Sourdough é a palavra em inglês para nomear o fermento
natural, ou levain, uma cultura starter mista para fazer a massa de pão crescer (além de muitas outras aplicações culinárias). A técnica utilizada costuma ser o backslopping, que é simplesmente usar um pouco do lote anterior para iniciar o próximo. Assim eram feitos todos os pães até dois séculos atrás, quando formas mais puras de levedura começaram a ser disponibilizadas no mercado. Mesmo antes de Louis Pasteur ter isolado os organismos da levedura, em 1780, destiladores holandeses começaram a comercializar espuma de fermento retirada da superfície das bebidas alcoólicas em fermentação para padeiros. Em 1867, uma fábrica de Viena desenvolveu esse processo retirando a espuma fermentada, escumando-a, filtrando-a, lavando-a e depois comprimindo o fermento para formar um bolo compacto. Essa técnica ficou conhecida como “processo vienense” e é praticada até hoje. Em 1872, Charles Fleischmann patenteou um processo melhorado de fabricação de levedura prensada e criou um império industrial com base em sua produção. Hoje em dia, a maioria dos pães é feita usando leveduras isoladas e o fermento natural sobrevive quase como uma excentricidade, exceto em padarias artesanais. As leveduras isoladas, sem dúvida, oferecem algumas vantagens para os padeiros em termos de velocidade e uniformidade. Mas esses benefícios são obtidos em detrimento de outros atributos positivos das leveduras naturais tradicionais de cultura mista,
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como a complexidade do sabor, a textura úmida, as
propriedades superiores de armazenamento e uma pré-digestão mais completa. Em pães de farinha de trigo, os pesquisadores descobriram que a pré-digestão possibilitada pelo fermento natural de cultura mista resulta em um aumento “bastante significativo” do conteúdo de lisina e na redução do glúten. A maneira mais simples de iniciar um fermento natural do zero é misturar uma pequena quantidade de farinha e água em uma tigela (um pouco mais de farinha do que de água) e mexer até a mistura ficar homogênea. Adicione um pouco mais de água ou farinha conforme o necessário para obter uma massa líquida, que pode ser vertida, mas espessa o suficiente para se agarrar à colher. A farinha de centeio parece ser a mais rápida, mas é possível fazer fermento natural com a farinha de qualquer cereal. Certifique-se de que a água não tenha cloro. Mexa bem para fazer uma massa homogênea, sem nenhuma pelota. Ela deve ser espessa o suficiente para agarrar-se à colher (ou às suas mãos) e para sustentar bolhas de espuma (que devem ser formar emvpouco tempo). Mexa pelo menos uma vez por dia durante alguns dias, até conseguir ver as bolhas que se formaram na superfície. Em seguida, alimente o fermento com uma boa porção de farinha fresca, acrescentando cerca de três a quatro vezes o volume de farinha e água ao starter resultante. Adiçõesbde alta proporção como essa (também chamadas de “refresca”) reduzem a acidez do ambiente do fermento natural e dão às leveduras uma vantagem competitiva. É uma boa maneira de dar vigor ao fermento. Existem muitas outras técnicas para iniciar o fermento natural. Algumas pessoas gostam de usar a água utilizada para ferver batatas (deixe esfriar até a temperatura corporal antes de iniciar) ou a água amilácea do enxague ou molho de cereais, frutas ou cascas de frutas ou
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vegetais. Outras às vezes usam outro starter para começar o
fermento natural. Ouvi falar de pessoas que utilizam a espuma da cerveja em fermentação como starter de pães, iogurtes, quefir, leite azedo, quefir de água, kombucha, rejuvelac e leite de nozes fermentado. Também é possível iniciar um fermento natural usando um pacote de fermento pronto e deixar as leveduras se diversificarem naturalmente a partir daí. Há ainda quem comece a fermentação com starters que ganham ou compram na internet e quem defenda misturar a massa com as mãos limpas como um meio de inocular a massa com uma cultura. Mas, na verdade, tudo o que você precisa é de farinha e água. Tirando isso, tudo o que um fermento natural requer é um pouco de paciência e persistência. Uma abundante vida microbiana estão presente nos cereais. “Cereais e farinhas de cereais sempre contêm uma profusão de micro-organismos”, escreve o microbiologista Carl Pederson. “Não é possível preparar uma massa de pão sem incorporar esses organismos.” Essa microflora nativa fica dormente em cereais secos e na farinha, mas, quando a farinha é umedecida, a atividade microbiana é retomada. A agitação estimula e distribui a atividade microbiana, encoraja o crescimento das leveduras pela oxigenação e impede o desenvolvimento de bolores na superfície. Se você continuar alimentando o fermento e mantendo um ambiente hospitaleiro, a cultura – uma comunidade complexa de organismos que a microbiologista Jessica Lee chama de “relações metabólicas integradas de um consórcio de leveduras e bactérias” pode sobreviver por várias gerações. Um fator crucial para manter a estabilidade da comunidade microbiana é seu ambiente ácido, “uma arma poderosa para manter outros organismos à distância”, escreve Lee. Mesmo quando se alimenta o fermento em alta proporção
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para restringir os níveis de acidez, ela protege sua comunidade
microbiana e, mesmo depois que o pão é assado, continua a protegê-lo de bolores e outras bactérias. Os pães de fermento natural costumam envelhecer com muito mais elegância e, em certos casos, até melhoram com o tempo (para maximizar a vida útil do seu pão, envolva os pães em um papel que possibilite a passagem do ar, em vez usar de plástico). Mesmo se a casca secar, os bolores não se desenvolverão e o interior permanecerá úmido e delicioso. Os fermentos naturais cultivados em diferentes locais, usando diferentes farinhas e métodos, podem ser bastante distintos uns dos outros. As pessoas cuidam de seus starters de fermento natural com carinho e atenção e adoram distribuí-los. A artista e aficionada por pães, Rebecca Beinart, distribui amostras de seu starter, juntamente com instruções, a estranhos; ela criou um mapa interativo para rastrear a difusão de sua cultura de fermento natural em seu site (www.exponentialgrowth.org). Algumas pessoas procuram starters especiais de fermento natural em diferentes partes do mundo e algumas empresas especializadas, como a Sourdoughs International, também vendem os starters. Não importa como são criados, os starters de fermento natural não são entidades microbianas estáticas. Eles se tornam o próprio ambiente da comunidade e, em menor grau, seu alimento. “Não dá para escolher e selecionar a sua levedura selvagem”, escreve o padeiro Daniel Leader em seu livro Local breads: A sua cultura terá um sabor inigualável, proveniente de quaisquer leveduras presentes na farinha e no ar. Digamos que você tenha ganhado uma cultura de fermento natural de um
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padeiro de São Francisco. Quando você a leva para casa, em
outra cidade, e a renova várias vezes, ela se adaptará ao novo ambiente. Novas leveduras provenientes da farinha e do ar começarão a crescer na cultura. E um mix diferente de bactérias se desenvolve. O ideal é alimentar diariamente o seu fermento natural, embora fazê-lo a cada dois ou três dias seja suficiente. Esteja preparado para alimentá-lo com mais frequência em uma cozinha aquecida em comparação com um ambiente frio. Se você só for usar o seu starter de vez em quando, mantenha-o na geladeira. Tire-o da geladeira uma vez por semana, espere que ele aqueça até a temperatura ambiente, alimente-o e deixe-o descansar e fermentar em temperatura ambiente antes de voltar a levá-lo à geladeira. Quando for usar o seu starter refrigerado, espere-o aquecer e depois lhe dê uma ou duas alimentações de alta proporção antes de preparar uma massa com ele. Faça o mesmo com o starter guardado no congelador: retire do congelador e deixe-o aquecer lentamente até a temperatura ambiente e alimente-o, repetidamente se necessário, até ele ficar vigorosamente ativo.