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Súbito interesse

(Agamenon Magalhães Júnior)

O
ser humano tem uns comportamentos estranhos. Quando morre um artista (por mais
obscuro que seja), logo se cria uma mitificação sobre o morto e sua obra. Assim foi com
Amy Winehouse, cantora que morreu entupida de drogas e álcool. Ao sair a notícia da
morte da cantora, houve comoção geral. Até aí tudo certo, só não entendo o súbito interesse
póstumo pela obra da artista.
Que se compadeça da morte de alguém tão jovem é compreensível; o estranho é haver
corrida às lojas para se comprar CDs, camisas e toda sorte de “lembranças” da moça.
Com Michael Jackson aconteceu a mesma coisa. O artista (talentoso, diga-se) vinha
fazendo o diabo para voltar à grande mídia, sem sucesso. Ele lançara um álbum que foi um
fiasco, com músicas inexpressivas e produção milionária. A fórmula de sucesso encontrada
no álbum Thriller parecia um sonho inatingível para o músico cinquentão. Só foi Michael
Jackson ser encontrado morto em sua mansão que surgiu uma áurea sobre sua cabeça
colocada pelos entristecidos (alguns desesperados) fãs de todo o mundo. Depois de sua
morte, o “negão-genial-do-pop-e-mestre-do-soul” centuplicou a venda de sua discografia. O
faturamento do Michael “morto” é estratosférico se comparado ao do Michael “vivo”. A morte
o levou de volta ao megaestrelato... objetivo dele enquanto vivia. Paradoxo total.
Por que isso acontece? Poderíamos relacionar essa “estranha lei da vida” a uma
curiosidade mórbida em torno do trágico, do misterioso? Quaisquer que sejam as explicações
– filosóficas ou mundanas – elas não são suficientes para justificar o interesse por quem
morreu. Ela, a dona Morte, faz o ser humano se interessar pela “vida” de quem “se foi”.
Alguns estudiosos dizem que, em maior ou menor grau, é inerente ao ser humano a
atração por ela; a “necrofilia” se designa como um desejo quase incontrolável pela morte e se,
porventura, essa morte vier relacionada a alguém rico ou famoso... melhor ainda.
Acho essa teoria insuficiente para explicar o assunto. Prefiro analisar o fato através da
ótica geral, a que diz que a morte é a única coisa que iguala o homem a seu semelhante em
merecimento. A vida distancia os homens dos seus, dando-lhes níveis culturais, espirituais e
econômicos bastante distintos; a morte, ao invés disso, nivela o homem. A vida coloca, desde
o nascimento, o homem em lados contrários; a morte o põe em seu devido lugar.
Até imagino o que disseram os curiosos da morte de Amy Winehouse: “Coitada, tão
talentosa... tão rica... tão famosa... Agora só restam cinzas e tristeza”. Talvez seja este o único
momento em que os fãs da cantora se acham semelhantes à artista, mesmo que seja apenas
no ato de morrer.
O motivo da morte como igualadora de todas as disparidades, sejam as devidas ao
status social, sejam as causadas pala riqueza, é muito frequente na literatura universal,
porque talvez seja uma filosofia inquestionável. Se “a pálida morte bate com o mesmo ritmo
no casebre do pobre e no palácio do rico”, ela dá também ao homem a chance de se sentir
igual a seu semelhante. Para o homem que não consegue perceber isso, ela se encarrega de
convencê-lo depois...

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