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O Teatro e a Comunicação: Manifestações de Livre

Expressão Artística em Senhora de Oliveira, MG


Víviam Lacerda de Souza

Índice Abstract

Preâmbulo teatral 1
O teatro enquanto veículo comunica- This article identifies Theater as a means
cional 4 of communication, originated in remote
As manifestações teatrais na cidade de times, when it was considered a major means
Senhora de Oliveira, MG 5 of transmission of messages and signs, such
Conclusão 8 as the titling of codes and references. We
Fontes 9 started from a theatrical preamble, subse-
Bibliografia 9 quent to the analysis of theater as a means of
communication and its attribution in the city
of Senhora de Oliveira, Minas Gerais, which
Resumo is the focus of study of theatrical manifesta-
tions since the first performances when the
town was founded to current days.
Esse artigo identifica o Teatro enquanto
Key-words: Theater, Communication,
veículo de comunicação, oriundo de épocas
Plays, Senhora of Oliveira
remotas, quando se fazia como principal
meio de transmissão de mensagens e sig-
nos, tal como a intitulação de códigos e Preâmbulo teatral
referências. Partimos de um preâmbulo
“A base do teatro é a fusão do ator com o
teatral, subseqüente à análise do teatro como
personagem, a identificação de um eu com
veículo de comunicação e sua atribuição na
outro eu – fato que marca a passagem de
cidade de Senhora de Oliveira, MG, que é
uma arte puramente temporal e auditiva (lite-
foco de estudo das manifestações teatrais
ratura) ao domínio de uma arte espaço – tem-
desde as primeiras apresentações no início
poral ou audiovisual” (ROSENFELD, 2000.
do povoado até os dias atuais.
p. 21). Para tanto, o Teatro é “um espaço, um
Palavras-chave: Teatro, Comunicação,
homem que ocupa este espaço, outro homem
Peças Teatrais, Senhora de Oliveira
que o observa” (PEIXOTO, 2003. p.1). O
teatro é o templo de Vênus em honra à deusa
do amor e também a Dionísio, deus do vinho,
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da alegria, da vegetação, do crescimento, da texto fixo ou elenco determinado nas a-


procriação e da vida exuberante, na mitolo- presentações, marcando uma festa onde os
gia grega (ROSENFELD, 2000. p.22). Am- atores encenavam com máscaras ou pintura
bas as testemunhas da libertinagem, da em- nos rostos, cantavam e dançavam em home-
briaguez e do arrebatamento se unem numa nagem às divindades.
aparente conspiração contra a virtude, sendo Mais tarde, na peça teatral é introduzido o
também o palácio de Vênus, o paço de Baco, texto fixo e assim surge a tragédia, originária
que é o nome dado a Dionísio na cultura de um ritual dedicado a Dionísio (ROSEN-
grega. FELD, 2000, p.48), que são as peças tristes e
Em tempos remotos existiam os jogos a comédia, que são as peças alegres e assim,
do teatro denominados por liberiais, que de ambas constituem-se pelos gêneros básicos
Líber, significa Deus dos vinhadeiros. Esses do teatro grego. Essas eram apresentadas
jogos eram rotulados dessa forma não so- ao ar livre, em grandes áreas construídas de
mente por sua consagração a Baco, como os forma a se aproveitar o máximo do ambiente
dionisíacos gregos, mas também pelo mo- acústico.
tivo de Baco ser seu instituidor. “É no es- Na comédia os atores vangloriam-se por
tado da exaltação, fusão e união mística do imolarem sua languidez a Vênus e Baco,
entusiasmo, isto é, do ‘estar-em-deus’ ou do uns com libertinagens e outros com repre-
‘deus – estar- em-mim’ – é neste estado de sentações brutais e ludilinosas. Os versos,
êxtase (do ‘estar-fora-de-si’) que o crente se a música, as flautas e violas são parte in-
transforma em outro ser, se funde não só com tegrante da amostragem de Musas, Miner-
os companheiros mas com o próprio deus vas, Apolos e Mercúrios. Já as atividades
chamado à presença pelo ritual” (ROSEN- teatrais caracterizadas pela tragédia grega
FELD, 2000, p. 22-23). possuem a música como um forte elemento
Tais rituais elucidam o desejo do homem de representação. Contudo, com o desen-
manifestado pela necessidade de imitar os volvimento dos ritos dionisíacos que resul-
semelhantes ou as diversas entidades exis- taram na tragédia e na comédia, Dionísio se
tentes na natureza que foi fator responsável tornou o deus do teatro” (BERHOLD, 2003,
pela criação da representação dramática p.103). Desde então, os personagens no
(PEIXOTO, p.13). Esta, por sua vez, con- teatro expressam sentimentos e pensamentos
siste no ato de uma pessoa assumir o papel de entre eles, sem exercerem influências uns so-
um personagem, agindo como se fosse ele, bre os outros, adequando sua explicidade ao
por tempo determinado. contexto histórico da peça em questão, a qual
De acordo com COTRIM (1978, p.150), são atuantes. Esses conversam entre si e o
a representação dramática deu origem ao autor de uma obra nunca fala em seu próprio
teatro e se propagou pelos povos da antigu- nome. Sendo assim, as peças teatrais não são
idade como forma de entretenimento. Prati- mais do que diálogos e narrativas.
cada pelo homem desde os tempos mais dis- No início da Era Cristã a atividade
tantes, quando já no século VIII, antes de do teatro foi combatida pela igreja, visto
Cristo, são encontradas as primeiras mani- que seus temas eram considerados anti-
festações teatrais. Nesta época não havia religiosos. Acreditava-se que os que

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ousavam contrafazer a divindade sob nomes possuíam um caráter litúrgico, o que marcou
de empréstimo e novos simulacros em ações o Período do Teatro Sagrado. Como afirma
teatrais possuíam espíritos demoníacos, uma BERTHOLD (2003, p.186), “tais configu-
vez que todas essas manifestações de teatro rações influenciaram, na verdade, detalhes
são consagradas à honra de divindades in- do processo que levou, nas igrejas, da cer-
ventoras da manifestação. imônia puramente cultural ao desenvolvi-
O exercício teatral, por assim dizer, pos- mento da representação dramática – mas isto
sui característica idólatra, pois seus autores ocorreu quando a própria Igreja Latina já
se passam por deuses. Também é fato de havia dado um passo considerável nesse sen-
crença que os demônios preveram o prazer tido, e o processo verificou-se quase simul-
dos espetáculos como meio de introdução taneamente em todo o mundo católico ro-
à idolatria, inspirando nos homens a arte mano”.
teatral e, desta forma, a origem do teatro se- Com a Renascença surge um Teatro Hu-
ria bem mais antiga. Por esse motivo de ido- manista que se propaga por a corte eu-
latria às divindades, as manifestações foram ropéia e era destinado a um pequeno público,
consideradas profanas, além do elemento composto pela nobreza. As apresentações
Prazer manifestado pelos expectadores, o eram realizadas nos palácios, em salas espe-
qual acarretava inquietações, furores, exci- ciais. Surge a necessidade de se organizar os
tações e cóleras, caracterizando incompati- cenários, quando são convidados pintores de
bilidade com os deveres religiosos. E como renome para a execução de tal tarefa, como
diria PEIXOTO (2003, p.22), “do primitivo relata COTRIM (1978, p. 151).
instinto de ser outro, da necessidade do dis- No século XVIII desponta a Ópera, que
farce e do jogo lúdico, da vontade do homem se caracteriza por ser um gênero artístico
de ver-se a si mesmo reproduzido, do ritual que associa música à arte dramática, sendo
religioso ou profano, da magia e da mais a música um elemento de permanente va-
primária imitação da natureza, o espetáculo lorização nos espetáculos.
ganhou dimensão própria”. Desta forma, Sob esses aspectos históricos, nota-se que
o teatro definiu-se como veículo de infor- durante muito tempo o texto foi considerado
mação dentro das exigências dos homens, elemento de extrema importância no teatro,
servindo-se à religião, à política, ao vago ni- mas a partir do século XIX passa a ser obser-
hilista ou ao apolalipse anárquico. vado apenas como um dos elementos da en-
Em decorrência de tais acontecimentos, a cenação, estando em paralelo com cenários,
arte dramática era apresentada somente em iluminação, música, figurino, representação
praças e feiras, composta por atores que per- e outros elementos, ainda sob o ponto de
tenciam às camadas de baixa renda da so- vista de COTRIM (1978, p. 151). Essa es-
ciedade às quais não seguiam rigorosamente trutura se mantém até os dias de hoje, porem
as normas e orientações religiosas. com a inclusão da arte de performance e seu
A partir do século IX e X, a igreja ma- desenvolvimento em plenitude, o que se da
nifesta interesse pelo teatro dedicando-se às pela institucionalização do código cultural,
escritas de forma particular, para a qual to- como uma arte cênica e seu fluxo de criativi-
das as peças teatrais escritas pelos sacerdotes dade, com inclusões tecnológicas capazes de

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incrementar o resultado estético (COHEN, rem na forma de processos sígnicos” (SAN-


2004, p.41). TAELLA; NOTH, 2005. p. 26).
A representação possui certa semelhança
com a referência, porém seus princípios são
distintos. A referência une um signo a
O teatro enquanto veículo
uma noção de totalidade, um ato que se
comunicacional remete ao mundo, enquanto que a represen-
tação relaciona a construção de um conceito
As imagens são divididas em domínios como a um aspecto de determinada coisa, apre-
representações visuais, onde se enquadram sentando algo dentro de regras específicas
as imagens cinematográficas e televisivas, que tornarão acentuadas e compreensíveis
holo, pintura, fotografia, teatro, além de ou- cada tipo de apresentação ou tais caracterís-
tros elementos. Também se dividem em ticas e estruturas do representado tornam-se
domínio imaterial das imagens na mente, conscientemente suprimidas. Por ocasião,
onde surgem como fantasias, imaginações, a função representativa se confronta com a
visões ou representações mentais. Ambos função comunicativa, pois uma serve para
os domínios permanecem ligados em sua gê- representar o mundo e a outra é a mediação
nese, visto que “não há imagens na mente de pensamentos inter-pessoais.
daqueles que as produziram, do mesmo Os teóricos da imagem, em especial da
modo que não há imagens mentais que não linha francesa, acreditam que a dimensão
tenham alguma origem no mundo concreto de tempo tenha em relação inseparável en-
dos objetos visuais” (SANTAELLA; NOTH, tre a psicologia e a existência humana. O
2005. p. 15). tempo é percebido e experimentado pelo e
Os conceitos que unificam esses domínios a existência humana. O tempo é percebido
são o Signo e a Representação. A represen- e experimentado pelo homem e constitui fa-
tação tem sua estrutura baseada em estudos tor fundamental para a compreensão de i-
desde a era medieval, a qual se referia a sig- magens cuja temporalidade é baseada em um
nos, símbolos, imagens e outras formas de objetivo, frente ao aspecto de sua natureza
substituição. Hoje esse conceito é teorizado própria.
pela ciência cognitiva que atribui seus estu- “Se a visualidade explícita se constitui
dos à representação mental. em tendência dominante na poesia contem-
A representação situa-se entre apresen- porânea, não resta dúvida que, desde tem-
tação e imaginação estendendo-se à signifi- pos imemoriais, antes de esse seu pen-
cação e referência nos conceitos de Signo dor para a contenção plástica, na síntese
e Imagem. Assim, remetida à semiótica, do ‘olhouvido’ ter marcado nossa história,
ela utiliza-se de processos mentais ou cog- foi sempre no seio da palavra poética que
nitivos, uma vez que a “semiótica parte a imagem, em todas as suas multiformes
do pressuposto que representações cogniti- manifestações (perspectivas mentais, ver-
vas são signos e operações mentais ocor- bais, sonoras, alegóricas), fez e continua
fazendo seu ninho onírico” (SANTAELLA;
NOTH, 2005. p. 71). Nesse contexto, alguns

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sistemas de signos se materializam, tornam- tura está centrada no cultivo de café, fonte
se corpo na simultaneidade do espaço e ou- geradora de 300 empregos diretos e 1200
tros se desenrolam, tomam corpo e se diluem indiretos, no eucalipto, milho, feijão, ar-
no tempo, como a música, a oralidade, a i- roz, cana-de-açúcar, esta última destinada
magem eletrônica, o cinema e o teatro. Desta à bovinocultura e à produção de álcool e
forma, o teatro, além de uma manifestação cachaça. A pecuária tem como principal
de arte representativa, é um forte elemento atividade a criação de gado leiteiro e de
comunicacional, um veículo de transmissão corte, galináceos, suínos, eqüinos, muares,
de mensagens. caprinos e psicultura, como identifica a
EMATER de Senhora de Oliveira (2007).
A economia também movimenta o comér-
cio em pequenas indústrias e o artesanato lo-
As manifestações teatrais na
cal que compõe-se por teares, artefatos de
cidade de Senhora de Oliveira, palha, esculturas, pinturas e outros.
MG A religião é fator preponderante na cul-
tura da cidade tendo como predominância
a Igreja Católica Apostólica Romana, com-
Senhora de Oliveira é uma pequena cidade
posta por mais de 80% dos habitantes pra-
do interior de Minas Gerais, cujas primeiras
ticantes, o que é evidenciado também no
ocupações populacionais ocorreram em
próprio calendário festivo com mais de 70%
1694 com fixações de fazendas. Em 1825
de suas festas locais de caráter religioso,
o povoado inicia seu processo de expansão
como nos informa a Secretaria da Igreja
urbano com a construção de fazendas e
Católica de Senhora de Oliveira.
casarões nos arredores de uma capela (BAR-
Para que possamos compreender as re-
BOSA, 1995. p.336). Em 06 de julho de
lações históricas locais com as manifes-
1859, a freguesia é elevada à condição de
tações comunicacionais teatrais, é preciso
paróquia sob o nome de Nossa Senhora de
observar que a origem da vida física é parte
Oliveira e só em 12 de dezembro de 1953
da elaboração do papel de um personagem
é emancipado o município de Senhora de
no teatro. De encontro aos fundamentos
Oliveira, como mostra o arquivo impresso
de STANISLAVSKI (2004, p.181), a parte
do setor de cultura da Prefeitura Municipal
física compreende a coisa material, tangível,
da cidade.
que atende ‘as ordens, aos hábitos, ‘a disci-
Localizado na região norte da zona da
plina e ao exercício. Tais elementos exter-
mata mineira, o município é composto por
nos são envolvidos com itens interiores, com
aproximadamente 5.768 habitantes, desses
a vida espiritual do papel, a qual reage com
3.113 moradores residentes na zona urbana
as reações do corpo durante a interpretação
e 2.655 na zona rural, ocupando uma área de
teatral, gerando assim, autenticidade na en-
169,8 km2, como apontam os dados do SIAB
cenação, despertando curiosidade no espec-
(2007).
tador.
Sua economia é baseada principalmente
De acordo com relatos de uma das
na agricultura e na pecuária. A agricul-
primeiras moradoras de Senhora de Oliveira,

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D. Maria Conceição Silva, mais conhecida Podre, cujas apresentações eram realizadas
como D. Tita, hoje com 100 anos de idade, as na Fazenda do Ribeirão, localizada ao lado
manifestações teatrais na cidade iniciaram- do Córrego do Espinho.
se no ano de 1915, em praça pública. Es- A exemplo das apresentações que já acon-
sas apresentações, as quais participou por teciam na cidade vizinha de Cipotânea, D.
muitas vezes, eram realizadas embaixo de ar- Vitalina e suas sobrinhas iniciam as re-
mações cobertas por lona ou até nos galpões presentações em Senhora de Oliveira, sob
das casas. Os temas das peças se diversi- o comando do então diretor de peças, o
ficavam e as orientações para o ato de re- marceneiro Zé Cabral.
presentar eram passados por professores vo- O estudo dessas representações eram
luntários. Os atores eram moradores da co- baseados em um livro que veio de fora
munidade, em sua maioria crianças que pos- da cidade e era propriedade de Zé Cabral,
suíam figurinos luxuosos comprados pelos porém não se sabe o nome da obra, nem dos
pais, fazendeiros ricos que faziam o gosto autores. Nesse livro continham ensinamen-
dos filhos. As apresentações eram divul- tos de representações e peças teatrais sob di-
gadas pelos próprios professores, pelo padre versos temas e assuntos.
e até pela polícia. Todos assistiam gratuita- O figurino era sempre improvisado com as
mente e logo após o evento era possível roupas que haviam a disposição. As más-
desfrutar de um forró. As manifestações caras, muitas vezes utilizadas em cena, eram
de teatro nessa época findaram-se, pois ao confeccionadas com papel de saco de ci-
atores foram crescendo, se casando e mu- mento moído, que moldadas no rosto, cria-
dando para outras cidades. vam novos personagens dando o ar da graça
De acordo com o Sr. Nelson de Souza, nas apresentações.
ex-delegado e ex-vereador de Senhora de As apresentações aconteciam sempre aos
Oliveira, hoje com 86 anos, na comunidade sábados e domingos, quando os atores se
rural de Santana, as manifestações teatrais reuniam na fazenda de D. Vitalina, onde re-
eram realizadas em uma fazenda vizinha a cebiam hospedagem e alimentação, visto que
sua, onde foi ator desde criança até seus o s convidados vinham para o grande evento
25 anos. Nesta região as representações da semana, de vários lugarejos da cidade ou
encerraram-se aproximadamente em 1919. até de cidades vizinhas. Nesse evento, as
D. Vitalina Moreira Gomes, 92 anos, peças eram encenadas, muita comida servida
conta que as primeiras manifestações teatrais e depois o forró com acordeão e viola que
na zona rural à qual pertencia, ocorreram animava o restante da festa.
no ano aproximado de 1937, quando muitas Algumas peças foram recordadas por D.
comunidades rurais possuíam sua forma pe- Vitalina em pequenos trechos cantados com
culiar de entretenimento e relacionamento. rimas e a vivacidade de uma antiga atriz de
O teatro foi responsável por muitos enlaces teatro em seus gestos belos e delicados que
matrimoniais que tiveram sua estória origi- evidenciaram a lembrança saudosa nos olhos
nada nesses pequenos espetáculos. brilhantes, de um tempo que se foi e não
As manifestações relatadas por D. Vitalina volta mais.
se referem à comunidade rural do Ribeirão Uma das peças recordadas possuía como

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O Teatro e a Comunicação 7

título “Rosa Cobra”. Essa, por sua vez, não arregalados. Nessa fase, alguns trechos tam-
foi cantada, mas sua história retratava uma bém foram relembrados pela atriz:
moça que brigava com o marido e esse a “
Na nossa infância tudo são flores
amansou” ou a deixou calma, tranqüila, com
Brinquedo e risos, feliz viver
um porrete de Jacarandá, passando a esposa
O céu se mostra mais lindas cores
a dormir no sofá. E assim, D. Vitalina repetia
Que o céu e a terra quer se parecer
em uma representação da fala e atitude do
marido: – Viva o Jacarandá! E o marido
Mas a velhice chegue com ela
chegava o porrete de Jacarandá na boca da
Surgem as crises de dor fatal
esposa”.
Lembra-se a infância, quanto era
Outra peça intitulada Teatro das Línguas,
bela
foi totalmente cantada de forma bastante
E que o passado não volta mais
clara. Essa apresentação era composta por
oito moças, sendo que cada uma represen- Anos depois, as sobrinhas de D. Vitalina
tava uma língua e vestia-se de figurino es- foram se casando e indo embora para ou-
pecífico para cada país. Nos refrões, todas as tras cidades. Zé Cabral também foi embora
moças cantavam juntas e em cada língua es- levando consigo o livro inspirador das peças
trangeira, a representante se encarregava de teatrais na Fazenda do Ribeirão e mais tarde
mostrar a voz individualmente. faleceu de câncer nos ossos, com 35 anos de
A primeira estrofe, assim como o subse- idade.
qüente refrão, puderam se manter vivos na As encenações findaram-se em 1955 com
memória de D. Vitalina que assim cantava: a chegada da televisão, quando o povo
deixou de lado o teatro com os bailes de
Somos nós as línguas vivas forró para se entreter com o universo tele-
Reunidas por encanto visivo. Além desse fato, a igreja católica
Dando palma, dando viva ao pro- estava construindo uma nova sede com di-
gresso de esperança nheiro arrecadado de doações de fazendeiros
com situação financeira equilibrada, também
Eu sou uma língua esquisita da renda das vendas de leiloes de doces, qui-
Mas cheia de tradição tandas, animais e ovos. Para tanto, o padre
Falada por quem habita realizava rezas nas roças e depois havia o
No velho, antigo Japão baile de forró.
As festas de São Sebastião também
As máscaras, de confecção própria, eram constituíam-se fonte geradora de verba para
utilizadas com veemência na peça “Infância a demorada construção da grande igreja que
e Velha”, onde as moças se mostravam novas teve seu início em aproximadamente 1960
e belas na parte frontal do corpo e quando vi- e o término em 1971 com a celebração da
ravam de costas, em determinado momento primeira missa realizada pelo padre José Jus-
da cena, eram observadas nas máscaras pre- tiniano Teixeira.
sas à parte de trás da cabeça, rostos de se- Os dois fatos, da construção da igreja e da
nhoras idosas, com grandes narizes e olhos chegada da televisão, influenciaram para que

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as manifestações de teatro nas zonas rurais 31), “nos espetáculos em cidades pequenas,
de Senhora de Oliveira chegassem ao fim. basta a primeira batida de bumbo para que
Após essa fase, raras apresentações os músicos, atores e espectadores passem
teatrais foram realizadas no salão paroquial a compartilhar do mesmo mundo, pulsando
da cidade e de acordo com a Sra. Gema Gal- em uníssono”.
gani Silva Souza, as peças eram absorvidas
de livros sob os mais diversos temas, ensi-
nadas por professores voluntários aos atores
Conclusão
que eram moradores da região.
Sra. Gema relata ainda, que o pároco
da época, padre José, sempre estava pre- A arte dramática, como sendo a capacidade
sente para assistir e prestigiar as manifes- de representar, por meio do teatro, a vida hu-
tações, assim como muitos outros especta- mana, em publico e em forma artística, nos
dores, porém, após essas apresentações não faz crer que a comunicação do ator com o
havia bailes de forró. Também que o teatro espectador se torna ainda maior, mais rele-
apresentado no salão paroquial da igreja vante ‘a medida que o desempenho do papel
católica deixou de existir no ano aproximado na peça torna-se convincente de que a ence-
de 1968. nação é real. Nesse aspecto, as relações co-
Padre José, posteriormente titulado Mon- tidianas, os hábitos e os costumes, inseridos
senhor, viveu em Senhora de Oliveira por em uma peça teatral, caracterizam-se por ele-
mais de cinco décadas, sempre demons- mentos pertinentes no despertar do interesse
trando seu apreço ao teatro, estimulando os por parte dos espectadores, aumentando sig-
moradores a encenarem temas religiosos nas nificativamente a probabilidade de uma co-
ruas da cidade. Desta forma, a Via Sacra municação efetiva. Isso explica o êxito, por
foi sempre muito bem representada com um determinado período de tempo, de todas as
número grande de atores e figurantes com- manifestações teatrais observadas na zona
postos em suma, por moradores da cidade urbana e nas comunidades rurais de Senhora
que atuavam sempre muito felizes e orgu- de Oliveira.
lhosos de seus papéis no contexto religioso. Com a era da arte de performance e a
Padre José faleceu em 08 de julho de 2002 inclusão de novas tecnologias nesta arte, a
e a partir dessa data pouco se viu de mani- não adaptação aos novos padrões de en-
festação teatral, exceto nos congados, cu- tretenimento fez com que o veículo de
jos grupos de congadeiros saem às ruas da massa, televisão, tal como prioridades locais
cidade, em quase todas as sazonalidades, e religiosas encampassem toda tentativa de
vestidos de forma soberana, com muitas fi- continuidade da ação cênica, desmotivando
tas coloridas nas cabeças, munidos de ins- atores e professores a persistirem nas mani-
trumentos de origem africana, dançando e festações.
cantando, relembrando o sofrimento dos es- Contudo, o congado, por tratar-se de uma
cravos e idolatrando as divindades católi- representação teatral de base religiosa e cul-
cas, numa representação da coroação dos reis tural, perdura na contemporaneidade por ser
congos. E como diria BROOK (2002, p. elemento da tradição local, que repassada de

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O Teatro e a Comunicação 9

geração a geração se caracteriza como uma SOUZA, Nelson de. Entrevista concedida à
das principais fontes de entretenimento e autora em 17 de abril de 2007.
representatividade em cada sazonalidade ao
qual se expõe, tornando-se indispensável em
uma comunidade cujos costumes religiosos
mostram-se predominantes. Bibliografia

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