A “retomada da hegemonia norte-americana”, de Maria da
Conceição Tavares, é um texto clássico da Economia Política brasileira. Publicado em 1985, o artigo foi uma contribuição aos debates sobre a reestruturação global do capitalismo e da dependência durante anos 1980. O argumento central da autora é que os Estados Unidos buscaram recompor o seu sistema econômico à revelia das demais potências capitalistas, adotando práticas agressivas e “imperiais”, com o objetivo de canalizar a liquidez global ao seu mercado doméstico. Se, ao final da década de 1970, ainda se acreditava que o Japão e a Alemanha poderiam manter uma posição minimamente competitiva perante aos americanos, o chamado choque Volcker provou de uma por todas que os Estados Unidos passavam, naquele momento, por algo muito mais complexo e contraditório do que uma simples mudança de política econômica. A elevação dos juros e a expansão dos gastos públicos – sobretudo os militares – são chamados pela autora de “política Keynesiana bastarda”, devido ao ser caráter concentrador de renda. Esse novo arranjo fiscal e monetário, sustentado pelo FED e pelo Estado americano, desencadeou, na esfera internacional, uma valorização do dólar que obrigou o mundo inteiro a praticar políticas monetárias restritivas e a superávits comerciais crescentes com os Estados Unidos. De acordo com Tavares, o país não só absorveu poupança internacional com esse aumento dos juros, mas também dobrou o seu déficit comercial a cada ano entre 1982 e 1984, em virtude das importações baratas que passaram a inundar o mercado americano. Desse modo, os Estados Unidos, um país que historicamente tinham grande heterogeneidade em suas relações econômicas internacionais, buscaram instituir uma “divisão internacional do trabalho em seu benefício exclusivo”, ditando todas as regras no comércio e nas finanças internacionais. Depois de ter internacionalizado a sua economia no pós-guerra, permitindo o desenvolvimento de economias concorrentes, o país passou a utilizar o seu poder de monopólio sobre o dinheiro mundi al – meio de compra geral e materialização absolutamente social da riqueza em geral, de acordo com Marx (2015, p.164) – para explorar vantagens de propriedade e estimular o desenvolvimento de tecnologias de ponta. Com isso, ressalta a autora, garantiu-se uma taxa de crescimento econômico superior àquela observada nos demais países, porém com base em crédito de curto prazo, endividamento galopante e déficits fiscais. Tavares afirma ironicamente que Estados Unidos descobriram, dessa maneira, a “técnica latino-americana e japonesa de desenvolvimento”, com a pequena – ou grande – diferença de que não foram penalizados pela inflação na mesma magnitude.
Apesar de considerar essa política econômica heterodoxa, Tavares
mostra que ela favoreceu os ricos, pois teve como um dos seus pilares uma forma peculiar de crédito de curto prazo: o endividamento das famílias. Com a valorização do dólar e a dedução, no imposto de renda, de parte dos seus encargos financeiros, as famílias americanas conquistaram ganhos monetários que foram revertidos na importação de bens de consumo do mercado internacional. Essa dinâmica induziu muitos observadores à conclusão de que haveria, já a partir de 1983, sucessivos desequilíbrios na Balança de Pagamentos americana, algo que só não aconteceu porque houve uma sincronização de políticas ortodoxas por parte dos Bancos Centrais dos demais países, sobretudo Alemanha e Japão. O fluxo de capital desses países para as praças financeiras americanas nos primeiros anos da década de 1980 foi significativo, com montantes que somavam cerca de 10 bilhões de dólares anuais. De acordo com a autora, essa foi a primeira vez em que, além de financiar o Tesouro americano, o mundo passou a realizar também transferências de “poupança real” para o mercado americano. Do ponto de vista doméstico, esse fluxo financeiro engendrou uma transformação do sistema de crédito, levando a uma diminuição da importância das debêntures – ativos de longo prazo – em favor do mercado monetário e das operações open market e overnight.
Essa forma de endividamento interno manter-se-ia intacta, sugere
Tavares, enquanto a taxa de crescimento do PIB americano crescesse a uma taxa superior ao PIB dos países europeus, abalados pela entrada do capital japonês em seus mercados. A capacidade de retomar a sua posição hegemônica decorre justamente do fato dos Estados Unidos terem conseguido impor essas condicionantes em um contexto no qual os países europeus deveriam, em tese, buscar uma posição mais sólida perante os seus concorrentes. Para o caso brasileiro, Tavares mostra que as desvalorizações cambiais frente ao dólar aumentaram o peso do setor exportador na economia, estrangulando as contas externas e aumentando a dependência em relação ao capital americano. A economia americana havia se tornado uma economia não apenas dominante, mas também cêntrica, ou seja, cujo mercado induz o crescimento dos demais países. A autora encerra o artigo defendendo um empenho maior do Brasil na concorrência por essa demanda – sobretudo em setores como o têxtil, de calçados, metalurgia e máquinas – e afirma que “país soberano é aquele que reconhece a realidade mundial, mas não se deixa intimidar por ela, fazendo escolhas corretas e negociando com seriedade e responsabilidade, tentando superar os limites do Presente para abrir espaço ao Futuro”.
MARX, Karl. O Capital-Livro 1: Crítica da economia política. Livro 1: O processo de produção