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2012 Cap 3
2012 Cap 3
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LANZMANN, Claude. Apud DIDI-HUBERMAN, George. Imágenes pese a todo. p. 143. –
“Sempre achei que as imagens de arquivo fossem imagens sem imaginação. Paralisam o
pensamento e aniquilam o poder de evocação.” – Tradução pessoal.
84
Op. cit. – “Preferir o arquivo fílmico às palavras dos testemunhos, como se aquele tivesse mais
poder que estas, é reconduzir, subrepeticiamente, esse escalonamento da palavra humana a seu
destino até a verdade.” – Tradução pessoal.
85
DIDI-HUBERMAN, George. Imágenes pese a todo. p. 143. – “Não vemos porque um pedaço
de realidade – o documento de arquivo – evocaria de forma inevitável a "mentira" do real. Não
vemos porque o fato de interrogar uma imagem de arquivo equivaleria mecanicamente a uma
recusa de escutar "a palavra humana”. Interrogar uma imagem não é apenas uma questão de
"pulsão escópica" como pretende Lanzmann: é necessário o cruzamento constante dos
acontecimentos, das palavras, dos textos. Não vemos porque o fato de trabalhar sobre os arquivos
equivaleria a uma renúncia do "trabalho de elaboração": pelo contrário, o arquivo –
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frequentemente uma massa desorganizada num primeiro momento – não se torna significativo se
não for pacientemente elaborado. Geralmente exige mais tempo do historiador do que de um
cineasta necessita para fazer seu filme.” – Tradução pessoal.
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CERTEAU, Michel. Apud. DIDI-HUBERMAN, George. Imágenes pese a todo. p. 148-149. –
“Na história – Michel de Certeau escreveu – tudo começa com o ato de remover, recolher e
transformar em "documentos" certos objetos distribuídos de outra maneira. O trabalho começa
com esta nova organização cultural. Na verdade, consiste na produção de tais documentos, para o
feito de copiar novamente, transcrever ou fotografar estes objetos mudando ao mesmo tempo o seu
lugar e seu status.” – Tradução pessoal.
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seguro, nada es menos claro hoy en dia que la palabra archivo.”87 Portanto, é
necessário examinar de perto e evitar olhar para a imagem de arquivo como sendo
apenas uma prova histórica, ou seja, reduzí-la ou desqualificá-la. Ao invés disso,
busca analisá-la a partir de suas potencialidades, acredita que através dela é
possível gerar conhecimento e estimular o pensamento e a imaginação, ao
contrário do que Lanzmann defende. O historiador de arte francês observa a
imagem como sendo lacunar. Desta forma, ela apresenta fissuras, possibilidades
de múltiplas leituras e precisa ser compreendida desta forma para que não seja
interpretada equivocadamente.
– y aún menos “el todo” – de la Shoah, son de todos modos dignas de ser miradas
e interrogadas como hechos característicos y como testimonios de pleno derecho
de esta trágica historia.88
87
DERRIDA, Jacques. Apud. DIDI-HUBERMAN, George. Imágenes pese a todo. p. 149. – “nada
é menos seguro, nada é menos claro hoje em dia que a palavra arquivo.” – Tradução pessoal.
88
DIDI-HUBERMAN, George. Imágenes pese a todo. p. 102. – “A imagem é feita de tudo: uma
forma de expressar sua natureza amálgama, de impureza, de coisas visíveis misturadas com coisas
revelandoras, de formas visuais misturadas com o pensamento em ação. Desta forma, não é nem
tudo (como teme secretamente Wajcman), nem nada (como afirma peremptoriamente). Se a
imagem foi "total", certamente teria que dizer que não existem imagens da Shoah. Mas é
precisamente porque a imagem não é total que segue sendo legítimo constatar o seguinte: há
imagens da Shoah que, se não dizem tudo – e muito menos "o tudo" – sobre a Shoah, são de todo
modo, dignas de serem visualizadas e interrogadas como fatos característicos e como testemunhas
de pleno direito desta trágica história.” – Tradução pessoal.
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François Niney, por sua vez, afirma em seu livro L’épreuve du réel à
l’écran que o arquivo de hoje não pode deixar de ser considerado como uma
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FARGE, Arlette. Apud. DIDI-HUBERMAN, George. Imágenes pese a todo. p. 150. – “o
arquivo não é um estoque do qual retiramos algo por prazer, representa constantemente uma
carência – e mesmo, às vezes ‘a impotência de não saber o que fazer com eles.’” – Tradução
pessoal.
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Imagens de arquvos: Imbricamentos de olhares. Entrevista de Jean-Louis Comolli com Silvie
Lindeperg. p. 332.
91
NINEY, François. L’épreuve du réel à l’écran. p. 253. – “o arquivo de hoje, é a notícia de
ontem.” – Tradução pessoal.
92
Op. cit. p.255. – “(…) o documento não pode ser convocado simplesmente como um índice que
atesta um evento ou um ícone em seu lugar, ele deve ser analisado como uma representação.” –
Tradução pessoal.
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(...) cada descubrimiento surge en ella como una fisura en la historia concebida,
una singularidad provisionalmente incalificable que el investigador tratará de
componer en el entramado de lo que ya sabe para producir, si es posible, una
historia pensada de nuevo del acontecimiento en cuestión. “El archivo rompe las
imágenes estereotipadas”, escribe bien Arlette Farge.96
93
DIDI-HUBERMAN, George. Imágenes pese a todo. p. 158. – “cada fragmento existente - de
imagens, palavras ou escritos - é retirado de um fundo de impossibilidades. Dar testemunho
significa explicar apesar de tudo o que é impossível de explicar completamente.” – Tradução
pessoal.
94
Op. cit. p. .81. – “A imagem é um ato, não uma coisa.” – Tradução pessoal.
95
Op. cit. p. 110. – “podemos duvidar das imagens: ou seja, recorrer a um olhar mais exigente, um
olhar crítico que busca, em particular, não deixar-se influenciar pela ‘ilusão referencial.’” –
Tradução pessoal.
96
Op. cit. p. 150. – “cada descoberta surge como uma rachadura na história concebida, uma
singularidade provisoriamente indizível que o pesquisador deverá elaborar para organizar o que já
sabe e produzir, se possível, uma história revisitada do acontecimento em questão. "O arquivo
rompe as imagens estereotipadas", escreve bem Arlette Farge.” – Tradução pessoal.
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O autor do livro Images malgré tout propõe olhar para o arquivo visual,
apesar de suas características técnicas formais, não como uma representação
histórica completa, mas como um possível “ponto de contato” entre a imagem e o
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Los documentos de archivo nunca nos hacen ver un “absoluto”. (...) si la miramos
pese a todo con un poco más de atención, entonces “esos granos son interessantes
[...], es decir, que la fotografia puede cambiar completamente nuestra percepción
de lo real, de la historia y de la existencia.”
Las imágenes no lo dan todo por supuesto. Lo que es peor, sabemos que algunas
veces nos “paralizan”, tal y como escribe Susan Sontag: “Las imágenes paralizan.
Las imágenes anestesian. Un acontecimiento conocido a través de unas
fotografias gana un plus de realidad [...] pero también, después de que estas
imágenes hayan sido impuestas repetidamente a nuestra vista, este
acontecimiento pierde realidad”.98
97
Op. cit. p. 151. – “Não é a pura e simples "reflexão" do acontecimento, ou sua pura e simples
“prova”, pois tem que ser desenvolvido constantemente fazendo verificações incessantes, através
da montagem com outros arquivos. Não há que superestimar o caráter "imediato" do arquivo, ou
subestimá-lo como um simples acidente de conhecimento histórico. O arquivo sempre pode ser
construído, mas é sempre o "testemunho" de algo…” – Tradução pessoal.
98
Op. cit. p. 127-128. – “Os documentos de arquivo nunca nos fazem ver um “absoluto”. (…) se
olharmos, apesar de tudo, com um pouco mais de atenção, então “essas granulações são
interessantes […], isto é, a imagem fotográfica pode modificar completamente nossa percepção da
realidade, da história e da existência”.
Obviamente, as imagens não dão tudo. Pior ainda, sabemos que algumas vezes nos “paralisam”,
assim como escreve Susan Sontag: “As imagens paralisam. As imagens anestesiam. Um
acontecimento conhecido através de fotografias ganha uma dose extra de realidade […] mas
também, depois que estas imagens tenham sido repetidamente impostas ao nosso olhar, este
acontecimento perde realidade.” – Tradução pessoal.
71
O caso do ônibus 174, por exemplo, foi transmitido ao vivo e nos dias que
sucederam ao acontecimento, aquelas imagens foram amplamente repetidas pela
mídia. Aquelas imagens começaram a ser vistas apenas como um clichê da
violência na cidade do Rio de Janeiro. Quando José Padilha retoma-nas pouco
mais de dois anos após aquele incidente sua proposta é, de certa forma, extrair e
expressar através delas novas informações para comunicar mais do que apenas um
episódio violento. O cineasta carioca visa, também, resgatar uma potência de
realidade. Justamente por isso, uma de suas estratégias é reapresentar o incidente
como se estivesse em tempo real. Através da organização de seu discurso pretende
trazer na memória do espectador um tempo presente, uma sensação de visualizar
as imagens como se estas estivessem sendo transmitidas ao vivo durante o próprio
documentário.
tempo ambíguo. A partir de um olhar mais atento para esta imagem, abre-se a
possibilidade para assumir uma nova posição, uma nova postura diante dos fatos.
Entretanto, a afirmação de Susan Sontag gera certa inquietação, afinal seria uma
consequência muito profunda da imposição da visualização de imagens de
arquivo. Seria a própria realidade perdendo força e relevância por tornar-se
desgastada ao olhar. A visão estaria condicionada e, desta forma, impossibilitada
de ser afetada.
esmiuçados. Olhar uma imagem uma segunda vez implica olhá-la com um novo
olhar, sob uma nova perspectiva, munido de novas informações.
99
Op. cit. p. 128. – “quando sua área de ignorância é alcançada pela turbulência, por uma onda de
conhecimento, atravessamos, então, o difícil e fecundo momento de uma prova da realidade.” –
Traduçnao pessoal.
100
Op. cit. p. 91. – “Se escolhi interrogar as quarto fotografias de 1944, é precisamente porque elas
constituíam, dentro do corpus dos documentos conhecido de sua época, um caso extremo, uma
perturbadora singularidade: um sintoma histórico capaz de trantornar e, portanto, de reconfigurar a
relação que o historiador das imagens mantém habitualmente com seus próprios objetos de
estudo. Há, pois, neste caso extremo, algo que questiona nosso próprio saber: um sintoma teórico
cuja mesma disputa manifesta plenamente uma inquietação conjunta – em nossa história
compartilhada – de lado a lado.” – Tradução pessoal.
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para poder revelar. É necessário que seja estabelecida a relação entre o que se vê e
as informações que se possui.
¿Cómo podría poseer un objeto de una vez por todas las características de la
mirada que se posa sobre él y la comprensión que de él se obtiene? La imagen de
archivo no es más que un objeto entre mis manos un revelado fotográfico
indecifrable e insignificante mientras yo no haya estabelecido la relación –
imaginativa y especulativa – entre lo que veo aqui y lo que sé por otro lado.101
(...) el estudio del punto de vista producido, del grano de la imagem, de las
huellas de los movimientos, todo ello puede ser empleado para articular la
observación de la imagen misma con la casi-observación de los acontecimientos
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101
Op. cit. p. 169. – “Como poderia um objeto possuir de uma vez por todas as características do
olhar que se direciona sobre ele e a compreensão do que ele obtém? A imagem de arquivo é
apenas um objeto em minhas mãos, uma fotografia revelada indecifrável e insignificante até que
eu não tenha estabelecido a relação – imaginativa e especulativa – entre o que vejo aqui e o que eu
sei por outro lado.” – Traducnao pessoal.
102
Op. cit. p. 171. – “(…) o estudo da perspectiva produzida, da granulação da imagem, dos
rastros dos movimentos, podem ser utilizados para articular a observação da própria imagem com
a quase observação dos acontecimentos que esta representa. Esta quase observação, incompleta e
frágil em si mesma, se converterá em interpretação, ou “leitura” no sentido de Walter Benjamin,
quando todos os elementos do saber forem convocados – documentos escritos, evidências
contemporâneas, outras fontes visuais – suscetíveis de serem coletados pela imaginação histórica
em uma espécie de montagem ou de quebra-cabeça, com um valor, para falar como Freud, de
“construção da análise.” – Tradução pessoal.
74
Una imagen sin imaginación es, simplesmente, una imagen a la que no hemos
dedicado un tiempo de trabajo. Porque la imaginación es trabajo, ese tiempo de
trabajo de las imágenes, que sin cesar actúan chocando o fusionándose entre
ellas, quebrándose o metamorfoseándose. Todo ello actuando sobre nuestra
propia actividad de conocimiento y de pensamiento. Así pues, para saber, hay que
imaginar: la mesa de trabajo especulativa debe ir acompañada de una mesa de
montaje imaginativa.103
103
Op. cit. p. 177. – “Uma imagem sem imaginação é, simplesmente, uma imagem à qual não
dedicamos um tempo de trabalho. Porque a imaginação é trabalho, esse tempo de trabalho das
imagens, que sem cessar atuam chocando-se ou fundindo-se entre elas, quebrando-se ou
metamorfoseando-se. Todo este trabalho atuando sobre nossa própria atividade de conhecimento e
de pensamento. Assim pois, para saber, há que imaginar: a mesa de trabalho especulativo deve ir
acompanhada de uma mesa de montagem imaginativa.” – Tradução pessoal.
104
ISHAGPOUR, Youseef. Apud. LINS, Consuelo e REZENDE, Luiz. A voz, o ensaio, o outro.
IN. FURTADO, Beatriz. (org). Imagem contemporânea – cinema, TV, documentário, fotografia,
videoarte, games... vol.1. p109.
75
alega Padilha. Reforça, neste caso, a teoria de que havia uma encenação sendo
organizada por Sandro dentro do ônibus.
Reutilizar uma imagem, congelá-la na tela, deixá-la mais lenta, fazê-la voltar, ou
acelerar, dissociá-la do som, são procedimentos utilizados pelos diretores para
imprimir uma distância entre a imagem e o mundo, entre a imagem e o
espectador.105
105
Op. cit. p. 113.
76
O ato de ver não é o ato de uma máquina de perceber o real enquanto composto
de evidências tautológicas. O ato de dar a ver não é o ato de dar evidências
visíveis a pares de olhos que se apoderam unilateralmente do “dom visual” para
se satisfazer unilateralmente com ele. Dar a ver é sempre inquietar o ver, em seu
ato, em seu sujeito. Ver é sempre uma operação de sujeito, portanto uma
operacão fendida, inquieta, agitada, aberta. Todo olho traz consigo sua névoa,
além das informações de que poderia num certo momento julgar-se o detentor.106
106
DIDI-HUBERMAN, George. O que vemos, o que nos olha. p. 77.
77
2.2.
O instante de tomada das imagens – primeiro posicionamento
complexificam o sentido da mesma. Entretanto, muitas vezes, isso não fica tão
evidente num primeiro olhar.
Não se pode trabalhar com a “retomada” dessas imagens e da utilização delas sem
interrogar esse momento único que é a “tomada”. Ou seja, o que é irredutível no
olhar do fotógrafo ou do diretor de fotografia nazista mas, também o que resiste,
às vezes, na imagem e que se revela com o passar do tempo e de suas
reutilizações.109
107
LINS, Consuelo e REZENDE, Luiz. A voz, o ensaio, o outro. IN. FURTADO, Beatriz. (org).
Imagem contemporânea – cinema, TV, documentário, fotografia, videoarte, games... vol.1. p.110.
108
Op. cit. p. 115.
109
Imagens de arquvos: Imbricamentos de olhares. Entrevista de Jean-Louis Comolli com Silvie
Lindeperg. p.319.
110
Sobre estas fotografias do Sonderkommando Sylvie Linderperg na entrevista com Jean-Louis
Comolli afirma: “Para que as imagens do Sonderkommando sejam encaradas em sua singularidade,
foi necessário investir o gesto do fotógrafo clandestino de um valor simbólico e testemunhal;
encará-lo como um ato de resistência à política do segredo e à empreitada de invisibilidade do
genocídio dos judeus.” p.330.
78
... no invoquemos lo inimaginable. Era mucho más dificil, para los prisioneros,
sustraer del campo esos pocos fragmentos de los que actualmente somos
depositarios, con el agravante de soportarlos de una sola mirada. Estos
fragmentos son para nosotros más preciosos y menos sosegadores que todas las
obras de arte posibles, arrebatados como fueron a un mundo que los deseaba
imposibles. Así pues, pese a todo, imágenes: pese al infierno de Auschwitz, pese
a los riesgos corridos. A cambio, debemos contemplarlas. Pese a todo, imágenes:
pese a nuestra propria incapacidad para saber mirarlas tal y como se merecerían,
pese a nuestro proprio mundo atiborrado, casi asfixiado, de mercancía
imaginaria.111
111
DIDI-HUBERMAN, George. Imágenes pese a todo. p. 17. – “... não invoquemos o
inimaginável. Foi muito mais difícil, para os prisioneiros, extrair do campo esses poucos
fragmentos que atualmente somos responsáveis, com o agravante de resistir em uma única olhada.
Estes fragmentos são para nós mais preciosos e menos sossegadores do que todas as obras de arte
possíveis, arrebatados como um mundo que os desejava impossíveis. Desta forma, apesar de tudo,
imagens; apesar do inferno de Auschwitz, apesar dos riscos corridos. Em troca, devemos
contemplá-las. Apesar de tudo, imagens; apesar de nossa própria incapacidade de saber observá-
las tal e qual elas mereceriam, apesar de nosso próprio mundo saturado, quase sufocado, de
mercadorias imaginárias.” – Tradução pessoal.
112
Primo Levi. Apud. DIDI-HUBERMAN, George. Imágenes pese a todo. p. 18 – “delito mais
demoníaco do nacional-socialismo. (...) os próprios judeus tinham que colocar os judeus nos
fornos, tinham que demonstrar que os judeus (...) se emprestavam a qualquer humilhação, até
destruir-se a si mesmos.
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de tentar registrar algo inacreditável, algo que seria impossível de ser reproduzido.
“Tiempo, espacio, mirada, pensamiento, pathos; todo estaba ofuscado por la
enormidad mecánica de la violencia producida.”114
113
Para maiores detalhes de quais eram as atribuições desses judeus consultar; DIDI-
HUBERMAN, George. Imágenes pese a todo. p. 19-20.
114
DIDI-HUBERMAN, George. Imágenes pese a todo. p.23. – “Tempo, espaço, olhar,
pensamento, pathos; tudo estava ofuscado pela enormidade mecânica da violência produzida.” –
Tradução pessoal.
80
Os câmeras procuraram nos guetos fabricar imagens que não faziam referências à
realidade mas que estivessem de acordo com seu imaginário antisemita. Essas
tomadas trazem o olhar nazista traduzido por vários procedimentos bastante
conhecidos: contra-plongées, enquadramentos particulares, trabalho com as lentes
focais, etc.115
Jay Leyda, por sua vez, em sua obra Films Beget Films, faz questão de
expressar sua forma de compreender as imagens. Para o autor norte-americano
existe um duplo conteúdo em cada uma das imagens. Existem informações de
diferentes tipos, como por exemplo, a textura das imagens de um determinado
período histórico, o comportamento das pessoas em determinados lugares, a
aparência das ruas, uma tragédia, entre outras. Há, também, além destas
informações, em cada imagem um conteúdo formal, não comentado, mas visível,
que inclui elementos que possibilitam a construção da comunicação com aqueles
que vêem as imagens.
115
Imagens de arquvos: Imbricamentos de olhares. Entrevista de Jean-Louis Comolli com Silvie
Lindeperg. p. 320.
116
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. vol1. p. 187.
81
(...) It is this accumulation of two kinds of content that we react to, with only
partial consciousness, from our seat in the theatre, as each piece of newsreel
comes and goes on the screen.
You cannot rearrange the elements within a piece of newsreel, though you can
manipulate them in relation to other pieces – but only if you have studied their
whole content. It is from such study and manipulation that the art of the
compilation film can grow.117
117
LEIDA, Jay. Films Beget Films. p. 22. – “(…) É nesta acumulação de dois tipos de conteúdo
que podemos reagir, apenas parcialmente conscientes, a partir de nossa posição no teatro, como
cada parte das imagens de atualidade passa pela tela.
Você não pode reorganizar os elementos dentro de cada parte das imagens de atualidade, todavia
você pode manipulá-los em relação a outras partes – mas somente se você tiver estudado todo seu
conteúdo. É a partir deste estudo e manipulação que a arte do filme de compilação pode crescer.” –
Traducão pessoal.
118
Symposium on Soviet Documentary: S. Tretyakov, V. Shklovsky, E. Shub and O. Brik. IN.
LEWIS, Jacobs. The documentary tradition. p. 35. – “Estamos convencidos de que, com grande
habilidade, será possível fazer um filme com material não ficcional que irá vencer qualquer filme
de ficção.” – Tradução pessoal.
82
119
Op. cit. p. 36. – “Para filmar imagens de atualidade, é necessário não só conhecer
cinematografia, mas ser uma pessoa altamente culta e política. Mesmo um Guarda Branco é capaz
e filmar uma história sobre um oficial czarista, mas somente uma pessoa politicamente educada,
uma pessoa com um conhecimento muito preciso do efeito que deseja atingir, é capaz de filmar o
Cáucaso Soviético. Portanto, quando afirmamos que o reflexo da realidade deve ser filmado, isso
não significa posicionar a câmera na rua e ir embora, mas refletir a realidade sob um ponto de vista
definido.” – Tradução pessoal.
120
COMOLLI, Jean-Louis. Ver e Poder. p. 81-82.
83
O outro momento, este um pouco mais sutil, mas que também permite perceber
este saber inconsciente sobre o olhar do outro está presente nas cenas da capoeira.
As pessoas presentes naquele espaço demonstram uma empolgação maior do que
o normal em uma roda de capoeira. Há, inclusive, um dos capoeiristas que faz
questão de derrubar o outro para enfatizar sua superioridade. A própria
organização, a disposicão da roda de capoeira está feita de forma que facilite a
filmagem. Aquele cinegrafista é, no mínimo, um apreciador da capoeira e busca
transmitir através das imagens uma atmosfera acolhedora e harmônica. Estes são,
justamente, os aspectos enfatizados por Padilha no documentário quando reutiliza
estas imagens para comentar sobre um breve período da infância de Sandro.
Além dessas duas cenas, cabe apontar que nas imagens televisivas em que
Sandro é filmado dentro do ônibus há a identificação do olho negro da câmera
como materialização do olhar do outro. Ou seja, o comportamento de Sandro
também sofre influência e é modificado em consequência da quantidade de lentes
apontadas em sua direção. O olhar acusador e encriminatório que incide sobre ele
nos retorna impregnado de raiva, revolta e indignação. Afinal, ele também
reinvindica ser visto como um sobrevivente de um massacre que presenciou no
passado.
84
assume quando “retomada” e articulada dentro de uma nova lógica. Existe, assim,
nas imagens de arquivo a possibilidade de assumirem significados e sentidos
múltiplos impensados no momento em que foram capturadas. “Tem algo de
ready-made se se considerar que esses objetos mudam de significação ao serem
transportados de um contexto para outro.”123 Portanto, como domar e recriar
significados a partir de um primeiro olhar e recorte elaborado pelo outro?
121
Imagens de arquivo: imbricamentos de olhares. Entrevista de Jean-Louis Comolli com Sylvie
Lindeperg. p.327
122
Imagens de arquvos: Imbricamentos de olhares. Entrevista de Jean-Louis Comolli com Silvie
Lindeperg. p.319.
123
BERNARDET, Jean-Claude. A subjetividade e as imagens alheias: ressignificação. p.31.
85
2.3.
Processo de montagem – as imagens tomam posição
que as imagens estejam em relação com outros elementos para que possam
comunicar. É fundamental que sejam trabalhadas em série. Argumenta que as
imagens devem ser consideradas como um processo. O que pode nos levar a
perceber que elas estão sempre em contínua construção, numa espécie de devir.
Aponta, também, para o aspecto de instabilidade deste processo e questiona o
conhecimento construído sobre o mesmo. Afirma que este evento/processo não é
nem algo absoluto, nem indizível ou inenarrável. Desta forma, sugere a montagem
como um modo de fazer conhecer, como uma maneira de multiplicar
possibilidades de imaginação sobre as imagens. Através deste método uma
imagem se une à outra, mas também a outras dimensões do próprio evento.
124
NINEY, François. L’épreuve du réel à l’écran. p. 255. – “A ‘natureza’ original do arquivo
(ficção ou documentário, publicidade ou propaganda, etnográfico ou industrial) torna-se
secundária relativamente à função que ele venha ocupar na nova montagem que o faz transmitir
algo diferente daquilo para o qual foi concebido. E o espírito pelo qual foi concebido é
parcialmente comprovado pelo deslocamento.” – Tradução pessoal.
125
DIDI-HUBERMAN, George. Imágenes pese a todo. p.180. – “ A montagem só é válida quando
não tem pressa para concluir ou fechar novamente, ou seja, quando começa e complexifica nossa
86
Las imágenes nunca lo muestran todo; mejor, saben mostrar la ausencia desde el
no todo que constantemente nos proponen. (...)
Todo acto de imagen es arrancado de la imposible descripción de una realidad.
Los artistas, en particular, se niegan a someterse a lo irrepresentable cuya
experiencia vaciadora conocen bien – como cualquiera que haya afrontado la
destruccíon del hombre por el hombre. Entonces, realizan series, montajes pese a
todo: también saben que los desastres son multiplicables hasta el infinito. (...) El
mundo histórico, en sus obras, se convierte en obsession, es decir, en un azote
imaginativo, en una profileración de las figuras – de las semejanzas y las
desemejanzas – en torno a un mismo torbellino de tiempo.126
Godard y Lanzmann creen que la Shoah no pide pensar de nuevo toda nuestra
relación com la imagen, y tienen mucha razón. Lanzmann cree que ninguna
imagen es capaz de “decir” esta historia, y por eso es por lo que filma,
incansablemente, la palabra de los testigos. Godard, por su parte, cree que todas
las imágenes, desde entonces, no nos “hablan” más que eso (pero decir que
“hablan de eso” no es decir que “lo dicen”), y es por lo que, incansablemente,
revisita toda nuestra cultura visual condicionado por esta cuestión.
(...)
apreensão da história, e não quando a esquematiza de forma abusiva. Quando nos permite ter
acesso às singularidades do tempo, logo à sua multiplicidade essencial.” – Tradução pessoal.
126
Op. cit. p. 185. – “As imagens nunca mostram tudo; melhor, sabem mostrar a ausência no todo
que constantemente nos propõem. (…)
Todo ato de imagem começa da impossibilidade de descrição da realidade. Os artistas, em
particular, negam-se a se submeter ao irrepresentável cuja dolorosa experiência conhecem bem –
como alguém que tenha enfrentado a destruição do homem pelo homem. Então, realizam séries,
montagens apesar de tudo: também sabem que os desastres são multiplicáveis até o infinito. (…) O
mundo histórico, em suas obras, se transforma em obsessão, ou seja, em um flagelo imaginativo,
em uma proliferação das figuras – das semelhanças e das diferenças – em torno de um mesmo
turbilhão do tempo.” – Traducão pessoal.
87
O historiador da arte francês acredita que aquilo que não pode ser visto
deve ser mostrado. Mais uma vez questiona o raciocínio de Lanzmann que busca
uma “imagem unívoca”, uma “imagem total” para dar conta desta tarefa. Didi-
Huberman acredita na multiplicação e na conjugação das imagens, por mais
incompletas e imprecisas que sejam, como a possibilidade, como a via “apesar de
tudo”, de mostrar aquilo que não podia ser visto. Apoia-se num argumento do
próprio Godard que afirma: “No hay imagen, sólo hay imágenes. Y hay una cierta
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forma de articulación de las imágenes: desde el momento en que hay dos, tres.
[...] Es el fundamento del cine.”128
127
Op. cit. p. 186-188. – “Godard e Lanzmann acreditam que a Shoah não pede para repensarmos
toda nossa relação com a imagem, e estão com a razão. Lanzmann acredita que nenhuma imagem
é capaz de ‘contar’ esta história, e é por isso que filma, incansavelmente, a palavra das
testemunhas. Godard, por sua vez, acredita que todas as imagens, desde então, não nos ‘falam’
mais que isso (mas afirmar que ‘falam sobre isso’ não significa dizer que elas ‘contam’), e assim,
incansavelmente, revisita toda nossa cultura visual condicionado por esta questão.
(…)
A polaridade estética se expressa, desde então – através da ‘ética do olhar’ – em termos quase
teológicos. Por um lado, as imagens compostas de Jean-Luc Godard: tumultuadas, múltiplas,
barrocas. Isto é, artificiais. Assemelham-se à famosa ‘estátua composta’ com que sonhava
Nabucodonosor. São imagens idólatras e irreverentes. Não hesitam em misturar o arquivo histórico
– onipresente – com o repertório artístico do cinema mundial. Mostram muito, montam tudo com
tudo. Daí nasce uma suspeita: estas imagens em geral mentem. No lado oposto está a imagem
unívoca de Claude Lanzmann: e “está imagem estaria melhor do lado daquilo que não se pode
olhar […], o Nada” da pura verdade.” – Tradução pessoal.
128
Op. cit. p. 199. – “Não há imagem, só há imagens. E existe uma certa forma de articulação das
imagens: desde o momento em que há duas, três. […] É o fundamento do cinema.” – Traducão
pessoal.
88
Mais uma vez o crítico de arte francês busca investigar a visão e como é
possível desenvolver um olhar crítico e questionador diante de imagens do
passado. Toma como referência, justamente, o trabalho do dramaturgo alemão
como base para suas reflexões sobre aquilo que pode ser mostrado através das
imagens.
129
___________. Cuando Las imágens toman posición. p. 76. – “Distanciar não é simplesmente
colocar longe: perde-se de vista a força de afastar, quando distanciar supõe, ao contrario, aguçar o
olhar.” – Tradução pessoal.
130
Op. cit. – “Brecht escreveu extensivamente sobre o ‘efeito de distanciamento’
(Verfremdungseffeckt) como marca revolucionária do teatro que queria realizar. Se tratava antes de
tudo de construir os meios estéticos de uma crítica da ilusão, isto é de abrir no campo
dramatúrgico o mesmo tipo de crise de representação que já estava acontecendo na pintura de
Picasso, no cinema de Eisenstein, ou na literatura de James Joyce. Criticar a ilusão, colocar em
crise a representação, isto começa reforçando a modéstia do gesto que consiste em mostrar;
distanciar, é mostrar, afirma primeiro Bertold Brecht.” – Tradução pessoal.
131
Op. cit. p. 77. – “Sem conhecer, nada se pode mostrar; como se faz para saber o que vale a pena
conhecer?” – Traducão pessoal.
89
132
Op. cit. p. 78. – “Distanciar é saber manipular o material visual e narrativo como uma
montagem de citações que fazem referência à história real…” – Traducão pessoal.
133
Op. cit. p. 81. – “Distanciar é desmontar mostrando as relações de coisas mostradas juntas e
somadas segundo suas diferenças. Portanto, não há distanciamento sem trabalho de montagem, que
é dialética de desmontagem e de remontagem, da decomposição e da recomposição de tudo. Mas,
em consequência, este conhecimento através da montagem também será conhecimento pela
estranheza.” – Tradução pessoal.
134
Op. cit. p. 97-98. – “Uma forma de mostrar toda organização como um choque de
heterogeneidades. Isto é a montagem: não se mostra mais que desmembrando, não se dispõe mais
que organizando primeiro. Não se mostra mais que mostrando as aberturas que agitam a cada
sujeito frente a todos os demais.
(…) a decisão de mostrar por montagem, quer dizer por deslocamentos e recomposições do todo.
A montagem seria um método de conhecimento e um procedimento formal nascido da guerra, que
toma nota da ‘desordem do mundo’”. – Traducão pessoal.
90
135
Op. cit. p. 108. – “(…) Aí onde o filósofo neo-hegeliano constrói argumentos para apresentar a
verdade, o artista da montagem fabrica heterogeneidades para organizar a verdade em uma ordem
que não é precisamente a ordem das razões, senão a das ‘correspondências’ (para dialogar com
Baudelaire), a das ‘afinidades eletivas’ (para dialogar com Goethe e Benjamin), a dos
‘rompimentos’ (para dialogar com Georges Bataille) ou a das ‘atrações’ (para dialogar com
Eisenstein).
Uma forma de expor a verdade desorganizando – e não explicando – as coisas. (…) dialética do
montador, ou seja, aquele que ‘organiza’, separando e readjuntando seus elementos em seu ponto
de maior improvável relação.” – Tradução pessoal.
91
136
Op. cit. p. 114. – “Então, entende-se que a ‘dialética do montaedor’ desorganiza radicalmente o
componente de previsibilidade que poderia se esperar de uma ‘dialética filosófica’ que descrevesse
os progressos da razão e da história. A dilética do montador – do artista, do mostrador –, por
oferecer todo seu espaço às contradições não resolvidas, às velocidades das aparições e das
descontinuidades, não organiza os elementos senão para para provar sua intrínseca vocação de
desordem.” – Tradução pessoal.
92
que observa nos trabalho de Brecht e que acredita que deve ser utilizada para
trabalhar com imagens de arquivo. Ao argumentar sobre o processo de montagem,
o crítico de arte francês, faz questão de enfatizar que este não deve ser confundido
com manipulação. “Montagem não é fusão, assimilação ou destruição dos
elementos que constituem as imagens. Trata-se de montar mostrando as diferenças
e ligações com o que nos cerca.”137
El montaje confiere, pues, a las imágenes, este estatus de enunciación que las
convertirá, según su valor de uso, en justas o injustas: tal como un filme de
ficción – siguiendo la vision que tienen de éste Hitchcock, Godard, Bresson y
muchos otros – puede llevar las imágenes a un grado de intensidad capaz de hacer
surgir de ellas una verdad, también un simple telediario puede utilizar unas
imágenes documentales hasta llegar a producir una falsificación de una realidad
histórica que, sin embargo, archivan. Se puede comprender en qué momento el
montaje acaba por encontrarse en pleno centro de la cuestión concreta – del uso
singular y no de la verdad general – de las imágenes.139
Godard assume a montagem como um processo que faz ver, ou seja, como
um mecanismo que desperta atenção do espectador para indícios importantes e
significativos. De acordo com o cineasta francês, é essencial recordar que o
cinema, em primeiro lugar, foi construído como um meio para estimular o
pensamento. Didi-Huberman apoia-se nesta concepção de Godard para afirmar
que a montagem é a arte que possibilita o surgimento de uma forma, de um objeto
137
LINS, Consuelo e REZENDE, Luiz. A voz, o ensaio, o outro. IN. FURTADO, Beatriz. (org).
Imagem contemporânea – cinema, TV, documentário, fotografia, videoarte, games... vol.1. p.112.
138
Imagens de arquivo: imbricamentos de olhares. Entrevista de Jean-Louis Comolli com Sylvie
Lindeperg. p.332.
139
DIDI-HUBERMAN, George. Imágenes pese a todo. p.202. – “A montagem confere, pois, às
imagens, este status de enunciação que as converterá, segundo seu valor de uso, em justas ou
injustas: tal como um filme de ficção – seguindo a visão que tem disto Hitchcock, Godard,
Bresson e muitos outros – pode levar as imagens a um grau de intensidade capaz de fazer surgir
delas uma verdade, também um simples noticiário pode utilizar algumas imagens documentais até
chegar a produzir uma falsificação da realidade histórica que, no entanto, arquivam. Pode-se
compreender em que momento a montagem acaba se encontrando no centro da questão concreta –
do uso singular e não da verdade geral – das imagens.” – Tradução pessoal.
93
que faz pensar ou que estimula o pensamento. A montagem é “el arte de reflejar
la imagen dialéctica.”140
2.4.
A imagem de arquivo enquanto um documento/monumento
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140
Op. cit. p. 204. – “a arte de refletir a imagem dialética.” – Traducão pessoal.
141
Op. cit. p. 205. – “(…) a dialética deve ser compreendida no sentido de uma colisão
desmultiplicada de palavras e imagens: as imagens se chocam entre si para que surjam as palavras,
as palavras se chocam entre elas para que surjam as imagens, as imagens e as palavras entram em
colisão para que visualmente o pensamento tenha lugar.” – Traducão pessoal.
142
Imagens de arquvos: Imbricamentos de olhares. Entrevista de Jean-Louis Comolli com Silvie
Lindeperg. p.327.
143
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. vol1. p. 225.
94
De fato, o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado, mas
uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal
do mundo e da humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência do passado e do
tempo que passa, os historiadores.
Estes materiais da memória podem apresentar-se sob duas formas principais: os
monumentos, herança do passado, e os documentos, escolha do historiador.147
144
NINEY, François. L’épreuve du réel à l’écran. p. 256. – “eles são realmente ‘armados’ e
orientados.” – Tradução pessoal.
145
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. vol1. p. 229.
146
LE GOFF, Jacques. História e Memória. p.18.
147
Op. cit. p.535.
95
Le Goff segue relatando como estes dois termos foram sendo empregados
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ao longo dos anos em tratados, publicações, relatórios, entre outros, até que no
século XX, em virtude da escola positivista, o documento assume papel
preponderante e todo historiador assume-o como indispensável para qualquer
investigação. ‘“Não há notícia histórica sem documentos”; e precisava: “Pois se
dos fatos históricos não foram registrados documentos, ou gravados ou escritos,
aqueles fatos perderam-se.”’150
148
Op. cit.
149
Op. cit. p.536.
150
LEFEBVRE, Georges. Apud. LE GOFF, Jacques. História e Memória. p.539.
151
COULANGES, Fustel. Apud. LE GOFF, Jacques. História e Memória. p.539.
96
A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem.
Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem.
Com tudo o que a habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o
seu mel, na falta das flores habituais. Logo, com palavras. Signos. Paisagens e
telhas. Com as formas do campo e das ervas daninhas. Com os eclipses da lua e a
atrelagem dos cavalos de tiro. Com os exames de pedras feitos pelos geólogos e
com as análises de metais feitas pelos químicos. Numa palavra, com tudo o que,
pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem,
demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem.152
O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto
da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o
poder. Só a análise do documento enquanto monumento permite à memória
coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com pleno
conhecimento de causa.
Michel Foucault colocou claramente a questão. Antes de mais nada, ele declara
que os problemas da história podem se resumir numa só palavra: "o questionar do
documento" [1969, p. 13]. E logo recorda: "O documento não é o feliz
instrumento de uma história que seja, em si própria e com pleno direito, memória:
152
LEFEBVRE, Georges. Apud. LE GOFF, Jacques. História e Memória. p.540.
97
a história é uma certa maneira de uma sociedade dar estatuto e elaboração a uma
massa documental de que se não separa" [ibid., p. 13].
Segue-se-lhe a definição de revolução documental em profundidade e da nova
tarefa que se apresenta ao historiador: "A história, na sua forma tradicional,
dedicava-se a 'memorizar' os monumentos do passado, a transformá-los em
documentos e em fazer falar os traços que, por si próprios, muitas vezes não são
absolutamente verbais, ou dizem em silêncio outra coisa diferente do que dizem;
nos nossos dias, a história é o que transforma os documentos em monumentos e o
que, onde dantes se decifravam traços deixados pelos homens, onde dantes se
tentava reconhecer em negativo o que eles tinham sido, apresenta agora uma
massa de elementos que é preciso depois isolar, reagrupar, tomar pertinentes,
colocar em relação, constituir em conjunto" [ibid., pp. 13- 14].153
153
LE GOFF, Jacques. História e Memória. p. 545-546.
98
154
LE GOFF, Jacques. História e Memória. p. 547-548.