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AULA 1

TEORIAS DO LETRAMENTO
E PRÁTICAS SOCIAIS DA
LEITURA E ESCRITA

Profª Marcia Rakel Grahl Dal Forno


CONVERSA INICIAL

O estudo sobre letramento configurou-se como tema central de discussões


e pesquisas, no campo educacional, devido à preocupação e à necessidade de
buscar respostas e possibilidades de superação para as inúmeras problemáticas
presentes na educação brasileira, e com relativo destaque nesta aula, às
referentes à aquisição da linguagem em suas diferentes manifestações.
No entanto, o tema letramento foi incorporado ao sistema educacional
paralelamente a outros conceitos que expressavam uma nova concepção de
ensino, na busca de possibilidades de melhorar a qualidade de aprendizagem dos
alunos.
Todavia, essas novas possibilidades, bem como as problemáticas
existentes desenharam um cenário complexo e ambíguo da Educação no Brasil,
em que transitam entre passado e presente, bem como entre realidades e
interesses antagônicos.
Essa complexidade, em que se configura a educação brasileira, nos conduz
a uma análise de sua trajetória histórica, e exige uma reflexão aprofundada dos
elementos que a constituem. Portanto, estudar os fatos sob uma perspectiva
histórica, contextualizada, significa valorizar o conhecimento científico na sua
forma mais elaborada, possibilitando a compreensão mais exata da realidade.
Nessa via de raciocínio, coloca-se como elemento disparador das reflexões
alguns dados de pesquisas desenvolvidas no Brasil que aferem índices de
qualidade da educação e índices de analfabetismo funcional. Optou-se por iniciar
com esses dados por entender que são representações da reallidade, e que
propiciam uma reflexão que vai além dos dados, permitindo viajar pela história da
educação na busca de possíveis respostas.
Diante dessa busca, justifica-se o que será trabalhado no primeiro tema,
que se delineia em uma abordagem histórica do sistema educacional, entendendo
que a forma com que a educação brasileira foi instituída reflete na sua
configuração atual.
Perante essa contextualização, fica inerente ao estudo da educação as
questões relacionadas ao entendimento de cultura, pois a cultura brasileira
apresenta peculiaridades que precisam ser delineadas e compreendidas, assunto
que, desse modo, será tratado no tema 2.

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A categoria educação é foco de discussão no tema 3, que propicia
elementos para uma reflexão acerca de sua responsabilidade diante dos desafios
da atualidade e os pertencentes à sua origem e trajetória.
O tema 4 apresenta algumas proposições sobre o conceito de escola e sua
função na sociedade atual, e, para concluir este primeiro estudo, aborda-se no tema
5 as questões relativas aos sujeitos e aos processos de aprendizagem. De forma
sintética, nele são descritas as principais teorias de aprendizagem na
intencionalidade de elencar elementos que contribuam para o aprimoramento da
prática docente.
Enfim, esta aula objetiva, de modo geral, contextualizar a
Educação brasileira elencando suas fragilidades e apontando possibilidades de
superação, na intencionalidade de subsidiar a compreensão do conceito de
letramento.
Como objetivos específicos, trabalha as categorias de análise de cultura,
educação, escola e aprendizagem, as quais fundamentam a educação brasileira.

CONTEXTUALIZANDO

Primeiramente, cabe destacar que as questões referentes à compreensão


de letramento precisam ser abordadas na sua totalidade, considerando suas
especificidades. Isso significa que seu entendimento pleno vai além da
compreensão do seu conceito e adentra em uma análise complexa de todos os
aspectos que estão envolvidos de forma direta e indireta.
Objetivamente se pretende refletir sobre os processos e os princípios do
letramento em um movimento que circula entre a prática e a teoria de forma
indissociável. Portanto, esta aula inicia-se apresentando os dados referentes à
qualidade de educação básica aferidas e divulgadas pelo Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), realizado pelo Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), criado com o objetivo
de medir nacionalmente a qualidade do ensino nas redes públicas e privadas,
divulgado a cada dois anos. Como exemplo, segue a tabela com os índices do
último resultado divulgado:

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Tabela 1 – Anos iniciais do Ensino Fundamental

Fonte: MEC, 2016.

Os resultados da pesquisa de 2015, assim como de outras datas,


apresentam uma amplitude de elementos que podem subsidiar e impulsionar o
desenvolvimento de diversas pesquisas e proposições, a partir da elaboração de
diferentes análises e problemáticas. Destaca-se, neste texto, além dos avanços
perceptíveis na tabela, o valor estipulado das metas, que em sua projeção maior
chega ao nível de 7.5 na rede privada. Ou seja, a projeção na perspectiva mais
otimista não chega a 80% de proficiência, lembrando ainda que essa projeção é
para a minoria da população, pois a maior parte concentra-se na rede pública, que
fica entre a média de 6.0.
Entretanto, o que se pretende elucidar é uma análise sobre essa proficiência,
pois apesar dos avanços nos índices aferidos ao longo das últimas décadas, é
muito preocupante o número cada vez maior de analfabetos funcionais no meio
acadêmico, conforme divulgado na pesquisa desenvolvida pelo Instituto Paulo
Montenegro e pela Ação Educativa, por intermédio do Indicador Nacional de
Analfabetismo Funcional (Inaf). Os dados da pesquisa realizada em 2015 e
publicada em 2016 afirmam com preocupação que a quantidade de pessoas
classificadas como alfabetizadas funcionalmente alcança 73% da população
brasileira.
Esses dados serão explorados sob dois aspectos. O primeiro diz respeito à
problemática da educação e sua constituição histórica, cerceada de fragilidades,
de contradições que se perpetuam. O segundo, a ser desenvolvido no tema 2,
concentra-se nas questões relativas ao ensino da língua materna e aos níveis de
proficiência.
Nessa primeira problemática, cabem os seguintes questionamentos: os
índices apresentados tanto pelo Ideb quanto pelo Inaf representam a realidade

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caótica em que se situa o ensino brasileiro? Essa realidade se perpetua nas escolas
desde seu surgimento no Brasil? Que possibilidades a escola pública está
oferecendo aos brasileiros? Qual sentido a educação brasileira representa na
sociedade atual?

TEMA 1 – CONCEPÇÕES HISTÓRICAS

A Educação configura-se como foco de grandes preocupações na


sociedade mundial, com maior relevância nas últimas décadas, em que se tornou
centro de interesses e contradições. O seu significado se constitui com base em
uma trajetória histórica carregada de fatos e conceitos oriundos da evolução do
pensamento humano e sua relação com o desenvolvimento da sociedade, o que
torna indissociável a um bom entendimento sobre seu significado o estudo de sua
trajetória até a atualidade.
Em uma primeira compreensão, a educação era vista como a educação
entre seus semelhantes, o que a aproximava de um caráter quase que intuitivo,
como a aquisição da fala. No entanto, a educação e a fala fundamentam-se em
bases diferentes. Apesar de ambas serem determinadas pela própria consciência,
a fala se desenvolve quase que intuitivamente e precocemente; já a educação se
configura como um ato intencional entre sujeitos, que apesar de depender, assim
como a fala, de fatores individuais, está circunscrita a fatores universais
conscientes e direcionados.
Foi no mundo moderno que se incorporou o sentido da educação com o
sentido de civilidade, ou seja, a educação começou a tornar-se requisito para a
construção de uma sociedade civilizada, ou como Senna (2012) denomina,
urbanidade civilizada. Para o autor, a educação vinculada a esse conceito agrega
um sentido mais amplo do que os ligados à adaptação para a sobrevivência, e
começa a vincular-se a um projeto de ordem social e não mais a ações individuais,
estabelecendo a escola como instrumento gerador de seres humanos civilizados.
Delegou-se à escola, no decorrer do tempo, a responsabilidade de uma
educação muito mais abrangente do que a apropriação de conhecimentos
científicos, sistematizados, necessários à construção de uma sociedade civilizada.
Com o desenvolvimento da sociedade moderna, a configuração das famílias
sofreu mudanças substanciais que surtiram efeitos significativos na educação
escolar, sendo delegado a ela obrigações que anteriormente eram familiares. Isso

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causou certa instabilidade na configuração e no direcionamento do trabalho
escolar.
A escola pensada para a educação de pessoas civilizadas, no decorrer do
tempo, vai assumindo novas responsabilidades, porém, sob uma mesma
estrutura, o que a caracteriza de modo contraditório. Para Senna (2012),

O lugar da Educação na sociedade contemporânea tornou-se


profundamente ambíguo, ao passo que o lugar da escola foi mistificado,
ora como alegoria da construção humana, ora como último reduto de um
ideal da sociedade que se perdeu na história recente da humanidade.
Em consequência disso, a imensa maioria das escolas tornou-se o lugar
da frustração, no qual professores e alunos amargam dia a dia uma
profunda sensação de fracasso, que melhor se traduziria como
perplexidade perante as antagônicas vozes que os julgam do lado de
fora da escola. (Senna, 2012, p. 28)

Diante dessa perplexa realidade estabelecida no contexto escolar,


acumula-se um repertório de contradições na busca de dar um novo sentido à
escola, transitando desde definir conceitos a serem trabalhados até valores
instituídos em sua organização. De modo muito predominante, isso converge
constantemente nos valores e nos conhecimentos instituídos na sociedade,
refletindo na educação escolar, desenhando um cenário ambíguo, fragilizado e,
para muitos, ineficaz, o que causa um sentimento de fracasso e frustração
naqueles que dela fazem parte.
É diante desse cenário que a educação, e consequentemente a escola,
vem se constituindo no decorrer da história. No Brasil, ela apresenta
características muito singulares devido, entre muitos elementos, à miscigenação
étnica presente em todas as regiões do país, bem como às diferenças culturais
impostas desde o período da colonização pelo modelo europeu, dito civilizado,
divergindo a princípio da cultura local indígena, considerada selvagem, e da
cultura afrodescendente oriunda dos africanos escravizados trazidos ao Brasil.
O modelo europeu foi incorporado pelo mundo como referência de
comportamento, bem-estar e segurança, sendo descartado o modelo medieval de
educação, o qual perdurava até a Idade Moderna. A partir de então, a educação
foi considerada como instrumento de inclusão do indivíduo à civilidade da mesma
forma que é utilizada para excluir os não civilizados, ou dito não educados. A base
desse modelo de civilidade, do século XVI, estava centrada nos princípios da fé
cristã justificando o papel da Igreja na educação.
No século seguinte, o movimento intelectual denominado Iluminismo
contribuiu para o desenvolvimento da ciência a partir do uso da razão em
detrimento das crenças impostas pela Igreja.
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A partir desse movimento, a sociedade sentiu a necessidade de ter mais
escolas do que igrejas, pois se acreditava que o indivíduo precisava ir além do
real, abstrair-se da realidade e construir um cidadão regido pelas regras de
conduta social que seguiam uma razão cartesiana.
No entanto, segundo Senna (2012), foi no século XIX que o vínculo do
espírito humano a Deus sofre grande impacto devido à teoria do evolucionismo
de Charles Dawin. Essa teoria causou certa desestabilidade na moral pública da
sociedade moderna, que conseguiu preservar apenas, nas palavras de Senna
(2012), uma ciência vazia de sentido social, pois suas contribuições permearam
somente o tecnicismo o qual serviu muito mais aos meios de produção do que
propriamente à formação humana na sua integralidade.
Dentro desse cenário, a escola se constitui como um ideário que serve aos
interesses externos a ela, os quais contribuem para atender às necessidades
impostas pelo projeto de desenvolvimento de sociedade estabelecido em grande
parte pelo processo de industrialização e tecnologia, o qual provocava nas
pessoas a sensação de conforto e estabilidade.
A sociedade brasileira também se constituiu dentro de um projeto de
desenvolvimento, porém exploratório, de objetivos exclusivamente lucrativos e
não com princípios de colonização. Uma característica muito singular da formação
da sociedade brasileira concretiza-se antes de tudo por uma fusão cultural entre
brancos e indígenas, os quais, apesar das constantes violências, puderam
experimentar as diferentes possibilidades que cada cultura oferecia. Assim
começou-se a fundar uma nova sociedade, a sociedade brasileira.
Não obstante, essa formação de sociedade, fruto de uma colonização
europeia, não poderia ficar aquém da organização social estabelecida na Europa.
Mais do que viabilizar a escravidão no Brasil, também se reproduziu nessas terras
as formas de segregar as pessoas entre brancas, que serviam a Coroa no centro
das cidades, e as demais no restante do país, marginalizados por não
pertencerem aos padrões de cultura pré-concebidos pelo povo europeu que se
instalara no Brasil.
Assim, a sociedade brasileira originou-se dividida entre em dois povos que
se perpetuam até hoje: um oriundo da burguesia europeia, pertencente a uma
classe mais abastada da sociedade; e outro oriundo das classes exploradas e
menos abastadas, concentrando-se um número significativamente maior de
negros do que brancos. Diante dessa configuração, forma-se a cultura brasileira,
muito bem descrita por Darcy Ribeiro:
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O surgimento de uma etnia brasileira, inclusiva, que possa envolver e
acolher a gente variada que aqui se juntou, passa tanto pela anulação
das identificações étnicas de índios, africanos e europeus, como pela
indiferenciação entre as várias formas de mestiçagem, como os mulatos
(negros com brancos) caboclos (branco com índios), ou curibocas
(negros com índios). Só por este caminho, todos eles chegam a ser uma
gente só, que se reconhece como igual em alguma coisa tão substancial
que anula suas diferenças e os opõe a todas as outras gentes. Dentro
do novo agrupamento, cada membro, como pessoa, permanece
inconfundível, mas passa a incluir sua pertença a certa identidade
coletiva. (Ribeiro, 1995, p. 131-133)

A cultura brasileira formou-se, segundo Senna (2012), à margem da


submissão cultural à fração branca da sociedade, porém, não à sua sombra.
Contudo, concomitante a essa cultura a qual constitui a sociedade brasileira, a
escola era considerada como algo inatingível pelos povos de etnia brasileira. A
escolarização era concebida como incabível para os ditos não brancos, sendo isso
compreendido como um despropósito ante as concepções de coletivo e sentido
do trabalho que divergiam claramente da formação europeia, a qual se centrava
no individualismo e na sacralização do trabalho.
Foi com essas características muito peculiares em relação à formação da
sociedade que o Brasil tornou-se independente e adentrou o século XX com o
pensamento de construir um país constituído por uma nova ordem pública e com
progresso industrial. Essas transformações trouxeram mudanças no campo
educacional, o qual deixou de ser exclusividade de uma classe mais abastada. As
portas das escolas foram abertas para o povo, e elas se incumbiram de introduzi-
los no mundo civilizado. A escola, nesse cenário, passa a ser determinante na
integração ao mundo do trabalho, subdividindo-se em dois modelos
estabelecidos: um destinado à burguesia, que se delineava a partir de uma
formação acadêmica; e outro destinada às classes subalternas, com a proposta
de uma formação profissionalizante.
De acordo com Senna (2012), a população, ao chegar à escola brasileira,
depara-se com duas realidades diferentes. Uma é conforme às convicções e aos
modelos europeus, que visavam à formação social de um cidadão civilizado, o
qual os ideais sobrepunham aos desígnios naturais; a outra realidade é a legítima
brasileira, em que seus valores eram suficientes para continuar vida afora. Ainda,
segundo o mesmo autor,

Daí resulta que o aluno brasileiro permite-se, isto sim, preparar-se para
o trabalho, incorporando o mínimo possível da educação que a escola
lhe impunha. Assim foi que o brasileiro tornou-se um leitor da escrita,
mas não formou uma sociedade leitora de textos escritos, o que significa
dizer que dominou a tecnologia da escrita, mas não a transferiu para
suas práticas sociais, nas quais a oralidade ainda prevalece como uma

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forma de resistência à interferência da cultura europeia na “alma” do
povo. (Senna, 2012, p. 42)

Essa realidade descrita por Senna (2012) parece perpetuar até a


contemporaneidade, pois a escola reproduziu a própria indefinição de sociedade
que se delineou no Brasil, diante das múltiplas culturas inseridas e ao mesmo
tempo impostas ao povo que agora se denomina povo brasileiro. Este, no entanto,
ainda está preenchendo o mesmo espaço que esteve desde o século XVI.

TEMA 2 – CULTURA

A sociedade brasileira transita entre a cultura local e a cultura europeia,


tentando formar sua própria identidade social, a qual se faz extremamente
necessária para a construção coletiva de um sentimento de pertencimento a uma
cultura própria. Romanelli (2007) pontua que a forma como se origina e evolui uma
cultura define bem a evolução do processo educativo. Scheler (citado por Mora,
1971, p. 391) afirma que “cultura é humanização”, e humanização tanto se refere
ao “processo que nos faz homens” como ao fato de que os bens culturais também
se humanizam. A história do ser humano, como história da cultura, é, assim, “o
processo de transformação do mundo e simultaneamente do homem (Romanelli,
2007, p. 20).
Portanto, ainda no pensamento de Romanelli (2007, p. 20), “a cultura se
define como algo muito mais abrangente do que o simples resultado da ação
intelectual do homem; ela é o próprio modo de ser humano, o mundo próprio do
homem”.
Nessa compreensão de cultura, fica claro a preocupação que ainda se
observa de forma muito expressiva, que é a negação da cultura brasileira em
detrimento da cultura europeia, que se perpetua como referência de qualidade.
Ela contribui para manter a escola em um cenário ambíguo e indefinido, pois
circula entre formar seres humanos que incorporam verdadeiramente o
conhecimento científico e a formação de um sujeito urbano preparado para o
trabalho. Ou seja, a negação da cultura é senão a negação da sua própria
existência enquanto ser humano produtor de cultura, o que se configura em um
cenário extremamente perturbador. Segundo Romanelli (2007, p. 22):

A falta de enraizamento, todavia, é fatal para a cultura, até para sua


faceta mais facilmente alienável, que é a cultura intelectual. A
permanência desta, a sua guisa de corpo estranho no seio das
circunstâncias alheias, acaba gerando formas de comportamento

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intelectual destituídas de conteúdo e sentido. O que se consegue imitar,
desde a época colonial, foi apenas o aspecto formal do modelo cultural.
Um sistema cultural, deslocado de sua matriz para instalar-se
alienadamente, apenas como produto, em meio a outras circunstâncias,
gera formas de comportamento que se apresentam e se transmitem por
meio de símbolos vazios de significado. A cópia do aspecto meramente
formal foi a característica dominante da cultura intelectual transplantada
desde a época da colonização do Brasil. (Romanelli, 2007, p. 22)

Devido a essas características, a educação não pode ser analisada como


um fenômeno universal, e sim, deve ser compreendida a partir do contexto em
que foi constituída ao longo da história.

TEMA 3 – EDUCAÇÃO

No caso brasileiro, a educação apresenta especificidades que são


indissociáveis à sua própria existência, pois sua trajetória apresenta elementos
que justificam sua configuração atual. Ela estabeleceu mecanismos que
contribuem para seu entendimento em sua totalidade, apropriando-se do cenário
em que foi concebida e conjecturando condições para superá-la.
Essas condições na sociedade atual, denominada pós-moderna, aguçaram
a ambiguidade da educação no Brasil, pois, se anteriormente existia um duplo
sentido que transitava entre o sujeito cartesiano e o sujeito laboral, na atualidade,
nenhum desses modelos atendem mais às demandas sociais estabelecidas pela
contemporaneidade. Segundo Senna (2012, p. 47), “a educação não é uma
responsabilidade da escola, e sim da sociedade que criou e justificou a escola no
interior de um determinado projeto de desenvolvimento humano”.
A educação precisa reverberar uma proposta que supere as condições de
vida estabelecidas na sociedade brasileira desde sua formação inicial. Essa
formação foi cercada de situações que dificultaram a construção de uma
educação alicerçada em fundamentos teóricos, que afirmam a existência dela por
meio da própria existência humana na sua dinamicidade real.
O sentido da Educação que precisa ser esclarecido deve ser analisado
sob dois modos distintos, porém complementares: a formal e a não formal. A
educação formal se dá de forma sistematizada e por meio de profissionais
destinados a esse fim, os professores; já a não formal – ou como alguns autores
preferem denominar, incidental – é que se estabelece no cotidiano entre os
sujeitos da sociedade. Essa última independe da idade e do local, bem como do
tempo histórico; já a primeira é intencional, pré-definida e planejada de acordo

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com os sujeitos envolvidos e os objetivos pensados. Portanto, o que as diferencia
é a intencionalidade que lhe dá sentido.
Sob esse ponto de vista, fica evidente que a Educação, no modo mais
complexo, não é responsabilidade exclusiva da escola, e sim, deve ser entendida
como uma prática de vida social, que não pode ser transferida para um único
segmento da sociedade como tem sido feito nos últimos anos. A escola tem sim
sua expressiva responsabilidade na Educação dos sujeitos, porém não é seu
dever único. Sua prioridade deve permear sobre a formação dos indivíduos com
relação aos conhecimentos historicamente constituídos pelo ser humano.
A especificidade da educação está definida por seu objeto: identificação
dos elementos culturais necessários à constituição da humanidade em cada ser
humano e à descoberta das formas adequadas ao atingimento desse objetivo.
Dessa forma, a educação configura-se em trabalho, intencional, com um fim a
atingir. Trabalho voltado à formação, cujo produto não se separa do ato de
produção, considerado de segunda natureza, cultural, histórico.
No entanto, para alcançar essa intencionalidade do trabalho educativo, faz-
se necessário organizar as condições de sua realização pensando nas ações que
visam dar sistematicidade ao trabalho pedagógico, evitando ao máximo que se
efetive de forma espontânea, eventual, improvisada.
Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9.394/1996, em seu
art. 1.º, a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida
familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais e nas organizações da sociedade civil, bem
como nas manifestações culturais.
Portanto, a educação, antes de tudo, é um direito de todos, mas para além
do acesso deve ser garantida sua qualidade segundo princípios que sustentem a
formação humana em sua plenitude, potencializando as capacidades que o
indivíduo possui no sentido de promover e melhorar sua própria existência e a
realidade social em que vive, contribuindo para a transformação da sociedade de
modo que ela se torne cada vez melhor.
Esse conhecimento produzido historicamente e que, ao ser ensinado,
possibilita elaborar novos ou aperfeiçoá-los, que precisa ser cautelosamente
planejado e ordenado de forma a garantir seu amplo acesso, o que se refere não
somente a levar a informação, mas explorar esse conhecimento de forma que
possa ser apropriado e devidamente compreendido por todos. Esse acesso, em
seu sentido mais completo, compreende sua inserção e também seu
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entendimento, e se configura como um dos grandes desafios da educação, ou
seja, pensar nos processos educativos remete-nos a pensar na responsabilidade
do professor e sua reconfiguração diante da nova realidade, bem como a entender
o aluno e seus processos de aprendizagem.

TEMA 4 – ESCOLA

Com efeito, a escola deve ser compreendida como um dos meios


fundamentais para essa formação. Nesse sentido, segundo Pimenta (1998, p. 50):

O papel da escola é garantir o acesso ao conhecimento de qualidade por


parte de todas as crianças e jovens a fim de que se situem no mundo,
um mundo que é rico em avanços civilizatórios. Em decorrência,
apresenta imensos problemas de desigualdade social, econômica e
cultural. De valores. De finalidades. A tarefa da escola é inserir as
crianças e os jovens, tanto no avanço como na problemática do mundo
de hoje, através da reflexão, do conhecimento, da análise, da
compreensão, da contextualização, do desenvolvimento de habilidades
e de atitudes. A identidade da escola nesse processo é garantir que as
crianças e os jovens sejam capazes de pensar e gestar soluções para
que se apropriem da riqueza da civilização e dos problemas que essa
mesma civilização produziu. É nessa contradição que se define a
identidade da escola hoje. (Pimenta, 1998, p. 50)

A escola pode possibilitar ao povo brasileiro a construção, ou talvez a


reconstrução, identificação e valorização de sua cultura. O espaço escolar
proporciona aos sujeitos a troca de conhecimentos e valores culturais eminentes
de uma sociedade, além de ser o lugar mais adequado para formação dos seres
humanos, que buscam reconhecer sua essência e a apropriação de
conhecimentos mais elaborados.
É fato que a escola brasileira perpassa por dificuldades decorrentes.
Primeiramente, devido à forma com que foi instituída, em segundo lugar, em
consequência da própria fundação da sociedade brasileira, que é problemática
até a atualidade. Também é necessário afirmar que, diante dessa realidade, há
um esforço expressivo para superar essas condições que lhe foram impostas no
início de sua constituição. Porém, toda história faz parte de um processo de
elaboração humana a qual a escola é uma delas. Portanto, cabe a todos os
cidadãos brasileiros envolvidos direta ou indiretamente na organização escolar
propiciar condições que tornem os processos educativos nela incumbidos
gradativamente melhores do que são.
Isso não significa que a sociedade, de modo geral, deva adentrar a escola
e reestruturá-la, mas sim é preciso que seja delegado a cada segmento da
sociedade suas respectivas responsabilidades, o que se considera um bom

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começo para possíveis transformações. A escola precisa deixar de ser um
depositário de sujeitos que a família e a sociedade não deram conta de educar, a
qual os responsáveis delegam a tarefa de formar sujeitos para uma urbanidade
civilizada. É preciso superar esse caráter que não atende mais às demandas
dessa sociedade, bem como se despir urgentemente do caráter enciclopedista
que se concretizou com as ideias iluministas, pois isso também perdeu o sentido
no atual contexto.
Prioritariamente, o sentido da escola e da educação precisam ser definidos
de forma única, bem como a ambiguidade que cerceia o campo educacional
precisa ser claramente discutida e redefinida entre os diversos setores da
sociedade para que cheguem a um objetivo comum. Desse modo, a partir dele,
permite-se equidade de condições, bem como que se reestabeleçam ações
verdadeiramente concretas para intervir e melhorar a educação pública no país,
proporcionando seu acesso a todos os brasileiros sem distinção étnica, de classe
social ou de qualquer espécie.
As condições que foram estabelecidas historicamente e que se enraizaram
de forma predominante nas escolas, pautadas em uma perspectiva de educação
distinta conforme a classe a que se dirige, precisam ser emergencialmente
extintas, pois diante da nova configuração de sociedade estabelecida na pós-
modernidade, essa divisão não atende mais às demandas atuais, e sim contribui
para reforçar as desigualdades presentes na sociedade advindas do modo de
produção capitalista. A escola, devido à sua função emancipatória, deve superar
a visão de sociedade cindida em classes desiguais, discriminatória, injusta e
acima de tudo desumanizada. A escola, nesses modelos reprodutores de matéria-
prima para a exploração do trabalho humano, é também um projeto social
esvaziado de conteúdo e consciência social, o qual contribui para que as
condições de vida das pessoas permaneçam da mesma forma. Como Frigotto
(2017, p. 20) afirma:

O Brasil, no contexto do capitalismo mundial, estruturou-se sob o signo


colonizador e escravocrata e, como tal, produziu uma das sociedades
mais desiguais e violentas do mundo. Das burguesias clássicas que
lutaram para constituir nações autônomas e independentes e que,
mesmo cindida em classes, estruturaram sociedades com acesso aos
direitos sociais básicos, diferentemente dessas, a burguesia brasileira
sempre foi antinação, antipovo, antidireito universal à escola pública.
Uma burguesia sempre associada da forma subordinada aos centros
hegemônicos do capital. (Frigotto, 2017, p. 20)

A triste realidade brasileira precisa ser, em um primeiro momento,


conhecida, entendida para que posteriormente possa ser superada. Os fatos do
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passado não podem ser alterados, porém, podem e devem servir de referência
para as ações do futuro. É a partir da apropriação dos conhecimentos históricos
que o ser humano tem a possibilidade real de reelaborar a realidade de forma
concreta e efetiva, bem como e intervir nela, transformando-a de forma que
proporcione melhores condições de vida a todos os cidadãos.
Por isso, a escola encontra-se em uma grande busca de sua identidade,
talvez porque expressa a busca da construção de uma identidade de sociedade
brasileira. Essa identidade precisa ser trabalhada, analisada na concretude em
que se situa, pois escola e sociedade são parte de um mesmo grupo social, são
indissociáveis: a escola é sociedade e a sociedade está na escola no mesmo
tempo e espaço. Esses aspectos possibilitam elementos substanciais para a
construção de um novo projeto de escola. Nesse sentido, Pimenta (1998) afirma
que a escola tem um rumo a seguir, ou seja, há um caminho pelo qual a Educação
deve caminhar:

A escola em toda a sua história sempre trabalhou com o conhecimento


de formas diferentes. A velha polêmica se ela forma ou informa e a sua
reiterada incapacidade diante das mídias tecnológicas na difusão de
informações, é tema recorrente em vários fóruns. A discussão se
acentua no presente, com a Terceira Revolução Industrial, onde os
meios de comunicação, com sua velocidade de veicular a informação
deixam mais explícita a inoperância da escola e dos professores. No
entanto, se entendemos que conhecer não se reduz a informar, que não
basta expor-se aos meios de comunicação para adquiri-las, que é
preciso operar com as informações na direção de se chegar ao
conhecimento, então parece-nos que a escola (e os professores) têm um
grande trabalho a realizar com as crianças e os jovens. Isto é, proceder
a mediação entre a sociedade da informação e os alunos, no sentido de
possibilitar que, pelo desenvolvimento da reflexão, adquiram a sabedoria
necessária à permanente construção do humano, condição fundamental
de valores e conhecimento que antecipem uma ordem social justa e
igualitária. (Pimenta, 1998)

Perante as condições apresentadas por Pimenta (1998), um novo projeto


de escola deve ser idealizado e estabelecido, assumindo um papel fundamental
dentro da vida do indivíduo, possibilitando sua humanização. A humanização do
sujeito consiste em oferecer as plenas condições de acesso e apropriação do
conhecimento mais elaborado cientificamente pela humanidade, de forma que
subsidie e enriqueça as formas de elaboração do seu pensamento com vistas a
alcançar plenamente uma autonomia intelectual.
Essa autonomia auxilia os sujeitos a evoluírem enquanto pessoas, e
consequentemente proporciona uma transformação que os conduz à percepção
de que pode usar sua inteligência para o bem-estar de todos, contribuindo para
construção de uma sociedade mais digna e humana.

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Desse modo, fica explícito o papel da escola, bem como sua finalidade
histórica e cultural na sociedade. Soares (2010, p. 32) também afirma que a escola
assume historicamente a responsabilidade pelo desenvolvimento de um processo
pedagógico específico, que, entendido como processo de trabalho humano, pode
ser definido como uma atividade orientada para determinado fim, a “atualização
histórico-cultural do homem”, a transmissão de conhecimentos, informações e
valores.

TEMA 5 – APRENDIZAGEM: SUJEITOS E PROCESSOS

Nessa conjuntura, o primeiro aspecto a ser explorado será o relativo às


abordagens conceituais, no que tangem às concepções sobre a aprendizagem
humana. Não será feito aqui uma profunda análise sobre as diferentes teorias de
aprendizagem, porém, serão apresentadas ideias centrais de cada teoria
sinteticamente, com o objetivo de situar a lógica do pensamento incorporado
nesse tema, partindo do pressuposto de que:

Sem compreender o que se faz, a prática pedagógica é mera reprodução


de hábitos existentes, ou respostas que os docentes devem fornecer a
demandas e ordens externas. Se algumas ideias, valores e projetos se
tornam realidade na educação é porque os docentes os fazem seus de
alguma maneira: em primeiro lugar interpretando-os, para depois
adaptá-los. Já é uma crença bastante comum que os professores/as ou
qualquer agente educativo são mediadores inevitáveis entre os ideais e
as práticas, entre os projetos e as realidades. Apenas na medida em que
cada um tenha claro esses projetos e essas ideias, pode ser um
profissional consciente e responsável. (Sacristán; Gomez, 1998, p. 9)

Observa-se que certos conceitos emergem nos discursos dos profissionais


da educação de forma natural. Porém, na maioria das vezes, configuram-se em
meras reproduções, tornando inevitável o distanciamento entre a teoria e a prática.
As teorias de aprendizagem podem ser analisadas sob duas correntes
distintas que as subsidiam. A corrente das teorias associacionistas, de
condicionamento, concebem a aprendizagem como um processo mecânico de
associação de estímulos e respostas, determinados pelas condições do meio, não
considerando as intervenções e variáveis referentes à estrutura interna. Essa
teoria, ainda, é dividida por duas correntes: condicionamento clássico,
desenvolvidas por Pavlov, Watson e Guthrie; e condicionamento instrumental ou
operante, de Hull, Thorndike e Skinner.
A segunda corrente se configura pelo enfoque nas teorias mediacionais, que
consideram a aprendizagem como um processo de conhecimento, de
compreensões, de relações em que as condições externas atuam mediadas pelas
015
condições internas. Essa corrente pode se subdividir em várias matizes: teoria da
Gestalt, psicologia genético-cognitiva, psicologia genético-dialética e
processamento de informação. Seus principais autores são, respectivamente,
Rogers, Piaget, Vygotsky e Cagné.
As teorias de aprendizagem, de modo geral, tentam trazer elementos que
auxiliam na compreensão dos processos de elaboração do pensamento humano.
Porém, na sua maioria, foram realizadas experiências fora do contexto escolar, em
estudos laboratoriais, o que limita sua aplicabilidade de forma completa no contexto
escolar. O que se pretende afirmar é que a aprendizagem escolar tem
características muito peculiares por se efetivarem dentro de uma instituição com
finalidades sociais, cada qual com características próprias, inviabilizando uma
generalização de conceitos.
A tentativa de sequenciar e dosar os conhecimentos que se apresentam nas
relações estabelecidas entre sujeitos, entre objetos e o meio no espaço escolar
precisa ser compreendida dentro de uma análise que contempla o ensino sob uma
dimensão muito específica, a qual sua medida é indeterminada. Melhor dizendo, as
teorias de aprendizagem, apesar de trazerem elementos significativos para o
entendimento dos processos internos da mente humana, independentemente dos
elementos que os influenciam, devem ser reconhecidas também pela sua
indeterminação na aprendizagem, pois as interações entre discente e docente
estão imersas em uma situação única, dinâmica e pouco previsível, o que a
caracteriza com um grau de imprevisibilidade. Para Sacristán e Gomes (1998, p.
50):

As teorias psicológicas pretendem explicar os fatos, a teoria e prática


educativa, se propõem além disso debater as intenções, propor,
experimentar e avaliar fórmulas de transformação do real dentro do
âmbito do possível, provocar a construção da nova realidade,
respeitando no processo os princípios que os valores debatidos e
propostos realizam. (Sacristán; Gomez, 1998, p. 50)

Nessa ótica, fica claro que a aprendizagem escolar precisa ir além da


compreensão de uma teoria desenvolvida com objetivos específicos. Ela deve ser
conduzida para uma compreensão que, apesar de considerar diferentes formas
de aprender do ser humano, a partir das concepções de aprendizagem, contemple
de forma significativa a complexidade em que a aprendizagem se concretiza, no
tempo, no espaço, sob condições e todos os aspectos que a determinam. A
compreensão deve partir de uma análise que evidencia todos os condicionantes,

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contemplando o todo e as partes desse processo educativo em um movimento
dialético em que ambos se constituem de forma complementar.
A educação se constitui a partir de uma análise complexa e é considerada
como um ato intencional, que possibilita ao ser humano, se pensada dentro de
uma concepção crítica, sua emancipação. É indissociável elaborar propostas de
ensino que reverberem em uma práxis pedagógica que ofereça aos indivíduos
conhecimentos suficientes para utilizá-los como ferramenta necessária na
realização de qualquer trabalho que venha a ser desempenhado na realidade.
Isso pode ser traduzido na verdadeira responsabilidade do professor, que de
forma convicta deve proporcionar os instrumentos necessários para a apropriação
dos saberes historicamente constituídos, e que podem de forma muito satisfatória
intervir nas condições de vida dos indivíduos.
Esses instrumentos tornam-se acessíveis mediante uma aprendizagem
significativa, relevante, implicando um processo de aculturação, configurando-se
em uma aprendizagem que se concretiza na medida que se efetiva diante de sua
aproximação com a realidade. Porém, essa compreensão parece caminhar para
um campo um pouco delicado, pois o entendimento perpassa pela ambiguidade
entre os problemas relativos ao enfoque que se estabelece no âmbito das
questões de como o aluno aprende ou na relação que ele estabelece com seu
contexto. Nas palavras de Sacristán e Gomez (1998, p. 95) “o problema não é
tanto como aprender, mas sim como construir a cultura da escola em virtude de
sua função social e do significado que adquire como instituição dentro da
comunidade social.”
Essa análise conduz para duas possibilidades que se efetivam no contexto
escolar: uma delas se configura, ainda no pensamento de Sacristán e Gomes
(1998), na concretização da cultura social da comunidade, em que os problemas,
os conflitos e os interesses, bem como as alternativas e as propostas de
intervenção estejam explicitamente expostos e abertos de forma consciente.
Outra possibilidade cerceia no seu contrário, ou seja, constrói artificialmente um
grupo que distorce ou relativiza os problemas para dar lugar a um conhecimento
descontextualizado, que prioriza os conceitos prontos, acabados, fragmentados,
enciclopedistas, com valores universais, porém, nulos na intervenção social. Para
os autores

Quando a estrutura acadêmica e social da escola oferecer um contexto


de vida e interações educativo em si mesmo, por ser significativo e
relevante, a aprendizagem como processo de aculturação dará lugar à
aquisição das ferramentas conceituais necessárias para interpretar a
017
realidade e tomar decisões. Neste caso, os alunos/as deixarão de se
comportar como meros estudantes acadêmicos para atuar como
profissionais inteligentes, desenvolvendo sua compreensão conceitual
da realidade mediante a interação social e a colaboração na análise dos
problemas, na proposta de atuações experimentais, na avaliação dos
processos e resultados; enfim, mediante a construção cooperadora do
conhecimento na própria dinâmica de intervenção social. (Sacristán;
Gomez, 1998, p. 96)

Essa construção cooperadora do conhecimento só é possível mediante a


compreensão de que o aluno é ativo, e que a sua aprendizagem é fruto de um
diálogo entre a realidade natural e a imaginada. Ou seja, uma aprendizagem
relevante, significativa, só se concretiza na medida em que se consegue atingir
uma interação entre o conhecimento científico e o conhecimento popular,
possibilitando aos envolvidos sua abstração, para posterior reelaboração e
reinvenção de forma criativa. Portanto, segundo os mesmos autores, esse diálogo
criador requer uma comunidade democrática de aprendizagem, em que professor
e aluno possam transitar pelo conhecimento de forma recíproca, não
hierarquizada, possibilitando uns aos outros a humanização.
A compreensão da aprendizagem humana leva-nos a entender que seu
instrumento maior é a linguagem, e sua concretização é a escrita, pois
compreende-se mais do que um mero código gráfico, e sim como a forma pelo
qual o homem encerra por meio da escrita a própria natureza do pensar humano.
Segundo Senna (2012, p. 73)

A escrita exige concentração, centração em um objeto de cada vez,


disposição dos objetos em uma sequência ordenada no tempo e
devidamente categorizada em relação de coerência. [...] O professor e a
escrita que este levava ao domínio dos alunos fundiam-se num só
caráter, ambos coerentes entre si e motivados pela mesma crença em
um modelo de pensamento a ser empregado no cotidiano social. (Senna,
2012, p. 73)

No entanto, a escrita a partir da revolução tecnológica ganhou novas


formas de se estabelecer. Principalmente com a informatização, a escrita ganhou
novos elementos que a deixaram mais dinâmica e imediata, fundando uma nova
sociedade que se despedia de uma aprendizagem individual, presa a um único
material escrito, para uma aprendizagem constituída por uma diversidade de
informações, ricas de imagens, palavras, sons, simultâneos do tempo por meio do
que se denomina hipertexto. Para Senna, esse modelo de texto, hipertexto, traz o
significado que cada um atribui da sua forma ao mesmo tempo que se significa
enquanto sujeito de sua própria aprendizagem.
Nesse contexto, a escola se situa em uma contradição permanente que
transita entre indivíduos com comportamentos segundo os padrões clássicos e
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indivíduos com características dessa nova configuração de sociedade
hipertextual, da mesma forma que a escola, na sua organicidade, transita pelos
mesmos condicionantes.

FINALIZANDO

A educação brasileira se constitui em um cenário que, apesar de


conflituoso, contempla a legitimidade do povo brasileiro. Ele conquistou seu
espaço, ainda que substancial, mas ante a todas as adversidades apresentadas
nesta aula, superou grandes dificuldades que precisam ser valorizadas como uma
construção histórica, que colaborou para que a sociedade brasileira do século XXI
esteja melhor do que a do século XVI.
Os dados apresentados no início desta aula podem ser compreendidos e
justificados em algumas situações na trajetória histórica em que a Educação se
constituiu. Não quer dizer que deva se perpetuar, mas sim que são fatos a serem
considerados para pensar nas possibilidades de superação.
Portanto, os fatos e as reflexões apresentadas devem subsidiar a formação
intelectual dos educadores brasileiros, para que eles possam dar continuidade a
essa história que se faz mediante elaboração humana, enquanto cultura, a qual
precisa ser a cada dia disseminada e construída de acordo com o tempo e o
espaço a que pertence.

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REFERÊNCIAS

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