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A Conquista da Nova Espanha: A adequação como forma de Preservação

Gabriel Goulart Cardoso

Resumo​:

Palavras chave: ​Elites; Batismo; Aliança; Política

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1- A Diplomacia como forma de Conquistar

A conquista do México, é eivada pelo caráter imagético, de uma conquista militar,


“subsidiada” pelas pragas, responsáveis pelo declínio demográfico no planalto mexicano,
culminando em sua submissão e posterior escravização nos sistemas de ​repartimiento ​e
encomiendas​.
Assim: “ ...a velocidade dos cavalos e a potência destrutiva das armas de fogo não
garantiam vitórias aos primeiros conquistadores” (Raminelli 2009, p.69). Ao fazê-lo
estaríamos incorrendo no erro crasso ao excluir as complexidades das relações coloniais,
assim como, retirando o protagonismo dos indígenas no processo de conquista e em alguns
casos de “implosão” de suas próprias estruturas.
Hernán Cortés, ao pisar em território Mexicano, lança mão de armas mais eficazes
que a simples força bruta, que foi capaz de equiparar as forças espanholas, infinitamente
inferiores, às encontradas no presente território. A diplomacia e os acordos serão as
verdadeiras “espadas” que deceparam a capacidade de resistência indígena, aliados à uma
elite mexicana, gananciosa e conscientes das transformações inevitáveis à que seriam
submetidos.
Cortés não somente percebe o potencial diplomático como consegue, de forma
inequívoca, identificar as fraturas no tecido social que envolviam as civilizações
mesoamericanas e usá-las ao seu favor.
Os Astecas (mexicas) anos antes da conquista haviam lançado mão de de uma intensa
campanha de expansão imperial sobre os domínios de povos tributários. Estes povos por hora
subjugados resguardavam sua autonomia administrativa, assim como suas elites, muitas
vezes, guardavam graus de parentesco. Estas “satrápias ​Mexicas​” deviam impostos, escravos
e obediência ao grande senhor dos Mexica, ​que ao momento da chegada dos ibéricos, era
Monteczuma, o que por óbvio não excluiria o nascimento de diversas rivalidades, estas vistas
com bons olhos pelo próprio Cortés.
É mediante a ausência de receptividade do grande senhor do México para com Cortés,
como bem ressalta Raminelli ( 2009 p. 70), que o obriga a se voltar para os Tlascallan,
inimigos antigos do governante asteca. Isto possibilitou, ainda segundo o autor, criar novos
planos e conhecer melhor os pontos fracos deste complexo mosaico de poder, o que virá a
beneficiar os espanhóis assim como os Tlascallans.
Estruturados em uma sociedade altamente aristocrática, assim como a espanhola,
respeitando por óbvio as devidas proporções, os povos da mesoamérica serão os
viabilizadores do processo colonial, seja na conquista, seja na administração, como bem
salienta Raminelli ( 2009 p. 70).
É essa aproximação lúgubre, donde a sociedade elitizada tenta, por meio de acordos,
ambivalentes manter seu “ethos”, assim como receber mercês da coroa católica. Dentre essas
mercês requeridas às autoridades castelhanas, estão: a preservação de seus domínios, cobrar
impostos e de possuir estâncias para criação de animais, usar armas de fogo, espadas,
vestimentas e montar cavalos (Raminelli 2009 p. 71-72). Em contrapartida, os espanhóis
conseguiram sua força militar e força de trabalho.
Documentações de direitos sucessórios na mesoamérica revelam que os caciques
exerciam atividades comerciais eminentemente espanholas como exploração da agropecuária
assim como o uso de escravos nesses empreendimentos, prova de um redesenho nas
sociedades indígenas locais, e do dividendos destas alianças. ( 2009 p. 71 apud 13 Charles
Gibson, Los Aztecas bajo..., p. 158.)
O sucesso inicial das alianças entre indígenas e espanhóis alicerçava-se nas
campanhas militares. O fim das atividades militares de proporções mais robustas culminou no
enfraquecimento do prestígio e privilégios dos caciques indígenas. Raminelli (2009) salienta
ainda que ao longo dos séculos XVI e XVII as epidemias somadas a derrocada do sistema de
repartimiento e o reconhecimento do trabalho indígena remunerado em fazendas,
desequilibra a balança do poder, já que causaram o enfraquecimento dos caciques que
paulatinamente viram seu poder minguar. Outra era a relação tributária, que via-se
fortalecida, já que a arrecadação de tributos necessitava de intermediários da nobreza
mexicana.
Não se pode negar a ardilosa engenhosidade da coroa, ao massacrar os resistentes e
aproximar, através de honrarias e mercês, os que os apoiavam. Mas a duplicidade das
políticas reais acaba por seccionar as vantagens adquiridas não somente das elites indígenas
como do potentado local, donde encomenderos e conquistadores sentem a constrição de
direitos, inclusive os de herança, obviando o jogo político metropolitano em relação às
coloniais.

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2- A Religião e o papel das Elites Mexicanas

Mas as alianças ainda necessitavam de um elemento galvanizador, capaz de trazer


uma certa homogeneidade. Este elemento foi a conversão religiosa através do batismo, pois
sob o signo cristão estaria a esperança de uma unificação, para os espanhóis, assim como
serviu às populações ameríndias como um “equalizador social”. Longe de trazer igualdade
seria uma possibilidade de inserção nesse novo mundo colonial.
Afastando-se da visão de triunfo do cristianismo, versão propagada pelas ordens
mendicantes, sobrepujando o paganismo bárbaro e selvagem aos moldes carolíngios, assim
como das visões propagadas pelos etno historiadores, que acreditam que alguns elementos
culturais verossimilhantes teriam contribuído para a transição religiosa, a conversão se
apresenta também como um processo sociopolítico de empoderamento, em alguns casos, das
comunidades indígenas no sentido de poder conservar sua autonomia, soberania, alianças e de
abrandar os efeitos violentos dos processos coloniais. (Crewe 2018 p. 945-947)
A derrocada do controle imperial asteca possibilitou novos protagonismos, para povos
como Tlascallans, Totonacas e outros, nesse novo cenário político colonial. O estreitamento
das relações desses povos com a coroa permitiria assim uma elevação social e política
redesenhando o quadro de poder no Golfo do México. (Crewe 2018 p. 950)
Segundo Raminelli (2009 p. 71-72) esse estreitamento se deu pela proximidade entre
conquistadores e caciques elemento que acelerou o processo de introdução de costumes e
usos da nobreza de castela, o que com certeza inclui-se a religião.
Ao aceitarem o Deus cristão, as lideranças indígenas marginalizadas ou periféricas
durante o período pré-colonial, teriam a chance de reafirmar sua soberania e um lugar de
protagonismo nessa empresa colonial. Vários são os casos de ressurgimento étnico
possibilitados na região de Oaxaca, que sofriam domínio direto dos astecas, puderam frente à
aceitação do cristianismo, reclamar sua autonomia perdida.​ referenciar
Para Crewe (2018) o batismo surgiria como uma espécie de vínculo familiar fictício,
através do apadrinhamento, o que fortaleceria as conexões entre espanhóis e as populações
locais. Esta prática era similar aos casamentos entre elites dos diversos grupamentos
indígenas, o que possibilitou aos espanhóis manobrar politicamente, escolhendo candidatos
que lhes fossem favoráveis.
Cortés mesmo o fez, ao nomear um menino de 8 anos de idade, batizado de nome don
Hernando Cortés Cihuailacatzin, ao qual era padrinho, para o governo local. (Crewe 2018 p.
960 ​apud Chimalpahin, ​Las ocho relaciones y el memorial de Colhuacan, ​vol. I, pp 153-155,
333, vol. II, pp. 57-58; García Castro, “ De señoríos a pueblos de indios”, p.209)
Contudo essa relação não era tão simbiótica quanto parece e esse oportunismo da elite
local cobrou um alto preço ao longo de alguns anos.
Crewe (2009) adverte que este cristianismo que desembarca no planalto mexicano era
uma variante de sua matriz combativa, traduzido na figura do requerimento, donde
explicavam suas formas de manutenção de paz e geradora de guerra. Neste sentido o
Testemunho de Alonso de Villanueva, conquistador veterano:
[...] a los índios senõres e prencipales de los pueblos e províncias destas, que le
vernían a ahablar e dar la obediencia a su magestad siempre el dicho do Hernando
Cortés les daba noticia de Dios e de Nuestra Santa Fe Catholica, e les encargaba
que dende en adelante no usasen de sus ritos e cirimonias, ni de adorar los ídolos
que adoraban, dándoles a entender como era burla, e que si ansí lo ficiesen, que
Dios Nuestro Señor les haría muchas mercedes, e que de otra manera hacíendolo,
sopiesen que serían castigados. (Crewe 2009 p.954 ​apud ​testemunho de Alonso de
Villanueva (1534), em Matínez, ​Cocumentos cortesianos,​ vlo.II, p.313)

A primeira ordem mendicante a desembarcar no golfo do méxico foi a dos


Franciscanos, com números reduzidos, em sua teoria pacíficos, adoram o preceito de Cristo
comeplle eos intrare​. Mas tão logo percebem que sua metodologia não obtém os resultados
desejados, lançaram mão de métodos inquisitoriais, tortura e execuções públicas. Frei
Francisco Jiménez relata o insucesso das práticas ortodoxas de: ​“dar ejemplo, adoctrinar,
enseñar, predicar y reprender con la palabra [...] no se aprovechaba nada en la fé”. (Crewe
2018 p. 961)
A prática franciscana começa a se propagar por meio de uma pedagogia baseada no
terror e dos castigos, objetivando a aniquilação das religiões locais. A conversão se torna
portanto uma “caça às bruxas”, incluindo destruição de templos e de ídolos além da
perseguição dos adeptos das religiões mesoamericanas, principalmente seus sacerdotes.
Durante a segunda metade do século XVI, um nombre de Huexotzingo descreve o
terror destilado pela ordem mendicante: “ La gente de muchos altepelt fue forzada y torturada
[o] fueron colgados o quemados porque no querían renunciar a la idolatría”(Crewe 2018 p.
962). No mesmo relato é possível perceber que a religião já possuía adeptos, neste sentido: “
“Aplaudieron la “buena accíon” de los frailes para “enseñarmos a depreciar, destruir y
quemar las piedras y madera que adoramos como dioses”. (Crewe 2018 p. 962 ​apud Cabildo
de Huexotzingo a Philip II (1560), em Lockhart (ed.), We People Here. pp 292-293)
Mas um outro papel sórdido seria desempenhado pelos filhos das elites
mesoamericanas, nessa guerra espiritual, já que para expandir seu alcance, os frades
recorreram à eles. Como parte de acordos a nobreza local consente em entregar seus filhos à
tutela dos freis, a fim de que fossem educados. Isolados de sua sociedade e doutrinados na fé
cristã, formaram os braços do poder religioso.
Aponta (Crewe 2018 p. 964) que como parte das alianças entre o poder colonial e a
nobreza local, Cortés em 1524 ordenou aos governantes que lhe entregassem seus herdeiros à
educação da ordem mendicante. Mesmo diante da recusa de alguns nobres, os franciscanos
conseguiram números significativos de estudantes. Vindos de México- Tenochtitlán,
Texcoco, Tlaxcala e Huexotzingo chegaram a somar entre 500 à 1000 estudantes.
Estes acólitos, não poderiam ter sido melhores escolhidos, já que membros
pertencentes à nobreza poderiam propagar o cristianismo por meio de sua influência, ao
mesmo tempo em que detiam poder coercitivo sobre a população. Sua doutrinação
resultou-se exitosa, já que alguns destes neófitos chegavam a denunciar membros de suas
próprias famílias. O processo de destruição da cultura mesoamericana agora é monopólio de
sua própria elite.
Os freis regozijaram-se do sucesso obtido, cerca de 20 mil ídolos destruídos em um
dia e 500 templos em 5 anos. Todavia, como tudo nos domínios ultramarinos, nada podia ser
o que pretendia ser, e essa hoste começou a se tornar autônoma, o que à princípio contribuiu
para os desejos franciscanos em sua cruzada espiritual. Alguns espanhóis duvidavam se esses
jovens conseguiam entender os princípios cristãos, como o relato de um vice rei que disse: “
Algunos han salido tan malos que fuera mejor que no estudiaran” (Crewe 2018 p. 964 ​apud
Montolína, ​Historia de los indios​, p.285; Luis de Velasco a Felipe II (1554), en Cuevas (ed.),
Documentos inéditos del siglo​ XVI para la história de México p.186).
Há indícios de denúncias de roubos, intimidação à testemunhas e violência sexual.
Apesar da falta de provas irrefutáveis o bispo de Zumárraga, escrito 10 anos depois, relata
que os abusos sexuais acabaram quando esses jovens assumiram seus postos nos governos
indígenas (Crewe 2018 p. 969 ​apud ​Don fray de Zumárraga a fray juan de Osseguera y fray
Cristóbal Almazán, en Cuevas (ed.), Documentos inéditos, pp. 493-494; ​Nuño de Guzmán,
Interrogatorio. CDIAO​, pp. 474, 496, 510, 522).
O “patrocínio” franciscano era evidente, incentivaram o assassinato da classe
sacerdotal, e ao morrer pelas mãos dos mesmos se tornaram mártires, pois acreditavam que a
intimidação poderia demover o prestígio sacerdotal. à essas práticas escreve Mendieta
(cronista): ​“La violência de los misioneros los dejó “atónitos y espantados” al ver muerto
[el] que había salido a poner temor a los otros”. (Crewe 2018 p. 971 ​apud Mendieta,
Historia eclesiástica indiana​, vol. I, pp. 385-386)
Nem mesmo o “protegido de Cortés” Hernando Cortés Cihuailacatzin de 8 anos
escapou, sendo torturado nos testículos acusado de esconder objetos rituais. (Crewe 2018 p.
971 ​apud ​Chilmalpáhin,​ Las ocho ralciones y el memorial de colhuacan,​ vol. II p 181).
A violência proliferada no planalto mexicano apresentaria uma dicotomia nas relações
entre espanhóis e indígenas, tendo em vista que havia uma estreita relação entre lideranças
indígenas e o sacerdócio “herético” era necessária para o exercício do poder, causando uma
ruptura no poder local, legitimando gradativamente o governo espanhol.

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3- Batismo, Preservação e conflitos coloniais

As ordens mendicantes, são a resposta de uma espanha tridentina que trava uma
batalha espiritual, uma espécie de guerra pelas almas, que alimentam um catolicismo
fundamentalista para a reafirmação de sua supremacia frente a qualquer religião. O que
produzem é uma espécie de colonização paralela, uma colonização do imaginário, tendo
como foco a vitória de Cristo sobre a idolatría. A Cruz se torna uma arma tão poderosa
quanto as espadas espanholas, e de forma fugaz e virulenta se espalha pelo planalto
mexicano.
Para essas comunidades, o batismo assume uma outra forma, explicitada na vontade
de manter a liberdade individual, da mesma maneira que da comunidade a que se inserem. A
conversão lhes proporcionou as ferramentas necessárias para tal.
No ano de 1526 as Ordenanças de Granada conferem a liberdade aos indígenas
submetidos à escravidão indevidamente. As ordens mendicantes, estribadas no comando
metropolitano, denunciam essas práticas, o que lhes conferiu o título de “protetores dos
índios”.
Na arguta observação de Crewe (2018) a situação colonial polarizava-se cada vez
mais entre colonos e franciscanos. Em conjunto com um controle metropolitano obtuso, é
possível inferir que a lideranças indígenas, tenham tomado conhecimento das dissidências e
articulado politicamente à seu favor.
Tendo por base esses conflitos algumas lideranças, a fim de se libertar dos abusos
coloniais, que encontrariam nos franciscanos um vetor de luta em comum. Huextotzingo, por
exemplo, ao se tornar um feudo pessoal de Cortés, converte-se em um campo de
enfrentamento entre facções espanholas e levantes indígenas (Crewe 2018, p. 977). Estes
povos enfrentaram a morte em trabalhos penosos, uma alta carga tributária além de terem
que, forçadamente, vender alguns dos seus como escravos.
Não é de se surpreender que alguns deles tenham escolhido o lado dos frades, uma
prova da capacidade de percepção sociopolítica na região, pois ao fazerem direcionaram o
clero regular contra os colonos. Esses conflitos são relatados como 979 continua...
“los caciques del Valle desempeñaron en la transición pacífica
de la zona hacia la dominación española”.35

La violencia autorizada por los misioneros llevó al sacerdocio


indígena cada vez más hacia la clandestinidad
Contudo é necessário aclarar que o avanço da religião cristã encontrou resistência
desbatismo

Vale ressaltar o protagonismo indígena já está em ação, mesmo antes que fossem
forjadas as alianças, na figura dos intérpretes, responsáveis pela ponte que ligava a futura
américa ao velho continente.

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