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a ut-a ut
TRAVERSO
Melancolia de Esquerda :
Marxis mo, História e Memória
ENZO TRAVERSO
A melancolia de esquerda _ _ _ __ _ _ _ __
Marxismo, História e Memória
INTRODUÇÃO:
Passados assombrados desprovidos de utopias ____
VIRADA HISTÓRICA
_ Jti i11 l1 arr K())e ll cck, «// i,·f()f/c/ l\lJ,,~iSll i/ Vit i1 l': Tl,c l )i-;-,o lu rÍl.)11 l,) r rhc
T (> jH) <.; Jn tu r l1 l' Pc r') pc cr ivc l,)F a Modc r11i 7t' d t l isro ric d J> ro n:·s-. ,, ( I Vo7)
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1
e
p 29
.~ 28
final do século xx. no enranro. parecia ter reabilitado a ma.,,,ma rilhada do fim de um ciclo. de uma época e. afinal. de um secu-
de Cícero. A democracia liberal tomou a fonna de uma teodiceia , · d o e disrupcivo . a queda
lo.~ Por causa de seu cararer mespera . do
secular que, epílogo de um século de violencia. incorporou
Muro de Berlim loao ganhou uma dimensão de de \·irada
110 ei,e11t o.
b b , .
as lições do totalitarismo. De um lado. historiadores apontavam . carando no\·os cenanos.
de época que exce d ia suas causas. escan . . ,
as inúmeras mudanças ocorridas numa era turbulenta: de o utro. de súbito projetando o planeta em uma constelação imprens1vel.
filósofos anunciavam o «fim da história». O hegelismo otimista Como rodo grande evento político. alterou a percepção do passa-
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de Fukuyama foi criticado a torto e a direito. mas o mundo que do e gerou :ma nova imaginação histórica. O colapso do socia-
emergiu do final da Guerra Fria e do colapso do comunismo era lismo de Estado promoveu uma onda de enrusiasmo e. por pouco
assustadoramente uniforme. O neoliberalismo assumiu o protago- tempo, grandes expectativas de uma possível democracia socialis-
nismo; nunca, desde a Reforma. uma única ideologia havia esta- ta. Muito rapidamente, porém. as pessoas foram percebendo que
belecido hegemonia cão completa, de alcance cão globaP 0 que havia de faro ocorrido fora o desaparecimento absoluto de
O ano de 1989 representa uma ruptura, um 1110111e11t1"11 que roda uma representação do século x:x. A esquerda - essa imen-
encerra uma época e introduz outra. O sucesso internacional da sidão de correntes que incluía várias tendências anàscaliniscas -
obra de Eric Hobsbawm, A era dos extre111os (1994) , reside, ames foi se sencindo cada vez mais desconfortável. Chrisca Wolf. a es-
de mais nada, em sua capacidade de inserir dentro de uma pers- critora dissidente mais famosa da antiga República Democrática
pectiva histórica mais ampla a percepção cada vez mais compar- Alemã. descreveu essa estranha sensação no texto aurobiográfico
Sradt der E11y_el [A cidade dos anjos]: ela se senàa uma órtâ espiri-
No,.1 Ynrk: C l1 lumb1.1 Ln nn,1 f\ Prn, ~(II J-1 . pp. 20 - -t~. (1:d. br.h.: h 11 ,.,, tual, exilada de um país que já não existia." Jumo à história 06.cial.
/"''·"',/º <'. , 111/11 l1J11 1·"1 "• ' l //, // ///1 ,i 1/ /l.1 /(111/10 / IIS /1 IIJ(1h . - l r.t,l.J L1L' W 11111.1 jl «monumental» mas já desacreditada. do comunismo. haYia uma
Ma,, L' C'-1
·
rln, A· jl t '1·'1 1·· j) 1 1
e .1. , 10 t t :111L'1ro.
( ' u n rr:ipunrn ~( 11 1).
. h.1sconca
narrativa , • d·mcei·ence · criada pela Revolução de Outub ro,
- N era cataclísmica de cran-
Antigo Regime e a Restauraçao. essa . . d ão
na qua] outros evenros haviam sido inseridos,
. da Guerra Civ•I1
sição, uma nova forma de soberania baseada na ideia e n~ç es
Espanhola à Revolução Cubana e ª Ma'.o d~ 6~· S~~u.ndo essa
veio à tona e, por um breve momento, acabou com os regi~
v1.sao,
- o secu
, lo xx experimenrara
- uma hgaçao sunb1ot1ca entre
L · dade de escamemos rora
dinásticos europeus, em que uma soCie
barbárie e revolução. Passado o choque de novembro de 1989,
substituída por uma sociedade de indivíduos. Palavras trocaram
no encanto. essa narrativa desmoronou. van-ida pelos escombros . , · mo um «co-
de significado, uma nova concepção da h istona co
do Muro de Berlim. A dialética do século xx foi enterrada. Ern
letivo único», incluindo tanto um «conjunto de evenc~s», q_u an-
vez de liberar mais energias revolucionárias. o 6m do socialis- . s1grn
. •ficati·va (um tipo de «ciência h1stonca»),
co uma narrativa
mo de Estado acabou por frear a trajetória histórica do próprio enfim aanhou forma.ó O conceito de Sattelzeít nos ajuda a en-
socialismo. A inreira história do comunismo foi reduzida a sua tender:s transformações do mundo contemporâneo? Podemos
dimensão totalitária, que por sua vez parecia ser uma memória supor que, guardadas as devidas proporções, os anos que vão do
coletiva. passível de ser rransmirida. É lógico que cal narrativa não final da década de 70 até o Onze de Setembro de 2001 testemu-
foi inventada em 1989: ela existia desde 1917. mas agora se tor- nharam uma transição cujo resultado foi uma mudança radical
nara uma consciência histórica compartilhada. uma representação de nossos paradigmas, de nossa paisagem política e inceleccual.
dominante e inconteste do passado. Após ter adentrado o século Em outras palavras, a queda do Muro de Berlim simboliza uma
xx como uma promessa de libertação, o comunismo dele saiu transição na qual velhas e novas formas emergiram juncas. Não
como um símbolo de alienação e opressão. As imagens da de- foi o mero reaparecimento da velha retórica anticomunista. Ao
molição do Muro de Berlim, a posteriori, parecem a antítese de longo desse quarto de século, mercado e concorrência - os pi-
0 11111bro, de Eisenstein: o filme da revolução fora definitivamente
«rebobinado». Na verdade, quando o socialismo de Estado ruiu, a
esperança no comunismo já havia se exting uido. Em 1989, a su- (i llemh.m Klht'lleck. • Einle1runµ •. ln: [31ll'1"i'<rn. Orw: Cu!'sZE, \X/erner:
Ko,F1 LFL K . llcmh.m (Org).). Cucl11r/11,· Cru11,lb1y_n//1 H1.,·1,>nsclie., L ·.u/.:111;
perposição do socialismo de Estado e do comunismo gerou uma
.:::111 pol,u.,, /c-.,0.:::1,dm ,\pr,,c/11 111 De 11clili1111I. ':>rurrgarr: Klert- CúttJ. 1972. p.
narrativa que subsum1·a 1 . , . d 1 - . d X\'. 'í , ·.. '- . 1. V er r,1mlJL;111 G:1bnel Morzkin, .. C)n rhe N L,m1n or· H1,ronc.1l
. . a mrona a revo uçao na cacegona e
torahransmo. (l )1,)rnnnn uir,·: llt'111h.1rr Ko)elleck·s Cmmrucnon l)t' rhe '.:iam:'lze1t ,_ em
Reinhart Koselleck d fi . C 1111nh1a1,>11., 1, 1 t/11 / /i,101 }' o/ C,11cc1;1.- l (n. 2. 2(Hl5). pp. 1-+5-5~. Sobre ,l
e nm como Saaelz eít - «um cempo enwrgencia Lle um novo concc1ro de hMón.\. cf Kmelleck, , Gc5ch1chre.
suspenso», tempo de passacrem , d H1\r,ine. t'lll Cnch1c/11l11-/1e Cm11dh1:<J.11/}c. np. c1r. . pp. 393- 7 17. v. 2.
b - o peno o entre a crise do
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«naturais >> das sociedades pos- rotal1ra1 ias. C olon1zarain e espe ranças . Mas isso não se deu nas chamadac; revo luçõec; de
. nossa
imamnação e moldaram um novo hah,tus antropo lógico r ve lud o . Pelo contrári o: elas frmcraram os c;o nhm e parali saram a
t, ' (azen-
do com gue os novos valores de uma emergente «conduta de produção cultural. Tão logo foi eleito prec; idente da Re públ ica
vida » [LcbellSfi.ilmmo], se comparados ao velho ascetismo Tcheca, um brilhante e nsaísta e escritor como Vaclav Havei -;e
· ~ pro-
testanre de uma burauesia eticamente orientada - conr tornou a cópia pálida, triste. de um estadista 0 C1dental qualq uer.
t, n0 nne a
Os escritores da Alemanha Oriental eram extremam e nte c ria-
clássica descrição feira por Max Weber-, pareçam um vestí io
tivos e perspicazes quando , mesmo su focados pelo aparato de
g
arqueológico.7 Essa é a moldura política e epistêmica do novo
controle da Stasi , criavam romances alegóricos que ec;timulavam
século gue o fim da Guerra Fria iniciou .
a arte de ler nas entre linhas . Nada comparável a isso surg-iu após
Em 1989. as revoluções de veludo pareciam remontar a
a guinada, o Wende. Na Polô nia, a virada de 1989 e ngendrou
1789, passando por cima de dois séculos de luta por socialismo.
uma onda nacionalista, e as mortes de Jack Kuron e Krizcof
Liberdade e representação política eram seus únicos J10 nzon-
·
Kieslowski puseram fim a um período de criação e crítica cultu-
ces, em consonáncia com um modelo de liberalismo cl,ass1co:· ral. Em vez de se projetarem no futuro , essas revoluções criaram
1789
. _ em oposição
. a 1793 e a 1917' ou mesmo 1776 em opo- sociedades obcecadas pelo passado. Por roda a Europa Central
s1çao a 1789 (liberdade contra igualdade) . 8 Historicamente, re- museus e instituições públicas foram erigidos para resgatar o
voluçõ.es se~~r~ foram usinas de utopias; elas não só forjavam passado nacional seq uestrado pelo comunismo soviético.
novos imagmanos e novas ideias, como afloravam expectativas Mais recentemente , as revoluções árabes de 2011 logo atin-
giram o mesmo impasse. Antes que as g uerras civis fratricidas na
Líbia e na Síria as interrompessem, elas depuse ram dois ditado-
-: _ ~ ;m,J-.t Jescrm va d ,
;):.,_ •.i -j - -J---~~
res odiados na Tunísia e no Egito, porém não souberam como
(,j - -ic:r '. l . . es~c1 muc anç:a 11sronca. ver Pierre J)ardor e'
. u J . t"m
í r n· , . \
ne
\n · ' 11 ' 1)' o/ 111 IA • 11
J ' v,ior r, : U 11 !li( f,;eol ,ha,i/ ,\oClt'i)' lidar com a falta deles . Suas memórias eram constitu ídas de fra-
- ..,_e. <..r· _71 1-11
1
- ,'mentas
ca. Essas revo uçoes e mO\1 de massas carreo-am
0 0 f:
ardo elas reivindicavam reconhecimento das diferenças de gênero e
dos fracassos das revoluções do século xx, um enorme peso gu igualdade de direitos; no âmbito da esquerda, houve uma crítica
, . e
paralisou qualquer imaginação L_irop~ca. ao paradigma de virilidade que moldou uma concepção militar
Essa transformação histórica mev1tavelmente afetou o ferni . . de revolução herdada do socialismo do século x1x e reforçada
·
rusmo. Na~o obstante O feminismo revolucionário ter guesr·tona . . pelos bolcheviques durante a guerra civil russa; entre as mulhe-
do vários pressuposros do socialismo clássico - em especial sua res, criou-se uma nova consciência subjetiva. É esse ensemble de
idenri6cacão
, implícita do universalismo com uma visão e u~
experiências e práticas que faz falta desde o fim da revolução fe -
capacidade de agir (aiency) masculina - . cais pressupostos eOll} .... minista. O colapso comunista foi acompanhado - ou melhor,
partilhavam a ideia de uma emancipação projetada para O futuro. precedido - do esgotamento das lutas feministas e das utopias,
O feminismo enfatizava um conceito de revolução calcado na do qual derivou uma peculiar espécie de melancolia. Como a
liberação global que transcendia gualguer luta de classe, visando esquerda, e dentro dela, o feminismo lamentou sua perda, uma
uma rotai reconfiguração das relações entre os g êneros. Ele rede- perda que combina o fim do sonho de um futuro liberado e as
6niu o comunismo como uma sociedade de iguais em gue nao - experiências já encerradas de uma transformação prática. Na
era pós-Guerra Fria, as democracias liberais e as sociedades de
a~enas as classes seriam abolidas, mas também os privilégios de
mercado proclamam a vitória do feminismo com a realização da
genero, de modo gue a igualdade implicava o reconhecimento
igualdade jurídica e a conquista da autodeterminação individual
de diferenças. Seu imaginário utópico anunciava um mundo em
(a saga da busi11ess 1110111en) . O fim das utopias feministas engen-
que o ~arencesc~, a divisão sexual de trabalho e a relação públi-
drou uma variedade de «políticas de identidade» regressivas e. na
co e pnvado senam reconfigurados por completo. No alvorecer universidade, o recrudescimento do estudo de gênero. Não obs-
do Feminismo, revolução • 1· b, . .
soCJa 15tª tam em s1gn1.ficava revolução tante suas evidentes conquistas acadêmicas. sexo e raça já não são
sexual, hm da alienaç·ão .l . ~ . .
'd · corpora e real1zaçao de dese10s repn- vistos como marcas de uma opressão histórica (conn~ a qual
1111 os o . 1ismo 0
· sona · ni'ío r J
l · · ' epresenrava apenas a mudança radi- feminismo havia lutado) e se tornaram categ0tias atemporais. hi-
ca na estrutura social, mas l, . ~ .
posc.íricas - Rosi Braidorri as define 11merafisicas)) - ." adaptadas
.
de viver As J tam )etn a cnaçao de novas maneiras
e . . ,
. . utas rem1111sn . . . d
como ,, . 's eram mu1r:1s vezes expenmenra :is
. praticas emancipatóri· " . -
h<rnrnvarn ,L gue anrecipavam o tucuro e pre-
n ' uma cornunidad l"b . . .
e I errada. Na sooedade cap1raltsr:i.
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a um reconhecimento «comoditizado» da alreridade do gênero. gico evento gue, durante uma sangrenta guerra civil, criou uma
Como diz Wendy Brown. o gênero se tornou «algo gue se pode ditadura autoritária logo transformada numa forma de totalitaris-
moldar, multiplicar, problematizar. ressignificar. metamorfosear, mo. Ao mesmo tempo, ao acender uma chama de esperança de
ridicularizar, resistir. imitar, regular. . . mas não emancipar». 10 emancipação, a Revolução Russa mobilizou milhões de homens e
mulheres ao redor do mundo. A trajetória do comunismo soviéti-
co - sua ascensão, seu apogeu ao fim da Segunda Guerra Mundial
O FIM DAS UTOPIAS e seu declínio - moldou profundamente a história do século xx.
O século XXI, por sua vez, começa com o colapso dessa utopia. 12
Portanto, o século xx, nasce como um tempo moldado por um François Furet elaborou essa conclusão no final de O pas-
eclipse geral das utopias. Essa é uma diferença profunda em relação sado de uma ilusão, com uma «resignação» ao capitalismo que
aos dois séculos anteriores. Na entrada do século x1x, a Revolução muitos observadores se regozijaram em enfatizar: «A ideia de
Francesa definiu o horizonte de uma nova era em que política, outra sociedade se tornou quase impossível de ser concebida,
e hoje ninguém oferece qualquer pisca ou consegue formular
cultura e sociedade foram profundamente transformadas. O ano
minimamente um novo conceito. E aqui estamos, condenados
de 1789 criou um novo conceito de revolução - não mais uma
a viver no mundo como ele é». 13 Embora não compartilhasse a
rotação, conforme seu conceito astronômico original, e sim uma
satisfação do teórico gaulês, o filósofo marxista Frederic Jameson
ruptura e uma inovação radical - 11 e lançou as bases para o adven-
formulou um diagnóstico semelhante, observando que é mais
to do socialismo, que se desenvolveu com o avanço da sociedade
faci l imaginar o fim do mundo do que O fim do capitalismo. 1-1
industrial. Ao demolir a ordem dinástica europeia - o «persisten-
re» Antigo Regime - , a Primeira Guerra Mundial inaugurou 0
século xx ' mas de se u catac1ismo
· cam b em
, se ongmou
• • a Revo1uça-o - - -- - - - - -
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Russa. Ourubro de 1917 foi logo recebido como um grande e rrá- ,Hodm, f l url1I• Ne " , 1-l·.1ven: Y,1Ie Ll11 1ver,1rv · Press. 2 il(l(). ·' ·
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pl·rdt·11 t:lllro sua base snci:il quanro su:1 c11l rur:1. Ao frac·iss . .. o d() 11111 títul o emblem ático: «A casa dos m o rtos». 25
St)cialisllln n.-:il sc1ru111
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-sc um:i ot<.·nsi\':1 idt•olúl2;1c1
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dC' co,i ~·r 1.Va- Essa e mpatia com as vítimas ilumina o sécul o xx com urn a
l h)rt SlllO . 11:Jt) uni balanço csrr:1rt;gin) cfa csqucrd:i. lu z nova , introduzindo na histó ria um personagem que, não
A obsessàt) pdo passado lJlll' vem lllnld:mdo n osso re mpo re- o bstante sua o niprese nça, sempre pe rm aneceu nas sombras.
sul r:i dl) cdipsr d:1s u rnpi:1, : é inev,r:ível l) lll' um mundo sem Conseq ue nte m e nte, o passado se assemelha à paisagem con-
llíl)pias :1c1bc nl/1:mdl) para rr:ís. A emcrge nci:i da m e m ória templada pelo Anj o da Histó ria de Be nj ami n: um am o nto ado
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csp:lÇt) ptíblin) d:is sociedadt'S l)Cidenrais é conseq uê n cia des- de ru ínas que cresce até o céu . Po ré m, o novo Zcit)!.eist é o exato
s:1 mud:111ç:1. Enrr:imns 110 século xx1 sem nenlu1ma revolução. o posro do messianismo judaico-alemão d o filósofo: não existe
um ,<tempo-agora» Uctz tzcit] ressoando n o passado pa ra realizar
scm :1 rn111:1d:1 d:1 l:3:isrillha ou do Palinn de In vern o . m as rive-
as esperanças dos d e rrotados e garantir sua red e nção.~º A m emó-
llh)S um choque. um ,·r.,-,11~ 110 Onze de Sere mbro
ht)fft'THfo
' ria d o g ulag apagou a da revolução; a memó ria d o H o locausto
Ct)lll l)S :1r:1ques :b Tt)m:'S Geme:1.s e ,tn Pentágono. disseminan-
suplantou a do antifascismo; a m e m ó ria da escravidão e clipsou
dt) l) /1t)fft)r. 11:'in :i esperanp. Desprov ido de s e u horizonre de
a d o anticolonialismo: a recordação das vítimas parece n ão p o -
expecr:1ri,·a. t' século xx, nos aparece em retrospecto co m o uma
de r coexistir com a lembrança d e suas esperanças, de suas lu-
períodl) de guerras e gen()cídios. Uma figura o urrora discrera
ras passadas, de suas conquistas e derrotas. V ários observadores
e modesr:1 :1gora esrá sob os holofores: a l'Ítíma.2 ~ N a maioria esc reve ram , a ntes m esm o da d écad a d e 1990 , que, mais uma
d:is ,·ezes de fonna anô nima e silenciosa, as víti mas invadem o vez, vivíamos «a m eia-noite d o século ». Segundo o historiado r
pódio e domin;u11 nossa visão d:1 hisróri:1. Graças à influência eà
qualidade de suas obras lirerárias. as vícim as dos campos de con-
:2r; T,lll y jlldr. / >,1.,111 ·.ir I H 1., 1,,1 )'o/ / · 11 ,,,1, \111i IV-h l trndrc>,. Pl' ngulll
cenrr.1r~10 nazisr~is e dos gulags sraliniscas se transformaram nos
)11113. 1111 . xn:2 :u . lFd. b1.1s . n ,, ~ 11 l 111 1 /11, , ,,,-, , /.i L1t1<•t1" ,lc·.,,I< 1v--1_::,.
grandes ícones desce século de vítim as. Captando esse Zl'itgeist, 11.1d. dt' ,l m é llubemi (.)'\hc:1. \,1<1 il,llllo. ( \ 1111p.111h1.1 d.1, Lcn.1,. :2(lll XI.
Tony Judr concluiu seu afresco da Europa do pós-guerra com 1
r, \V.ilrl'1 lk11_1,1 m 111 , , (. )11 rlw (. ·rnH:q ir ut HN,111 ln : l:11 AN L>.
l lm\'.11d. _1 1NN ING,. M1 ch.1l·l W . (Oq,..;,,) . .\'t'l,·<1c,I l l 11 1111~ ,. C.unb11dge:
l·l.m .mi U111,·l·r,1r, t>re,, 2tl0.1-<i. -l \'. \' 1. pp. YJ 2 1 N3 . íE,l. hr::i~ ..
1t'\l'' "1h rc n cn11t e1rn de 111,r,ln.1>· ln: _ __ . Uh,,,~, ,1t,//11,/.i.,. Tr.1d. de
\ , · -\111~, rr, \\ ·,•\ 1 )rL T' l · ,1 ,,f 1/,1 11 u11 (Jrl1.1u C't>rndl
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49
Uma visão corrente da esquerda radical das décadas de 1960 e americano. Um sentimento de crescente convergência entre es-
1970 descrevia a revolução mundial como um processo espraiado sas experiências de revolta, algo como uma sintonia entre os «três
setores da revolução mundial», plasmou a fundo a juventude de
em três «secares>> distintos mas corre/aros. Um pensador marxisra
então, transformando a ideia e a prática de revolução. Talvez pela
de então, 0 econornisra belga Ernsr Mande/, examinou as /iga-
çôes dia/éricas en rre· os movime • 1iscas
· ntos anncap1ra
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i ês 51
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er:1 de paz, liberdade, democracia e recon ·1· -
cr raçao do e .
nrnre que se envolvera em canros cnnRir) e.. . . onrr-
. "• ' , . < s li arncrdas. Co mo (um dr seus tr:iços mais defi nidores :ité os :inos 1940). Todos
o p,1ss.1r do tempo, os propnos ;i/emiies •id .· . llJ
us países d:i Europ:i conti nental estavam envolvidos nessa mu-
• . • e 111a111 :1 essa . -
do p:1ssado, aba11dona11do suas :llltin-as /)erce) .- '" "'. vrsao dança. não só a França, país que concentra a maior comunidade
. . ~ 1ÇOts. que vr:1111 113
darnra dn Terceiro Rereli uma ven:ron /n .· J _j udaic:i f()ra da Rüssi:i. mas também a Alemanha, onde a ime-
H'i v·w1 ) J, . 1 . . . 1 1t-- • llJt 1011:i , seguid:i da
/ • , . t l ,I so Jer:1111:1 11ac1ona e e epois d·i f . _ 1 raçifo com :i comunidade judaica dos anos pré-guerr:i foi rom-
• • . . . ' · ' • e ,v,san ° 0 país e111
l 1()IS brados 111,mrgos. Em /985 ,10 fizer ui d. pida radicalrnenre. De fo rma um tanto paradoxal, o luga r do
, , ·.;· • . , . . . , , , 11 ,scurso. Richard
\.tlll Wt /Z,l( kt r, ;111rr<ro pres,de11tt' eh H , , ,. . Holocausto em nossas representações d:i história parece avu ltar
. . ti . • l p11n 1rc.1 Federal d3
Alemanha, dt'h11111 n Oiro de M:iin com) 1 .. J .
:'i medida que o passado se rorna cada vez mais remoro. C laro,
_ . e uni " Ul,l ue lrbera-
L'Ssa te ndência não é irreversível, e as coisas podem mudar com
ç-.1 0 )); Vlllft' :rnos mais rardt'. o ch:1 11 ct'lt'r ( 'er/1 " . J S -J .. J
. .· ' ,tlu ~ e iouer par-
a morte do ülrimo sobrevivente dos campos de concentração
rrtrp()ll, an lado dt' /:1cques Chinc Tom· 111 • e~
. • ' ·
Vlad,11'.ir Purin, das lll)lllt' llage ns :1n dcst'mb:1rque
nas pra,as da Norn1:111di:1em <ide junho de 1944 A . d -
dl:
, u Jir. ,eorne Bush e
Ali.1dos I
n:izisras. Aré agora, no entanto, pode-se dizer que domina a
memóri:i do Ocidente - na Europa e nos Estados Unidos - ,
. • , /· • • .1 opo, por onde o Holocausto se transformou em algo corno urna «religião
p.11r1: ~ .1 Alt-111:111/1:1, de 11111 «parrioris!llt) CcH1sriru cin11al •>enrai- civil» (ou seja, uma crença secular que, segundo Rousseau, ser-
zado forrc111cnrt' 11 .1 11 .1 • ., · . I I . .
• • 11 .1nv;1 t.Klt t'llt:l tor.1 r:irihc1da de uma ve para unificar uma comunidade).J11 O Holocausto permite a
Vt'Z pnr rt )das.
sacr:ilização dos valores Fundamentais das democracias liberais
Nt'ssc cnnre:xro .1 111 , . , .· J 1_1 l
· •• t mo, 1:1 cio ,o ocrnsrn desempenh:i opa- - pluralismo, tolerância e direitos humanos - , nua defesa se
pel de um ;I 11,11.,.,111 • 1 -. 1 E . ,
' ' ""!1''''"< 1
1;1. sse ít' IW!lle110 mais ou mem>s
revesre de uma li turgia secular de recordação.
lú't' lltt' - po<lerntlS cbr:í-ln 11 0 in ício dos :mos / 9RO - concluiu Seria equi vocado confundir memória coletiva e a religião ci-
um pmr<-'ssn dt' rt' . ·d - . vil do ge nocídio dos j udeus: a primeira é a presença do passado
, .· . · · LOI açan t/llt' passou por diferenrt's erapas.
l rrrnt>1m, hcHJVt' o .1·1~ .. 1 ,
• . ~ t IH lt) tos anos do pos-guerr:i; depois, a
,lll lllt's ia dos 'llllls 190() . I" . '\(J l \ •1(· 1 Nm•t< k. /'/, / /,,/,,, 111.1 1 111 1111( 11, 111 I 1/, N ,11 .1 , ,, 1 k l l ,H 1~~ltrn 11
· · · t' Y70 - provoc1da pelo surgm1enro
d;1lllt'lllt)rh dt)S . j, . 1 - /\ 11'/1111 l (J()(J l' I' li 10.~ 1J. \ , ,liH· 11u,1H c 1t1H lc 1 1cl1 g 1 11ll11 d l l' I [ 1nil1 n
. • · Jllt t li~ t' pt' o .1dvemo de uma nova geraçio-, / ,(' t ll il c
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e h11al111t'llft' .1 l)hs- ., ~ ~. \ ,li 11 11,, 1,1( •111 , 11, l ri H l il ti 1' l 11 1,t1 ,.li ,, dI r l' 1
. · es)iJo Pt' 1a nwmóri:1 dos tílrimos v rnre ,uios. 1 111t · , 11t li 1,1 1111 ll ll 1t 1 1 ( e dt 1 .111 1
Aplh um 101111n n , .· 1 1 -... 3 1, , 111 111 1.1l ll ,, \ l'I I J,11) 1\'I l t \ \ ' N .11 l i) \ 111.11 , lt 1 ' "· ' ' ,/ ,, ""' 111.I ' (, 111,,, )
. , . t- r t IH>( t) l t' rcprt>ss:fo. <) Holocausro reromou · 11 ,!,, ( ,/, ,/i,i/ l~•c (1 d.1tk•lh .1. 1c rnpk l1 11 nc1 ,11 1 1'1 ,'" 21111,,)
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• u, tura t'11rope1a e11hm /ivn~ do a11rrssemins
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das vítimas acaba eclipsando o signihcadn da histl,ri:-i. Segundo Hoje. nos países que ficaram sob a égide soviética, o passado
essa perspectiva. o conAiro enrre dt'lll()cracia t' fasci smo - era ~ revisitado quase exclusivamente sob o prisma do nacionalis-
assim que se percebia a (.;uerra CiYil Esp:rnlll)b na Eurnpa nos mo. Na Polônia, o Instituto Nacional de Lembrança foi criado
anos 19.10 - se rorna urm sequJncia de crimes cc,nrr:1 :i hu- em 1998, e, postulando uma substancial continuidade entre a
manidade. Alguns historiadores chegam a rerr.u:i-b Cl)lllo um ocupação nazista e a dominação soviética, presta tributo à his-
«genocídio» rotai, uma irrupç:i() de Yiúlenn :i onde só haYia car- tória do século xx como um longo martírio nacio nal e uma
rascos e víri mas: 1" noite totalitária. Visão similar de história nacional inspira a
N:1 Eurnpa ürienral, por ourro lado. o hm da Segunda Casa do Terror em Budapeste, um museu dedicado a ilustrar a
Gut>rra Mundial não foi celebrado como um momento de li- «luca contra os dois sistemas mais cruéis do século xx», que por
ber;1ç:fo. N:1 Unifo Soviéric:i - t' n:i Rússia de h~je -. o ani- sorte terminou com «a vitória das forças da liberdade e da in-
dependência». Em Kiev, em 2006 o Parlamento aprovou uma
vers:írio d;i rendição :1lt'm:1 foi lembradc, como o rriunfo da
lei que definia a coletivização soviética da agricultura, assim
•<Gr:rnde Gut>rr:1 Parrióric:J1 Enrrer:inrn. nos países ocupados
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