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PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

DISCIPLINA: ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL

ALUNO: GILBERTO AGUIAR MARASLIS PASSOS

KINDLEBERGER

Charles Kindleberger foi um historiador econômico americano. O argumento


central do seu livro é de que a crise de 1929 está relacionada a muito mais do que
simplesmente erros na política monetária dos EUA, das políticas públicas ou dos
acidentes históricos, mas sim da incapacidade britânica de liderar o capitalismo e a falta
de vontade americana de ocupar esse lugar, preferindo focar em questões de interesse
nacional a prover um bem público internacional. Nesse sentido, o autor é um famoso
expoente da teoria da estabilidade hegemônica. Sua teoria está baseada no conceito de
Hegemon, ideia de que o capitalismo depende da liderança de uma potência, conceito
este que inspira também, por exemplo, teóricos do sistema mundo moderno.

O autor inicia analisando as raízes históricas da crise de 1929 sob o ponto de


vista dos economistas Friedman e Samuelson. Friedman insistia que a crise advinha de
erros na política monetária dos EUA, e não da periferia ou da Europa, de questões
monetárias e não fatores reais, das políticas públicas e não na natureza das instituições e
na economia nacional em vez de no sistema internacional. Para Kindleberger, porém, a
análise de Friedman estaria errada. Haveria uma recessão mesmo com uma política
monetária perfeita ou com uma oferta de dinheiro crescente, devido a ausência da
liderança de uma potência.

Por sua vez, Samuelson acreditava que a crise teve raiz numa série de acidentes
históricos, o que para Kindleberger também não é uma explicação satisfatória.
Samuelson traça uma comparação com outras crises que apresentam o mesmo papel de
fatores acidentais, como a de 1840 na Europa. A um nível mais profundo, seria possível
traçar um paralelo entre a crise de 1848 e a depressão de 1929, ambas apresentam falhas
do sistema econômico num estado transicional de um grupo de instituições para outro.
Outra forma de acidente histórico seriam 3 ciclos de diferentes periodicidades por acaso
alcançando fases de depressão simultaneamente.

Para Kindeberger seria preciso entender o locus que originou a depressão, seja
este os EUA, Europa, periferia ou em todos em conjunto; depois entender o que gerou o
problema; e por fim, porque o sistema econômico não conseguiu responder ao problema
pela autorregulação, automaticamente, através do mecanismo de oferta e demanda ou
por resposta macroeconômica através dos sistemas fiscais e monetários. Sendo assim, a
crise poderia ser contida de 2 maneiras: automaticamente ou por políticas públicas, e
para explicar suas consequências é preciso entender a falha das forças automáticas na
economia assim como a falha da máquina de decisões públicas. O autor aponta falha do
padrão ouro, assim como do sistema competitivo no qual, para Smith, cada país
buscando seu próprio interesse atingiria o bem-estar coletivo – o que se prova falho na
medida que as políticas de “empobreça-seu-vizinho” levam a retaliação.

Segundo Kindleberger (1973, p. 25-26) a falha da atuação das forças


automáticas em tais eventos, que levaram o sistema à depressão, devem ser
considerados especialmente em relação ao padrão ouro. Para o autor, não foi o padrão
ouro que falhou e sim a maneira que ele foi operado. Países que perderam ouro nem
sempre deflacionaram, e os que ganharam, nem sempre cresceram. Não há
reconhecimento universal do fato que outros aspectos do mecanismo monetário devem
atuar simetricamente – se o fluxo de capital para, por exemplo, pode haver deflação para
os países que deixam de importar capital, devendo haver expansão nos países que
deixam de mandar capital para estrangeiro, assim como tarifas impostas permitem
expansão doméstica e contração nos países que receberiam as mercadorias. Sendo assim
é errado entender depressão global como perda de mercados ou de ouro, queda de
preços ou apreciação cambial, sem explicar o porquê as forças expansivas não
funcionaram corretamente.

Refletindo sobre as causas da crise de 1929, Kindleberger relata a importância


da liderança do sistema por um hegemon, justificando-a como na incapacidade do Reino
Unido de garantir tal papel. Para o autor, o sistema econômico e monetário precisa da
liderança de um país que é preparado sob um sistema de regras, de maneira a
estabelecer padrões de conduta para os outros países, que o devem seguir, assim como
tomar uma parte maior dos fardos do sistema para si e garantir o fluxo internacional de
investimento e capital. Reino Unido teve esse papel por um século até 1913, os EUA
ocuparam tal lugar a partir do fim da segunda guerra mundial.

Neste livro, Kindleberger explicita que a dimensão e a duração da crise se


deveram à inabilidade da Grã Bretanha de manter seu papel de líder sistêmico e da
relutância dos EUA de tomar seu papel até 1936. Tais potências não se
responsabilizaram a estabilizar o sistema em três pontos particulares: manter um
mercado relativamente aberto para mercadorias; promover empréstimos contracíclicos a
longo prazo; promover redescontos de papéis em crise. Sendo assim, não foi o choque
da superprodução, a redução das taxas de juros americanas em 1927, a suspensão dos
empréstimos à Alemanha em 1928, nem o choque da bolsa em 1929 que geraram a
crise, outros choques semelhantes já haviam ocorrido. A verdade seria que tais
hegemons se fecharam e buscaram proteger seus interesses nacionais, o que levou o
interesse público global à baixo.

Segundo Kindleberger (1973, p. 292), se a economia global se comportasse


simetricamente, não haveria depressão global. Assim como um declínio do preço do
trigo pode produzir perdas aos fazendeiros, levaria ganhos no poder de compra real dos
consumidores; perdas de ouro de um país são deflacionárias domesticamente, porém
geraria expansão nos países recipientes. Porém simetria não ocorre no mundo sempre, e
não apenas como pela intervenção humana nas regras do padrão ouro. O autor cita o
caso da Grã Bretanha de 1873 a 1913, quando empréstimo estrangeiro e investimento
doméstico se mantiveram em contraponto; ou a América em 1920, quando o
empréstimo estrangeiro estava positivamente correlacionado ao investimento doméstico.

Kindleberger entende que a herança da guerra, como pelas dívidas, reparações,


valorização da libra, também teve efeito na instabilidade sistêmica que se observou em
1929, além da falta de liderança hegemônica em garantir facilidades de desconto,
empréstimos anticíclicos e mercado aberto para bens. A liderança por parte da América
poderia ter renunciado as dívidas de guerra, porém seria difícil conseguir apoio do
eleitor americano, especialmente enquanto França e Inglaterra estavam recebendo
reparações. O fracasso em alcançar um sistema de taxas de câmbio de equilíbrio deve
ser considerado ignorância econômica. Em combinação com dívidas de guerra e
reparações, o desequilíbrio cambial enfraqueceu a posição subjacente dos EUA. O autor
contempla como a depressão ainda poderia ter sido evitada, ou mitigada, por alguma
fração substancial, como dois terços, se os EUA tivessem conseguido manter seu
mercado aberto, manter o fluxo de capital de longo prazo e fornecer empréstimos de
último recurso através de redescontos na crise.

A incapacidade da Grã-Bretanha em garantir a liderança global não ficou clara


até 1931. Durante a conferência econômica mundial de 1933, estava claro que o Reino
Unido se afastava do papel de líder global, cultivando a Commonwealth e a liberdade de
administrar a libra, deixando aos EUA o papel de criar um programa mundial. Segundo
autores da área de economia internacional, como Carr, em 1918, já havia sido oferecido
quase em consenso universal aos Estados Unidos a liderança mundial, que foi recusada.
“Os EUA estavam incertos de seu papel internacional, lhes parecia que os britânicos
eram mais astutos, mais sofisticados, melhores em negociação, de maneira que os
americanos perderiam nas conferências internacionais.” (KINDLEBERGER, 1973, p.
298). Propostas de fundo monetário internacional foram apresentadas, inclusive pela
Grã Bretanha, porém foram recusadas pelos americanos, que já tinham prejuízos com
dívidas de guerra e o acordo Standstill. Apenas em 1942, White começa a discussão de
ordem global americana que culmina nos acordos de Bretton Woods.

Há uma profunda discussão na época sobre se a cooperação internacional em


assuntos como hegemonia sobre pequenos bancos centrais, ou a escolha de uma taxa de
equilíbrio cambial, seria suficiente. Afinal, não por cooperação, mas por liderança
americana, foi possível construir as instituições e políticas da OCDE, G-10, FMI, Banco
Mundial, GATT, etc. Desta maneira, ainda que com contribuição valiosa de menores
nações, apenas quando a única nação capaz de liderar o sistema internacional superou
questões domésticas arranjos internacionais monetários tiveram sucesso.

Os economistas Friedman e Schwartz (APUD KINDLEBERGER, 1973, p. 300)


discordam que a mudança de liderança monetária nos EUA de Nova Iorque para
Washington teria um papel relevante na grande depressão. Para Kindleberger, porém,
“se não tivessem focado exclusivamente nas condições monetárias dos Estados Unidos,
Friedman e Schwartz teriam notado a acentuação da depressão que eclodiu com a
transferência da presidência de Hoover para Roosevelt (que ocorreu após a grande
expansão de oferta de dinheiro); e a ainda mais significante (...) transferência da
liderança na economia global de Whitehall para a Casa Branca” (KINDLEBERGER,
1973, p.300). Essa ideia da instabilidade de um sistema financeiro com dois centros, ou
de uma liderança em transição, é citada por Edward Nevin como crucial para o colapso
do padrão ouro em 1931. Nesse sentido, uma potência enfraquecida e outra não
interessada em liderar o mundo criam um período de instabilidade internacional.

Para Kindleberger (KINDLEBERGER, 1973, p.301), porém, a França, assim


como outros países menores, como a Bélgica, Holanda, Suíça e Escandinávia, tinha
interesse em exercer liderança no sistema internacional. Falta-lhes poder para afetar o
resultado dos grandes eventos e, portanto, são privilegiados pois podem se preocupar
apenas com seus interesses nacionais ao invés de lidarem com a questão da estabilidade
da economia global. No caso, países como Suécia e Canada, ao buscar altos padrões de
conduta internacional, como em foreign aid e contribuições para missões de
peacekeeping, não seriam conduzidos por razões éticas, mas estariam na verdade
buscando oportunidades mais baratas de atuação internacional. O autor ainda nota que
os países menores citados tiveram papel substancial na deflação na medida em que
cortaram importações ou converteram suas libras e dólares em ouro. Países menores
como Polônia, Turquia e Bélgica, por sua vez, participaram de propostas para um fundo
internacional monetário embrionário nas discussões da conferência econômica mundial
em 1933. Faltavam-lhes recursos para compor tais esquemas, cabendo-lhes apenas
papéis consultivos.

O caso da França é diferente. Buscou poder internacional pensando em seu


interesse nacional, sem questionar-se das repercussões na economia global ou na
estabilidade política. Ao ser prejudicada em meio à desvalorização da libra, o Banco da
França converteu seus dólares em ouro em 1931 e 1932 enquanto protestava em sua
cooperação ao interesse americano. O Banco Central Francês competiu com o Banco da
Inglaterra sobre qual deveria liderar a restauração da independência dos bancos centrais
e estabilização das moedas da Europa Oriental, levando o sistema inteiro à instabilidade
quando os franceses ameaçaram retirar seus ativos de Londres.

A França não era grande o suficiente para ser forçada a ser responsável, nem
pequena demais para se dar ao luxo da irresponsabilidade. Detinha poder para
desestabilizar, mas não para estabilizar. Ainda que Reino Unido e Estados Unidos
fossem o núcleo ativo do pós-guerra, a posição e as políticas francesas afetaram as
relações internacionais. Dessa maneira, a França foi culpada por prejudicar o sistema
enquanto não tinha capacidade de liderá-lo, sistema que estava no vácuo de uma
potência enfraquecida e outra irresponsável. Um país como a França, deliberadamente
buscando alcançar prestígio ao procurar exercer liderança, sugere que aqueles que estão
buscando resolver os problemas globais muitas vezes estão auto interessados.

Os britânicos se voltam então cada vez mais ao privado, sendo incapazes de lidar
com o bem público, por muito tempo após a guerra economistas britânicos passavam a
lição de que cada país deveria preocupar-se com suas próprias questões sem buscar
interferir em questões externas. Sendo assim, cria-se uma visão de que a depressão foi
resultado do nacionalismo e tarifas, colapso do comércio global, bilateralismo, levando
a conclusão de que no pós-guerra há necessidade de superar o nacionalismo e de buscar
construir um sistema econômico livre com crédito internacional, redução das barreiras
tarifárias e ilegalidade da regulação qualitativa.

O memorandum escrito por Hubert Henderson no tesouro britânico em 1943,


intitulado International Economic History of the Interwar Period, na verdade vai na
contramão dessa visão da história dos entreguerras: “Pode-se duvidar pouco de que a
depreciação da libra foi em parte responsável pela queda mais acentuada dos preços do
ouro, e a desilusão é geral no Reino Unido e ainda mais nos Estados Unidos sobre o
poder da depreciação cambial para promover a recuperação nacional. Mas a visão
convencional é falsa em todos os aspectos essenciais. A velha ordem internacional ruiu
para sempre. Nada além de futilidade e frustração pode vir da tentativa de configurá-lo
novamente. Os países individuais devem ser livres para regular eficazmente suas
economias externas, usando controle de movimentos de capital, regulação quantitativa,
preferências, políticas de crédito autônomas, etc”. (KINDLEBERGER, 1973, p.305).
Tal visão se aproxima da visão keynesiana do pós-guerra. Porém, para Kindleberger, tal
análise exclui a principal lição do período entre guerras, que para a economia mundo se
estabilizar, é necessária uma potência estabilizadora.

Ainda que os EUA não tivessem destruído o mecanismo de comércio através da


tarifa Smoot-Hawley – ainda haveria a depressão, devido à falha do empréstimo
contracíclico e a ausência de instituições como o Banco Mundial ou OCDE para
substituir o mercado privado com fundos públicos. Para Kindleberger, mesmo com a
movimentação de capitais anticíclicos, haveria depressão. Com o fluxo de capital
internacional positivamente correlacionado com as condições dos negócios no país
credor, inevitavelmente a crise global seria severa. Soma-se isso às táticas de
empobrecer seu vizinho no comércio e depreciação cambial, junto a falta de vontade
americana em ser emprestador de última instância, e temos as condições que
possibilitam a crise.

Ainda que liderança seja uma palavra com conotação negativa nos anos 1970,
com todo o trauma do nazi fascismo, ainda assim a palavra designa a provisão de uma
responsabilidade de bem público. A necessidade, por exemplo, de limitar a capacidade
de países atrapalharem o interesse geral está hoje virtualmente ligada a algumas das
funções necessárias para estabilizar o sistema econômico global, como os arranjos de
Basle para swaps e créditos de curto-prazo, que servem, na ausência de um banco
central global, como mecanismo de redesconto global em momentos de crise. Nessa
área, assim como nas agências mundiais de manutenção do livre comércio e do livre
fluxo de capital e ajuda externa, liderança se faz necessária na ausência de uma
autoridade delegada.

Segundo Kindleberger (1973, p.307) a liderança americana, em meio aos anos


1970, estava começando a perder expressão. Não estava certo se a ascensão da
comunidade europeia seria acompanhada de uma liderança que a permita promover um
mercado para bens, estabilizar o fluxo internacional de capital ou prover um mecanismo
de desconto em crises. Na medida em que a liderança econômica dos EUA se
enfraquecia, e a Europa fortalecia, três possíveis consequências seriam estáveis e outras
três seriam instáveis. “Entre as estáveis estariam a contínua liderança americana, após
os controles cambiais de 1963 a 1968 e a onda de protecionismo de 1970 serem
revertidos; a asserção da liderança e assunção da responsabilidade pela estabilidade do
sistema mundo pela Europa; ou a efetiva cessão da soberania econômica para
instituições internacionais: um banco central mundial, um mercado de capital global, e
um efetivo Acordo Geral de Tarifas e Comércio. O último é o mais atraente, mas talvez,
por ser mais difícil, o menos provável. As três possibilidades a serem evitadas pela
instabilidade são “os EUA e a Comunidade Europeia disputando pela liderança na
economia global; um sem capacidade de liderar e o outro sem vontade, como ocorrera
em 1929 e 1933; cada um mantendo seu veto sobre programas estabilidade ou
fortalecimento do sistema sem buscar a garantir programas próprios”
(KINDLEBERGER, 1973, p.308)

Na minha visão, o texto contribui para o entendimento da lógica de perpetuação


do sistema capitalista em ciclos hegemônicos, analisando o caso da crise de 1929 como
marco da transição hegemônica na qual emergiu a América como superpotência,
apresentando diversos paralelos com outros períodos de crise. Sendo assim, mostra que
há um padrão no qual eventualmente todas as ordens hegemônicas se extinguem,
surgindo outras novas.

O autor também analisa dentro de seu contexto histórico, do que se imaginava


que seria uma nova transição hegemônica, possibilidades claras. Não imaginaria, porém,
que nos dias de hoje um possível novo hegemon viria não do velho continente, mas de
um país da periferia global que desafiaria o próprio capitalismo – sendo a China um país
que se declara um socialismo de mercado. Nesse sentido, a discussão da estabilidade
hegemônica é bastante atual, tendo o mundo passado por diversas crises que podem ser
explicadas pela exaustão da ordem neoliberal americana.

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