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Destaque

História da Marrabenta
A dança e outros ritmos
No mesmo período, também existiu um
Por mera coincidência, no tempo colonial, apareceu em bailarino de nome Jaime Paixão, ou sim-
Lourenço Marques um magaíssa, nome que se dá ao mo- plesmente Zagueta, que praticava várias
çambicano que trabalha nas minas na África do Sul. Nes- danças com perfeição. Fazia o que Micha-
sa altura, existia a Witwatersrand Native Labour Asso- el Jackson fez, no bailado, de forma genial.
ciation, Wenela, instituição que recrutava mão-de-obra Além do mais, possuía uma dama com
para a Terra do Rand. quem dançava.

O referido sujeito, cujo nome é desconhecido, perma- As pessoas dançavam a Rumba e a Magika
neceu na Wenela, onde aguardava os seus bens que ha- agarradas, mas, contrariamente, Zagueta e
viam ficado retidos no país vizinho. Durante a sua esta- a sua dama bailavam separados, deslizan-
da, foi-lhe assegurada toda a assistência logística. Ora, do de um lado para o outro. Foi nessas cir-
como naquela época a maior parte da região que, hoje, cunstâncias que se criou a maneira como
constitui a cidade de Maputo era uma mata desabitada, se dança a Marrabenta. Infelizmente, com
ele resolveu deslocar-se até o bairro da Mafalala. o passar do tempo, desapareceram as core-
ografias feitas para a Rumba, o Dzukuta, a
Nesse subúrbio, na altura, havia prostíbulos e bares, Magika e o Xipfapfapfa.
um dos quais, o mais famoso – porque possuía o melhor
conjunto musical de Lourenço Marques –, e que era bem Os norte-americanos quando o viram a
equipado em termos de instrumentos musicais, perten- dançar, vieram a Moçambique filmar Za-
cia aos Comorianos. gueta a praticar sapateados. Algum tempo
depois, enviaram uma revista, dos Estados
Por lá também actuava Daíco, um guitarrista autodidac- Unidos, em que o consideravam um dos
ta genial. A qualidade das suas performances assemelha- quatro melhores bailarinos do mundo, a se-
vam-se às de Django Reinhardt, um artista francês que guir a Mikey Rooney, o terceiro. Gene Kelly,
tinha um defeito na mão direita, tocando a guitarra com era tido como o segundo, e Frad Astaire o
a mão esquerda. primeiro.

No Bar dos Comorianos, artistas como Daíco, Pacheco, Todas estas peripécias, incluindo a história
Chico Albazine e Ricardo da Silva constituíam o conjun- do magaíssa e a confusão que originou o
to musical local. O espaço era maravilhoso e tocavam- nome Marrabenta, sucederam-se até o pe-
-se ritmos musicais como Magika – que tem origem na ríodo anterior a 1940. Quando eu cheguei a
província de Gaza –, Dzukuta e Makhara – provenientes Lourenço Marques, em 1953, já se conhecia
de Inhambane, existindo desde antes de 1900 –, Xipfapfa- a Marrabenta como tal.
pfa – muito praticada em Matutuine, Katembe, Matola,
Infulene, Boquisso e Marracuene –, incluindo Pop, Rock,
Swing, Rumba, Tango, Samba, entre outros estilos de mú- O Unce
sica estrangeira.
O magaíssa gostou do que escutou, mas não sabia como chamar É um ritmo de música tradicional que, na
Mas também existia o senhor Napita, o músico mais fra- àquela música – até porque ela não tinha nome. Por isso, certa verdade, era um ritual praticado em ce-
co do conjunto, originário da província de Gaza. No en- vez, pediu aos artistas que lhe tocassem a música que rebentava rimónias familiares como casamentos e
tanto, ele tinha a guitarra mais afinada e soava bem. Eles em troca de cervejas. lobolos. O Unce é originário de Zanzibar
tocavam, mas não tinham a consciência do estilo musical e chegou a Lourenço Marques através de
que produziam. Ora, tomar cerveja de graça, num dos bares mais célebres do Juma Mulindi que mais adiante ensinou a
bairro da Mafalala, era uma prática muito rara para os músicos. sua prática a Juma Mukatchita.
Numa dessas ocasiões, na presença do magaíssa, no con- Por isso, responderam favorável e satisfatoriamente. Os eventos
junto musical do Bar dos Comorianos, Napita tocou a sua aconteciam, constantemente, aos sábados, à noite, e aos domin- Todas as composições desse género – in-
guitarra de tal sorte que os presentes o aplaudiram. Ins- gos, à tarde. cluindo algumas, actualmente, interpre-
tantes depois, rebentou-se uma corda da viola. tadas por Wazimbo – foram criadas por
A maior parte dos membros do conjunto musical Mulindi, não obstante o facto de, quando
– Daíco, Ricardo e Pacheco – era constituída por ele encontrou a morte, Juma Mucaxita ter
desempregados. Em resultado disso, passavam disseminado o facto de que era o autor das
quase todo o dia no Bar dos Comorianos. O pior músicas.
é que eles não podiam comprar uma cerveja.

Sucedeu que certo dia, de repente, eles viram A Rumba é nossa


o magaíssa e acharam que – porque o Rebenta
acabava de chegar – podiam tocar música para Nos dias actuais, as pessoas pensam e afir-
ganhar algumas cervejas. Mas como não co- mam – porque não conhecem a verdade –
nheciam o seu nome, chamaram-no do modo que a Rumba é música cubana. Mas ela é
seguinte: “Marrabenta Hinga Buya, Venha Cá originária de Moçambique.
Marrabenta”.
Por volta de 1905, os portugueses come-
A partir daí a adjectivação daquele ritmo como çaram a praticar o Xibalo, a escravatura,
o que rebenta, bem como a substantivação do no país. Eles prendiam os moçambicanos
magaíssa como Marrabenta tornaram-se roti- transportando-os, nos barcos negreiros,
neiras, virando tradição. As pessoas nunca mais como escravos a fim de trabalharem nos
pararam de dizer Marrabenta, embora o género canaviais de São Tomé e Príncipe. De lá,
musical não existisse ainda. Desconhece-se, po- eram transferidos para Cuba e para outros
rém, quem inseriu o prefixo Ma no verbo Reben- países. Com eles levaram um ritmo musical
ta. Mas foi assim que se criou a palavra Marra- que se chamava Gumba, ou Gumba-Gum-
benta – a partir da qual se passou a designar um ba.
ritmo musical.
Quando esses escravos chegaram a Cuba,
Ora, é muito interessante notar que em Queli- as suas músicas, cantadas em Ronga, foram
mane existe um ritmo musical chamado Utxeke- traduzidas para a língua local. E no lugar
liwa muito parecido com a Marrabenta. A única de se chamarem Gumba passaram a ser
diferença é a forma como as senhoras dançam, Rumba. Ou seja, na palavra Gumba subs-
fazendo movimentos circulatórios. tituíram o G pelo R, criando-se a Rumba
– mas não conseguiram mudar o ritmo da
Entretanto, com o passar do tempo, os ritmos música.
que se tocavam mudaram de nome. Deixaram
de ser Xipfapfapfa, Dzukuta, Magika e passaram O que pretendo explicar é que, da mesma
a chamar-se Marrabenta só por causa da histó- forma que os brasileiros, no lugar de cha-
ria desse magaíssa. E, assim, por mera casuali- mar Semba, designam Samba à música
dade, surgiu o nome. No entanto, dizer que se angolana, os cubanos chamaram Rumba à
desconhece a pessoa que inventou a maneira de nossa Gumba.
dançar a Marrabenta é pura mentira.
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Dilon Djindji é mentiroso


Nós não devemos entrar em alarme quando Dilon Djind- de Moçambique, porque esse é o único grupo moçambicano cuja música, Elisa Por exemplo, eu aprecio-lhe
ji afirma que é o rei da Marrabenta. Isso é o de menos. Gomara Saia, se toca em vários países como, por exemplo, a América, o Brasil, como músico, mas detesto-o
No entanto, é inadmissível que – porque isso é um gran- incluindo a Rússia. Ela foi composta pela bailarina Rosa Tembe, tendo-se torna- como mentiroso. Porque mente
de erro – ele diga que inventou a Marrabenta. Isso é uma do popularíssima. demais. Ou seja, Dilon é um ar-
mentira pura. Ninguém inventou a Marrabenta. tista da minha geração. Por isso,
Dilon Djindji é uma pessoa que possui o descaramento de afirmar que ensinou eu não discordo da sua opinião
Aliás, muito recentemente, no âmbito das investigações Fani Mpfumo a cantar Marrabenta. Ora, Fani é o maior compositor moçam- quando afirma que Fani Mpfu-
do ARPAC, um jornalista perguntou-lhe sobre a mesma bicano da Marrabenta mo cantou que em Marracuene
história. Ele elaborou um conto – sem pés nem cabeça de todos os tempos até havia um rei da Marrabenta, e
– de acordo com o qual persuadia as raparigas a serem a actualidade. Perguntem-lhe se está disposto a que se referia a ele. O problema
suas namoradas, dizendo “menina namora comigo se- é que Fani não disse que estava
não eu vou-lhe rebentar o focinho”. É uma cena risível Perguntem-lhe se está enfrentar um detector de mentiras. a falar de si como nos impinge.
– que é uma mentira, como também o é o facto de dizer disposto a enfrentar
que inventou as danças da Marrabenta. um detector de menti- É que para mim, uma forma de Por essa razão, quando Dilon
ras. É que, para mim, acabar com as inverdades de Dilon fala – sobretudo acerca da sua
Dilon é tão vaidoso de tal sorte que acabou por menos- uma forma de acabar relação paternal com a Marra-
prezar o Conjunto Djambo. É aí onde se encontra o con- com as inverdades de Djindji é colocá-lo a falar perto benta – nem vale a pena levá-lo
tra-senso das suas palavras porque quem o levou ao pal- Dilon Djindji é colocá- em consideração. Ele faz uma
co, em Maputo, são os membros do Conjunto Djambo, em -lo a falar perto de um
de um detector de mentiras. O manifestação típica de um vai-
1965, a fim de actuar no Centro Associativo dos Negros detector de mentiras. instrumento irá explodir com tantas doso. Como se sabe, a vaidade é
da Província de Lourenço Marques. Na sua primeira ac- O instrumento irá ex- a aflição do espírito.
tuação, com o medo de enfrentar o público, Dilon Djindji plodir com tantas fal- falsidades ditas.
escondeu-se atrás do palco, usando uma cortina. sidades ditas.

Quando foi reconduzido ao palco, por Domingos Mabom-


bo, ele fez uma actuação brilhante que lhe valeu aplau-
sos do público. Entretanto, numa mentira manifesta, ele
afirma que começou a tocar em 1940. Mas isso não pode Outras referências dos anos 60
ser verdade porque, nesse ano, ele devia ter uns 13 anos.
Ao longo de 1960, também houve vários e brilhantes criadores da Marrabenta como, por exemplo, Francisco
Dilon Djindji introduziu-se na música de acordo com o Mahecuane e Alexandre Jafete – que se podem intitular verdadeiros tocadores do género como o fazia Fani Mpfu-
que narro. Ele tocava Xipfapfapfa e não Marrabenta. mo – e o compositor Eusébio Johane Ntamele. Entretanto, o maior compositor da Marrabenta – que eu conheci
quando tinha oito anos – chama-se Ossumany Valgy.
Para agravar as suas mentiras, o autor de Podina disse-
mina na comunicação social que possui mais de 80 mú- Foi Ossumany Valgy que me falou sobre a história da Gumba que se tornou Rumba em Cuba, quando a cidade de
sicas, quando, na verdade, ele não tem mais de quatro Lourenço Marques era um presídio, que funcionava na altura em que a urbe se chamava Delagoa Bay. Nas proxi-
ou cinco composições. De 1965 até hoje, ainda não ouvi midades da Malanga.
as suas novas músicas. Ele repete as mesmas obras nos
concertos. Mesmo as músicas que ele canta hoje – sobre Esse compositor era membro do Conjunto Zandamela que se chamava Orquestra. Eles tinham uma bateria a qual
Maria Tereza e Podina – não são Marrabenta. Trata-se de chamavam jazz, dois banjos, um bandolim e duas violas. No entanto, Ossumany Valgy tocava maracas que se
Xipfapfapfa. chamavam guizos. Ao ver-lhe a tocar o seu instrumento fiquei extasiado. Era muito bonito. Uma maravilha! Eles
dançavam Makhara.
Ele fundamenta a sua mentira alegando que é o artis-
ta moçambicano – que canta Marrabenta – mais conhe- De qualquer modo, é preciso esclarecer que a componente erótica da Makhara é algo muito actual. Como se sabe,
cido fora do país. Os factos mandam-nos dizer que ele muitas vezes, nos dias actuais, vemos crianças na televisão bailando de forma sensual. O que elas fazem não tem
começou a ser popularizado há poucos anos, graças ao nada a ver com a dança.
Projecto Mabulu de que fez parte, antes, nunca tinha
viajado com a finalidade de fazer concertos na Europa. Por exemplo, a cantora moçambicana Neyma Alfredo possui uma música muito bonita – em que canta “a Marra-
Por exemplo, mesmo aqui em Moçambique, ele não é co- benta anima a Neyma” – o problema, uma pena, é que tal obra não é Marrabenta, é Fena. Trata-se de um ritual em
nhecido na província de Inhambane. E nunca pôs os pés que os homens dançam imitando os movimentos de um macaco. Além do mais, ela não é a culpada. O problema é
em Tete. Se por lá sabem que existe um artista chamado das pessoas que dizem que Neyma é a diva da Marrabenta.
Dilon Djindji é algo actual, resultante do fenómeno da
televisão. Por exemplo, recentemente, Dilon Djindji e Roberto Chitsondzo propalam, por aí, que não se pode cantar a Mar-
rabenta em português. Mas isso é um problema deles. Uma espécie de dor do cotovelo, por causa do sucesso que
Não pode ser verdade – como afirma Dilon Djindji – que Stewart Sukuma – que canta em português – possui. Diria que o errado que há nesse artista é dizer que a Marra-
o Conjunto Djambo não tem grande popularidade fora benta “é nosso samba”. A Marrabenta é um ritmo e não uma língua. Por isso, pode-se cantar em qualquer idioma.

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