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Resumo
A história recente do Ensino de Sociologia no Brasil é uma trajetória multifacetada iniciada com a
obrigatoriedade no Ensino Médio e também com algumas iniciativas de implantação no Ensino
Fundamental. As experiências da disciplina com outros públicos e espaços além do Ensino Médio
contribuem para fortalecê-la enquanto matéria escolar, pois essa diversidade contribui para o
enriquecimento didático da Sociologia na Educação Básica.
Nesse sentido, algumas experiências vêm sendo vivenciadas nas Séries Finais (6º ao 9º ano) do
Ensino Fundamental e auxiliam a repensar as estratégias metodológicas, os materiais didáticos, o
currículo e as concepções teóricas específicas para esse público alvo, uma vez que a existência da
Sociologia no Ensino Fundamental ainda possui uma inserção de pequena escala, em virtude do
amparo em legislações municipais ou a partir de decisões de cada instituição escolar.
Portanto, esse trabalho é um esforço de iniciar a sistematização e organização da história sobre a
implementação da Sociologia no Ensino Fundamental na rede municipal de São Leopoldo/RS. A
Sociologia está na rede a quase 10 anos e precisamos registrar a nossa história e fazer um balanço
sobre essa implementação: avanços, retrocessos, possibilidades, experiências e perspectivas. Por
isso, o objetivo é conseguir apresentar um retrato dessa realidade, para dialogar com outras
experiências similares e fortalecer a nossa disciplina enquanto componente curricular do Ensino
Fundamental. Uma vez que a falta de obrigatoriedade faz sua permanência ficar suscetível as
mudanças políticas dos governos que assumem as administrações municipais.
Muitas questões se colocam em um contexto como esse, onde a fragilidade de amparo legal se
reflete em dificuldades enfrentadas em sala de aula, desde a disparidade da carga horária em relação
às demais disciplinas, poucas indicações de matriz curricular e materiais específicos, a sensação de
isolamento e de estar sempre “inventando a roda”. Dessa forma, o esforço de organizar esse trabalho
também visa demonstrar a potencialidade da Sociologia nas Séries Finais.
Assim, esse resgate se desenvolverá a partir da análise de documentos e registros de eventos,
reflexões sobre as trocas entre docentes da rede e através do resgate das experiências de sala de
aula, no intuito de formar e apresentar um registro histórico local.
A análise sobre a inserção da Sociologia no Ensino Fundamental é de extrema importância para
ampliarmos a nossa capacidade de tornar a Sociologia acessível a qualquer público em diferentes
contextos sociais, sendo assim, mais um elemento que colabora para a legitimidade e presença
permanente da Sociologia na Educação Básica, se tornando também, parte da história do Ensino no
país.
1 Na gestão anterior foi retirada a Lei de Gestão Democrática do Ensino Público Municipal que possibilitou as
equipes diretivas serem escolhidas pela comunidade escolar.
pois muitos não tinham clareza de como as disciplinas poderiam aprofundar e
abordar enquanto conteúdo escolar.
De acordo com os relatos dos professores nos primeiros encontros de
formação, as escolas acreditavam que elas poderiam colaborar para resolver
problemas na escola, como por exemplo, diminuir a violência entre os alunos .Muitas
estão situadas na periferia ou em comunidades carentes que apresentam altos
índices de vulnerabilidade social, de acordo com o quadro que veremos no decorrer
do artigo. Alguns locais acreditam na possibilidade na formação de alunos críticos,
conscientes e atuantes para mudar sua realidade social. A partir dessas
observações é possível compreender por que as instituições optaram por incluir as
disciplinas, especialmente Sociologia.
No momento da implantação ainda não haviam diretrizes municipais para a
disciplina de Sociologia, ou qualquer material que pudesse ser utilizado pelos
professores como ponto de partida para embasar seus planos de trabalho e o
planejamento das aulas. O objetivo da SMED era nomear os professores e esses,
com formação na área, pudessem discutir e construir juntos as diretrizes que
nortearia o trabalho.
Segundo o relato do Secretário da Educação que atuou no período da
implantação, Ângelo Dalcin (2005), e da Diretora Pedagógica que atuou no período
em que os professores foram nomeados, Quênia Strasburg (2007), havia a
preocupação de que a inserção da disciplina não fosse imposta pela SMED, mas
oriundo de um processo de discussão das escolas e com livre adesão. A gestão
municipal acreditava que as escolas precisam desenvolver suas propostas
pedagógicas e curriculares, a partir do que a comunidade escolar acreditava como
ideal a partir da realidade em que estava inserida. Dessa forma, não houve
imposição de como deveria ser a carga horária e nem em quais turmas seriam
contempladas.
Fonte: Grades curriculares das escolas municipais fornecidas pela SMED de 2010.
2 Ano em que foi feito o primeiro levantamento de dados para mapear quais escolas haviam adotado e em quais
turmas, para a formação continuada de professores de sociologia da rede municipal.
2.1 Formação continuada dos professores de Sociologia da rede municipal
No ano de 2010 a SMED organizou um Programa de Formação Continuada
Socializando Saberes e Práticas – Sociologia e Filosofia e o tema era o currículo em
foco. Foram realizados encontros presenciais e algumas atividades à distância para
elaboração de textos que deram origem aos primeiros rascunhos das Diretrizes
Curriculares dessas disciplinas. A formação ocorreu em 40 horas.
Os encontros iniciaram com uma retrospectiva da implantação das disciplinas
e um panorama de como elas estavam distribuídas na rede municipal. Na sequência
foram discutidos textos que haviam sido organizados e disponibilizados previamente
em um cronograma para os participantes e embasaram as discussões da formação.
Entre esses subsídios estava as Diretrizes Nacionais de Sociologia para o Ensino
Médio, que foi nosso ponto de partida para a construção das Diretrizes Municipais.
Em todos os encontros havia um momento para compartilhar a realidade
escolar e as situações vivenciadas em sala de aula. Assim como as angústias e
dificuldades, foram compartilhadas ideias, alternativas e soluções que cada um
encontrava para enfrentar as adversidades de trabalhar com uma disciplina recém
implementada na rede.
Em um dos encontros foi proposto para que cada professor apresentasse três
atividades que havia desenvolvido em sala de aula. Esse encontro foi riquíssimo,
pois essa era a maior angústia trazida por todos nos encontros, como trabalhar com
uma área do conhecimento que havíamos estudado na graduação de uma forma tão
teórica com adolescentes de 10 a 15 anos de idade? Se esse já era um desafio para
os professores do Ensino Médio, imagina no Ensino Fundamental?
Algumas dificuldades surgiram inclusive porque algumas equipes diretivas
não entendiam o papel e o trabalho pedagógico da disciplina de Sociologia, e ainda
do questionamento por parte dos grupos docentes da necessidade e legitimidade da
inserção da matéria, tendo em vista a divisão de carga horária (sem orientações
mínimas da SMED) da estrutura curricular.
Além do Socializando Saberes e Práticas de 2010, ocorreram encontros com
os professores no ano de 2011, especialmente porque chegaram na rede novos
professores de Sociologia que haviam sido chamados no último concurso 3. Foram
encontros de trocas de materiais e de experiências. Tivemos acesso há livros, blogs,
Ao iniciar a reflexão sobre minha prática docente, vejo o quanto nos tornamos
professores na prática. Não basta estudarmos e sabermos todas as teorias se é na
pratica que nos tornamos professores de fato, principalmente, de uma disciplina
relativamente nova, que é a Sociologia.
Inicialmente, fui acolhida com desconfiança pela equipe diretiva. Fiz uma
‘entrevista’ antes da recepção para os outros colegas. Nessa ‘entrevista’, fui
questionada das minhas experiências profissionais, local onde me formei, qual seria
minha metodologia, seu eu já tinha lecionado para o Ensino Fundamental, etc.
Compreendo a precaução, pois eu era a terceira professora de sociologia da escola,
num espaço de um ano e meio. Assim, estavam se/me prevenindo.
Não condeno o método tradicional. Ele até é muito bom para a compreensão
dos conceitos e conteúdos. Porém, é a maneira em que ele é utilizado, o seu
contexto. Na maneira mencionada acima, a escola torna-se uma prisão, e realmente
é. Minha forma de lecionar é muito controlada, pois devemos manter a ordem. Isso
desmotiva a prática de um ensino de sociologia diferente e inovador, pois minhas
ideias têm que passar pela nova equipe diretiva: que tipo de filme, que tipo de
atividade estou desenvolvendo, olhar os cadernos dos alunos, etc.,
4 Mestrado em Educação.
todos os espaços. Como chegar até eles e fazê-los pensar e analisar
sociologicamente o que viviam, se muitas vezes nem era ouvida?
(...) mas formador de um clima aberto e livre no ambiente de sua classe. Falar
a e com os educando é uma forma despretensiosa mas altamente positiva que
tem a professora democrática de dar, em sua escola, sua contribuição para a
formação de cidadãos responsáveis e críticos. Algo de que tanto precisamos,
indispensável ao desenvolvimento da nossa democracia. (FREIRE, 2007, p.87)
Tem duas situações que marcaram muitos meus primeiros meses de trabalho.
Em uma delas estava dialogando e quanto tive oportunidade introduzi a temática
violência em uma turma do 6º ano que ocorreu da seguinte maneira:
_ Sim!!
Dessa forma fomos nos aproximando, nos respeitando, nos ouvindo e nos
confiando, para que todos pudessem aprender, pois quando o aluno diz sua palavra
ele faz parte da história, se situa na temática que está sendo discutida e não precisa
agredir (como sempre tem feito ou visto outros fazerem), para ganhar a atenção e o
respeito dos seus pares. Sigo atuando nessa mesma escola há 5 anos e a cada ano,
em cada turma é um novo mundo.
4. Conclusão
A implantação da Sociologia em todos os níveis da educação básica, anos
finais do ensino fundamental e ensino médio, é sempre um campo de luta.
Principalmente para nos legitimarmos frente as escolas, aos estados e na própria
sociedade. Encontramos na literatura sobre o tema indícios da luta desde 1890 com
a proposta feita por Benjamim Constante, no auge do positivismo no Brasil, para
implantar no ensino a Sociologia, com a ideia de tornar a sociedade mais
progressista. Contudo, a proposta não foi aceita. A implementação da Sociologia
como disciplina iniciou nos anos de 1925 e 1928 nas escolas de educação básica da
época. Infelizmente, a disciplina foi retirada do currículo escolar, junto com a
Filosofia, no período da ditadura militar brasileira. No seu lugar, foi colocado a
disciplina Moral e Cívica, no Ensino Médio e Estudos Sociais (Sociologia, História e
Geografia) no Ensino Fundamental. Realmente, sua implementação retoma o início
do positivismo no Brasil, não obstante, vemos só a partir da Lei de Diretrizes e
Bases à implementação efetiva do ensino da disciplina no Ensino Médio, como nos
afirma Luiza Helena Pereira,
No Brasil ao longo dos últimos 15 anos os sociólogos veem
debatendo e se mobilizando pela implantação da Sociologia no currículo
do Ensino Médio. Entretanto, o movimento em prol da implantação da
Sociologia no Ensino Médio, nas escolas brasileiras, tornou-se mais forte
quando da aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), em 1996. A LDB estabeleceu, em seu artigo 2º, como
princípios e fins da educação nacional que a ‘ educação, dever da família
e do estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de
solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho. Na seção IV, que trata do Ensino Médio – artigo 36,
parágrafo 1º, foi definido que: os conteúdos, as metodologias, e as
formas de avaliação serão organizados de tal forma que, ao final do
Ensino Médio, o educando demonstre o domínio dos conhecimentos de
Filosofia e de Sociologia necessários aos exercícios da cidadania.”
(PEREIRA, Luiza Helena. 2009, p. 13)
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 13.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
OLIVEIRA, Luiz Fernandes de; COSTA, Ricardo Cesar Rocha da . Didática e ensino
de sociologia: questões didático-metodológicas contemporâneas. In: Luiz Fernandes
de Oliveira. (Org.). Ensino de Sociologia: desafios teóricos e pedagógicos para as
ciências sociais.. 1ed.Seropédica: Edur, 2013, v. 1000, p. 106-121.
PEREIRA, Thiago Ingrassia. Para além do senso comum: aportes para a construção
do conhecimento sociológico na Educação Básica. Anais do Congresso Brasileiro de
Sociologia. Grupo de Trabalho: Ensino de Sociologia. 2009.