Revisão de Aspectos Conceituais, Teóricos e Metodológicos da Empatia
A empatia foi objeto de estudo de diversos descreveram o que hoje se
campos do saber, como a estética, a Filosofia, conhece como empatia como a Sociologia e a Psicologia. No que se refere um processo de imitação a esta última, a empatia tem sido discutida e investigada principalmente por interna chamado de pesquisadores das áreas clínica, social e do Einfühlung, ocorrido durante a desenvolvimento. O objetivo do presente apreciação de objetos de arte trabalho é apresentar uma revisão da e no qual a projeção do self literatura sobre a empatia, enfocando em obras artísticas fazia com aspectos teóricos, conceituais e que sentimentos de admiração metodológicos. Inicialmente, serão e unicidade surgissem nos levantadas questões sobre a polissemia do observadores dessas obras. termo empatia, sobre as controvérsias a respeito da dimensionalidade desse Através do Einfühlung, constructo e alguns problemas teórico- propriedades subjetivas como metodológicos atuais nesse campo de nobreza, elegância e poder estudos. Em seguida, serão apresentadas as podiam ser sentidas como se principais estratégias de investigação usadas pertencessem às próprias na pesquisa sobre a empatia e os resultados obras de arte, tal como se de estudos empíricos que abordam reações estas fossem seres com vida afetivas vicárias, caracterizadas como (Baldwin, 1913). sentimentos empáticos. Por fim, serão tecidas algumas considerações a respeito da necessidade de resolução dos problemas No que diz respeito à Psicologia, teórico-metodológicos citados, da realização o primeiro autor a traduzir o termo de mais trabalhos empíricos e teóricos sobre Einfühlung por empathy foi a empatia no Brasil e das perspectivas Titchener, em 1909. Na futuras de investigação da empatia. concepção desse estruturalista Palavras-chave: Empatia. Conceitos. Teoria. norte-americano, o conceito de Pesquisa. Einfühlung descrevia a capacidade de conhecer a O termo empatia deriva da consciência de outra pessoa e de palavra grega “empatheia”, que raciocinar de maneira análoga a significa “paixão” ou “ser muito ela através de um processo de afetado”, e sua utilização no imitação interna, sendo que, por campo da estética foi muito meio dessa capacidade, pessoas propagada por autores como com o mesmo nível intelectual e Lipps, Brentano e Robert Vischer moral poderiam compreender (Enz & Zoll, 2006). Esses autores umas às outras (Wispé, 1986).
Para , podia-se falar de uma “exterior” sobre os
Rogers compreensão empática pensamentos e (1979/ quando se vai além de sentimentos da outra 2001a) um entendimento pessoa, chegando a
Revisão de Aspectos Conceituais, Teóricos e Metodológicos da Empatia
comp época, nenhuma outra 1987), mas poucas reend área teve interesse maior investigações empíricas ê-la por esse construto do que haviam sido realizadas até “de a Psicologia da então. Foi só no início da dentr personalidade. Esse década de 50 que a o”. entusiasmo fez com que empatia passou a ser No início os pressupostos da investigada com maior do estética fossem aprofundamento e século modificados, pois, aplicada na prática XIX, a enquanto os críticos de psicoterapêutica a partir da idéia da arte sugeriam que por iniciativa de Carl Rogers. empatia meio da empatia Suas descobertas nesse como (Einfühlung) o self era campo deramlhe subsídios uma objetivado nas obras de para que ele caracterí arte, os psicólogos da desenvolvesse uma stica personalidade afirmavam modalidade psicoterápica pela que, durante o processo que ficou mundialmente qual de empatia, um objeto conhecida como alguém qualquer era subjetivado Abordagem Centrada na identific pela percepção do Pessoa (ACP). Nesta, o a o que observador. Nessa terapeuta busca está na direção, os psicólogos estabelecer um clima consciê sustentavam que a terapêutico adequado, ncia de empatia era uma desenvolvendo outra capacidade através da sentimentos empáticos pessoa qual as pessoas pelo cliente, propiciando- já era compreendiam umas às lhe um ambiente de profund outras, sentiam e aceitação incondicional e amente percebiam o que sendo extremamente utilizada acontece com os outros, autêntico na comunicação e como se elas mesmas de seus comportamentos, dominav estivessem vivenciando pensamentos e a alguns as experiências alheias. sentimentos. campos Já no século XX, até a A empatia assumiu da metade da década de 40, importância fundamental Psicolog o conceito de empatia foi na teoria rogeriana quando ia e das objeto de reflexão teórica esse autor afirmou ser Ciências de autores como Freud, necessário que o sociais. Alport e Reik (Wispé, terapeuta desenvolvesse Nessa
Revisão de Aspectos Conceituais, Teóricos e Metodológicos da Empatia
uma afetivos entre duas ou de mensuração que compree mais pessoas, durante os poderiam ser utilizadas nsão quais alguém se permite, para avaliar o nível de empátic deliberadamente, empatia das pessoas. Foi a pelo sensibilizar-se e envolver- justamente enquanto cliente. se com a vida privada de Rogers desenvolvia sua Assim, a outros (Rogers, abordagem centrada na empatia 1985/2001b). pessoa que as mais era vista importantes investigações por Para Rogers sobre a empatia foram Rogers (1979/2001a), podia-se realizadas no âmbito da não falar de uma Psicologia da apenas compreensão empática personalidade (Wispé, como quando se vai além de 1987). uma um entendimento resposta “exterior” sobre os No que diz respeito à reflexa pensamentos e Psicologia social, a partir ao sentimentos da outra da década de 60, diversos comport pessoa, chegando a estudos (Batson, Duncan, amento compreendê-la “de Ackerman, Buckley, & do outro dentro”. Isso implica a Birch, 1981; Coke, Batson, mas sensibilização do & McDavis, 1978; Krebs, também terapeuta pelo relato do 1975) foram desenvolvidos como cliente, a apreensão e a para investigar uma compreensão de seus comportamentos de ajuda, habilida estados internos, sem distribuição e mediação, de fazer nenhum julgamento tentando explicá-los aprendid de valor sobre a através de construtos a/ subjetividade do outro. motivacionais como o desenvo altruísmo, as disposições lvida A insistência de Rogers pessoais, a dependência e que em estudar a própria empatia. Apesar envolve empiricamente a empatia de haver divergências o levou-o a pesquisar estabele profundamente o Segundo Hoffman cimento processo clínico através (1987, 1991), a do qual as respostas empatia está diretamente de afetivas vicárias são relacionada ao vínculos desenvolvimento de um cognitiv produzidas e a trabalhar senso cognitivo sobre a o- na elaboração de técnicas existência de outras
Revisão de Aspectos Conceituais, Teóricos e Metodológicos da Empatia
pessoas, psicólogos sociais das o Feshbach Affective o qual, mais diversas correntes Situation Test for Empathy por sua teóricas. De maneira (FASTE). Utilizando o vez, se geral, esses autores FASTE, essas autoras encontra estavam interessados em demonstraram que ligado ao processo saber porque as pessoas crianças de 6 e 7 anos de se engajam em reconheciam mais diferenci comportamentos de ajuda facilmente as emoções do ação do e em quais circunstâncias outro do que sentiam as self. estes se tornam mais emoções do outro, e, além prováveis, bem como qual disso, que as respostas conceitu seria o papel da empatia empáticas das crianças ais no nesse processo. eram influenciadas pela que se similaridade entre o seu refere a Quanto à Psicologia do sexo e o sexo da pessoa termos desenvolvimento, além observada, e que, nessa como dos trabalhos clássicos idade, parecia não haver empatia, de Baldwin sobre o diferenças de sexo simpatia processo de ejeção relacionadas à reatividade e (Baldwin, 1913), afetiva em situações que compaix destacam-se as envolviam medo, alegria, ão, a pesquisas de autores tristeza e raiva. idéia de como Susan Isaacs e Lois que Murphy (Murphy, 1937), Outros autores têm esses as quais investigaram proposto que a empatia construt capacidades empáticas deve ser analisada a partir os ligadas à tomada de de uma perspectiva estariam perspectiva em crianças. psicogenética e evolutiva, relacion Norma Feshback e Kiki sendo compreendida como ados a Roe (Feshback & Roe, um tipo de experiência aspecto 1968), considerando a subjetiva multifacetada. s capacidade de atribuir Dentre estes, destaca-se o motivaci corretamente a emoção psicólogo norte-americano onais da que o outro sente como Martin L. Hoffman, que vida em um componente define a empatia como socieda necessário para a “...uma resposta afetiva de foi empatia, desenvolveram mais apropriada à situação amplam um teste para crianças de outra pessoa do que à ente que ainda é amplamente sua própria situação” utilizada utilizado nos dias de hoje, (Hoffman, 1987, p. 48). por
Revisão de Aspectos Conceituais, Teóricos e Metodológicos da Empatia
Com grau de afastamento criança pode chorar como essa entre eles. se ela mesma tivesse se conceitu machucado. A esse tipo de ação, Segundo Hoffman (1987, sentimento, que produz Hoffman 1991), a empatia está sensações de incômodo propõe diretamente relacionada ou desconforto no self, que a ao desenvolvimento de Hoffman (1989) dá o nome empatia, um senso cognitivo sobre de angústia empática. em lugar a existência de outras de ser pessoas, o qual, por sua De acordo com Hoffman um vez, se encontra ligado ao (1991), a partir do process processo de diferenciação desenvolvimento da o de do self. Além disso, a consciência sobre a encontro associação entre os permanência dos objetos e exato de sentimentos produzidos da diferenciação entre o emoçõe durante os episódios self e o outro, parte da s entre empáticos e os níveis de angústia empática é duas desenvolvimento transferida para as pessoas sociocognitivo produz imagens separadas do self , é uma mudanças na maneira e do outro, as quais se resposta como os indivíduos irão encontram em processo vicária à sentir subjetivamente a de construção. Assim, a imagem empatia. Em idades muito criança passa a mental precoces, nas quais ainda reconhecer que as que não existe distinção experiências do outro são alguém cognitiva entre o self e o distintas das suas tem do outro, as crianças podem próprias, mas a sofrimen ter sentimentos empáticos subjetividade do outro to de ao testemunhar a ainda permanece outrem, angústia do outro, como desconhecida, e ela o que se aquele sofrimento acredita que o outro possui implica estivesse ocorrendo com estados internos iguais um certo elas mesmas. Assim, ao aos seus. Nessa fase, uma ver um colega se criança pode pedir à machucar e chorar, a
sua própria mãe para confortar Com o desenvolvimento do
outra criança que está chorando, sentido cognitivo do outro e com a mesmo quando a mãe da outra transferência de parte dos afetos também está presente. empaticamente sentidos no self
Revisão de Aspectos Conceituais, Teóricos e Metodológicos da Empatia
para a imagem do outro, a sentimentos empáticos. A teoria angústia empática pode ser de Hoffman serviu como parcialmente transformada em um inspiração para diversos trabalhos novo tipo de sentimento, chamado que objetivavam investigar as de angústia simpática. Por meio relações entre a empatia e o desse sentimento, o sujeito desenvolvimento sociocognitivo experiencia um sentimento de (Batson et al., 1981; Camino & piedade ou compaixão pela vítima Camino, 1996; Davis, 1983; e sente necessidade não só de Eisenberg, Zhou, & Koller, 2001), aliviar sua própria angústia ou mas muitos dos pressupostos sofrimento, mas também um desse autor continuam não desejo claro de ajudar o outro testados empiricamente. (Hoffman, 1987, 1991). É justamente essa característica Seguindo uma linha de que diferencia a angústia pensamento semelhante à de empática da angústia simpática, Hoffman, Batson, Fultz e pois, enquanto a primeira se Schoenrade (1987) formularam centra claramente no self, a uma teoria na qual distinguem segunda é direcionada ao outro, conceitualmente dois tipos de estando eminentemente ligada reações afetivas vicárias, aos comportamentos pró-sociais. qualitativamente diferentes e com Hoffman afirma que, apesar de a conseqüências motivacionais angústia empática parecer mais distintas: empatia e angústia “egoísta”, ela tem um papel pessoal. A primeira produziria importante para os motivação altruísta/pró-social, e a comportamentos pró-sociais, pois, segunda mobilizaria um para aliviar a própria angústia, comportamento mais egoísta que alguém pode ter que, poderia servir como base para a necessariamente, aliviar a empatia, a depender das angústia do outro. circunstâncias. Nessa direção, compreende-se haver uma Nessa direção é que Hoffman aproximação entre os conceitos (Hoffman, 1991), diferentemente de angústia simpática de Hoffman de outros autores, afirma haver e o de empatia, proposto por diferenças qualitativas nos Batson et al. componentes afetivos da empatia, principalmente no que diz respeito Para comprovar a teoria de que à natureza da experiência os episódios empáticos podem subjetiva do observador e às produzir dois tipos de sentimentos motivações produzidas pelos qualitativamente distintos, Batson
Revisão de Aspectos Conceituais, Teóricos e Metodológicos da Empatia
et al. (1987) conduziram seis uma vez que os estudos estudos nos quais os empíricos demonstram as inter- respondentes deveriam avaliar os relações entre componentes tipos de reação afetiva e a cognitivos e afetivos e indicam intensidade dessas reações, que as pessoas experimentam através de uma lista com 14 diferentes tipos de experiências adjetivos (alarmed, grieved, emocionais durante os episódios upset, worried, disturbed, empáticos. Todavia, faz-se perturbed, distressed, troubled, necessário um maior refinamento sympathetic, moved, teórico-conceitual nesse campo compassionate, tender, warm e de estudos, pois a revisão softhearted). Através de análises bibliográfica feita por Sampaio fatoriais, esses pesquisadores (2007) demonstra que, muitas observaram que os sete primeiros vezes, termos como empatia, adjetivos compunham um fator angústia pessoal, angústia que foi denominado angústia empática, simpatia e compaixão (distress), enquanto os sete são usados indiscriminadamente, últimos se organizavam em outro sem que haja preocupação com fator que foi chamado de empatia os significados atribuídos ou com (empathy). Tais resultados a superposição entre construtos. demonstraram que havia diferenças qualitativas e Ainda no que se refere a essa quantitativas na avaliação que os questão, outra revisão feita por respondentes faziam sobre o tipo Duan e Hill (1996) indica a de experiência afetiva vivenciada existência de três principais na situação experimental, o que correntes de pensamento dentro reforçou a tese de que a empatia da Psicologia: a primeira deve ser compreendida como um considera que a empatia se refere construto multidimensional. a um traço de personalidade ou habilidade geral para conhecer os Considerando os trabalhos de estados mentais de outras Batson (Batson et al., 1981; pessoas e para sentir as emoções Batson et al., 1987) e de outros dos outros. Nesse caso, “supõe- autores (Davis, 1983; Enz & Zoll, se que alguns indivíduos são mais 2006; Siu & Shek, 2005), empáticos do que outros, seja por compreende-se que uma sua natureza, seja pelo seu perspectiva multidimensional é desenvolvimento” (Duan & Hill, mais coerente para a análise e a 1996, p. 262). compreensão da empatia do que as perspectivas unidimensionais,
Revisão de Aspectos Conceituais, Teóricos e Metodológicos da Empatia
Na segunda perspectiva, a exemplo, os humores do empatia é vista como um terapeuta e do cliente e o próprio construto que reflete respostas desenrolar da psicoterapia. afetivocognitivas ligadas a Dentro dessa perspectiva, situações específicas, sendo, segundo Davis (2004), a empatia portanto, mais disposicional do caracteriza-se como um tipo de que constitucional. Uma resposta afetiva que, no setting proposição básica dessa terapêutico, ocorre ao longo de perspectiva é a de que o nível de três etapas: na primeira, o empatia varia de momento para psicoterapeuta escuta momento, e que o estudo de atentamente o cliente, tentando fatores situacionais é mais compreendê-lo cognitivamente, importante do que a investigação tomando sua perspectiva; na de aspectos segunda, ocorre um estruturais/constitucionais. aprofundamento emocional por Segundo Strayer (1987), uma parte do terapeuta, no sentido de abordagem multidimensional do que ele passa a ser tocado construto de empatia deve (sensibilizado) pelo que observa focalizar a atenção nos estímulos no relato do outro, e, por fim, na que se fazem mais salientes no terceira etapa, esse momento em que a empatia é aprofundamento produz um produzida. Esses estímulos sentimento de unicidade com o tornam-se salientes para o cliente, e é essa sensação que, observador porque são intensos, segundo Davis, caracteriza a possuem significado, são empatia propriamente dita. diferentes de experiências familiares ao observador e são Além das discussões conceituais emocionalmente excitadores. fomentadas por essas três perspectivas, existe na Psicologia A terceira perspectiva é adotada outro intenso debate sobre o fato por pesquisadores que se de a empatia refletir apenas interessam pela forma como a aspectos de ordem cognitiva, em empatia é vivenciada por termos de processamento da terapeutas e clientes durante as informação, e/ou aspectos sessões de psicoterapia. Esses afetivos, relacionados ao pesquisadores consideram a conteúdo afetivo mobilizado no empatia um processo experiencial self. Os autores que defendem com várias fases, que envolve uma perspectiva puramente uma série de elementos próprios cognitivista (Dymond, 1949, 1950; ao setting terapêutico, como, por Wispé, 1986) acreditam que o
Revisão de Aspectos Conceituais, Teóricos e Metodológicos da Empatia
construto da empatia reflita uma cognitivos e afetivos, atribui capacidade ou habilidade importância apenas aos primeiros, cognitiva de compreender os como se os últimos fossem pensamentos, sentimentos ou produtos unicamente do intenções de outras pessoas, e processamento de informações “que, se afetos são produzidos na ocorrido durante os episódios experiência da empatia, ocorrem empáticos. A nosso ver, a noção como um epifenômeno da de empatia proposta por Dymond cognição” (Strayer, 1987, p. 153). designa apenas uma capacidade cognitiva (tomada de perspectiva) Nessa direção, Dymond definia a que pode influenciar a natureza empatia como uma capacidade de das experiências emocionais “transposição imaginativa de si no empáticas, mas que não equivale pensamento, sentimento e ações à empatia propriamente dita. do outro” (Dymond, 1949, p. 127), e a investigava comparando a Por outro lado, alguns autores avaliação que uma pessoa (A) consideram que a empatia se fazia dela mesma com a refira a uma resposta emocional avaliação que outra (B) fazia dela vicária às reações emocionais de (A), bem como com a avaliação outras pessoas (Feshback & Roe, que A fazia de B comparada à 1968; Mehrabian & Epstein, auto-avaliação de B, 1972). Para eles, tanto o determinando um índice que, reconhecimento dos sentimentos segundo essa autora, designaria e pensamentos dos outros como o nível de empatia dos indivíduos. o compartilhar de seus estados Assim, para Dymond, o indivíduo afetivos são considerados mais empático era aquele que elementos constituintes e conseguia prever ou inferir com indissociáveis da empatia. Nessa maior grau de precisão o que as perspectiva, a empatia é vista outras pessoas sentiam e como uma capacidade pensavam, mesmo que não fosse desenvolvida ao longo dos anos mobilizado afetivamente por esse que tende a ser refinada à medida conhecimento. que os aspectos cognitivos e afetivos evoluem. Compreende-se que a definição de Dymond (1949) corresponde a Mais recentemente, Enz e Zoll uma visão restrita da empatia, (2006) destacaram a existência que, além de compartimentalizar de uma perspectiva alternativa as experiências vicárias para a compreensão e o estudo interpessoais em aspectos da empatia, que propõe a
Revisão de Aspectos Conceituais, Teóricos e Metodológicos da Empatia
existência de aspectos circuitos neuronais do córtex pré- ideomotores nas respostas motor, do lóbulo parietal e da área empáticas. Baseados no princípio motor suplementar que são ideomotor de William James, ativados quando o sujeito executa esses autores estabeleceram a uma ação também são ativados hipótese de que, ao observar os quando ele percebe que outrem movimentos de outra pessoa, os realiza essa mesma ação, o que neurônios-espelho localizados no reforça a hipótese acerca da córtex sensorial poderiam existência de um componente disparar e pré-ativar o córtex ideomotor na empatia. motor do observador, deixando-o predisposto a agir e até mesmo a Dessa forma, para autores como executar, subliminarmente, Decety e Jackson (2004), a movimentos semelhantes àqueles empatia seria uma experiência da pessoa observada. Esse tipo fenomênica unicamente humana de reação teria repercussões e teria bases evolutivas. Estas importantes para a produção da seriam compostas por elementos empatia, pois essa pré-ativação cognitivos (tomada de do sistema motor teria o potencial perspectiva, autoconsciência, de deixar o observador apto a reconhecimento e compreensão sentir emoções “similares às dos estados mentais das outras emoções que produziram os pessoas, etc.) e afetivos, cujas movimentos na pessoa alvo, ou à bases funcionais poderiam ser emoção que é expressa... (pela identificadas a partir da atividade pessoa observada)” (Enz & Zoll, integrada de diversos sistemas 2006, p. 4). corticais.
Essa teoria encontra forte apoio Decety e Jackson revelam ainda
empírico no modelo teórico que estudos recentes chamado de Perception Action demonstram haver uma relação Model (PAM), que ajuda a explicar entre lesões na região pré-frontal os mecanismos neurológicos que do córtex, especialmente a possibilitam aos humanos localizada no hemisfério direito, e compartilhar representações e a capacidade de sentir empatia sentimentos dos seus pelas outras pessoas. Conforme semelhantes através da sugerem os estudos de Damasio percepção (Decety & Jackson, (1996/2007) e a revisão feita por 2004; Preston & De Waal, 2002). Preston e De Waal (2002), a Estudos com neuroimagens explicação para esse aparente funcionais indicam que alguns déficit pode estar ligado ao fato de
Revisão de Aspectos Conceituais, Teóricos e Metodológicos da Empatia
que algumas regiões do córtex a Psicologia (desenvolvimento, pré-frontal estão altamente social, cognitiva e evolutiva) e as relacionadas a mecanismos neurociências pode representar autoregulatórios da vida em um caminho importante a ser sociedade (Butman & Allegri, seguido nos próximos anos. 2001) e à capacidade de tomada Assim, compreende-se que uma de perspectiva, os quais são definição clara do que se tem em importantes componentes da mente quando se fala em empatia empatia. e o desenvolvimento de métodos de investigação mais precisos são Ainda no que se refere aos de fundamental importância para substratos neurológicos da a compreensão das bases empatia, outros estudos indicam evolutivas, sociais e neurológicas que a observação de expressões da empatia, assim como para a faciais ativa, em um nível articulação dos conhecimentos subliminar, as mesmas produzidos nas áreas expressões faciais no observador supracitadas. (Preston & De Waal, 2002), mesmo que ele não tenha A investigação empírica consciência disso. Ademais, da empatia expressar intencionalmente uma Ao longo dos anos, a empatia tem emoção aumenta intensamente a sido pesquisada através de uma atividade no sulco temporal série de instrumentos, dentre os superior, ínsula, amígdala e córtex quais se destacam os que motor, áreas que estão altamente envolvem a utilização de índices envolvidas nas experiências fisiológicos (verificação da emocionais (Moll et al., 2001). condutibilidade e da temperatura Nesse sentido, a ressonância da pele e monitoramento das afetiva que ocorre durante os freqüências cardíaca e episódios empáticos pode estar respiratória), índices somáticos relacionada à capacidade humana (análise das expressões faciais e de reconhecer e imitar dos gestos), histórias ilustradas expressões faciais e gestuais e (por fotos, figuras ou gravações aos mecanismos neurológicos em vídeo), questionários e subjacentes a essas funções. escalas de auto-avaliação e, mais Considerando os problemas recentemente, neuroimagens decorrentes das divergências funcionais. teórico-conceituais supracitadas, Ao discutir a utilização dessas a aproximação entre áreas como estratégias metodológicas,
Revisão de Aspectos Conceituais, Teóricos e Metodológicos da Empatia
Strayer (1987) considera que emoções esteja presente naquele métodos que avaliam a empatia momento (Butman & Allegri, através de índices fisiológicos são 2001). Nesse sentido, além de desvantajosos por estarem funcionar como instrumento de relacionados à excitação investigação dos aspectos fisiológica geral, sem que haja emocionais da empatia, as certeza sobre o tipo de emoção expressões faciais podem ser que está sendo vivenciada. utilizadas para estimular reações Segundo Strayer, medidas emocionais vicárias em sujeitos baseadas na análise da experimentais. expressividade facial superam essa dificuldade, uma vez que De maneira geral, estudos nos juízes altamente treinados seriam quais se utilizam índices capazes de diferenciar tipos de somáticos e fisiológicos para emoções a partir das expressões acessar a empatia têm-se faciais de uma pessoa (p. 234). mostrado muito úteis em diminuir Além disso, as expressões faciais os efeitos negativos que a não apenas retratariam o tipo de expectativa social pode exercer emoção que está sendo sobre as respostas dos sujeitos vivenciado como também de pesquisa (Eisenberg, Fabes, influenciariam a maneira como a Bustamante, & Mathy, 1987; pessoa que as expressa se sente, Krebs, 1975; Marcus, 1987; pois as emoções são Preston & De Waal, 2002). intensificadas quando são Contudo, esse tipo de técnica traz facialmente expressas e vice- algumas desvantagens, como, por versa. exemplo, a necessidade de se utilizar aparelhos muito caros e Conforme citam Decety e Jackson incômodos para os participantes. (2004), pesquisas demonstram Além disso, o manuseio de tais que expressões faciais são aparelhos e as análises dos potentes estimuladores dados produzidos requer um alto emocionais, pois produzem no grau de especialização por parte observador emoções similares às do pesquisador. Outra que estão sendo expressas por desvantagem desse tipo de quem é observado. Além disto, método é que a interpretação dos imitar expressões emocionais dados requer, também por parte pode fazer com que o sujeito sinta do pesquisador, maior grau de as emoções correspondentes ao inferência em relação aos que está sendo imitado, mesmo diferentes tipos de reações que nenhum estímulo eliciador de
Revisão de Aspectos Conceituais, Teóricos e Metodológicos da Empatia
afetivas produzidas durante a Para os pesquisadores que pesquisa. consideram a empatia como uma variável constitucional ou traço Já os métodos que envolvem a disposicional, as duas medidas utilização de histórias ilustradas, mais conhecidas são o escalas ou questionários têm a Questionaire Measure of vantagem de produzir dados que Emotional Empathy, de Mehrabian são condizentes com a e Epstein (1972), e o experiência subjetiva dos Interpessonal Reactivity Index respondentes, consomem menos (IRI), de Davis (1983). A primeira tempo e dinheiro e exigem menos consiste em uma escala que treinamento por parte dos combina diversos itens de pesquisadores (Bryant, 1987; responsividade afetiva nos Strayer, 1987), além de poderem domínios da empatia ou da ser aplicados a grandes amostras simpatia. O instrumento de Davis, e de serem rapidamente por sua vez, aborda a empatia de analisados. Por outro lado, os maneira multidimensional, através métodos que utilizam essas de um questionário com duas técnicas possuem algumas subescalas afetivas (personal desvantagens, como, por distress e empathic concern) e exemplo, não abordarem outras duas subescalas cognitivas (role- dimensões envolvidas na taking e fantasy). produção da empatia (comportamento não-verbal, Além do IRI e do questionário de pressões situacionais ligadas à Mehrabian e Epstein, Del Giudice expectativa social, etc.). Além (2004) cita a Affective disso, esse tipo de técnica pode Perspective-taking Task (Denham, ser bastante influenciado por 1986), o Interpersonal Perception alguns fatores, como a vergonha Test – IPT (Borke, 1971), o de falar sobre suas emoções a Feshbach Affective Situation Test um estranho, a possibilidade de for Empathy – FASTE (Feshbach que os respondentes não sejam & Roe, 1968), o Empathy lingüisticamente hábeis para Continuum Scoring System – relatar o que estão sentindo, ou ECSS (Strayer, 1987), o Index of sejam incapazes de entender as Empathy for Children and instruções que lhes são Adolescent (Bryant, 1982), a fornecidas, e dificuldades na Empathy Scale (Hogan, 1969) e o utilização de números para teste How I Feel in Different mensurar experiências subjetivas, Situations como importantes dentre outras (Batson, 1987). instrumentos utilizados para
Revisão de Aspectos Conceituais, Teóricos e Metodológicos da Empatia
mensurar a empatia e a conceitual e a produção de dados capacidade de tomada de mais precisos. Contudo, essas perspectiva. Os cinco primeiros autoras alertam para o fato de são utilizados em crianças cujas que utilizar diversas medidas idades podem variar de 3 a 8 fracas em um mesmo estudo não anos de idade, o sexto com tem nenhum tipo de vantagem, se crianças e adolescentes, e o comparado à utilização bem último é aplicável apenas a controlada de um único tipo de indivíduos adultos. medida.
Considera-se que o IRI seja um Ademais, como indica o trabalho
instrumento mais completo que os de Del Giudice (2004), a criação demais justamente por considerar de diversos tipos de instrumentos a empatia um construto não implica, necessariamente, multidimensional, avaliando-a maior nível de precisão conceitual através de subescalas afetivas e e metodológica, visto que a cognitivas que apresentam boa utilização e a validação de muitos consistência interna. O IRI tornou- desses instrumentos têm sido se um instrumento reconhecido e questionadas por diversos amplamente utilizado por estudos. Entre as principais pesquisadores de diversos países críticas levantadas contra as (Escrivá, Navarro, & Garcia, escalas supracitadas, destacam- 2004), inclusive orientais (Siu & se a falta de consistência interna Sheck, 2005), tendo sido validado de algumas subeescalas (Ribeiro, Koller, & Camino, 2002) (empathy scale), a mensuração e utilizado eficazmente inclusive estereotipada da capacidade de em amostras brasileiras antecipar reações afetivas, mais (Sampaio, Monte, Camino, & do que da capacidade de Roazzi, 2008; Soares, 1996). descentração (IPT), e a falta de especificidade acerca do tipo de Considerando as vantagens e reação afetiva/empática que está desvantagens apresentadas pelas sendo mensurada (FASTE). diferentes maneiras de se acessar a empatia, Strayer e Eisenberg Métodos que utilizam imagens (1987) julgam que técnicas mais funcionais do cérebro, evocação aperfeiçoadas e acuradas de de potencial em microeletrodos e investigação implicam a utilização estimulação magnética de abordagens multidimensionais, transcraniana são exemplos de e que esse avanço implicará a técnicas de investigação necessidade de maior clareza utilizadas atualmente na pesquisa
Revisão de Aspectos Conceituais, Teóricos e Metodológicos da Empatia
sobre empatia e que têm desenvolvimentistas produzido importantes insights influenciavam essa e outras sobre os diferentes sistemas reações afetivas vicárias, algumas corticais envolvidos nas das quais serão apresentadas a experiências empáticas (Damasio, seguir. 1996/2007; Decety & Jackson, 2004; Moll et al., 2001). Dados Estudos empíricos sobre a importantes têm sido produzidos empatia também a partir do estudo com Considerando que a empatia seja pacientes autistas, sociopatas e uma resposta afetiva cujo esquizofrênicos (Preston & De processo de desenvolvimento é Waal, 2002), indicando haver influenciado pelo contexto relação entre prejuízos em sociocultural, alguns autores têm habilidades sociocognitivas e o buscado verificar se pessoas de comprometimento de diferentes países demonstram determinados circuitos neuronais. diferenças quantitativas e/ou qualitativas no que diz respeito às No que diz respeito ao campo de experiências empáticas. Dentre estudos sobre a empatia na eles, destacam-se os trabalhos de atualidade, existem poucos Enz e Zoll (2006) e o de Siu e trabalhos empíricos nessa área, Sheck (2005). sendo que, nas últimas décadas, parece ter havido um Segundo Enz e Zoll, apenas cinco desinteresse crescente dos estudos investigaram diferenças pesquisadores em investigar esse transculturais da empatia, dentre processo (Duan & Hill, 1996). os quais se destaca o de Essa “desaceleração” dos Trommsdorff (1995), que estudos sobre a empatia estaria comparou amostras de sujeitos da baseada, principalmente, na Alemanha e do Japão. Enz e Zoll aparente falta de acordo sobre as afirmam que as dificuldades para questões conceituais, realizar estudos transculturais são metodológicas e empíricas decorrentes, sobretudo, de alguns apresentadas ao longo dos anos. fatores, como o pouco Apesar desses problemas, alguns conhecimento que se tem acerca pesquisadores desenvolveram do desenvolvimento da empatia, a estudos nos quais buscaram carência de investigações a investigar a relação entre a respeito da influência de aspectos empatia, o sexo, a idade e a culturais sobre os processos cultura, a fim de compreender psicológicos ligados à afetividade, como aspectos contextuais e além da existência de diversos
Revisão de Aspectos Conceituais, Teóricos e Metodológicos da Empatia
problemas conceituais no campo, crianças germânicas. Quanto aos conforme visto anteriormente. No aspectos cognitivos da empatia, caso particular do estudo de observaram que as crianças do Trommsdorff, Enz e Zoll Reino Unido pontuaram mais alto apontaram, por exemplo, que o que as crianças dos outros países instrumento utilizado foi nesses itens. Diferenças de desenvolvido na Alemanha e não gênero também foram passou por nenhuma adaptação identificadas neste estudo, pois as ao contexto cultural da China. meninas se descreveram como mais empáticas do que os Considerando algumas dessas meninos nos quatro países. questões, Enz e Zoll (2006) realizaram uma pesquisa Em outro estudo, Siu e Sheck transcultural da qual participaram (2005) aplicaram uma versão 252 crianças de Portugal (n = 55), traduzida e adaptada do IRI a Alemanha (n = 96) e Reino Unido uma amostra de estudantes (n = 101), de ambos os sexos e secundaristas e universitários de com idades variando entre 8 e 14 uma região industrializada da anos. A outra parte da amostra foi China com o intuito de testar as composta por 200 crianças propriedades psicométricas do chinesas de ambos os sexos e instrumento naquele país. É com idades variando de 7 a 13 interessante destacar que, apesar anos. Para investigar os níveis de das análises fatoriais empatia dos participantes, foi confirmatórias corroborarem o desenvolvido um instrumento modelo de Davis (1983), análises baseado na Escala de Bryant exploratórias revelaram que um (1982) e utilizado um outro, modelo com três e não quatro desenvolvido por um pesquisador fatores era mais adequado para alemão, que foi adaptado às explicar os dados. No primeiro especificidades culturais de cada fator, predominaram os itens país. referentes à subescala de personal distress; no segundo, as De maneira geral, os resultados questões relativas à dimensão de do estudo de Enz e Zoll fantasy, e, no terceiro fator, houve demonstraram que as crianças um agrupamento dos itens das chinesas se descreveram como subescalas de empathic concern mais empáticas (na dimensão e perspective taking. afetiva) do que as crianças dos outros países, com o inverso Esses resultados sugerem que, sendo verdadeiro para as para os jovens chineses, pode
Revisão de Aspectos Conceituais, Teóricos e Metodológicos da Empatia
não ter havido distinção entre os componentes cognitivos e afetivos da empatia tal como eles são mensurados no IRI, o que justifica o agrupamento desses itens em um único fator. Além disso, Siu e Sheck destacaram que esses resultados intensificam ainda mais o debate sobre a existência de fronteiras bem delimitadas entre os processos de tomada de perspectiva e as experiências afetivas vivenciadas na empatia e sobre a relação entre esses fenômenos.
Revisão de Aspectos Conceituais, Teóricos e Metodológicos da Empatia