comissões, a partir de rela
tórios dos engenheiros sobre os mesmos: "Como o diagnóstico era invariavelmente o de
total 'mistura' da população aldeada com os 'nacionais', os aldeamentos eram consi
derados extintos [...J. Mo caso Pankararu, isto significou a repartição de suas terras no
que eles chamam de 'linhas', a expulsão de um grande ndmero de famílias indígenas e a
entrega dos melhores lotes para a clientela do chefe político local e para um número
indefinido de famílias de ex-escravos que acabavam de se emancipar". Jos£ Maurício
Andioo Arruti, A emergência dos 'remanescentes': notas para o diálogo entre indígenas
e quilombolas. Mana, p. 16.
70 Carlos Eugênio Líbano Soares. A negregada instituição: os capoeiras no Rio de Janeiro, p. 103.
71 ibidem, p. 106.
72 ibidem, p. 110.
77 ibidem, p. 34.
78 ibidem, p. 38.
79 ibidem, p. 109.
132
i
C apitulo 3
133
AlÉtn Uas ciências puramenie especulativas, ou de produções
literárias dc mero gosto, farão regularmente objeto da lievista
Brasileira quaí.squer conhecimenlos de utilidade prática: com
preendendo-se cspecialmente nesta categoria o estudo compa
rativo de importantes fatos históricos de qualquer ordem, naci
onais c estrangeiros; c das matérias econômicas, industriais c
financeiras, com particular aplicação ao Brasil.^
134
J
as proporções, também o pai de dom Pedro II foi alvo de exaltados brasileiros
que preferiam ver no trono o imperador menino, “cabra como nós”.*’
O recurso ao anonimato nos anos próximos a 1831, que pode ser ca
racterizado como uma tentativa de instaurar o próprio anonimato na política,
tornando-a assunto de muitos, contrasta com o período de meados do século.
O anonimato ainda era praticado, geral mente sob a forma correlata de pseudô
nimos. Ig,, que enigmaticamente pretendia evocar Iguaçu, foi o pseudônimo
adotado por José de Alencar, nas suas Cartas sobre a Confederação dos Tíí-
135
nioios (1856), quando ainda jovem e pouco conhecido - antes de escrever O
guarani —polemizava com a espécie de instituição, mais do que mero poeta.
Gonçalves de Magalhães.’ Também anônimo permaneceu por alguns anos o
Memorial orgânico, conjunto de preceitos e medidas apresentado porVarnha-
gem, em 1849, em que esclarecia o sentido pragmático da formação da nação,
propondo a escravidão do fndio e medidas que diminuíssem a presença do
escravo nas cidades com mais de dez mil habitantes.®
t3(i
terário? E se por veniura a difusão da instrução pública for para
0 futuro mais favorecida e mais cientificamente dirigida, não
poderemos esperar que daqui a mais vinte anos corramos o pá
reo com as nações mais civilizadas do antigo continente?’
i 137
sobre o conceito de cidadão e agora - um campo de lutas mais abstrato e
simbólico - articulado à imagem de nação.
138
i
dc uma única concepção de nação) e a heterogênea realidade social e cultural
do Brasil imperial em meados do século XIX. Como tais construções sobre a
nação fizeram face à situação de desigualdade? Como a história e a permanên
cia da escravidão foram pensadas? Como resolveram ou elidiram a questão de
tornar - do ponto de vista simbólico - um conglomerado disperso em algo que
se pudesse imaginar como nação?
L 139
o romantismo não se limitou a um movimento intelectual e artístico.
Por ocasião da comemoração do centenário da obra de Gonçalves de Maga
lhães, Suspiros poéticos e saudades, em 1936, Sérgio Buarque de Holanda
escrevia sobre a existência de “uma política, uma sociedade, um clero obedi
entes à mesma inspiração que animou aquela escola de poetas”.*®Pode-se ten
tar seguir essa pista. Neste capítulo, tentei ainda perscrutar uma dúvida latente
sobre aquele momento da história, acerca do sentimento sobre as raças. Daí g
visita a determinadas obras literárias, por onde se pode entrever os sentimen
tos que acompanham a hierarquização da sociedade, a escravidão, a diferença
nas origens dos povos, sendo estes alvos ao mesmo tempo de um projeto de
nação e de um processo de inclusões e exclusões. O foco sobre aqueles dois
escritores Justifica-se por mais um argumento: sua obra ficcional ligava-se in-
trinsecamente a uma reflexão sobre a história e a formação da nação.
140
sentiu-se premido a responder a um artigo de Nunes de Sousa, publicado nas
páginas da revista Guanabara.^* As tensões entre pensar a nação e gerir a po
pulação, entre a unidade e as divisões moveram a resposta do cônego à “Geo
grafia histórica, física e política do Brasil”, onde Nunes de Sousa refaz cálcu
los sobre a população, contestando números aceitos, inclusive os apresentados
por Haddock Lobo e Ângelo Thomaz do Amaral, sobre a cidade e a província
do Rio de Janeiro, respectivamente. O sentido geral de seu argumento aponta
para um número maior da população global e sobretudo para uma maior pro
porção de escravos. Na província do Rio de Janeiro, Nunes de Sousa afirmava
que haveria não 460 mil habitantes livres e 440 mil escravos (soma dos resul
tados apresentados pelos dois recenseadores citados acima), mas quinhentos
mil livres e - p a r a o pasmo e terror das autoridades - um milhão de escravos.
De fato, havia uma forte tendência dos proprietários em não declarar o número
exato de escravos, com o fim de fugir aos impostos devidos.'* Nunes de Sousa
associa-se à opinião não exatamente abolicionista, mas contrária aos escravos
e mais precisamente ao tráfico internacional, que em 1851, já decretada a Lei
Eusébio de Queiroz, ainda precisava se fazer ou vir. Segundo o autor do arti
go, o quadro trágico retratado pela estatística mostrava, no conjunto do país,
que haveria para cada homem branco, dois “de cor”. O desequilíbrio situaria o
orgulhoso Império do Brasil em posição de inferioridade em relação aos ou
tros países da América, e o motivo seria agravado exatamente pela diversidade
racial da população.
141
Unidade existe, segundo o cônego, dada pelos “interesses” (que,
por ser algo do plano da imaginação, o autor não explicita de forma mais
direta), pela religião, que sabemos ser a oficial do Império, e pela língua.
Essas são as urdiduras que fazem das "diversas partes” do Brasil uma na^
ção. O caráter vago e indefinido dos "interesses” c correlato à mesma di
ficuldade de se definir o que era a nação. Antonio Cândido comentou esta
característica do nacionalismo literário: entre os contemporâneos, “nin
guém saberia dizer com absoluta precisão” em que consistia a literatura
nacional.“ Não se trata de apontar ali um defeito ou falta no argumento do
cônego Pinheiro, mas sim algo imanente às comunidades imaginadas; tra
tava-se de um certo sentimento, uma determinada tradição, um comporta
mento singular, de fato indefiníveis.^^
Pode ser das tarefas mais difíceis desnaturalizar uma urdidura tão
solidamente forjada como aquela que une uma nação a uma língua.” Nem
por isso devemos esquecer que, longe da língua portuguesa ser àquela al
tura utilizada universalmente no Brasil, houve uma série de medidas, de
cunho fortemente político, para impor tanto aquele uso como, tão impor
tante quanto, a crença de que esta seria a atitude correta e adequada.
142
Nos seus resuliados a eseravidão dos índios, como a dos ne
gros a cerios respeitos, sem enriquecer-nos, corrompia e bar
barizava a nossa raça. Sem nos determos em longos pormeno
res para prová-lo, baste um só fato, mas capital e decisivo. Em
1755 estava a língua portuguesa de tal modo estragada, ou an
tes banida, que em São Luís e Belém só a tópica se falava, até
mesmos dos púlpitos.-*
143
Os nacionalistas do século XIX partilhavam com os escritores do
século XVIIl uma mesma atitude com relação ã fala das pessoas co
muns. Se para os esclarecidos gramáticos do século XVÍll o dialeto
não era um erro, mas apenas um impedimento ã agradável unifor
midade que a razão ditava, a existènciade dialetos no século XIX ame
açou a estrutura do Estado. A questione delia lingua tomou-se um pro
blema de imposição da uniformidade da fala para transformar o que
havia sido uma miscelânea de povos em uma comumdade nacional.*
144
I
cações sobre os fatores que levaram à existência de um vocabulário brasileiro
- pois afinal seu objetivo é eminentemente prático alguns pressupostos do
autor podem ser depreendidos de seu prólogo e da seleção dos verbetes.
145
a autor, época ou região em que foi compilado, foi publicado um Vocabulário
(Ia língua bugre, organizado a partir de termos e expressões em português,
para os quais se oferecia a tradução nesta incógnita "língua bugre”. F l o r a
Sussekind cita outros exemplos, embora de caráter mais restrito que o das duas
obras aqui selecionadas, como o Glossaria Unguarum brasiliensiunt, com vo
cábulos de diferentes línguas indígenas recolhidos por Spix e Martius e outros
viajantes, impresso em 1867, e a "Coleção de vocábulos e frases usadas na
província de S. Pedro do Rio Grande do Sul", de Pereira Coruja, publicada na
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1852,’^
Se nos países que passam por cultos acontece, que em muitas provín
cias, por motivos que me não é agora dado expor, se acha a língua
nacional alterada por dialetos diferentes, não admiraria que nesta
província o mesmo tivesse lugar à vista de sua posição geográfica e
de tantos elementos, que poderíam desconcertar sua linguagem: as
sim porém não acontece, e apenas os homens menos civilizados da
campanha têm uma pronúncia, que se ressente do sotaque castelha
no, ao mesmo tempo cm que os rio-grandenses de trato mais Civil
passam nas ouuas províncias por naturais de Lisboa." (grifos meus)
146
A estreita relação entre língua e nacionalismo no século XIX é comenta
da por Benedict Anderson, Aquela foi uma “idade do ouro para os lexicógrafos,
gramáticos, filologistas e literatos das línguas vulgares". A “língua impressa na
cional" foi um dos fatores que mais cotidianamente contribuiu para a formação
do sentimento de comunidade nacional, de nation-ness. E acrescenta que essas
atividades foram essenciais na “moldagem dos nacionalismos europeus” do sé
culo XIX, à diferença, segundo o autor, do que aconteceu na América. Anderson
acredita que, sendo o inglês e o espanhol (cita apenas esses dois idiomas, omi
tindo o português) elementos comuns com a Europa, os nacionalismos america
nos não se preocuparam com tal dimensão.^’ O caso brasileiro nos mostra porém
algo diferente, uma vez que o português será submetido a um certo tratamento
brasileiro, e a atividade de documentação, embora ainda incipiente, o demonstra.
Deve ficar claro ainda, conforme salientou Celso Cunha,^® que em mea
dos do século XIX a concepção de língua é bastante diferente daquela criada
pela linguística de Ferdinand de Saussure. e que não se deve projetar sobre aquele
momento as mesmas conseqüências que haveria em falar, após o estruturalismo,
que a língua do Brasil é diferente da língua portuguesa, o que equivalería a negar
o fato de que o sistema de oposições é o mesmo. A expressão que os lingüistas
aplicam é a de língua portuguesa no Brasil, como por exemplo Edith Pimentel
Pinto. Esta autora expõe por que seria impróprio falar em dialeto (desvio em
relação à forma padrão, no plano geográfico ou social), visto que a norma brasi
leira é considerada paritária em relação à norma portuguesa. No entanto, é pos
sível aplicar a expressão língua brasileira ou idioma brasileiro para referir-se ao
uso brasileiro do português, sem precisar com isso supor a autonomia linguísti
ca. Quanto ao movimento romântico, outro peso ganhou a expressão:
147
Nos próximos parágrafos, o foco sobre algumas posições acerca do
tema indica as conseqiiências do que se podia inserir como elemento singula-
rizante dessa língua própria e o que não deveria aparecer como tal. Da mesma
forma, a relação com Portugal estava aí sempre presente. Começam a aparecer
as tensões entre a (íngua falada e a língua literária, em uma série de ambigüí-
dades entre aproximações e distanciamentos.
O escritor espanhol Juan Valera, que viveu entre 1824 e 1905, e como
diplomata chegou a morar no Rio de Janeiro,**' abraçou a causa da nacionaliza
ção da literatura. Foi publicado nas páginas da Guanabara um artigo de sua
autoria, intitulado “Poesia brasileira”, onde associava a poesia à língua. Acom
panhar seu artigo permite trazer à luz uma tensão entre diferentes formas de
conceber a nacionalidade, pois sua avaliação, predisposta à abrangência, fói
de certa forma “corrigida” pelos editores, por meio de uma estratégica nota de
pé de página. Vamos considerar a avaliação de Valera acerca dos motivos da
singularidade brasileira e a nota que aponta uma exclusão e valoriza a seleção
não só na linguagem literária, mas genericamente na linguagem das pessoas,
especialmente as “pessoas gradas” da sociedade.
148
Ao refletir sobre a nacionalidade brasileira, o autor olhava para "todas
as raças de que é composto” o povo brasileiro, e admirava uma comum dispo
sição poética e musical. Em contraste, os editores não pretendiam lançar o
olhar de forma tão abrangente. Originalmente, o artigo foi publicado na Espa
nha, na Revista Espanhola d ’Ambos os Mundos, o que ajuda a entender a pró
pria abrangência do seu olhar, que destoava do modo como se entendia aqui o
nacionalismo, e o fato de sua opinião sobre a prática linguística no Brasil ter
sido atenuada pelos editores.
149
"qualquer língua de negros” ou uma “maneira incorreta de exprimir-se; lingua
gem estropiada; bunda”-"*^A inexatidão tipográfica provavelmente trai, anteci
pando-a, a posição dos editores da revista, que exatamente nesse ponto abri
ram uma nota de rodapé com a seguinte advertência: “Parece-nos sumamente
injusta o que diz o ilustre viajante; porque se algumas palavras dos dialetos
africanos se acham introduzidas entre nós, não são elas Jamais empregadas por
pessoas instruídas e bem educadas".
150
Curioso é que mesmo reconhecendo múltiplas causas para tais ‘‘víci
os”, para Lopes Gama a principal era o contato com os africanos no próprio
lar, 0 que se aprendería com as amas e demais escravos. Ora, essa seria uma
inversão sem par. os “primeiros mestres” sendo exatamente os escravos e afri
canos, grave exatamente porque aconteceria entre as pessoas “da classe grada
da sociedade”. A posição de Lopes Gama não era simplesmente individual,
mas refletia os valores moralistas da sociedade pernambucana, que ele acredi
tava ser urgente reformar, mas não revolucionar.'*''
151
historiador Joaquim Norberto envolveu-se nessa polêmica, ao publicar, já em
1855, o artigo “Língua brasileira” nas páginas da mesma revista Guanabara,
onde apresentou certo balanço geral das posições presentes e passadas sobre o
tema. Polêmica, pois se tratava mesmo de uma arena em que se alternavam
certa agressividade e alguns reconhecimentos de filiação. Daí, o tom reativo
com que o autor abria seu texto: "Já alguém nos lançou no rosto, que não
temos literatura nacional, porque não lemos língua
152
Joaquim Norberlo apresenta as idéias de José Silvestre Ribeiro, portu
guês, sobre as modificações da língua portuguesa no Brasil:
O sr. José Silvestre Ribeiro diz que não se pode deixar de fazer
sentir a diferença que o clima, o caráter dos povos, e outras
muitas circunstâncias devem ter produzido sobre o idioma por
tuguês no Brasil. Que é incontestável que a língua portuguesa
tem continuado a ser comum aos habitantes dos dois mundos,
como permanecendo essencialmenie a mesma; mas que também
se não pode duvidar de que transportada ao Brasil, modificou
algum tanto a sua índole, por efeito da poderosa influência do
clima, do caráter dos naturais, da mistura de raças etc. etc. Que
além dessa diferença, que abrange a generalidade do idioma, há
também a considerar a introdução de um grande número de vo
cábulos e costumes dos indígenas ou mesmo dos colonos do U l
tramar, que sucessivamente foram passando ao Brasil.
153
éncia africana é significativo. Outro demento que é recorrente no texto é a oscilação
entre tratar-se da mesma língua e de uma língua diferente em relação a Portugal.
154
a um objetivo eminentemente prático c substancialmente político: a con
quista das terras entregues à selvageria, em nome da civilização do Impé
rio. Conhecer as línguas era a condição para a catequese dos índios, polí
tica retomada pelo Estado imperial.®^ Varnhagen utiliza o plural** - lín
guas - o que parece significativo do processo de expansão e unificação
territorial durante o século XIX, em que as línguas de outros troncos que
não o tupi-guarani precisariam ser conhecidas.
155
Falat*)hes na língua geral ou no guarani, e ninguém vos enten
derá. Pronunciai ao acaso uma ou outra palavra africana, e ape
nas alguns dos escravos menos ladinos vos prestará tal qual aten
ção, Mas falai o português, e todos vos compreenderão e res
ponderão. Trazem todos os nomes de um santo do calendário: e
a língua, os apelidos, os costumes, a religião, e as leis, tudo
indica a nossa origem européia.
Ets-me outra vez perdido de meu trilho, que a pena vai a brincar
deveras com tanta derrogação, apegar-me-ei a alguma Santa! Ob!
Cá está o nosso Santa Rita Durão, que como tal me saberá guiar
melhor que ninguém. O seu belo poema foi friamente recebido
pelos portugueses. Durão o previra quando disse que eles havi
am de estranhar os nomes de alguns de seus heróis, mas que os
nomes dos alemães e dos ingleses não eram menos bárbaros. A
isto lhe responderam os portugueses que os nomes brasileiros
abundavam de vogais, que faziam parte de uma língua harmoni
osa c doce, que não eram bárbaros, mas que eram RIDÍCULOSl...
Ridículos, e que faziam rir; ridículos como Paraguaçu, Caetê,
Imboaba e Jacarandá! Ora por esta amostra do pano já vêem os
brasileiros que hilaridade não deve haver em Lisboa quando nas
salas da fidalguiã genuína do reino se anunciar a chegada de
titulares brasileiros de nomes ridículos como esses! Digam lá
barão de Paraguaçu, conde de Caeté, visconde de Imboaba, e
marquês ou marquesa de Jacarandá, para ver se não há risada
156
r
velha! E agora que uma nova edição de novos titulares esgotou
o dicionário da língua guarani! Saiba pois o sr. Varnhagen que o
guarani fornecerá também esclarecimentos na genealogia brasi
leira; a arte do brasão fará ampla colheita nas nossas coisas, e
representará no escudo do sr. barão de Paraguaçu ou um rio
grande, ou a mulher do Caramuru; no escudo do sr. conde de
Caeté um mato firme; no escudo do visconde de Imboaba ura
homem calçado, peludo, e no do sr. marquês de Jacarandá uma
árvore ou alguns toros ou couçoeiras do pau santo!
157
cido como parte da língua falada, mas delimitado como próprio de pessoas
não instruídas, mal educadas, ou que não se portavam como seria adequado à
sua posição social, e portanto indigno de compor a língua literária.
I5S
Independente da botânica, geografia e zoologia (o que todavia
não é mau contingente) temos uma imensa quantidade de ter
mos indígenas ou sejam africanos, que até nos dicionários se
introduziram, mas que na maior parte só aparecem na conversa
ção - nomes de comidas, termos de pesca, de lavoura etc., que
não são clássicos, mas indispensáveis, (grifo meu)
159
em questões mais amplas, eomo a imagem da nação e o tratamento da com
plexidade dos homens c mulheres sobre os quais se impunham os limites
do território e da soberania nacionais.
Lançava mão de um recurso usual, mas ainda assim corajoso, pois era
um jovem desconhecido ousando comentar e criticar o “poeta-instituição” na
cional. Grande polêmica tem início, e o Jovem teve que enfrentar o “coro dos
contentes”, o “grupo de elogios mútuos”,®^ uníssono contra sua pretensão, in
cluindo o próprio d. Pedro II, amante das letras nacionais.
t60
E prometia arrevesadamente o que no fundo gostaria de fazer;
161
Por intermédio de Feri, falava a natureza. Sua palavra é a de Deus.
Diferememente do índio revestido com os atributos da cidade, a idéia era que
a cidade, simbolicamente, fizesse essa viagem em direção à natureza.
IG2
ticularidades de sua vida. É nessa fonte [jue deve beber o poeta
brasileiro; é dela que hS de sair o verdadeiro poema nacional,
tal eomo eu o imagino.^”
José de Alencar sem dúvida pensa no tupi como a língua indígena. FoÍ
a língua da colonização, chamada de “geral". Ao escrever O guarani não dis
põe portanto de nenhum dicionário, e nesse sentido todo o seu trabalho foi
também pioneiro. Apaixonado pela “fantasia etimológica” em torno da origem
das palavras, tarefa que exigia além da erudição, a imaginação acesa, Alencar
163
encantou-se com a musicalidade e a característica aglutinante da língua tupi,
como na explicação para o nome do fruto dos amores culpados de Iracema e
Martim Afonso. Moacir, o primeiro brasileiro: “Filho do sofrimento, de moacy
- dor, e ira, desinência que significa saído de”.’’
164
labelece-se como uma modificação da própria “lítigua civilizada" que se
moldaria à “língua bárbara”.
Esse gosto romântico pelo estudo das línguas manifestava-se nas pes
quisas de Schlegel sobre a Índia, levando-o a conclusões sobre o sãnscrito,
cujo conhecimento revolucionou as considerações sobre as correspondências
entre as línguas. Essa revolução cristalizou-se ua categoria indo-europeu.
l«
za americana foi a grande responsável não só por essa transformação, mas
por um enriquecimento. O ambiente americano livrou-a de uma extinção
certa, e ainda fez com que dela brotasse um “novo idioma sonoro, exube
rante e vigoroso”.’’ Essa “natureza tão opulenta” foi uma dádiva ao portu
guês, atribuindo-lhe uma nova e gloriosa tarefa, que seria “servir de raiz a
uma das mais belas e opulentas entre as línguas que dominarão na Améri
ca, antes de um século” .’*
Havia assim uma profecia sobre o porvir de uma das línguas futu
ras da América; sua “raiz" seria o português, mas já não exatamente a sua
forma original.
1 6 6
- Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem tios meus ir
mãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro guer
reiro como tu?
- Venho de bem longe, filha das Horestas. Venho das terras que
teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus.*“
Não só a língua foi adotada por Martim Soares Moreno; mas seus usos
e costumes, tendo inclusive despido as vestes européias c feito pintar seu cor
po. O personagem masculino se transformava diante da natureza-mulher. No
primeiro romance. Peri havia consentido no que sabia ser o seu fim: a conver
são para o cristianismo. Abandonara sua família para servir à senhora escolhi
da. Agora, o branco é que se deixava transformar.
O autor defenderá com afinco (mas sempre com a irônica e certeira alti
vez) a obra cujo cenário é sua terra natal, Ceará, ou “terra do canto da jandaia”.
Vale notar que na bela “Canção do exílio”, com que abre seus Primeiros cantos,
de 1846, Gonçalves Dias elegera o sabiá como símbolo de sua saudade.
J67
ção de lingüislas, de referências etimológicas, até mesmo as interpretações
dos clássicos. Essa postura explica-se por entender a gramática não como um
estoque de regras estáticas, mas antes como uma filosofia e uma ciência. Pará
grafos são dedicados a suas escolhas entre õo e am, em um momento em que a
convenção baseada na fonética não era ainda de fato uma convenção. Outros
pontos de tensão como a crase no a, a colocação de pronomes pessoais, o usO
de artigos definidos, são trabalhados com igual rigor. Promete mesmo um li
vro em que se dedicaria inteiramente às suas “opiniões gramaticais", forma de
se contrapor às “insubordinações gramaticais", crime que o escritor português
Pinheiro Chagas o acusava de cometer.
16S
A gramática, ou a filosofia da palavra, i incontestavelmenle uma
ciência. Como todas as ciências, ela deve ler em cada raça e em
cada povo um período rudimentário; ainda mesmo depois de largo
desenvolvimento, existirá algum ramo de conhecimento humano
que não esteja imbuído de falsas noções e até de erros crassos?
O mesmo sucede com a gramática: saída da infância do povo, rude
e incoerente, são os escritores que a vão corrigindo e limando.”
169
com outras línguas? Ele prepara a matéria, bron/x ou mármore,
para os grandes escultores da palavra que erigem os monumen
tos literários da pátria.®’ (grifo meu)
170
A piedade e o medo
O herói tem que se dividir entre essas decisões opostas que exercem
sobre ele a mesma atração. Iracema obedecería à lei familiar e tribal (no caso,
equivalia à sua “cidade", à sua lei pública) e recusaria o amor do guerreiro,
por ser ele inimigo dos tabajarás, pois era aliado dos tradicionais inimigos
pitiguaras? Não; embora essa fosse uma traição, aumentada pelo fato de ser
171
ela a virgem, filha do pajé, que tinha o poder de beber a jurema e decifrar os
sinais oraculares sobre a guerra, Iracema se entrega à lei do seu coração. Mes
mo que virtuosa, Iracema não podia escapar ao fado.
Pela mão do poeta, porém, estava aí iniciada a nação. O filho dos dois,
o fruto do amor que iranspassava o pesado obstáculo do combate entre as ra
ças inimigas, foi o primeiro brasileiro.
172
edição no formato de folhetim de O guaranis em que apareceram já as notas do
autor, algumas relativas a explicações lingiiísticas de palavras do tupi e outras
relativas à história. Muitas vezes Alencar preocupou-se em esclarecer que cer
tos personagens existiram de fato, afirmando que eram “históricos". Citava
documentos, referia-se aos autores consultados, como Baltazar da Silva Lis
boa e Aires do Casal.” Lembre-se, porém, que essa aproximação não deve ser
entendida pela via do realismo, mas pela própria idéia romântica, de valoriza
ção do passado como elemento singular, nacional. Nessa apropriação moral da
história, vamos dar destaque aos sentimentos acerca da diversidade das raças.
173
o rapaz também teve piedade da sina da moça que vivia entre o ódio e o des
prezo. A piedade, sentimento cristão, ajudava a aparar as arestas. Acabaram
ambos morrendo juntos, em uma cenasurreal, consumindo seu amor na morte,
eie, ferido pelos aimorés, e ela tendo montado uma espécie de paraíso artifici
al com perfumes embriagadores da íloresta tropical.
Mas logo explicava sua atitude à dona de piedoso coração: “Sei que tu
não pensas assim, Cecília; e que o teu bom coração não olha a cor do rosto
para conhecer a alma. Mas os outros?... Cuidas que não percebo o desdém cora
que me tratam?”."’®
174
Um índio e os índios
Esse índio não vive nu, veste uma túnica alva; sua pele brilha como o
cobre, o rosto é harmônico, tinha "a beleza inculta da graça, da força e da inteli
gência”. A perfeição de Peri, sua força e destreza, sua coragem que nunca vacila,
sua lisa honestidade, sintetizam a idealização do índio característica do india-
nismo romântico. Mas esse não é o único índio que Alencar traz para sua versão
do poema nacional. Existem, de forma ura tanto sub-reptícia, índios que poderia
mos considerar mais “reais”. Sua presença porém é sempre dada pelo negativo
(fotográfico) - revelam-se como o fundo, por não serem como o herói. Seria por
tanto insuficiente afirmar que o índio que aparece nos romances é imaginário, é
uma idealização distante. Os índios “reais”, presentes, deixaram ali sua marca. O
que há de mais real e presente, do ponto de vista do processo de formação do
Estado imperial, no que diz respeito aos índios, são as guerras e os conflitos, so
bretudo quando a questão era a expansão da fronteira territorial efetivamente sub
metida à soberania do Estado. Manuela Carneiro da Cunha sugere que havia duas
categorias na percepção e tratamento dos índios durante o período imperial:
175
Há, primeiro, os tupis e os guaranis, já então virtual mente extintos
ou supostamente assimilados, que figuram por excelência na auio-
imagem que o Brasil faz de si mesmo. É o fndio que aparece como
emblema da nova nação em todos os monumentos, alegorias e cari
caturas. É o caboclo nacionalista da Bahia, é o índio do romantismo
na literatura e na pintura. É o fndio bom e, convenientemente, é 0
índio morto. A segunda categoria é o genericamente chamado boto-
cudo. Esse não só é um índio vivo, mas é aquele contra quem se
guerreia por excelência nas primeiras décadas do século: sua repu
tação é dc indomável ferocidade. Coincidência ou não. os bolocu-
dos são tapuias, contraponto c inimigos dos tupis na história do
início da Colônia e sobretudo na Literatura indianista".'°-
176
Uma índia aimoré foi casualmenle atingida pela arma de d. Diogo.
filho de d. Antônio de Mariz. Peri, onipresente como sempre —invariavelmen
te enconlra-se no lugar onde algo essencial acontece —, vê tudo. Seguindo o
cãozinho que acompanhava a moça e que após sua morte vai até sua família,
entende a consequência inevitável: a vingança dos aimorés dá a partida à trama.
A força militar cora que contava era a dos aventureiros, espécie de mesti
ços, “reunindo ao mesmo tempo aos recursos do homem civilizado a astúcia e agili
dade do índio”, eram “soldados e selvagens”, controlados pelo senhor e protetor.
J77
Alencar, vale a pena ler algumas linhas sobre esses índios “reais”, {Na medida
em que o medo era real, presente). Vale ainda pensar na tragédia como possibi
lidade de elaboração do sentimento de piedade e, aqui muito claro, do medo:
178
XIX, o medo inspirado pela desigualdade social. Meyer afirma que uma das
principais chaves do folhetim, tanto na suas origens francesas como nos frutos
brasileiros, era o medo do binômio classes laboriosas-classes perigosas."” A
generalização do medo talvez não seja muito adequada para 0 caso brasileiro.
Em José de Alencar, o medo existe, mas não de forma isolada, sendo funda
mental interpretá-lo em conjunto com a outra face do sentimento sobre as ra
ças, a piedade. O desfecho de O guarani restaurou, ao menos no plano da
leitura, a tranquilidade. Apesar da destruição da casa-fortaleza de d. Antônio
Mariz e de quase toda a família, Peri e Ceei salvam-se dos bravos aimorés. Se
o amor impossível entre a moça branca e o herói nativo se concretizou ou não,
o autor preferiu deixar à imaginação dos leitores a tarefa de responder.
179
Gonçalves Dias pode ser tomado como um historiador. Não só por seus estu
dos publicados na revista do Instituto Histórico, ou pela sua atuação na localização de
documentos e livros raros em diversas bibliotecas e arquivos. Mas, mesmo, por suas
poesias, por meio das quais pesquisou e deu a conhecer a história. A história que conta
é triste, fala do fim, da morte. Nada de exaltação e ufanismo. Nada de chamar “pro
gresso” um movimento que carrega em sua origem o “extermínio secular”:
Quem quer que for bom historiador deve ter uma destas coisas:
ser político ou poeta; não poeta no sentido em que fala Filinte
Elfsio - homem que vive de medir linhas curtas c compridas ->
mas poeta de alma e sentimento; escreva prosa ou verso; chamo-
se Schiller ou Chateaubriand, Homero ou Platão.
O historiador político resume todos os indivíduos em um só indiví
duo coletivo, generaliza as idéias e os interesses de todos, conhece Os
erros do passado c as esperanças do futuro, e tem por fim a nação.
O historiador poeta resume as nações em uma só nação, simpa
tiza com todas as suas grandezas, execra todas as suas turpitU-
des. e generalizando todos os sentimentos, todas as aspirações
do coração humano, tem por fira a humanidade.
ISO
o hisioriador político escreverá o livro do povo, iim como aque
les fragmentos da sibila, que os romanos consultavam nas gran
des tempestades da sua República. O poeta historiador escreve
rá o livro do homem e de todos os homens, do povo e de todos
os povos - o evangelho da humanidade.'*’
Nesse texto, da mesma forma que o fez em sua obra poética, o autor
baseou-se em autores jesuítas coloniais, como Símão de Vasconcelos e Antô
nio Vieira. Nem por isso perdia sua posição crítica diante do projeto missioná
rio, explicando em que consistia a conversão, como nesta passagem sobre os
nheengaybas, que se refugiaram em Marajó e outros lugares e resistiram aos
portugueses durante algum tempo. Ao final, porém,
181
para definhar e morrer nas nossas plantações; quando faltavam es
cravos, levantavam bandeiras, juntavam homens e iam ao que cha
mavam resgate, em escárnio de todas as leis divinas e humanas."'*
Nações e nação
182
A composição foi iniciada na primeira esiada de Gonçalves Dias no
Rio de Janeiro, quando se retirou em férias numa chácara em Macacos, na
Gávea. Em carta a Henrique Leal, ele anuncia seu projeto:
IB3
A destruição disseminada pelos estranhos, pela “Raça, a quem os rai
os prontos servem”, e que contrastava com sua alvura, semelhante ao nascer
do dia, fazia-se ali noticiada pelos sertões. A coragem extrema, a destreza dos
guerreiros, acabou sendo a fonte de sua própria ruína. A guerra contra os por
tugueses não chegou a ser tratada diretamente no poema. Mesmo sem o desfe
cho, tudo sugere que a guerra levaria à própria destruição. O duplo tema das
divisões entre os oprimidos e da ruína cultural dos “primeiros” habitantes da
América, que tanto inquietou o autor, não parece ter animado o público. A
edição, feita na Alemanha e custeada pelo autor, acabou encalhada. Vale a
pena contrastar com o sucesso dos Cantos, em edição rapidamente esgota-
da,'“ como também, naquele mesmo ano de 1857, com a obra de outro autor,
que alcançou grande sucesso de público, e que foi o folhetim O guarani.
IS4
Uma breve passagem indica que ü contexto histórico é posterior à in
vasão portuguesa. Após ter conhecido apenas que o filho havia sido prisionei
ro, o pai lhe pergunta: Dos índios?”.'^"' Ou seja, o filho poderia ter sido
capturado por outros que não índios. Uma oposição que foi forjada pelo pró
prio processo de colonização, assim como a categoria “índios” é essencial
mente uma categoria européia em sua origem.
185
Certamenie o dom de uma consciência tranqüila não é o intuito de
Gonçalves Dias, Sua poesia americana não traz tranqüilidade, não purga nada.
Ao contrário, ressuma a consciência de um passado de conflitos.
A atração do índio pela mulher branca foi tema trabalhado já nos Primei
ros cantos, na parte especial mente elogiada por Alexandre Herculano, das “Poesi
as americanas". “O canto do índio”, poema publicado dez anos antes de O guara
ni, mostrava um índio que confundia, como se tivesse sido enfeitiçado, a imagem
da mulher branca com a imagem da Virgem, embora uma imagem erotizada:
186
o mesmo tema foi retomado por José de Alencar em O guarani. Peri
amou Cecília desde que a viu, pois tinha sido marcado, quando presenciou o in
cêndio que destruiu a vila de Vitória, atacada por sua tribo, por uma imagem de
Nossa Senhora. Sonhou com esta “senhora dos brancos”, sentenciando a ele; “Peri,
guerreiro livre, tu és meu escravo; tu me seguirás por toda a parte, como a estrela
grande acompanha o dia”. Ao ver Cecília, a viu como sua “senhora”, e passou a ser
seu “escravo”. N o romance, isso consistia tanto em atender a seus pequenos capri
chos de moça mimada, como em proteger infalível e incondicionalmente sua vida.
Nação e escravidão
187
o escritor advoga o fim da escravidão, enquanto fim da própria domi
nação senhorial: as “maneiras submissas e respeitosas” diante das “maneiras
senhoris e arrogantes” ; é como se a própria escravidão fosse por ele condena
da, e não a condenação da presença africana na nação e o medo da “africaniza-
ção” do Im p é rio .O u tro elemento central na hierarquia social condenado por
Dias era que houvesse uma divisão não pela variedade de opiniões, mas pela
variedade das cores; e que afinal a cor fosse o critério de uma divisão.
Uma terra onde a natureza é belíssima, árvores, relva, flores, céu, es
trelas.... tudo perfeito, mas onde o mal vem dos homens, discordes. A metáfora
utilizada para expressar a dominação foi a de círculos concêntricos formados
pela queda de uma pedra nas águas plácidas de um lago.
A água muitas vezes está presente nas imagens produzidas por intelec
tuais (e também em alguns mitos) sobre as diferenças de cores. Pensar era
transformações veiculadas pela água, quem sabe, possibilita que se considere
antes uma diferença de cor do que uma diferença de raça, dada como uma
situação imutável. A água associa-se à transformação (em geral, do preto em
direção ao branco), à fusão.
)SS
E sobre essa terra mimosa, por baixo dessas árvores colossais,
vejo milhares de homens de fisionomias discordes, de cor vária
e de caracteres diferentes.
E esses homens formam círculos concêntricos, como os que for
ma a pedra, caindo no meio das águas plácidas de um lago.
E os que formam os círculos externos têm maneiras submissas e
respeitosas, e são de cor preta; os outros, que são como um pu
nhado de homens, formando o centro de todos os círculos, têm
maneiras senhoris e arrogantes, e são de cor branca.
E os homens de cor preta têm as mãos presas em longas corren
tes de ferro, cujos anéis vão de uns a outros, eternos, como a
maldição que passa de pais a filhos.
Cada uma das faixas circulares teria uma cor própria, sendo a cor pre
ta a mais exterior. Nesta, seus membros eram ligados por cadeias, inexpugná
veis aos movimentos de resistência que eram executados apesar dc ferirem os
pulsos dos homens que as portavam.
1B9
com as criaturas, ofereceu uma espécie de desafio, concedendo às águas de um
rio o poder de embranquecer, mas à custa de arriscar-se o candidato ao frio e à
morte. Dos corajosos, deslumbrados com a promessa de tanta beleza, alguns
sobreviveram saindo na outra margem. Os pretos, friorentos e rotineiros, fica
ram com a segurança e, apesar da inveja pelos que avistavam do outro lado,^
apenas as palmas das mãos e as solas dos pés tornaram-se brancas quando toca
ram as águas encantadas - o suficiente para constatar a sua frieza extrema.'^
Décadas mais tarde, Mário de Andrade introduziu essa lenda nas peri
pécias de Macunafma, em versão parecida, embora o pequeno lago seja, aí, não
criação do Deus cristão, mas a pegada de Sumé, em referência a outra provável
lenda sobre a passagem de São Tomé pela América muito antes dos portugueses,
O esperto Macunaíma foi o primeiro a chegar, claro. Venceu o frio, lavando-sé
ali. E ocorreu o “milagre”; “Quando o herói saiu do banho estava branco louro e
de olhos azuizinhos, a água lavara o pretume dele”. Jiguê, seu irmão, só “conse
guiu ficar da cor do bronze novo”. Maanape toca com as mãos e os pés a água
santa. Ficaram assim os três irmãos, “um touro um vermelho outro negro".‘^“
190
Os homens de cor preta devem servir, porque eles estão acostuma
dos à servidão de tempos mui remotos, e o costume é também lei.
E os filósofos disseram: os homens de cor preta devem servir,
porque são os mais fracos, e é lei da natureza que o mais fraco
sirva ao mais forte.
E os proprietários disseram; os homens de cor preta devem ser
vir, porque são o melhor das nossas fortunas, e nós não have
mos de as desbaratar.
Então alevanlou-se um acalorado rumorejar de vozes, e todos
concordaram em que a voz dos filósofos e dos proprietários era
a voz da razão e da justiça e devia ser escutada.
E os homens de cor branca também se levantaram e disseram:
“Nós constituímos a maioria da nação e somos de entre todos
os mais ricos.
Fomos nós os autores da regeneração política, e a inteligência é
o nosso apanágio.
Ora. é lei da natureza que a alma governe o corpo, e que a sabe
doria governe a ignorância.
Nós então ficaremos com o poder, porque somos os mais ricos e
os mais inteligentes".
E os homens da mesma classe disseram que tinham bem fala
do seus irmãos, e que a sua pretensão era justa e devia ser
atendida.''"
191
o texto Meditação pode ser considerado expressão (embora um
tanto precoce em relação ao momento em que o tema torna-se quase obri
gatório, principal mente por volta de 1871, ano da Lei do Ventre Livre) da
sensibilidade romântica diante da escravidão. O interesse em relação à
singularidade cultural do escravo de procedência africana sequer se colo
cava como questão. O que parecia urgir nessa nova forma de sentimento
era mostrar, pela poesia, que o escravo era também gente, tinha uma alma,
coração, sentimentos. Roger Bastide escreve:
192
N otas
1 "Nasceu Antônio Gonçalves Dias (1S23-1S64) era uma fazenda dos arredores de Caxias
(Maranhão), na qual se refugiara com a amante, brasileira de origem ainda não indis
cutivelmente apurada (índia ou cafusa?), seu pai, português, que ali buscara asilo contra
as perseguições da parte de nacionalistas exaltados". Manuel Bandeira, Noções de história
das literaturas, p, 341; Gonçalves Dias, Obras póstumas, precedidas de uma notícia da
sua vida e obras pelo dr. Antônio Henriques Leal, p. xxiv; Manuel Bandeira, Gonçalves
Dias: esboço biográfico.
2 Essa autodenominada “geração de 1825" pode ser inserida em uma geração mais extensa,
a que nasceu entre 1800-1833, seguinte à dos fundadores do Império, e composta tanto
por homens que desempenharam os principais cargos políticos do Estado imperial, como
parlamentares, presidentes de província, ministros (como Paulino Soares de Sousa, Eusébio
de Queiroz, Rodrigues Torres, Nabuco de Araújo, o visconde de Rio Branco entre outros),
quanto por intelectuais, escritores, jornalistas, arhsias plásticos, historiadores, como Gonçalves
de Magalhães, Gonçalves Dias, José de Alencar. Vamhagen, João Francisco Lisboa, Vítor
Meireles. limar Rohloff de Mattos apresenta-a, comentando seu desempenho: "Fundar o
Império do Brasil, consolidar a instituição monárquica e conservar os mundos distintos
que compunham a sociedade faziam parte do longo e tortuoso processo no qual os setores
dominantes e detentores de monopólios construíam a sua identidade enquanto uma classe
social". O tempo saquarema. p. 125-126.
3 Revista Brasileira - Jomai de Ciêiu^ias, Letras e Artes. Dirigido por Cândido Batista de Oliveira.
Publicação irimensal. Tomo 1. Rio de Janeiro, Tipografia Universal de Laemmert, 1857.
6 Nas lutas peta abdicação do primeiro imperador, cm Santo Amaro, na Bahia, pedia-se a
ascensão de dom Pedro II, que era “cabra como nós". Stuart Schwartz, The formation of
a colonial identity in Brazil.
193
9 Francisco de Sousa Martins, O progresso do jornalismo no Brasil, RIHGB, tomo S,
1846. Kraus Reprint, 1973.
12 limar Rohioff de Mattos, op. cit., p. 240: “a articulação entre a politica de mão-de-obra
[...] e a política de terras tinha como objetivo tanto poupar imediatamente o consumo de
mão-de-obra escrava quanto sujeitar os novos e futuros ocupantes do mundo do trabalho,
fossem eles ex-escravos, elementos nacionais ou imigrantes, como decorrência de uma trans
formação que era vista e apresentada como inevitável fruto do progresso e da civilização”.
13 ibidem, p. 157; "quando dizemos - estar no governo do Estado ~ estamos nos referindo
também ã capacidade de exercer uma direção: uma direção política, uma direção ‘inte
lectual e moral’ [...]. Estamos tentando ir além das concepções prevalecentes, sobretudo
nos estudos referentes à ordem imperial, que apenas consideram no Estado os aspectos
referentes à dominação e aos aparelhos de coerção que a tomam possível, como a polícia,
a burocracia, os tribunais”. A expressão "espírito de associação", citada pelo autor, é do
visconde de Mauá; Bernardo Pereira de Vasconcelos falava em "difundir as luzes”.
15 Sobre a crítica dessa oposição, quase naturalizada, na antropologia, ver o artigo de Mareio
Goldman e Tânia Stolze Lima, Como se faz um grande divisor?, in Mareio Goldman,
Alguma antropologia, p. 83-92.
18 A revista foi publicada entre 1849 e 1856. Tanto os exemplares da Biblioteca Nacional
quanto os do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro estão reunidos em dois tomos:
o primeiro, datado de 1851, e o terceiro [sic], datado de 1855. A paginação é contínua em
cada um dos tomos. Na época em que a pesquisa foi realizada, não foi possível recuperar
a dimensão dos volumes originais (seu início e fim), nem. consequentemente, as datas espe
cíficas de publicação dos artigos. Remetemos apenas, portanto, para um dos tomos. Poste
riormente, consultando os originais da série completa na biblioteca da Casa de Rui
Barbosa, verifiquei que a publicação estendeu-se a 1856.
19 Mary Karasch, Slave life in Rio de Janeiro, 1808-1850, p. 63-64. comenta o fracasso dos
censos de 1834 e 1838, ambos subestimando o número de escravos. A questão foi discu
tida no segundo capítulo deste trabalho.
194
20 Esta foi a linha de atuação de O Filantropa, que arrolava os nnateffcios de uma africa-
nização da nação, combatendo o trãftco internacional de escravos. À posição não é de defesa
da liberdade dos escravos, mas de evitar a presença escrava no seio da "família branca".
O Filantropa. Periódico í/tiHia«iínnV), cientifico e literário, 184-9.
22 Antonio Cândido, O nacionalismo literário, in Formação da literatura brasileira, op. dt., p. 10.
23 Sobre o conceito de comunidades imaginadas, ver Benedict Anderson, üaçãa e consciência nacional.
25 A declaração de Johann Goitfried von Herder, no final do sdculo XVllI, de que “todo povo
é povo; ele possui sua formação nacional como possui .sua língua" é comentada por
Benedict Anderson: "Essa concepção notavelmente cug-européia da nation^ness como algo
vinculado a uma língua própria e exclusiva teve ampla influência na Europa do século XIX
e, mais limítadamente, lias teorias subsequentes sobre a natureza do nacionalismo”.
Benedict Anderson, Nação e coíi.ícféítcio nacional, op. cit., p. 76-77..
29 Marcei Mauss (op. cil., p. 596} incluiu a questão linguística em sua reflexão sobre a idéia de
nação, apontando para o caráter inédito do conservantismo, proselitismo e fanatismo, bem como
da inlcrvenção do Estado, nesse momento de definição das "línguas nacionais" no século XIX.
30 Jonathan Steinberg, O historiador e a questione delia língua, in Peter Burke e Roy Portór
(orgs.). História social da linguasem, p. 242.
31 Luís Maria da Silva Pinto, Prólogo, in Dicionário da língua brasileira, Biblioteca Nacional,
Seção de Obras Raras.
32 Brás da Costa Rubim. Vocabulário brasileira para servir de complemento aos dicionários
da língua portuguesa. Biblioteca Nacional. Seção de Obras Raras.
33 Essa obra não é aqui analisada por não se enquadrar nos litnites cronológicos deste trabalho.
Antônio Joaquim de Macedo Soares. Dicionário brasileiro da língua portuguesa', elu-
cidário ctimológico-crítico das palavras e frases que, originárias do Brasil, ou aqui
populares, se não encontram nos dicionários da língua portuguesa, ou neles vêm com
forma ou significação diferentes. 1875-1888.
195
37 Bcnedici Anderson, Naçãa e consciência nacional, op. cit.. p. 81.
46 Sobre a trajetória de Lopes Gama e o conteúdo de sua atividade coroo jornalista político
e social, ver a cuidadosa introdução de Evaldo Cabral de Melo em O carapuceiro.
51 ibidem, p. 101.
53 Extratos do prólogo dessa obra são citados por Edgard Sanches, A língua brasileira.
55 Manuela Carneiro da Cunha. Política indigenista no século XIX, in História dos índios no Brasü.
57 Francisco A.Vamhagen. Prólogo, in Florilégio da poesia brasileira, apud Edgar Sanches. op. cit.. p. 9,
196
5S Manoel Salgado Guimarães escreve: "É Francisco Adolfo Varnhagcn quem [,..J expli
citaria os fundamentos definidores da identidade nacional brasileira enquanto herança
da colonização européia". Nação c civilização nos trópicos: o IHGB c o projeto de uma
história nacional, p. ó.
59 Antonio Cândido. A educação pela noite e oMffH.v enxaías, op. cit., (especialmente os artigos
"Literatura c subdesenvolvimento" e "Literatura de dois gumes”).
64 Gonçalves Dias, Carta ao dr. Pedro Nunes Leal. Transcrito por Edith P. Pinto. O português
do Brasil, op. cit., p. 33-38.
65 A expressão foi utilizada por Ômega, possivelmente Pinheiro Guimarães, que entrou na
polêmica não exatamente para defender Alencar, mas para denunciar a "confraria lite
rária". José Aderaldo Castello, A polêmica sobre a “Confederação dos tamoios".
67 Carta de Alexandre Herculano a d. Pedro II, datada de Lisboa, 6 de dezembro de 1856, apud
Heitor Lyra. A história de d. Pedro II, p. 203-207.
72 Gonçalves Dias. Dicionário da língua tupi chamada língua geral dos indígenas do
Brasil, p. v-vi.
73 José de Alencar. Iracema, Paz e Terra. p. 115. Chamando a atenção para as pesquisas ctimo-
lógicas efetuadas por Alencar. Cavalcanti Proença esclarece este caráter aglutinante do
197
(upi, com vocábulos com múltiplos scmanlemas, que o distingue das línguas de flexão “cujos
afixos sáo elementos signifícantes mas não conceituais". Cf. Cavalcanti Proença, José de
Alencar na literatura brasileira, v.l, p. 57.
76 Além da obra citada, outro texto sobre o estudo linguístico no século XIX é o de Leonard
Bloomfield, The study of language.
78 Apud idem.
83 idem.
84 ibidem, p. 243.
87 idem.
89 Carta de Alexandre Herculano a d. Pedro II, datada de Lisboa, 6 de deaembro de 1856, apud
Keitor Lyra, A história de d. Pedro II, op, cit., p. 204.
92 Cavalcanti Proença explora essa faceta de pesquisador do autor de vários romances histó
ricos. C f José de Alencar na literatura brasileira, op. cil.
93 Um levantamento feito por Flora Sussekind sobre os autores mais citados nas notas de Alencar
era seus romances indianistas indica que suas principais fontes de pesquisa foram
Gabriel Soares de Sousa, Jean de Léry, Kans Staden, Simão de Vasconcelos, FernãO
Cardim, Ives d’Evreux e Thevet. Flora Sussekind, O Brasil não é longe datjui: o nar
rador, a viagem, p .191-192.
94 José de Alencar, Cartas sobre a Confederação dos tamoios. in Obra completa, p- 891.
198
95 Vct por exemplo as edições àa Diário do fíia deJaneiro át r,2 ,5 , 11, f8,23e30dejaneirode 1857.
98 tbidem. p. 260
99 ibidem, p. 33.
102 Manuela Carneiro da Cunha, Política indigenista no século XIX, in História dos (ndios
no Brasil, p. 136.
103 Diário do Ria de Janeiro, 17 de janeiro de 1857. A nota acompanha o capítulo XIV,
"Uma índia”. N lo consta da edição que utilizei para consulta. Não foi possível con
sultar a primeira edição da obra.
lOS Manuela Carneiro da Cunha, Política indigenista no século XIX, op. cit., p. 134.
111 Um exemplo do tratamento da história como lugar de certa pacificação é o próprio épico
de Gonçalves de Magalhães. Jagoanharo, um dos chefes tamoio, em luta contra os
portugueses, tem um sonho, no qual voa com São Sebastião e este lhe prediz vários
fatos da história do Brasil, da fundação de Niterói até a chegada de d. João VI e a
maioridade de d. Pedro II. Depois da narrativa surge uma cruz no céu. Jagoanharo.
arrependido, pede então sua "salvação" Pela predição de São Sebastião, sugeria-se
que o destino da nação estaria mesmo ligada aos portugueses e ao cristianismo. Magalhães
concilia a dominação portuguesa com a idéia da liberdade da pátria, da lula contra o
estrangeiro, explorada no poema. Apud José Aderaldo Castello, op. cit., p. xliii.
112 Gonçalves Dias. Os (inibiras. Edição utilizada para as citações: l-Juca-Pirama seguido
de Os tiinbiras. Porto Alegre, L&PM, 1997, p. 62. FoÍ utilizada também na pesquisa a
199
edição Poesia completa e prosa escolhida, Rio de Janeiro, Aguilar, 1959. No entanto,
na edição de bolso, encontram-se notas do punho do autor que não constam da edição
da editora Aguillar.
113 Gonçalves Dias, História pátria. Reflexões sobre os Anais históricos do Maranhão por
Bernado Pereira de Bcrredo. Guanabara. Revista mensal, artística, cientifica e literária,
tomo I,Tip. Dois de Dezembro, 1851. p. 25 e segs.
116 Artlonio Cândido lamenta que a obra não possua uma organização do todo e maior
clareza em seus propósitos, indispensáveis a um ópico. Formação da literatura brasi
leira, p. 93-94.
125 Stuart Schwartz, Brazílian ethnogenesis: mestiços, mamelucos, and pardos. Especifica
mente sobre os mestiços que viviam culturalmente como índios, o autor escreve na p. 18:
"In some ways mestiços who made a cultural choice to be indians were a frightening
prospect to colonial society. The rejcciion of ‘civility’ and the acceptance of barbarism
placed into question the very foundation of European society and the theological jus-
tification for conquest and colonization".
127 Gonçalves Dias, O canto do índio, in Poesia completa e prosa escolhida, p. 110.
200
133 O jornal foi fundado em 1849, e no ano seguinte organizou a Sociedade contra o Tráfico
e Promotora da Colonização, e Civilização do Indígena; seu objetivo era “combater a
escravidão doméstica entre nós, e demonstrar seus negros males, e apresentar os mais
seguros meios de extinguir. e prevenir seus funestos resultados”. O Filantropo. Periódico
Humanitário, científico e literário, 1849. Biblioteca Nacional.
134 Manuel Bandeira. A vida e a obra do poeta, in Gonçalves Dias, Poesia completa e
prosa escolhida, p, 20.
201
C o n c lu sã o
'■ P e r t e n G im e n ío s , i d e n i i d a d e . S e u s d o c u m e n to s! S o b re se u p assa
p o rte o u c a r t e ir a d e id e n t id a d e e s t ã o e x p o s t o s , s o b s e u re tra to , in i
m it á v e l, s e u s o b r ç n o r n e , n o m e , s e x o e n a c io n a lid a d e ... p o is v o e S ‘ p e r
te n c e ’ a u m a c e r t a f a m ília , a u m g ê n e ro , a u m p a ís , n ã o a o u tro s.
Michel Serres
203
É nesse sentido que falar cm interesse pela mestiçagem não deve
levar a pensar apenas em “contato”, ou “encontro” entre raças e povos,
mas em distâncias variáveis, construídas, era “digestões” e destruições.
Roger Bastide, procurando evitar tanto o organicisnio (a fixidez dos tipos
sociais, análoga a modelos biológicos) quanto a busca das origens das for
mas culturais, para a qua! a aculturação constituiría um empobrecimento,
apontava para a impossibilidade de isolar, como certas divisões acadêmi
cas, de um lado a perspectiva do grupo e de outro a perspectiva do conta
to, do confronto, do sincretismo. Daí sua noção de interpenetração de
civilizações como fenômeno próprio da história; a própria matéria da his
tória seriam as interpenetrações de civilizações, seriam fusões, conquis
tas, guerras, trocas: “a história da humanidade toda é a história do contar
to, das lutas, das migrações e das fusões culturais”,^
204
perspectiva, a palavra crioido, no título de uma folha política e a mesma pala
vra em uma lista de população, ou em um registro policial, assumiu conteúdos
e desempenhou forças diversas. A visão da sociedade no Brasil do século XIX
como racialmente estratificada entre brancos e não-brancos é por demais sim-
plificadora, em prejuízo das tensões existentes, além de acabar tomando como
única realidade possível, categorias de um ideai hierárquico, princípios de
uma sociedade ordenada. À ordem buscada contrapuseram-se contínuas movi
mentações entre fronteiras sociais. Levar em conta a profusão das designações
significou apontar muito mais para o múltiplo do que para o dual. Ainda que a
dicotomia tenha atuado na contínua reconstrução das hierarquias sociais, a
miríade de gradações, os múltiplos caminhos da dinâmica social, merecem ser
trazidos à luz. Como, por exemplo, traduzir uma expressão como “cabra” por
“não-branco". “população de cor" ou “negro”, se com isso perder-se-iam de
vista muitos outros sentidos (o cabra como dissidente político, ou a animalida
de evocada na expressão?).
205
Deslocando o foco de análise para os documentos estatísticos criados em
tomo do conceito, então relativamente novo, de população, percebeu-se também
uma certa polarização entre uma fala e um silêncio. As diferentes análises estatísti
cas, mais do que simples ou bruta reprodução de uma realidade, constituíram um
discurso sobre a população. Ligadas ao processo de centralização do Estado imperi
al. as estatísticas procuravam transformar um conglomerado de habitantes em uma
população, isto é, forjar uma certa racionalidade política, ligada à tributação, ao
recrutamento, à criminalidade, à instrução, às estratégias de utilização da mão-de-obra
tanto livre como escrava, à composição e movimentos desse conglomerado, que fosse
mais adequada à ordem e à segurança. O objetivo era circunscrever, no conjunto da
população, certos subconjuntos: a sociedade civil, os escravos, outros contingentes
susceriveis de serem aproveitados como mão-de-obra, os estrangeiros, os índios.
206
Falas e silêncios também nas imagens sobre a nação formuladas em
meados do século? De certa forma, mais uma vez, sim. No último capítulo
passamos a tratar da nação, após ter considerado as discussões sobre a forma
ção da sociedade política nos anos iniciais da década de 1830, e em seguida o
investimento sobre a população. A s imagens sobre a nação foram focalizadas
com base em discussões sobre a “língua brasileira". A reflexão sobre a língua
foi privilegiada, pois a busca da especificidade do nacional voltou-se para aquilo
que era diferente da herança portuguesa (mantendo com esta uma relação con
flituosa de filiação), e para a oralidade, selecionando o digno e o indigno de
ser incluído como marca da língua nacional. A heterogeneidade dos grupos
sociais e culturais atravessou a polêmica em torno da língua brasileira. A defe
sa da língua nacional, bem como a circulação da literatura romântica, foi uma
forma de difundir um “espírito de associação”, de criação de uma suposta uni
dade nacional entre as “partes”. A idéia de nação, enquanto nova forma de
concepção da vida social, não foi entendida necessariamente como abrangen
do a totalidade dos habitantes, que operasse uma assimilação incondicional: a
nação, tal como desponta do romantismo histórico e literário, foi resultado de
escolhas, seleções, inclusões e exclusões; criou certos símbolos, construiu de
forma múltipla as alteridades. Mais uma vez a opção de desconfiar das evidên
cias fez-se presente, pois o pressuposto da interrogação consistiu exatamente
em desnaturalizar a idéia de que cada nação teria correspondência em uma
língua, e a partir daí, perceber o momento como o de um conjunto de esforços
para que essa equação se tornasse realidade.
207
N o tas
2 Roger Bastide, A.t religiões africanas no Brasif. contribuição a uma sociologia das
interpenetrações de civilizações, p. 23-29.
3 Ivana Stolze Lima, O Brasil mestiço: discurso e prática sobre relações raciais ua pas
sagem do século XIX para o século XX.
208
B ib l io g r a f ia
Fontes Primárias
Manuscritos
A rq u ivo N a cio n a l
Secretaria de Polícia da Corte [Ofícios diversos]. IJ“ 204 - Série Justiça - Polícia,
escravos, moeda falsa, africanos.
Bíbfíofeca N a cio n a l
Traslado do processo a que deu motivo os tumultos das Garrafadas do dia 13,14 e
15 de março de 1831. Seção de Manuscritos.
209
Fontes Impressas
Periódicos
A rquivo N a cion a l
0 Cabrito,1833
O Carioca, 1833
0 Crioulinho, 1833
0 Americano, 1831
Astréa, 1826
O Carainuru, 1832
210
0 Catão, 1832
0 Evaristo, 1833
0 Exaltado, 1831-1833
0 Lafuente, 1833
A Malagueta, 1829
0 Martelo, 1832
O Repúblico, 1830-1831
211
o Torto da Artilharia, 1833
Folhetos
Arquivo N ocionoi
Relatório do ministro da Justiça - 1831, 1832, 1833, 1834, 1836, 1839, 1851,
1856, 1857.
Coleção das leis do Império do Brasil, 1830, Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, 1876,
Coleção das leis do Império do Brasil, 1837, parte II, Rio de Janeiro, Tipografia
Nacional, 1861.
Coleção das leis do Império do Brasil, 1851, tomo 14, parte 2*, Rio de Janeiro,
Tipografia Nacional, 1852.
212
Biblioteca Nacional
Decreto criando a Comissão de Estatística Geográfica e Natural, Política e
Civil, de 25 de novembro de 1829. Rio de Janeiro, Tipografia Nacional. Se
ção de Obras Raras.
DIAS, Gonçalves. Dicionário da língua tupi chamada língua geral dos indí
genas do Brasil. Lipsia: F. A. Brockhaus, 1858.
213
SILVA, Antônio Morais e. Dicionário da títigua portuguesa recopilado. 2 ed. Lis
boa: Tipografia Lacerdina, 1813. (Fac-símile da segunda edição, Rio de Janeiro,
Fluminense, 1922).
SOUSA, Bernardino José de. Dicionário da terra e da gente do Brasil. São Paulo;
Companhia Editora Nacional, 1939. (Coleção Brasiliana, v. 164).
AGUILLAR, José Pedro Wemeck Ribeiro de. Resumo total da população que existia
no ano de 1799, Rio de Janeiro. RIHGB, tomo 21, 1858.
ALENCAR, José de. Bênção paterna, [prefácio a] Sonhos d ’ouro - romance brasi
leiro. 8“ ed. São Paulo: Melhoramentos, s.d.
-. Motim político de 3 de abril de 1832 no Rio de Janeiro. RIHGB, tomo 37, 1864.
214
Origem e desenvolvimento da imprensa no Rio de Janeiro. RIHGB,
tomo 38, 1865.
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Baseado em pesquisa extensa e original, o
trabalho surpreende pela forma inovadora
com a qual aborda os processos de
construção de uma identidade nacional e
de identidades sociorraciais no Brasil
Império. Segundo Ivana: "De certa forma, a
identidade é uma ilusão e uma
contingência, apoiada exatamente na
crença de que é uma verdade e uma
necessidade".
O brilho desta afirmação dá bem a medida
da proposta de desnaturalizar o processo
de construção da identidade brasileira em
suas relações com a noção de mestiçagem
racial, recuperando sua historicidade.
Hebe Mattos
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