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Centro Universitário – Instituto de Educação Superior de Brasília – IESB

Mestrado Profissional em Direitos Sociais e Processos Reivindicatórios


Disciplina: Fundamentos da Regulamentação Econômica e Social
Profª Drª Neide Teresinha Malard
8 fev. 2023

RESENHA DO CAPÍTULO 6 “A história natural da austeridade, 1914-2012”

BLYTH, Mark. Austeridade: a história de uma ideia perigosa [recurso eletrônico]. /


Mark Blyth ; tradução de Freitas e Silva. - 1. ed. - São Paulo: Autonomia Literária,
2017.

Kleber Moreira da Silva

1. Credenciais do autor

Mark Blyth, nascido em 29.9.1967, em Dundee, na Escócia, é professor de


economia política internacional na Universidade de Brown, em Providence, capital
de Rhode Island, nos Estados Unidos da América – EUA.

Além do livro objeto da presente resenha, publicado em 2013, uma verdadeira


cartilha de economia onde ele critica a austeridade, Blyth tem várias obras, tais
como: Grandes Transformações: Ideias econômicas e mudança institucional no
século XX (2002); Routledge handbook of international political economy (IPE): IPE
como uma conversa global (2009); Construindo a economia internacional (2010).
Outras tantas obras ele escreveu isoladamente ou em conjunto com renomados
autores.
2

2. Capítulo 6 “A história natural da austeridade, 1914-2012”

Mark Blyth estruturou sua obra “Austeridade: a história de uma ideia perigosa”
em sete capítulos: 1. Uma introdução acerca da austeridade, dívida e moralidades;
2. Estados Unidos da América: grande demais para falir? Banqueiros, resgates e
culpabilização do Estado; 3. Europa: grande demais para resgatar? A política de
austeridade permanente; 4. A história intelectual de uma ideia perigosa, 1692-1942;
5. A austeridade hoje, 1942 – 2012; 6. A história natural da austeridade, 1914-2012;
e 7. O fim da atividade bancária, novas histórias, e um tempo de impostos pela
frente.

O capítulo 6 “A história natural da austeridade, 1914-2012”, objeto da


presente resenha, subdivide-se em dezoito tópicos: i) Introdução: lições da história,
a década de 1980 e a aliança REBLL; ii) Por que pensamos que a austeridade é
uma ideia perigosa? O fascínio das coisas brilhantes: o padrão-ouro e a austeridade;
iii) Duas lições do padrão-ouro para a zona do euro; iv) Austeridade e a economia
global nas décadas de 1920 e 1930; v) A austeridade como política nos EUA: 1921-
1937; vi) Defendendo a libra esterlina e a visão do tesouro: austeridade britânica:
1921-1939; vii) Abandonando a austeridade: lições suecas 1921-1938; viii)
Austeridade como ideologia política e partidária: Alemanha 1923-1933; ix) “Daquelas
pessoas maravilhosas que te trouxeram Pearl Harbor”: austeridade japonesa e
expansão militar 1921-1937; x) Defendendo o franco – mas não a França. Políticas
francesas de austeridade 1919-1939; xi) Lições perigosas de austeridade; xii) Os
novos casos a favor da austeridade: a contração fiscal expansionista na década de
1980 encontra a aliança REBLL. Revisitando (e revisando) a austeridade
expansionista; xiii) Expectativas, expansão e austeridade nos casos da década de
1980; xiv) Desmistificando o “mito da austeridade”; xv) A aliança REBLL e a estrela
da dívida: aventuras na ficção científica da austeridade; xvi) O modelo de
crescimento REBLL; xvii) Mais uma crise bancária; e xviii) Lições de vida a partir da
aliança REBLL.
3

2.1 Introdução: lições da história, a década de 1980 e a aliança REBLL

Para Mark Blyth a história intelectual da austeridade é relativamente curta.


Somente no princípio do século XX é que surgem “Estados que são ao mesmo
tempo suficientemente grandes para cortar e suficientemente democráticos para a
política de austeridade causar problemas” (p. 209).

Durante as décadas de 1920 e 1930, a política da austeridade já se mostrava


fracassada. Ilustram esse primeiro momento da história natural da austeridade os
casos dos EUA, do Reino Unido, da Suécia, da Alemanha, do Japão e da França.

Como exemplos de austeridade expansionista duvidosamente bem-sucedida,


o autor cita os casos da Dinamarca, da Irlanda, da Austrália e da Suécia “porque
constituem a contestação das lições apreendidas desde a década de 1930” (p. 209-
10). Diz ele que, no entanto, as condições que possibilitaram esses países se
tornarem exemplos de casos positivos não estão presentes na Europa,
especialmente em Portugal, na Itália, na Irlanda, na Grécia e na Espanha (“PIIGS”)1.

O Fundo Monetário Internacional – FMI (International Monetary Fund – IMF) e


a União Europeia – UE (European Union – EU) defendem o modelo da austeridade
citando a aliança REBLL – Romênia, Estônia, Bulgária, Lituânia e Letônia, “a nova
esperança”.

“As condições de atuação dos REBLL e as suas estruturas econômicas e


políticas únicas tornam as lições destes casos ainda menos transportáveis para o
resto do mundo do que as da Europa ocidental na década de 1980” {sic}, assinala
Blyth (p. 210).

1
Acrônimo pejorativo, que inglês significa “porcos”, utilizado para designar a má
performance econômica dos cinco países: Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha (Spain).
4

2.2 Por que pensamos que a austeridade é uma ideia perigosa? O fascínio das
coisas brilhantes: o padrão-ouro e a austeridade

Contra aqueles que pensam que a solução para qualquer problema


econômico é o regresso ao “padrão-ouro”, Mark Blyth afirma que o ouro foi “uma das
principais causas das duas piores depressões econômicas da história mundial: a da
década de 1870 e a da década de 1930” (p. 210-11).

Construído durante o século XIX, o padrão-ouro visava resolver o chamado


“problema da moeda fiduciária”, mediante a indexação do outro às moedas, o que
facilitaria o comércio entre os países.

Se, porém, algum país imprimir dinheiro em excesso para pagar importações,
em descompasso com suas reservas de ouro, isso fatalmente inflacionaria sua
moeda, desacreditando e arruinando a sua economia.

Por meio da inflação e da deflação dos preços e salários internos, o padrão-


ouro funcionou como um mecanismo de equilíbrio das exportações e das
importações dos Estados. Livre da interferência governamental e do perigo da
inflação, o padrão-ouro criaria condições para o crescimento do comércio no mundo.

Todavia, afirma Blyth, “só se pode gerir um sistema como este, em que os
salários e preços internos são responsáveis pelo essencial do ajustamento aos
preços externos, se não se for uma democracia” (p. 212).

Em todo o mundo, os trabalhadores começaram a se reunir em sindicatos,


partidos políticos e movimentos sociais contra os caprichos do mercado e das
políticas dos governos.

Como a oferta global de ouro limita o crescimento, as taxas de juros sobem e


a economia entra em crise. Essa tendência contracionista intrínseca do padrão-ouro,
5

controlando a inflação a custa de criar deflação, contraia a economia e gerava


desemprego e recessão (p. 213).

2.3 Duas lições do padrão-ouro para a zona do euro

O que se diz sobre o padrão-ouro vale para a zona do euro, basta trocar a
“conversibilidade em ouro” pela “integridade do euro”.

Existem quatro caminhos para sair de uma crise financeira: inflacionar,


deflacionar, desvalorizar e o calote. Tanto num sistema quanto no outro, restariam
apenas o calote, “que se quer evitar” e a deflação, via austeridade, como
mecanismos de ajuste.

Contudo, “a democracia e cinquenta anos de Estado de BemEstar” tornaram


ainda maior a limitação da política de austeridade. O sistema do euro exige deflação
e austeridade, porém com a desvantagem de ser um acordo definitivo, já que os
Estados se desfizeram de suas moedas.

Duas importantes lições que a zona do euro esqueceu na crise: primeira, a


austeridade não funciona, independentemente de reiteradas tentativas; e, segunda,
o padrão-ouro é incompatível com a democracia (p. 214).

2.4 Austeridade e a economia global nas décadas de 1920 e 1930

Enquanto Alemanha, GrãBretanha e França se enfraqueceram com a


Primeira Guerra Mundial, os EUA saíram fortalecidos.

Alemanha, Inglaterra e França regressaram ao padrão-ouro, respectivamente,


em 1924, 1925 e 1926, mas as coisas só pioraram. A questão das dívidas e das
indenizações de guerra agravava a situação.
6

Os EUA passaram a exportar capital para Europa, mandando ouro e


empréstimos em dólares. A Alemanha obteve empréstimos suficientes para pagar
suas dívidas com a França e o Reino Unido que, por sua vez, utilizavam esses
recursos para pagarem suas dívidas aos EUA (p. 215).

Esse ciclo foi interrompido “como resultado do crescimento explosivo de Wall


Street e do crash subsequente de 1929”. Em consequência das medidas de
austeridade que se seguiram, “a recessão do pósguerra transformouse na Grande
Depressão”.

Os poucos exemplos positivos de austeridade expansiva ocorreram


imediatamente depois da Primeira Guerra Mundial, quando esses Estados ainda
estavam fora do padrão-ouro (p. 216). Com o restabelecimento do padrão-ouro, a
política de austeridade piorou a situação.

2.5 A austeridade como política nos EUA: 1921-1937

Logo após a Primeira Guerra Mundial, em vez de recessão, os EUA tiveram


um crescimento explosivo de curta duração. Nas economias da Europa continental,
em que a maioria dos países também estava fora do padrão-ouro, esse crescimento
veio acompanhado de uma significativa inflação.

Na década de 1920, os primeiros sinais de crise para os EUA foram a queda


dos preços agrícolas e o aumento da volatilidade do setor bancário. Herbert Clark
Hoover, inicialmente como secretário do Comércio e depois como presidente,
empreendeu obras públicas limitadas e adotou soluções cooperativas voluntárias
para enfrentar a gradativa subida do desemprego. Nenhuma dessas medidas
impactou nas recessões de 1924 e 1926.

“As políticas contracionistas de Hoover receberam mais um impulso negativo


com a decisão da GrãBretanha de abandonar o padrãoouro em 1931”. Em 1933,
quando os EUA abandonaram o padrãoouro, em 1933, em consequência da
7

desvalorização, criou-se espaço para a reativação da economia. Em seguida, como


efeito das políticas de Roosevelt houve o aumento da despesa governamental e a
dívida, porém, com a redução do desemprego (p. 218).

Como a recuperação parecia estar em curso, depois das eleições de 1936, o


secretário do Tesouro Henry Morgenthau adotou medidas ortodoxas, provocando
recessão em 1937 e 1938.

Numa conversa à lareira, em 1937, Roosevelt repudiou a austeridade


concluindo que “a dívida federal, seja de vinte e cinco ou de quarenta bilhões, só
pode ser paga se a nação obtiver um grande aumento do rendimento dos cidadãos”
(p. 219).

2.6 Defendendo a libra esterlina e a visão do tesouro: austeridade britânica: 1921-


1939

Em 1925 a Grã-Bretanha regressou ao padrão-ouro, após cinco anos de


políticas de austeridades, com o objetivo de deflacionar os preços e restabelecer a
paridade da libra esterlina.

Como maior investidor estrangeiro do século XIX, “a Grã-Bretanha tinha


importantes responsabilidades offshore na forma de títulos estrangeiros de ativos
designados em libras esterlinas” (p. 219).

Mantendo-se no padrão-ouro e adotando políticas de austeridade, o


desemprego na Grã-Bretanha mais que dobrou no período de 1929 a 1932. Os
ganhos “invisíveis” da conta de capitais provenientes dos ativos em libras esterlinas
no estrangeiro compensavam a diminuição das exportações e a redução do
consumo doméstico. “Os bancos estavam ganhando dinheiro porque a libra não era
desvalorizada, e isso estava (quase) equilibrando as contas”.
8

No entanto, a interrupção dos fluxos de capital americano, em 1929, causou


efeitos deletérios na Europa central. “Em 1931, as políticas de austeridade da Grã-
Bretanha tinham se tornado auto destrutivas” (p. 220).

Após mais de uma década de medidas de austeridade, em 1931, já com suas


reservas oficiais de ouro quase esgotadas, a Grã-Bretanha se viu obrigada a sair do
padrão-ouro. Novamente, a austeridade não foi a solução ideal (p. 221).

2.7 Abandonando a austeridade: lições suecas 1921-1938

Países dependente de pequenas exportações, como a Suécia, sofriam com


os efeitos naturais do crescimento explosivo pós-guerra de 1918-1920, passando
por deflação, declínio da produção e aumento do desemprego (p. 221).

No poder, o Partido Operário Social-Democrata da Suécia (Sveriges


Socialdemokratiska Arbetareparti – SAP) persistiu na austeridade e regressou ao
padrão-ouro em 1924. O desemprego aumentou na mesma proporção em que caiu
o Produto Interno Bruto – PIB.

Na década de 1930, continuando na política de austeridade, a Suécia passou


pela maior recessão de sua história. Após a reeleição de 1932, o SAP evitou a
austeridade, adotando políticas diferentes para estabilizar o emprego em nível alto.

Dentre outras medidas, o novo governo seguiu investindo em obras públicas,


buscando a estabilidade do nível de preços, o pleno emprego e estruturando a
tributação para estimular o investimento (p. 222).

O economista sueco Rudolph Meidner disse que a política desse período


objetivava (p. 223)

manter a economia de mercado, para contrariar as flutuações míopes através de políticas


contracíclicas e neutralizar os seus efeitos negativos através de políticas fiscais. O grito de
9

guerra era o pleno emprego, crescimento econômico, [uma] justa distribuição do rendimento
nacional e segurança social.

Funcionou tanto que a Alemanha fez o mesmo e começou a crescer. Depois


de 1933 e nos cinquenta anos seguintes, a austeridade na Suécia desapareceu (p.
223).

2.8 Austeridade como ideologia política e partidária: Alemanha 1923-1933

Diz o autor que a hiperinflação de 1923 (p. 223) foi uma política deliberada do
governo alemão para impossibilitar o pagamento das indenizações pós-guerra (p.
223).

Internamente, a consequência foi a disparada da taxa de câmbio e o


abandono do marco nas transações internacionais. Entretanto, a hiperinflação
terminou rapidamente com a introdução do rentenmark,2 uma moeda ligada aos
ativos imobiliários que, um ano depois, foi sucedida pelo reichsmark.3

Nos quatro anos seguintes a economia alemã teve um bom desempenho.


Quando os fluxos de capitais vindo dos EUA fecharam, em 1929, o governo alemão
abandonou as políticas contracíclicas e recorreu as medidas da austeridade.

2
“O Rentenmark ( alemão: [ˈʁɛntn̩ maʁk] ( ouvir ) ; RM ) foi uma moeda emitida em 15
de outubro de 1923 para impedir a hiperinflação de 1922 e 1923 na Alemanha de Weimar ,
depois que o "papel" Mark anteriormente usado tornou-se quase sem valor. [1] Foi
subdividido em 100 Rentenpfennig e substituído em 1924 pelo Reichsmark. (CONTEÚDO
aberto. In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Disponível em:
https://en.wikipedia.org/wiki/Rentenmark. Acesso em: 1 fev. 2023).
3
“O Reichsmark ( em alemão: [ˈʁaɪçsˌmaʁk] ( ouvir ) ; sinal : ℛℳ ; abreviação: RM ) foi
a moeda da Alemanha de 1924 até 20 de junho de 1948 na Alemanha Ocidental , onde foi
substituído pelo marco alemão , e até 23 de junho de 1948 na Alemanha Oriental , onde foi
substituído pelo marco da Alemanha Oriental . O Reichsmark foi subdividido em
100 Reichspfennig s (Rpf [1] ou ℛ₰). a marca é uma antiga medida de peso germânica,
tradicionalmente meia libra, mais tarde usada para várias moedas; enquanto Reich ( reino em
inglês), vem do nome oficial para o estado alemão de 1871 a 1945, Deutsches Reich.
(CONTEÚDO aberto. In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Disponível em:
https://en.wikipedia.org/wiki/Reichsmark. Acesso em: 1 fev. 2023).
10

Para estimular a entrada de capital, o Reichsbank 4 aumentou as taxas de


juros para encorajar as entradas de capital, mas isso não deu certo. Heinrich
Brüning, nomeado chanceler em 1930, insistiu na política de austeridade (p. 224).

A economia entrou em recessão e os sindicatos alemães começaram a se


mobilizar contra a depressão e a política reflacionária que tomou forma mesmo sob
a égide do “Plano WTB”5 (p. 225).

Em sua propaganda eleitoral de 1932, os nazistas propuseram alternativa que


se parecia terrivelmente com o Plano WTB, repleta de medidas antiausteridade,
defendendo que a Alemanha devida sair imediatamente do padrão-ouro.

Depois que os nazistas puseram termo à austeridade e abandonaram o ouro,


o crescimento voltou, muito embora o que realmente fez a economia crescer foram
os investimentos direcionados para a guerra total.

2.9 “Daquelas pessoas maravilhosas que te trouxeram Pearl Harbor”: austeridade


japonesa e expansão militar 1921-1937

Em 1930 o Japão retornou ao padrão ouro. País que saiu da Primeira Guerra
Mundial sem danos de guerra, na realidade o Japão tinha um sistema bancário frágil
e muita inflação reprimida.

Como resultado da austeridade na forma de taxas de juros elevadas, a


recuperação dos mercados de títulos e mercadorias do pós-guerra se transformou

4
Reichsbank era o nome do Banco Central da Alemanha no período de 1876 a 1948.
5
Apresentado em 26.1.1932, o chamado Plano WTB foi aprovado pela ADGB
(Allgemeiner Deutsche Gewerkschaftsbund, Federação Geral dos Sindicatos Alemães) em
abril do mesmo ano. O plano recebeu essa denominação em homenagem aos seus principais
proponentes Wladimir Woytinsky, Fritz Tarnow e Fritz Baade.
11

“no fiasco da SegundaFeira Negra em março de 1920”. Depois disso, a deflação se


impôs e foi agravada por rodadas sucessivas de austeridade (p. 227).

Em janeiro de 1930, o ministro das finanças, Junnosuke Inoue, retornou o


Japão ao padrãoouro. Adveio, então, a Depressão Showa, “o maior colapso em
tempo de paz da atividade econômica na história do Japão” (p. 228).

Indiferente ao descontentamento das forças armadas, Inoue insistiu na


cruzada da austeridade de Inoue. Quando as tensões civismilitares atingiram seu
auge, em dezembro de 1931, o governo renunciou.

Takahashi Korekiyo, como ministro das finanças do novo governo, abandonou


o padrãoouro o mais depressa possível. “Os preços subiram, os encargos da dívida
caíram, e a economia japonesa saiu disparada da depressão” (p. 229).

Blyth sustenta que a pior depressão da história japonesa foi fruto da


austeridade (p. 230).

2.10 Defendendo o franco – mas não a França. Políticas francesas de austeridade


1919-1939

Mesmo estando no lado que saiu vitorioso da Primeira Guerra Mundial, a


França foi uma das aliadas que mais sofreu prejuízos. Como a Alemanha não pagou
as indenizações devidas, a economia francesa não avançava (p. 230).

Em 1926, um governo de direita chefiado por Raymond Poincaré aumentou


os impostos para suprir o déficit. Com as reservas reconstituídas, no mesmo ano a
França voltou ao padrão-ouro. No período de 1926 e 1930, a economia se
estabilizou com aumento das reservas de ouro e a elevação das taxas de juros.

Sob os efeitos da fuga de capitais para os EUA, do crash de Wall Street e da


crise de liquidez da Europa central, a economia francesa foi rapidamente atingida. O
12

Produto Nacional Bruto – PNB caiu bruscamente em 1932. Os quarenta mil


acionistas do Banco da França não estavam dispostos a apoiar medidas de reflação
(p. 231).

No período de 1932 a 1936, adotou-se uma austeridade contínua, com corte


da despesa governamental, queda da produção industrial, “a taxa de câmbio real
subiu e a oferta de dinheiro entrou em colapso”.

Mesmo quando a Frente Popular subiu ao poder, aumentando os salários,


reduzindo a jornada e reformulando a estrutura do Banco da França, não se conteve
a fuga de capital, o aumento das taxas de juros e a deflação. Pouco melhorou
depois que, em 1936, a França abandonou o padrão-ouro (p. 232-3).

2.11 Lições perigosas de austeridade

Reiteradas e sucessivas rodadas em vários países no período entre guerras


demonstram que a austeridade “é uma ideia perigosa” e que não funciona em uma
democracia.

“A doutrina ‘liquidacionista’ dos Estados Unidos continuou depois do crash de


Wall Street, transformando uma série de falências de bancos e um déficit
orçamentário relativamente pouco importante em uma crise financeira global e numa
depressão que só se abateu quando terminou a austeridade” (p. 233).

2.12 Os novos casos a favor da austeridade: a contração fiscal expansionista na


década de 1980 encontra a aliança REBLL. Revisitando (e revisando) a
austeridade expansionista

“Contração fiscal expansionista” é uma hipótese teórica introduzida pelos


economistas Francesco Giavazzi e Marco Pagano em artigo publicado em 1990, no
qual os autores utilizaram como exemplo as reestruturações fiscais da Dinamarca e
da Irlanda na década de 1980.
13

Em 1995, Alberto Alesina e Roberto Perotti publicaram estudo citando


“catorze ajustamentos bemsucedidos em vinte países em trinta e dois anos, com
mudanças positivas das expectativas dos investidores, cortes do lado da despesa e
desvalorizações fazendo o seu trabalho”.

Mark Blyth explica que “O canalchave para que a austeridade expansionista


funcione, em todos os casos, são as expectativas racionais dos consumidores” (p.
235). O autor critica as referidas pesquisas e afirma categoricamente que os casos
estudados não comprovam que a austeridade pode ser expansionista (p. 236).

2.13 Expectativas, expansão e austeridade nos casos da década de 1980

A Dinamarca é o melhor caso que os economistas citam a favor da


austeridade.

No entanto, Alberto Alesina e Silvia Ardagna esclarecem que, depois da


consolidação inicialmente bem-sucedida, o crescimento da economia dinamarquesa
drasticamente em 1988-1989, ao passo que o desemprego subiu. No mesmo
sentido, Perotti assinala que o consumou declinou durante três anos. Assim, para
esses pesquisadores o caso é um “misto” de positivo e negativo (p. 236).

Os autores que defendem que a mudança de regime na Dinamarca em 1982-


1986 gerou uma expansão impulsionada pelas expectativas não explicam a
recessão que veio logo a seguir.

“O único país que aparece rotineiramente na lista de casos positivos de


austeridade expansionista é a Irlanda, no fim da década de 1980”. Contudo,
segundo Stephen Kinsella, consolidação e a expansão econômica da Irlanda
“coincidiu com um período de crescimento da economia internacional, com a
presença de transferências fiscais vindas da União Europeia, a abertura do mercado
único e uma desvalorização oportuna em agosto de 1986’” (p. 237).
14

Na realidade todos os casos citados a favor da austeridade expansionista, na


realidade, são mistos, uma consolidação seguida de recessão e deflação, como se
deu na Suécia entre 1989 e 1993 (p. 239-40).

2.14 Desmistificando o “mito da austeridade”

Arjun Jayadev e Mike Konczal, dentre outros economistas, criticam os


defensores da austeridade expansionista. O déficit de nenhum país reduziu quando
a economia estava em recessão.

Até a equipe de investigadores do FMI e o Serviço de Investigação do


Congresso dos EUA (Congressional Research Service – CRS) encontraram
contradições no campo da austeridade expansionista (p. 242).

No relatório World Economic Outlook (WEO) do FMI de outubro de 2012


consta que “a austeridade, quando aplicada a economias reais e à vida de pessoas
reais continua a ser uma ideia perigosa” (p. 245).

2.15 A aliança REBLL e a estrela da dívida: aventuras na ficção científica da


austeridade

Estônia, Letônia e Lituânia, a partir de 2008 e Romênia e Bulgária, a partir de


2009, adotaram um rigoroso ajuste fiscal, com suas moedas indexadas ao euro,
deixando os preços e os salários internos colapsados. Em 2011, esses países já
alcançavam níveis de crescimento superiores ao do que o resto da Europa (p. 245).

Um gráfico demonstra que a taxa de crescimento dos REBLL subiu


vertiginosamente de 2009 a 2011.
15

Sob encomenda do governo da Letônia, a troika6 elaborou um “script da


austeridade expansionista” elogiando as medidas de austeridade adotadas pelos
países bálticos.

Apesar de terem alcançado um robusto crescimento econômico logo após um


rigoroso ajuste fiscal, diz Mark Blyth, “os REBLL não constituem, de fato, grande
prova para a tese da austeridade expansionista” (p. 248).

2.16 O modelo de crescimento REBLL

Pouco antes da crise de 2008, os REBLL tinham implementado um modelo de


crescimento, único e extremamente vulnerável. Isso favoreceu a emigração de parte
de sua força de trabalho para a Europa Ocidental, induzindo a concentração do
investimento no setor imobiliário e nas finanças, enfraquecendo a produção.

No início da década de 2000, motivados pela possibilidade de adesão dos


REBLL à União Europeia, bancos austríacos, franceses, alemães, suecos e gregos
correram para adquirir bancos da Europa do leste. O setor bancário dos REBLL, que
em pouco tempo passou a ser quase inteiramente de propriedade estrangeira,
forneceu muito crédito para incentivar o consumo interno (p. 249).

Mesmo antes da crise, enquanto os Estados REBLL cortavam, seus cidadãos


aumentavam desmedidamente suas dívidas “na forma de ativos não produtivos, que
se juntavam às fracas exportações e aos déficits da balança de transações
correntes, usando crédito barato de origem estrangeira” (p. 250).

2.17 Mais uma crise bancária

6
No contexto da obra, troika é um termo que se refere à equipe de monitoramento
econômico criada e mantida conjuntamente por três instituições: a Comissão Europeia – CE, o
Banco Central Europeu – BCE e o Fundo Monetário Internacional – FMI.
16

Com uma combinação de crise da balança de transações correntes e estouro


de bolhas imobiliárias, a crise de 2008 atingiu os REBLL de uma forma peculiar
porquanto seus setores financeiros eram compostos de bancos estrangeiros.

Instalou-se o medo de que os “bancos-mãe” saíssem dos REBLL para


cobrirem seus prejuízos nos países de origem. O “dinheiro começou a fluir para fora,
a demanda no exterior contraiu-se, as suas bolhas de construção arrebentaram e as
economias dos REBLL entraram em colapso” (p. 250).

No exato momento em que a os sistemas financeiros da Europa central e do


leste estavam explodindo, a UE e o FMI orquestraram um grande resgate. Em 2009,
foi assinado em Viena um acordo entre os bancos ocidentais, a troika, a Romênia, a
Hungria e a Lituânia, por meio do qual os bancos da Europa ocidental foram
obrigados a manter fundos nos seus bancos da Europa do Leste em troca de
medidas de austeridade para estabilizar os balanços dos bancos locais, impedindo,
assim, que a crise se espalhasse pelo resto dos REBLL.

Enquanto os EUA e a Europa ocidental retornavam ao keynesianismo, os


REBLL “adotavam pacotes locais de austeridade”, tal como agora acontece na zona
do euro. Em seguida, adveio uma maciça evasão fiscal, agravando a situação
global (p. 252).

Mark Blyth afirma que a política de recuperação da aliança REBLL é um


exemplo que não deve ser seguido. Trata-se de um modelo de crescimento instável
e injusto (p. 253).

2.18 Lições de vida a partir da aliança REBLL

Para o autor, na realidade, os casos REBLL provam que a austeridade


expansionista não funciona. As expectativas podem até levar ao crescimento
temporário, mas certamente não são elas que o determinam. Em 2013, nenhum dos
17

REBLL tinha recuperado “a perda de produção que a austeridade engendrou” (p.


253).

Por causa da austeridade, diz o autor, os REBLL acumularam uma dívida


mais elevada e duradoura.

Os estados bálticos tiveram uma recuperação limitada frágil e com probabilidade de


reversão, sobretudo no tocante ao desemprego. A situação de desemprego é muito
semelhante à dos PIIGS.

A austeridade não funcionou nem em relação aos salários do setor privado, cujos cortes
sofridos não foram suficientes para aumentar a produtividade, nem nas dívidas e déficits
governamentais, pois os cortes não acompanharam o que a teoria da austeridade
determinava. A dívida desses países tornou-se maior do que era antes da austeridade.

A demanda interna é a que mais sofre quando se impõem medidas de austeridade, deixando
às exportações o papel de principal motor do crescimento. Ocorre, porém, que os principais
parceiros dos REBLL eram países que estavam lutando contra a recessão desde 2008, o que
não daria a qualquer outro a oportunidade de fazer o mesmo, ou seja, exportar, como seria o
caso dos PIIGS.

Nos países bálticos as exportações representam metade do PIB. Quando se põe em prática a
austeridade, é a demanda interna que mais sofre. Esses países, de média e pequena
extensão territorial, “Podem sobreviver nas fendas da economia mundial de um modo que as
grandes economias não podem” (p. 255).

Conclui o autor que as políticas de austeridade dos REBLL não podem ser replicadas na
Europa meridional. Segundo o autor, uma política étnica desagregadora foi adotada pelos
REBLL para marginalizar e isolar a oposição às políticas de austeridade. Onde isso não
ocorreu, na Romênia e na Bulgária, os protestos dos cidadãos puderam abrandar o impulso
da austeridade.

Na Letônia, o maior partido que se opôs à austeridade era associado aos russos étnicos, o
que facilitou o seu isolamento.

Observa o autor que usar o nacionalismo para impor uma política de austeridade não
costuma ser uma boa experiência.
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Enfim, diz o autor que a austeridade continua a ser uma ideologia imune aos fatos e à
refutação empírica básica. (Texto acrescentado pela Profª Drª Neide Teresinha Malard).

3. Conclusão

Na obra em comento, a partir da evolução histórica ocorrida durante o período


de 1914 a 2012, Mark Blyth analisa as medidas de austeridade que se seguiram à
crise econômica de 2008, refutando os estudos dos economistas convencionais
para, ao final, concluir que a política de “austeridade expansionista” não funciona.

Embora a leitura do livro demande noções de política, de história e de


economia, a linguagem técnica do autor é acessível a não economistas.

Esta resenha é meramente descritiva, portanto, não apresenta juízo de valor


e nem críticas ao texto-fonte. Não se pretende julgar a qualidade das informações,
mas tão somente descrever resumidamente a ideia contida no capítulo 6 “A história
natural da austeridade, 1914-2012”.

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