Você está na página 1de 15

práticas de

comunicação
antirracista
no Brasil

LEONARDO CUSTÓDIO
JÚLIA TAVARES
MÔNICA SACRAMENTO
LÚCIA XAVIER (ORGS.)
Conectadas com seu tempo, pessoas negras têm utilizado diferentes meios
de comunicação e tecnologias para comunicar suas ideias e propostas para
a sociedade. Com a internet, essas muitas vozes ampliaram-se em número, vi-
sibilidade e alcance geográfico. Em diferentes áreas e carreiras profissionais
ou formações, em especial as mulheres negras travestis, trans e cis ocupam o
espaço virtual (ciberespaço) para disputar brechas no acesso e na criação de
sistemas de produção como autoras-narradoras de suas histórias de vida, in-
quietações, ações, demandas e sonhos.

Essa produção intelectual traz inúmeras contribuições para o surgimento e con-


solidação de novos temas, conceitos e agendas voltadas ao enfrentamento do
racismo patriarcal cisheteronormativo e suas consequências.

Neste Práticas de Comunicação Antirracista no Brasil, CRIOLA e Aliança Midia-


tivista Antirracista (ARMA Alliance) apresentam o resultado de uma chamada
pública para o envio de artigos inéditos sobre o tema. O edital foi aberto a mi-
litantes, ativistas, organizações não-governamentais, coletivos, artistas, pes-
quisadores e acadêmicos da luta antirracista em todos os estados do país para
reunir estudos, experiências e práticas/formatos comunicacionais inovadores e
criativos produzidos por pessoas negras contra o racismo histórico, sistêmico e
cotidiano na sociedade brasileira.

Os 17 artigos selecionados após o processo de edição revelam como diversas


iniciativas antirracistas no campo da comunicação ou da educação ainda são
pouco divulgadas e reconhecidas pela sociedade. Ao reunir esses trabalhos em
uma única publicação, esperamos dar visibilidade às práticas relatadas, ampliar
a troca entre seus autores e, acima de tudo, fortalecer essas ações em diver-
sas áreas. Nosso sonho comum é que as ações aqui reunidas deixem de ser
movidas apenas por iniciativas individuais em contextos de extrema resistência
para se integrarem a políticas institucionais, com aporte de recursos, incentivo
e todos os investimentos necessários.

Este e-book também celebra a finalização do trabalho realizado em parceria


entre CRIOLA e ARMA Alliance após uma série de entrevistas conduzidas pelas
duas organizações entre 2018 e 2019 com militantes e intelectuais negres que
utilizavam a comunicação em suas práticas antirracistas no Brasil. Agora, ati-
vistas ganham o protagonismo para relatar e compartilhar avanços e limites do
esforço que empreendem em seus campos de atuação.

Boa leitura!
Educomunicação popular e periférica:
relato de experiência com o Laboratório
de Midiativismo e Empreendedorismo
Negro (NegritoLab)

Catharina Maia Caetano, Rafaela Rodrigues dos San-


tos; Silas Rafael Nascimento Félix*

Introdução

Mídias virtuais Neste texto, gostaríamos de compartilhar sobre nos-


Anúncios constantes sa experiência com a primeira edição do “Laboratório
Revistas, jornais de Midiativismo e Empreendedorismo Negro (Negri-
Trocam estética opressora toLab)”. Este laboratório consiste em um projeto ide-
Por identificação transformadora alizado pelo Coletivo Nacional de Juventude Negra
(Enegrecer-Eixo Bahia), desenvolvido em parceria
Trecho da música “Bonecas Pretas”, com a Associação Artístico Cultural (Odeart) e com
de Larissa Luz apoio financeiro da Secretaria de Promoção da Igual-
dade Racial do Estado da Bahia (Sepromi), no intuito
de formar jovens negros(as) periféricos(as) da cidade
de Salvador sobre midiativismo e noções de empre-
endedorismo negro através das mídias digitais.

O Coletivo Enegrecer é uma organização de juventu-


de negra em âmbito nacional, que nasceu há 13 anos
como movimento social de articulação e formação
*Catharina Maia Caetano é bacharela em Humanidades e Licencianda em Ciên-
cias Sociais pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro- política. No que diz respeito à formação política, te-
-Brasileira (UNILAB). Mestranda em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP). Facilitadora de Aprendizagem na Universidade Virtual do mos como princípios norteadores as lutas anticapita-
Estado de São Paulo (UNIVESP). Coordenadora Estadual do Coletivo Nacional de
Juventude Negra (ENEGRECER – BAHIA) e Ativista no Movimento Negro Unifica-
lista, antirracista, antipatriarcal, antilgbtfóbica, dentre
do (MNU). Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas, tantas outras lutas que circundam nossas vidas en-
Educação e Sociedade – GPPES (UNICAMP) e do Grupo de Pesquisa Múltiplos
Olhares sobre a Universidade: pessoas, territórios e projetos. Revisora de Traba- quanto povo (ENEGRECER BAHIA, 2022).
lhos Acadêmicos. Pesquisa sobre Políticas Públicas, Ações Afirmativas, Educa-
ção Intercultural e Quilombismo.
Dentre os muitos espaços organizativos que pro-
REDES SOCIEIAS E TECNOLOGIA

*Rafaela Rodrigues dos Santos é bacharela em Direito pela Universidade Católica


de Salvador (UCSal). Pós-Graduanda em Prática Processual Penal pela Escola movemos nesses longos anos, podemos destacar
Mineira de Direito (EMD). Ativista no Coletivo Nacional de Juventude Negra (ENE-
GRECER) e no Movimento Negro Unificado (MNU). Coautora da obra A falácia a criação do Encontro de Estudantes Negros e Ne-
da impunidade no Brasil e o fenômeno do encarceramento em massa. Revisora
de Trabalhos Acadêmicos. Pesquisa sobre Encarceramento da População Negra, gras, que é um marco na vida dos estudantes negros
Tráfico de Drogas e Violência de Gênero.
e negras de escolas e universidades brasileiras. Para
*Silas Rafael Nascimento Félix é graduado em Economia pela Universidade Fe- além da atuação ao lado dos movimentos estudantis,
deral da Bahia (UFBA). Coordenador Nacional do Coletivo Nacional de Juven-
tude Negra (ENEGRECER) e Coordenador Geral do Movimento Negro Unificado hoje, o Coletivo Enegrecer é uma expressão pública
Municipal de Salvador (MNU – Salvador). Produtor Cultural na produtora de trap
baiana Ubuntu Trap. Pesquisa sobre Cooperativismo e Economia Solidária. do movimento social brasileiro. Estamos em todas as
lutas da população negra e no parlamento. Em pouco

Educomunicação popular e periférica: relato de experiência com o Laboratório 71


de Midiativismo e Empreendedorismo Negro (NegritoLab)
mais de dez anos, nos tornamos uma das principais O que é educomunica-
organizações que lutam pelo antirracismo no país.
Nós criamos uma expressão que hoje é das mais po-
ção popular e periféri-
pulares do Brasil. Enegrecer é verbo transitivo direto ca?
e intransitivo e pronominal, significa tornar(-se) ne-
gro, dar ou adquirir tonalidades escuras, escurecer. Em sociedades modernas onde se predominam di-
Obviamente, a palavra foi criada para se remeter às versas desigualdades, tem-se observado que os es-
questões políticas de participação. No começo era paços de poder, de conhecimento e informação não
uma palavra para reivindicar participação negra nos são acessados facilmente por todas as pessoas. Na
espaços de poder. área da educação, ao falarmos em educação demo-
crática, estamos falando principalmente de garantia
É nesse contexto de articulação e participação socio- de acesso à informação para todas as pessoas, inde-
política que surge a ideia de se criar mais uma ferra- pendentemente de classe, raça, gênero ou origem.
menta de combate ao racismo, desta vez nos meios Paulo Freire, importante educador brasileiro, acredi-
midiáticos digitais. A proposta do projeto Laborató- tava que a educação pode e tem que ser democráti-
rio de Midiativismo e Empreendedorismo Negro (Ne- ca e libertadora. Traçando uma aproximação entre as
gritoLab) é produzir outras narrativas, pautadas nas áreas de comunicação e educação, Freire propunha
questões que tangem à população negra (com ênfa- uma educação popular baseada na educação midiáti-
se na juventude) em solo brasileiro. Mesmo com in- ca, na gestão democrática da mídia, na produção de
serções parciais nos grandes meios midiáticos, seja conteúdos educativos e no uso de diversas formas
através de programas de valorização e afirmação da de mídia em processos de ensino-aprendizado.
cultura e existência negra ou através da representa-
tividade gerada por comunicadores negros e negras Nesse sentido, entende-se que a educomunicação
em jornais, programas de televisão, reality shows pode ser compreendida enquanto a inter-relação en-
etc., ainda há um abismo estrutural na produção de tre a comunicação e a educação, visando às ações
narrativas feitas por nós e para nós. de um processo comunicacional a fim de potenciali-
zar o diálogo entre o âmbito pedagógico e a estrutu-
O objeto desse projeto é minimizar a desigualdade ra da comunicação de forma ampla. Dessa maneira,
dentro dos meios de comunicação e maximizar a pode-se compreender a educomunicação como um
participação da juventude negra periférica dentro do processo que prioriza a comunicação entre os sujei-
processo midiático e nas práticas empreendedoras tos que participam do processo educativo, possibi-
e, nesse sentido, formar e politizar. Portanto, nossa litando, assim, a construção de novos espaços que
proposta consiste na criação de uma plataforma de objetivam a aprendizagem, por meio de uma relação
midiativismo e empreendedorismo para que esses mais ativa dos educandos através das suas próprias
jovens que participam do laboratório possam colocar referências midiáticas.
em prática o conhecimento obtido durante o curso,
bem como aplicar e influenciar diretamente em seu Vale considerar que os primeiros relatos acerca da
cotidiano, de modo que possa proporcionar um amplo disseminação do termo “educomunicador” surgiram
debate sobre as questões raciais e outros pontos que através do Mário Káplun, na América Latina, que se
REDES SOCIEIAS E TECNOLOGIA

atravessam a vida de pessoas negras diariamente. inspirou justamente em Paulo Freire. Diante disso, é
possível afirmar que a educomunicação possui bases
teóricas na comunicação social e dialógica de Paulo
Freire. Conforme Ismar Soares (2002), a educomuni-
cação se fundamenta a partir de entendimentos de
cunho tradicional nos campos da educação e outras
áreas das ciências sociais e entendendo que a edu-
comunicação se trata de um conjunto de ações com

Educomunicação popular e periférica: relato de experiência com o Laboratório 72


de Midiativismo e Empreendedorismo Negro (NegritoLab)
o objetivo de integrar dentro das práticas educativas te os conteúdos das mídias, em que incorporamos
os processos comunicativos democráticos, a par- notícias e exemplos do cotidiano desses(as) jovens,
tir do fortalecimento da comunicação nos espaços relacionando aos temas estudados na formação do
educativos. laboratório, estimulando-os(as) a discuti-los e inter-
pretá-los. Dessa forma, a educomunicação oferece
Ao falarmos o termo educomunicação, não estamos uma oportunidade para demonstrações de como os
falando meramente na junção de educação com co- tópicos que fazem parte do currículo escolar, neste
municação, mas esse conceito se propõe a uma in- caso do currículo do curso, ganham vida na prática
tervenção social que vai além e se diferencia tanto em realidades específicas.
da Educação Escolar quanto da Comunicação Social.
Conforme Donizete Soares (2006), o termo Educo- Considerando que há ainda a necessidade de rees-
municação tem origem na união entre comunicação e truturação em muitos olhares no que diz respeito ao
educação, mas não é apenas uma fusão entre esses processo educacional, cabe destacar que, além de
dois campos de estudos. Há que se destacar um ter- dar espaço para diferentes perspectivas no âmbito
ceiro ponto muito importante: a ação. educacional, é de grande relevância também enxer-
gar e dar voz aos que já se encontram historicamente
O neologismo Educomunicação que em à margem da sociedade em razão das desigualdades
princípio parece mera junção de comunicação sociais que continuam se perpetuando, embora haja
e educação, na realidade, não apenas une novas configurações do que se entende por socie-
as áreas, mas destaca de modo significativo dade. Surge assim o NegritoLab, um projeto inovador,
um terceiro termo, a ação. É sobre ele que que junta a comunicação com empreendedorismo e
continua a recair a tônica quando a palavra é combate ao racismo, através da formação sobre as
pronunciada, dando-lhe assim, ao que parece, mídias digitais, como será demonstrado a seguir.
um significado particularmente importante.
Educação e/ou comunicação – assim
como na educomunicação – são formas de
O laboratório de
conhecimentos, áreas do saber ou campo de midiativismo e
construções que têm na ação seu elemento
empreendedorismo
inaugural. (SOARES, 2006)
negro (NegritoLab)
Ao pensarmos na realidade de jovens negros e ne-
gras moradores de periferias, analisamos que a edu- A dinâmica da sociedade capitalista é, por si, estru-
comunicação popular se encaixaria muito bem como turada pela desigualdade social que, por sua vez, é
metodologia norteadora do projeto que desenvolve- costurada pelas nuances racistas, machistas e lgb-
mos como Coletivo Enegrecer, através do Laborató- tfóbicas, dado que as minorias não possuem local de
rio de Midiativismo e Empreendedorismo Negro (Ne- fala dentro dos meios midiáticos, a não ser quando
gritoLab). Acreditamos em um processo de ensino são veiculadas como sendo a escória da sociedade,
que estimule a juventude a usar formatos de mídia dentro dos telejornais sensacionalistas. Vivenciam
e linguagens de forma criativa para construir conhe- diariamente suas imagens e dos seus semelhantes
REDES SOCIEIAS E TECNOLOGIA

cimento e explorar diferentes temas, que eles e elas sendo expostas de forma grotesca, sem o direito à
sejam protagonistas em narrativas relacionadas às resposta.
suas comunidades e expressem suas necessidades
específicas. Quem são essas pessoas que comunicam essas no-
tícias? A quem interessa a veiculação dessas notícias
Outro ponto importante que a educomunicação po- sensacionalistas? A quem interessa o distanciamento
pular e periférica proporciona é o de fortalecer a das pessoas negras do amplo debate racial, veicula-
capacidade dessas pessoas de avaliar criticamen- do nas mídias?

Educomunicação popular e periférica: relato de experiência com o Laboratório 73


de Midiativismo e Empreendedorismo Negro (NegritoLab)
Essas são algumas das perguntas que norteiam a dis- suímos outras formas que não essas que são divul-
cussão do racismo e mídia no Brasil. Precisamos for- gadas de forma estereotipada na mídia diariamente
mar uma juventude negra para ocupar esses espaços em programas sensacionalistas e de jornais policiais,
de debates – mais que isso – uma juventude capaz por exemplo.
de desestruturar esses meios de comunicação, indo
contra essa lógica sensacionalista e marginalizante Quem ganha com esse sensacionalismo? Nós é que
de pessoas negras. não somos. O que ganhamos diariamente é: a falta de
comida na mesa, a falta de políticas públicas, a falta
A centralização midiática, sendo majoritariamente de emprego e moradia. Ganhamos também os diver-
branca, implica em uma mídia voltada para questões sos apelidos preconceituosos.
que pouco dialogam com a vida da população negra
da cidade de Salvador. Quando visualizamos a forma O fracasso escolar, que nos atravessa, também é um
como as notícias são divulgadas, percebemos um ponto a ser notado. Quando nos debruçamos sobre
déficit nos debates, além disso, pouco ou quase ne- como a escola nos poda enquanto indivíduos, perce-
nhum voltado para as questões raciais. bemos que o sistema educacional falhou conosco.
Ora, a educação pública de qualidade é um direito
A denúncia do racismo no Brasil, quando tem um garantido pela constituição, se o que nos resta é a
destaque social, não é publicada nesses meios de escola como fuga das ruas, a merenda escolar como
comunicação, causando, assim, um empobrecimen- a única refeição do dia, em que momento paramos
to do que deveria ser um campo de diálogos aflora- para pensar que precisamos ocupar os espaços,
dos sobre a diversidade cultural da população negra. sendo que somos limados todos os dias da nossa
Quando nos voltamos para a história das propagan- própria existência?
das, encontramos das mais diversas que foram vei-
culadas em meios de comunicação – e que fizeram Ora, nas atuais circunstâncias em que vivemos, em
sucesso – utilizando o negro como forma de chacota contexto de pandemia, onde há um risco iminente
ou como algo a ser limpo, higienizado. Não deixamos de ser contaminado pela covid-19, em que muitos
de ter o mesmo atualmente, a diferença se dá na ma- perderam seus trabalhos, familiares e tantas outras
nipulação da notícia. Ora, se somos minorias dentro perdas incalculáveis, temos o menor índice de par-
dos espaços de comunicação, essa realidade nunca ticipação de jovens negros e negras no Enem des-
mudará até que estejamos ocupando estes espaços te ano. Em que condições de igualdade de acesso
de forma politizada, abrangendo os debates sociais podemos pensar para essa juventude que está com
que norteiam as nossas vidas. seu futuro incerto devido a tantos acontecimentos
conturbados?
É preciso olhar para dentro desta estrutura que foi
criada ao longo dos séculos, e que não nos compor- Resistimos. Encontramos na inapetência do Estado
ta enquanto povo. Se fizermos uma análise do pano- as nossas formas de resistir. Encontramos, nas mais
rama histórico, desde o surgimento da imprensa até diversas formas de trabalho, a criatividade e os sabe-
os dias atuais, veremos que as pessoas negras não res ancestrais nos quais estamos imersos, e fazemos
estavam sendo divulgadas nas suas mais diversas acontecer o pão de cada dia.
REDES SOCIEIAS E TECNOLOGIA

formas de expressão, dentro desses meios de co-


municação. Claro, devemos nos perguntar o porquê Tendo em vista todas essas problemáticas levanta-
dessa desigualdade. das, entendemos a necessidade de ocuparmos os
espaços de poder, e a mídia é um deles, afinal, quem
Somos veiculados como sendo uma maioria de as- não assiste à televisão hoje em dia? Mas precisamos
sassinos, suspeitos, ladrões, entre outras formas de decidir quais são as notícias que dirão sobre nós e os
enviesar o olhar, esquecendo o mais importante, que nossos dentro desses meios.
somos povo e que somos diversos, plurais, que pos-

Educomunicação popular e periférica: relato de experiência com o Laboratório 74


de Midiativismo e Empreendedorismo Negro (NegritoLab)
Com esse intuito, o projeto NegritoLab se propõe a O projeto ainda pretende, dentro desse escopo, in-
formar jovens negros e negras em comunicação, mi- centivar a juventude com a oferta de uma bolsa-au-
diativismo e empreendedorismo, com foco nas nar- xílio a alguns jovens participantes, mais especifica-
rativas raciais e sociais, que ganham destaque nas mente, 30% desses jovens, para virarem colunistas
mídias e nas redes. O princípio norteador do projeto semanais da plataforma de comunicação que levará
é formar a juventude de forma que esta possa es- o mesmo nome do projeto. Gerando, assim, renda
tar preparada para ocupar, politizar e dialogar dentro para essa juventude atingida pela pandemia do co-
desses meios, minimizando, assim, a desigualdade ronavírus.
dentro dos meios de comunicação – mas não somen-
te –, e mostrar como a comunicação está atrelada Buscamos, ademais, influenciá-los, através do curso
às narrativas de uma sociedade, dentro das práticas de comunicação da NegritoLab, a entender a dinâ-
empreendedoras, entendendo que as redes sociais mica empreendedora em conjunto com sua comuni-
são hoje um mecanismo importantíssimo para empre- dade, fortalecendo, assim, os empreendimentos das
endimentos dos mais diversos segmentos. periferias da cidade, das quais esses jovens são mo-
radores.
Vivenciamos a evolução tecnológica da sociedade
e, nesses mais de vinte anos de grandes inovações, A plataforma, em longo prazo, será um veículo de di-
surgem as mídias digitais, que hoje são o meio mais vulgação de empreendimentos geridos pela popula-
eficaz de se comunicar com a juventude. Essas re- ção negra e também da arte e da cultura presentes
des que se formaram perpassam a vida de muitos no dia a dia dos muitos atores da nossa sociedade.
desses jovens que, ao terem acesso a uma formação Proporcionará também a informação e a formação an-
antirracista e voltada para o midiativismo, poderão se tirracista – mesmo depois de findada a parceria junto
posicionar de forma politizada contra a manipulação à Sepromi – na plataforma NegritoLab.
das notícias.
Nesse sentido, as participantes puderam aprender
Ainda sobre os avanços da área tecnológica, não po- noções introdutórias de antirracismo, midiativismo e
demos deixar de falar sobre como, durante o proces- empreendedorismo para, assim, aperfeiçoar os res-
so pandêmico, muitas pessoas que perderam seus pectivos negócios e colocar em prática os conhe-
empregos resolveram empreender para sobreviver. cimentos obtidos durante o curso, e alguns desses
Precisamos, através do projeto, chegar à juventude jovens serão selecionados para serem colaborado-
que sonha com seus empreendimentos sendo divul- res da plataforma e assim influenciar diretamente na
gados e que não tem o conhecimento para manipular formação de opinião da nossa sociedade, sobretudo
as mídias sociais. Deste modo, pretendemos formar nos veículos midiáticos.
essa juventude com os requisitos para entenderem
as camadas da formação de um empreendimento, Especificamente, a metodologia foi pensada de tal
desde a escolha do nome que levará a marca até a modo que, no primeiro momento, foram criados ma-
formalização dela. teriais de divulgação para o chamamento do públi-
co-alvo, divulgado em redes sociais e outros meios.
Os empreendimentos que surgiram na pandemia tive- Feito isso, foram recebidas as inscrições para a ava-
REDES SOCIEIAS E TECNOLOGIA

ram que aprender a lidar com um mecanismo virtual liação do público-alvo; na segunda etapa, formamos
para o qual não estavam preparados, desde a criação os jovens nos temas já citados, com uma equipe téc-
do design de uma peça para divulgar o produto até nica capacitada para orientar os jovens e as jovens
a manutenção da página de divulgação da marca, o negros e negras moradores de periferias acerca das
pós-venda, entre outros processos que buscamos ferramentas utilizadas; e no terceiro momento lança-
ensinar no curso oferecido. mos a nossa plataforma digital.

Educomunicação popular e periférica: relato de experiência com o Laboratório 75


de Midiativismo e Empreendedorismo Negro (NegritoLab)
Também foram trabalhadas noções de empreende- Por fim, nosso intuito com essa iniciativa é o de tor-
dorismo negro, considerando que a maioria dos em- nar pública a diversidade de comunicação atrelada
preendedores brasileiros são negros(as) e são os que a essa população que não tem atualmente espaço
menos lucram, apontando para um déficit de educa- dentro dos meios de comunicação para se desen-
ção empreendedora entre essas pessoas. volverem e divulgarem seus meios de subsistência,
criatividade e inventividade.
A população negra é o grupo que mais abre
novos negócios no Brasil, mas é aquele
que menos fatura. De acordo com o Global
Etapas de realização
Entrepreneurship Monitor de 2017, pesquisa e resultados do projeto
realizada em parceria com o Serviço Brasileiro
de Apoio às Micro e Pequenas Empresas O projeto tem como público-alvo jovens negros e
(Sebrae), negros correspondem a 51% dos negras da cidade de Salvador, moradores de bairros
empresários do país, porém formam apenas 1% periféricos, com perfil socioeconômico vulnerável,
daqueles que ganham de R$ 60 mil a R$ 360 inscritos(as) no CadÚnico, com idades entre 18 e 29
mil e totalizam 60% dos empreendedores que anos e pelo menos 50% mulheres negras. Dentre
não lucram nada (ROCHA, 2018). os(as) inscritos(as), foram selecionados(as), prefe-
rencialmente, aqueles(as) que estudavam, trabalha-
Considerando esses dados, as noções de empreen- vam ou tinham interesse em atuar na área de comuni-
dedorismo foram incorporadas na proposta do proje- cação popular e audiovisual.
to pensando na apresentação das possibilidades de
geração de renda a partir do uso das mídias digitais, A concepção e realização da primeira edição do pro-
ampliando os horizontes dos(as) jovens participan- jeto foram divididas em três etapas, sendo a primeira a
tes que, muitas vezes, consomem produtos e servi- de ampla mobilização e divulgação nas redes sociais
ços digitais, mas não se veem inseridos nesse meio e processo de inscrição/seleção também de forma
como possíveis empreendedores, criadores de con- virtual. Elaborados os materiais de divulgação, bem
teúdo ou outras profissionalizações digitais. como as redes sociais do NegritoLab, em sequência
foram criadas fichas de inscrição no Google Formulá-
Dessa forma, as metas estipuladas para o projeto rios, de forma que a chamada de jovens se tornasse
consistiram em: pública e eles pudessem se inscrever para o curso.
Em seguida, uma comissão montada previamente en-
1. 2 turmas de formação em 6 meses, cada uma tre os (as) integrantes das organizações realizadoras
com 50 jovens negros(as); avaliou as inscrições e o perfil dos candidatos(as),
2. Capacitação com formação sociopolítica de certificando que os(as) jovens selecionados(as) es-
raça, gênero e classe; tivessem dentro do público-alvo definido no projeto.
3. Capacitação para os(as) participantes gerirem
seus próprios empreendimentos;
4. Criação de rede de propagação de iniciativas
ativistas, especialmente antirracistas;
REDES SOCIEIAS E TECNOLOGIA

5. Incentivo para participação desses(as) jovens


nas disputas de narrativas dos fatos sociais, de
cunho racial, de gênero e de classe;
6. Incentivo aos(às) participantes para o acesso à
formação acadêmica superior;
7. Criação e manutenção da Plataforma Negrito-
Lab.

Educomunicação popular e periférica: relato de experiência com o Laboratório 76


de Midiativismo e Empreendedorismo Negro (NegritoLab)
em Educação; Rafaela Rodrigues, bacharela em Di-
reito, e Silas Félix, economista, todos integrantes do
Coletivo Enegrecer.

Durante a etapa de formação, os módulos foram divi-


Com alto índice de pessoas infectadas pelo coronaví- didos em:
rus em nova onda de contaminações entre dezembro
de 2021 e fevereiro de 2022, a segunda etapa suce- Módulo 1
deu-se em aplicação do curso para a primeira turma Noções históricas e políticas sobre ativismo negro
de forma virtual, pela plataforma digital Zoom, con-
tando com a participação de 50 jovens selecionados Neste módulo, buscamos contextualizar, através de
pelos critérios da primeira etapa. Como formadores pesquisas históricas e sociológicas, o que chamamos
do curso, Rodrigo França, ator, diretor, dramaturgo e de ativismo negro, através de importantes exemplos
artista visual; Tâmara Terso, comunicóloga amefrica- da nossa história de lutas e resistências contra o ra-
na, e Herlon Miguel, administrador e empreendedor. cismo e outras formas de opressão. Os temas abor-
dados subdividiram-se entre:

• O Que é Racismo Estrutural


• Organizações Negras de Resistência
• Representação e Representatividade Negra
• Imprensa Negra dos séculos XIX e XX e
a comunicação político-educadora

Pudemos observar bastante participação das turmas


em relação aos assuntos abordados. Dentre as falas
ouvidas na turma presencial, uma nos chamou muita
atenção quando perguntamos sobre situações que
REDES SOCIEIAS E TECNOLOGIA

configuram racismo estrutural no dia a dia. Um exem-


plo dado por uma participante foi acerca da estrutura
Entretanto, a segunda turma realizou o curso no for-
do shopping center da cidade, onde nos pisos infe-
mato presencial, em parceria com o Programa de
riores ficam localizadas as lojas mais populares com
Aprendizagem Profissional do Instituto Sagrado (Pap-
preços mais acessíveis, concentrando um número
Sagrado), contando com a participação de 42 jovens
de pessoas majoritariamente negras e de classes so-
e tendo como formadores do curso Catharina Maia
ciais menos favorecidas economicamente, enquan-
Caetano, bacharela em Humanidades e mestranda
to nos andares superiores concentravam-se as lojas

Educomunicação popular e periférica: relato de experiência com o Laboratório 77


de Midiativismo e Empreendedorismo Negro (NegritoLab)
com preços mais elevados, concentrando um públi- • Oficina de escrita e interpretação de texto
co majoritariamente branco de classes sociais mais • Noções Básicas de design no Canva e criação
abastadas economicamente. O que, na visão da par- de Identidade Visual
ticipante, seria uma visível separação social de raça • Como montar um Plano de Negócio
e classe. • Assessoria para criação de CNPJ MEI (Cadastro
Nacional da Pessoa Jurídica – Microempreen-
Módulo 2 dedor Individual)
Noções Básicas sobre Mídias Digitais
Vale destacar que a maioria dos(as) participantes não
Neste módulo, trouxemos noções básicas e teóricas se interessaram pela formalização com a criação de
acerca do que são mídias digitais e sua importância um CNPJ, seja por receio do cumprimento de exigên-
para a comunicação. Os temas abordados subdividi- cias jurídicas, como as declarações de renda que são
ram-se entre: feitas anualmente e as taxas mensais a serem pagas
à Receita Federal, seja por conta da não garantia de
• O que são Mídias Digitais retorno financeiro com o novo negócio, visto que o
• A importância das Redes para a Comunicação laboratório ainda não consegue financiar com capital
• Gerenciamento de Redes Sociais inicial esses empreendedores e empreendedoras.
Após os módulos de formação teórica e prática, te-
Neste módulo, notamos maior interesse entre aque- mos a terceira e última etapa do laboratório, ainda em
les e aquelas que já haviam começado a utilizar as processo de execução, que consiste na elaboração
redes sociais com intuito de serem influenciadores de uma plataforma digital, denominada NegritoLab,
digitais. a ser alimentada por participantes do curso, que te-
nham participado de forma virtual ou presencial, com
Módulo 3 conteúdos relacionados à formação sociopolítica e
Noções de Empreendedorismo com Mídias Digitais voltadas, especialmente, ao público de comunida-
des periféricas, registrando suas vivências coletivas
Neste módulo, aproximamos os conceitos aprendi- e possibilitando a geração de renda também com a
dos com os módulos anteriores sobre estratégias de divulgação de produtos e serviços dos(as) empre-
luta antirracistas e concepção de mídias digitais com endedores capacitados(as) pelo curso e também de
noções introdutórias de empreendedorismo. Os te- outros negócios de suas localidades.
mas abordados subdividiram-se entre:

• O que é Empreendedorismo Considerações finais


• Como gerar renda com Mídias Digitais:
Possibilidades Não aceito mais as coisas que não posso mudar,
• Organização de Negócio e Finanças estou mudando as coisas que não posso aceitar.
• O que é Afroempreendedorismo e o Movimento Angela Davis
Black Money
A partir da experiência com o Laboratório de Midiati-
REDES SOCIEIAS E TECNOLOGIA

Módulo 4 vismo e Empreendedorismo Negro (NegritoLab), foi


Oficinas de Comunicação e Empreendedorismo possível observar que muitos veem as aulas do curso
como uma forma de aprender mais sobre os temas e
No último módulo, pensamos que, para além da for- aprimorar os seus conhecimentos, assim, a capaci-
mação teórica, alguns assuntos demandavam uma tação é determinante para o alcance das metas pro-
atuação prática. Dessa forma, separamos aulas que postas. A partir disso, esses jovens negros se torna-
possibilitassem que os(as) participantes da formação ram formadores de opinião da sociedade e poderão
colocassem em prática os assuntos aprendidos nos contribuir diretamente na plataforma construída.
módulos anteriores.

Educomunicação popular e periférica: relato de experiência com o Laboratório 78


de Midiativismo e Empreendedorismo Negro (NegritoLab)
Ademais, o projeto possibilitou uma intervenção no Referências
ciclo da pobreza dentro das periferias, no sentido de
propagar o acesso à educação, haja vista que se tra- ENEGRECER BAHIA. Cartilha Enegrecer. Salvador: Se-
ta de um curso com noções introdutórias, mas que, cretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado
ainda assim, agrega conhecimento de forma que é da Bahia, 2022.
possível notar a possibilidade de a população colocar ROCHA, Matheus. Apesar de maioria dos empreende-
em prática os ensinamentos e vivências propagadas dores no país, negros faturam menos no comércio.
durante o período da formação. Há que se falar ainda Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 25 nov. 2018. Dispo-
que foi possível contribuir para a sociedade civil, uma nível em: https://oglobo.globo.com/epoca/apesar-
vez que o antirracismo, o midiativismo e o empreen- -de-maioria-dos-empreendedores-no-pais-negros-
dedorismo negro são temas que possuem grande -faturam-menos-no-comercio-23257044. Acesso
relevância para a comunidade, não apenas para as em: 1 ago. 2022.
pessoas que se encontram inseridas na sociedade SOARES, Donizete. Educomunicação: o que é isto?
enquanto pessoas negras e periféricas, mas que o São Paulo: Gens, 2006. Disponível em: https://www.
aprofundamento desses conhecimentos enseja em portagens.com.br. Acesso em: 12 jan. 2023.
um certo empoderamento que é necessário e que SOARES, Ismar de Oliveira. Gestão comunicativa e
muitos, de certa forma, almejam. educação: caminhos da educomunicação. Comuni-
cação & Educação, São Paulo, n. 23, p. 16-25, 2002.
Portanto, a educomunicação foi um importante ins-
trumento para a concretização dos referidos objeti-
vos, especialmente porque boa parte dessa primeira
edição do projeto ocorreu justamente em meio ao
período do auge da pandemia de covid-19, em que
muitas pessoas, em todo o mundo, se encontravam
em um momento de certo desânimo e desesperan-
ça, podendo assim trazer luz a muitos e muitas jovens
naquele difícil momento, tendo em vista que, além de
produzir e agregar conhecimento, estes também pu-
deram aprender de que forma utilizar-se das mídias
e da comunicação para empreender, e por fim con-
quistar o objetivo que muitos têm buscado ao longo
da vida: a realização de grandes sonhos.
REDES SOCIEIAS E TECNOLOGIA

Educomunicação popular e periférica: relato de experiência com o Laboratório 79


de Midiativismo e Empreendedorismo Negro (NegritoLab)
ONG CRIOLA

CRIOLA é uma organização da sociedade civil com 30 anos de trajetória na defe-


sa e promoção dos direitos das mulheres negras. Nossa missão é contribuir para
a instrumentalização de mulheres negras jovens e adultas, cis e trans, e para
a garantia dos direitos, da democracia, da justiça e pelo Bem Viver. Criola tem
suas ações definidas por seu corpo de associadas e recebe apoio de diferentes
organizações e movimentos, bem como de organizações filantrópicas nacionais
e internacionais. É também e principalmente, apoiada pela população negra,
especialmente por mulheres negras. No ciclo de celebrações de seus 30 anos,
completos em 2022, reitera o seu compromisso com a defesa e a ampliação
dos direitos das mulheres negras, da democracia, da justiça e pelo Bem Viver.
Conectadas com seu tempo, pessoas negras têm utilizado diferentes meios de
comunicação e tecnologias para comunicar suas ideias e propostas para a so-
ciedade. Com a internet, essas muitas vozes ampliaram-se em número, visibili-
dade e alcance geográfico. Em diferentes áreas e carreiras profissionais ou for-
mações, em especial as mulheres negras travestis, trans e cis ocupam o espaço
virtual (ciberespaço) para disputar brechas no acesso e na criação de sistemas
de produção como autoras-narradoras de suas histórias de vida, inquietações,
ações, demandas e sonhos.

Neste Práticas de Comunicação Antirracista no Brasil, CRIOLA e Aliança Midia-


tivista Antirracista (ARMA Alliance) apresentam estudos, experiências e práti-
cas/formatos comunicacionais inovadores e criativos produzidos por pessoas
negras contra o racismo histórico, sistêmico e cotidiano na sociedade brasileira.
Os 17 artigos selecionados após o processo de edição revelam como diversas
iniciativas antirracistas no campo da comunicação ou da educação ainda são
pouco divulgadas e reconhecidas pela sociedade. Ao reunir esses trabalhos em
uma única publicação, esperamos dar visibilidade às práticas relatadas, ampliar
a troca entre seus autores e, acima de tudo, fortalecer essas ações em diver-
sas áreas. Nosso sonho comum é que as ações aqui reunidas deixem de ser
movidas apenas por iniciativas individuais em contextos de extrema resistência
para se integrarem a políticas institucionais, com aporte de recursos, incentivo
e todos os investimentos necessários.

Este e-book também celebra a finalização do trabalho realizado em parceria


entre CRIOLA e ARMA Alliance após uma série de entrevistas conduzidas pelas
duas organizações entre 2018 e 2019 com militantes e intelectuais negres que
utilizavam a comunicação em suas práticas antirracistas no Brasil. Agora, ativis-
tas ganham o protagonismo para relatar e compartilhar avanços e limites do
esforço que empreendem em seus campos de atuação.

Boa leitura!

Realização Apoio

Você também pode gostar