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Márcia Leitão – Em seu livro “Formación laboral para el desarrollo escala –, precisa em todos os setores da economia de pessoas
humano”1 a Sra. critica a valorização da eficiência na educação mediante formadas para compreender o processo de produção, a gestão
o estabelecimento da relação entre escolaridade e nível de vida da população. e as finalidades do processo. Tal conceito do trabalhador está
Qual o grande malefício dessa valorização, em especial, na definição de baseado na visão da pessoa não como uma peça a mais do
políticas públicas para educação? processo ou da tecnologia, porém como o sujeito que pensa,
aplica a inteligência, a sua vontade e, portanto, seus valores no
Clarita Franco – A valorização da eficiência que critico é fazer do seu trabalho, tornando-os parte importante do seu de-
realmente um alerta ao conceito de eficiência como impacto senvolvimento humano integral nas dimensões racional, prática,
da educação, unicamente com foco na produtividade técnica ética, política, social.
do indivíduo. Para mim a educação, em quaisquer dos níveis e
modalidades, deve ter como fim primordial a formação integral, Márcia Leitão – A Sra. considera falaciosos os discursos em defesa da
isto é, a formação científica-técnica-ética da pessoa trabalhadora. elevação da escolaridade das populações menos favorecidas como instrumento
Hoje em dia o processo de produção – em grande ou pequena para garantir melhores salários e condições de vida? Por quê?
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Obra a “Formación laboral para el desarrollo humano” encontra-se disponível em versão e-book Clarita Franco – Um investimento em educação com o crité-
no site:<http://ww.todoebook.com>. rio único de responder aos condicionamentos impostos pelas
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de bens e serviços, é curto demais. O desenvolvimento huma- permanente e contínua
no faz a relação entre parâmetros mais compreensíveis, tais
como o acesso ao trabalho, não só como trabalho dependente,
mas também como trabalho associado, formas de economia
solidária, por exemplo. São marcos de referência amplos em
termos de nível de equilíbrio social, distribuição do ingresso todos os trabalhadores, em toda a pirâmide laboral, nos diversos
no mundo do trabalho e, principalmente, da qualidade humana tipos de empresas.
do trabalho. Esse é um parâmetro que está ainda muito lon-
ge de ser compatível com uma economia global eticamente Márcia Leitão – Como fica o desenho curricular dos programas de
direcionada. Em alguns países os indicadores de trabalho de formação laboral baseado em competências de caráter integral? O que traz
qualidade não existem. Em outros só se referem à relação de novo em relação aos desenhos curriculares tradicionais?
entre salários e o mínimo necessário para sobreviver. Em
outros, abrangem fatores como acesso a bens culturais, saúde, Clarita Franco – Minha experiência nesse campo me autoriza
educação, comunicação, educação permanente. Acho que uma a dizer que é possível em diversas culturas, em diferentes níveis
tarefa para hoje é atingir acordos internacionais para estabe- de desempenho e setores produtivos construir programas de
lecer e vigiar esses fatores derivados de uma visão integral da formação laboral por competências de caráter integral onde
pessoa e da sociedade, como dito anteriormente. Alguns dos se articulam, pedagogicamente, conhecimentos científico, téc-
capítulos do meu livro propõem elementos para a formação nico, valorativo, ético e estético. É possível e apaixonante ver o
de pessoas que sejam responsáveis de dar cumprimento a ta- entusiasmo e o compromisso dos trabalhadores das empresas
refa tão urgente. Trata se de pensar o desenvolvimento social construindo sua formação permanente e contínua dessa forma,
segundo a complexidade e a grandeza do ser humano, e não analisando o seu desempenho e o próprio programa periodica-
só em função do dinheiro circulante entre os diversos grupos mente. Vêm-se também os resultados nos processos de produção
humanos por meio da produção e venda de bens. e o benefício para as pessoas que, ao longo dos programas, são
capazes de desenvolver saberes teóricos e práticos aplicáveis a
Márcia Leitão – São frequentes as críticas à pedagogia baseada em novos desafios derivados de mudanças técnicas e organizacio-
competências como um modelo que ratifica os princípios e valores neolibe- nais nas empresas. No livro apresento exemplos práticos de
rais. A Sra. defende um modelo de formação para o trabalho baseado no tais experiências.
desenvolvimento humano integral. Quais as características fundamentais
desse modelo? É correto considerá-lo como uma evolução da pedagogia de Márcia Leitão – Enfim, é possível sonhar com um modelo de educação
competências? para o trabalho “humanizado” e mais adequado ao contexto e aos aspectos
culturais da América Latina?
Clarita Franco – É sim. A “onda” da formação por competên-
cias, da mesma forma que outras modas anteriores em educação, Clarita Franco – Não somente sonhar... podemos já ver resulta-
parte da exigência que o setor produtivo faz ao setor educativo dos de estruturas de emprego e decisões de política de emprego
para que os trabalhadores disponham das habilidades cognitivas que fazem parte da política social, sempre lideradas por pessoas
e técnicas necessárias ao seu desempenho dentro do processo capazes de trabalhar nos diferentes níveis da economia, contri-
de produção. Tudo bem, dependendo de quem, como, para que buindo com seu saber, respeitando e aceitando o saber dos outros.
fins a mencionada ferramenta pedagógica seja aplicada. O que A América Latina, por sua história, cultura, riqueza humana e
eu compartilho no livro em referência, e tenho desenvolvido natural, pode e deve continuar sendo motivo de atenção e até de
em projetos reais de trabalho de formação laboral em diversos surpresa para outros países, como tem acontecido com a presença
países, refere-se a um modelo de formação por competências do Brasil em recentes fóruns internacionais. Somos capazes de
definida pelos diferentes atores econômicos em cada setor pro- promover , mediante uma formação integral dos trabalhadores,
dutivo, em equipes interdisciplinares e interníveis de decisão nas empresários, gestores, cidadãos em geral, novos modelos de uma
empresas que garantam, na prática da formação, a valoração das organização do trabalho favorável ao desenvolvimento humano
capacidades e as expectativas econômicas, sociais e culturais de integral em diversos povos da região e do mundo.