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MATRIZES DO

PENSAMENTO IV:
FENOMENOLOGIA
EXISTENCIAL E
HUMANISTA
Fundamentos do
psicodrama
Gilmar Antoniassi Junior

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Identificar o papel da criatividade e da espontaneidade na teoria do


psicodrama.
> Determinar a matriz de identidade à luz do psicodrama.
> Descrever a teoria dos papéis sociais na perspectiva do psicodrama.

Introdução
A teoria psicodramática de Jacob Moreno apresenta uma possibilidade de
união dos processos terapêuticos com práticas dramáticas, ou seja, propõe
a união entre a psicologia e o universo da dramatização, a partir da vivência
de representações. Moreno foi ousado em considerar que o exercício de inte-
rações dramáticas, a alternância de papéis e outros recursos da dramaturgia
poderiam ser usados como formas de desenvolvimento humano. Essas práticas,
como ele percebeu, podem produzir insights importantes, promovendo, assim,
desenvolvimento humano. Com essa metodologia, Moreno conseguiu atrair a
atenção de muitas pessoas e estabelecer uma robusta teoria, principalmente
no que diz respeito a intervenções em grupo.
Neste capítulo, você vai estudar o papel da criatividade e da espontaneidade
de acordo com a visão moreniana. Também verá como a matriz de identidade é
compreendida por ele e qual seu papel na teoria. Para finalizar, você estudará
a teoria dos papéis sociais.
2 Fundamentos do psicodrama

O psicodrama
O psicodrama tem como foco a intervenção com grupo, por meio da repre-
sentação vivencial. Seu criador, o médico Jacob Levy Moreno, de origem
romena, quando jovem cursou dois anos de filosofia. Já na infância, Moreno,
ao brincar com grupos de crianças, utilizava-se do jogo de improviso com o
objetivo de favorecer a espontaneidade e a criatividade; na adolescência criou
o seinismo — a ciência do ser. Moreno empregou o teatro como metodologia
para favorecer a representatividade e, por meio dele, discutia os dilemas
sociais envolvendo o encontro de pessoas, observando as interações grupais
e as características psicológicas (CONSERVA, 2014).
Nessa perspectiva é preciso compreender que o movimento psicodramá-
tico se sistematiza a partir dos aspectos da socionomia, ciência que estuda
as leis sociais, as quais conduzem o comportamento interpessoal, apoiada
na observação das relações entre as pessoas (denominado de sociometria),
entendendo a dinâmica do grupo (sociodinâmica) e as relações com o contexto
(as ações sociatriais). Fundamentada nesses conceitos associados, a metodo-
logia da representatividade do teatro de Moreno estabelece, no psicodrama,
a ciência que explora a verdade, por métodos dramáticos, a partir dos papéis
desempenhados na sociedade, elaborada pela capacidade de agir e interagir
entre as pessoas, por meio do encontro (AMATO, 2002).
O termo encontro, para o psicodrama, parte da compreensão filosófica
de Moreno (2011) de que é a experiência essencial para vivenciar o momento,
capaz de promover um evento único (considerado o ato psicodramático — o
aqui e agora) e/ou fazer-se um representar à parte de um conjunto (o que seria
o processo psicodramático). Esse termo seria, então, um convite, espécie de
convocação ou apelo para a sensibilidade do próximo.
Portanto, a dramatização é o ponto vital do psicodrama. Ele usa a repre-
sentação dramática como núcleo de abordagem e exploração do ser humano
e seus vínculos; tem uma linguagem que lhe é particular por meio da qual
trata de sensibilizar o espectador a respeito daquilo que está sendo indicado;
utiliza-se da improvisação, do próprio espaço físico e de recursos auxiliares
que possibilitam ao sujeito vivenciar e experimentar os diversos papéis nos
quais está inserido na sociedade e os dilemas que tem vivido (CONTRO, 2004).
O desenvolvimento da ação dramática possui três momentos importantes.
O primeiro momento realiza o aquecimento, em que o grupo é preparado
por meio da escolha do tema proposto e de quem vai ser o protagonista. No
segundo momento, acontece a representação da cena dramática, entrando os
egos auxiliares encarregados de apresentar os personagens reais ou simbólicos
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que o protagonista escolheu. Uma vez iniciada a cena, o diretor retira-se do


espaço dramático e só interfere quando é necessário dar instrução ou incluir
alguma técnica. No terceiro momento, o grupo comunica-se terapeuticamente
e compartilha suas emoções, sensações e vivências e tudo o que lhes foi
ocorrendo durante a cena (AMATO, 2002).
Estando presentes os participantes do psicodrama, inicia-se o aqueci-
mento inespecífico, que auxilia no surgimento do tema conflitante do grupo,
partindo, assim, para o aquecimento específico, em que se monta o cenário,
identificando os personagens que participarão da cena, para o desempenho
dos papéis implicados nas cenas dramáticas (GONÇALVES; PERES, 2012).
A dramatização permite à pessoa montar uma situação em que se deseja
explorar e elaborar. Por meio de cenas abertas, envolvem-se na montagem de
um cenário e todos os elementos que irão compor a ação a ser dramatizada.
Internamente, a dramatização possibilitará vivenciar, na ação dramática, o
simbolismo internalizado e, a partir daí, possibilitar uma interpretação da sua
própria ação e representação, fazendo-se perceber seu lugar (RAMALHO, 2010).
A ação terapêutica no psicodrama não ocorre só quando dramatiza; tudo
o que ocorre além da dramatização é de suma importância: o espaço cênico
é o espaço das multiplicidades, das infinitas possibilidades, em que o tempo
é todos os tempos, na intensidade do momento (MESQUITA, 2000).
O uso das técnicas facilita a compreensão, representação e insights. É
importante movimentar a cena por meio das técnicas psicodramáticas, como
(RAMALHO, 2010):

„ a técnica duplo, que é feita por um ego-auxiliar e/ou pelo psicotera-


peuta, que expressa, em determinado momento, aquilo que o sujeito
não está conseguindo expressar, isto é, dá voz ao que ele não consegue
colocar em palavras a fim de auxiliá-lo a expressar suas emoções —
sentimentos — e pensamentos;
„ a técnica do espelho, cujo ego auxiliar insere-se em um lugar físico, no
qual a pessoa se assume, em determinado momento da dramatização,
com a finalidade de olhar para si, estando fora da cena e percebendo
todos os aspectos presentes nela;
„ a técnica inversão dos papéis, que possibilita olhar a outra pessoa a
partir de sua representação;
„ a técnica do solilóquio, que congela a cena e solicita o pensar alto (grifo
do autor) e a expressão do que se está sentindo: a concretização, que
permite utilizar-se de componentes inanimados, emoções, conflitos,
partes corporais, imagens, movimentos e falas que dão movimento à
ação da cena dramática.
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A sessão psicodramática tem como primeiro recurso material a sala onde


se realiza o psicodrama, não sendo necessário um ambiente especial, apenas
um espaço adequado de acordo com o número de participantes, para que
possam sentar-se em círculo, de forma a olharem-se. O contexto dramático
ocorre em um espaço demarcado por um tapete e/ou palco, de 10 a 20 cm de
altura, ou na simbologia do palco (SOEIRO, 1995). A representação teatral no
psicodrama proporciona a cada sujeito participante do grupo expressar-se
de maneira natural de acordo com a intensidade do envolvimento pessoal
para com a sua liberdade, a partir de suas experiências reais e imaginárias.
A prática psicodramática consiste em contextos, instrumentos e etapas.
O contexto é a relação de vivências de indivíduos, os quais se comunicam
em uma eventualidade espaço-temporal. São três contextos (GONÇALVES;
WOLFF; ALMEIDA, 1988):

1. social, formado pela realidade social, tempo cronológico e espaço


concreto;
2. grupal, constituído pela realidade grupal de um determinado grupo tal
como é (grifo do autor), apresentando situações definidas e objetivos
específicos, em um intervalo de tempo e espaço pré-estabelecidos;
3. dramático, constituído pela realidade dramática no como se (grifo do
autor), pelo tempo e espaço fenomenológico, aqui construído e marcado
sobre o espaço concreto.

Os instrumentos do psicodrama são o cenário/espaço, onde ocorre a ação


dramática, multidimensional e móvel; o protagonista, que dá surgimento à ação
dramática expondo sentimentos comuns que permeiam o grupo, tornando-
-se o ponto principal do trabalho grupal; o diretor, que se assume como o
terapeuta do protagonista e do grupo e o analista social que coordena a
sessão; o ego, o qual auxilia o terapeuta na ligação entre o diretor e o prota-
gonista da cena dramática, suas funções de ator, auxiliar do protagonista e
observador social; o público, que se configura como o conjunto dos demais
participantes da sessão psicodramática (GONÇALVES; WOLFF; ALMEIDA, 1988;
RAMALHO, 2010; SOEIRO, 1995).
Dessa maneira, Gonçalves, Wolff e Almeida (1988) pontuam as etapas
necessárias para estabelecer o surgimento do protagonista na sessão psico-
dramática, dividindo os momentos em: aquecimento inespecífico e específico
como sendo a preparação para a ação dramática da escolha do protago-
nista; dramatização, etapa em que se dá a ação dramática, terminando com
a compreensão, o encaminhamento ou a resolução do conflito exposto; e o
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compartilhar, ou seja, a volta ao contexto grupal, no qual cada participante


pode expressar suas emoções diante da cena dramática, seguindo a ordem
de primeiro falarem os participantes da cena e, depois, o grupo.
Enfim, o trabalho com grupos por meio do psicodrama possibilitará aos
participantes recriar no grupo seus modelos de relacionamento, confrontando
e sendo confrontados com as diferenças individuais, condição necessária para
apreenderem a distinção entre sua experiência emocional e a dos outros,
sendo cada um deles agente transformador dos demais (RAMALHO, 2010).
Segundo Gonçalves e Peres (2012), o psicodrama, por meio dos seus con-
ceitos de espontaneidade e criatividade, elementos que formam o humano,
possibilita a ação do lúdico e do jogo de papéis, o retorno na espontaneidade
enquanto agilidade para a criatividade e que proporciona a dimensão social,
do cultural, do compartilhamento e do contextualizado na cena, possibilitando
ao participante imaginar seu futuro, ter aspirações e expectativa ou fazer
uma dramatização dos seus projetos mais importantes, valorizando o que
pode ocorrer, e dar-lhe poder.

Espontaneidade e criatividade
Como já dito, o psicodrama é um processo psicoterápico em que a repre-
sentação dramática é usada como ferramenta para explorar a psique e seus
laços emocionas utilizando como pontos básicos de sua teoria o conceito
de espontaneidade e criatividade. Para Moreno, todo homem é ser espon-
tâneo — criativo — e, a partir de sua espontaneidade e criatividade, ele se
relaciona na sociedade, estabelecendo os vínculos sociais e representando
seus diferentes papéis que se interagem.
Dado isso, entende-se como espontaneidade no psicodrama a capacidade
do homem de agir de forma natural, congruente em dado momento de forma
criativa diante das situações e das relações entre as diferentes pessoas,
por meio de sua capacidade empática de se colocar no lugar do outro em
diferentes situações e contextos.
Já a criatividade para o psicodrama dar-se-á por meio da revolução criadora
definhada por Moreno a partir dos obstáculos ambientais e emocionais de
se interagir socialmente por meio de sua espontaneidade. Então, pode-se
dizer que a criatividade é o que adenda a capacidade espontânea do homem.
Segundo a Federação Brasileira de Psicodrama (2021), o trato entre cria-
tividade e psicodrama é uma ligação simbiótica de coexistência intrínseca e
essencial para manter a espontaneidade. O psicodrama estimula a prática
da execução da criatividade, promovendo no homem insights que permitam
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refletir sobre sua capacidade de agir e reagir com prontidão, coerência e


flexibilidade ante os papéis assumidos nos diferentes contextos e momentos
da vida (BRAGA; ANOTNIASSI JÚNIOR, 2019).
Assim, pode-se afirmar que a espontaneidade é a capacidade de agir de
modo adequado diante de situações novas ou semelhantes, criando uma res-
posta inédita e renovadora que transforme as situações já preestabelecidas,
favorecendo, assim, o ajustamento e a adaptação do homem a si mesmo.

No psicodrama, a espontaneidade e a criatividade são princípios


integradores para aplicabilidade da técnica. Por um lado, a criati-
vidade requer um universo aberto, onde existam a mudança e a novidade. Por
outro lado, a espontaneidade e a capacidade de adaptações humanas permitem
a criação de situações de transformação.
Para que um momento seja transformador por meio do método psicodramá-
tico, deve ocorrer uma mudança na situação suficiente para que haja a percepção
da novidade. Essa absorção ocorre por meio do aquecimento preparatório que
facilita o estado espontâneo que se dará na ação dramatizadora para promover
o ajustamento e a adaptação do sujeito ante seus dilemas e sua interatividade
nos diversos contextos psicossociais da vida.
Explore mais assistindo ao vídeo “Conversando com Psicólogo Georges
Khouri”, no YouTube.

A constituição do ser no psicodrama


Para Moreno, todo homem é um agente espontâneo e criativo, podendo ter
sua espontaneidade e criatividade acometidas por perturbações que com-
prometam sua capacidade de agir e reagir ante as interações do ambiente.
Então, o homem é um indivíduo social, pois nasce em sociedade e necessita
dos outros para sobreviver, sendo apto a conviver com os demais (MORENO,
1983).
Por consequência, a constituição do ser no psicodrama dar-se-á pelo
desenvolvimento do que Moreno chamou de matriz de identidade. A matriz
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de identidade pode ser distinguida pela rede convívio que envolve o homem
desde o nascimento (enquanto criança) quando o casal deslumbra uma relação
afetiva enamorada, incluindo mutuamente fatores biológicos, psicológicos,
culturais, sociais e ambientais.
Logo, o homem sem memória não tem perspectiva de futuro e lembranças
que possibilitem resgatá-las para recriá-las e vivenciá-las de modos dife-
rentes ajustados à realidade por meio da fantasia. Sendo assim, a matriz de
identidade é desenvolvida no homem a partir de dois momentos denominados
universo. No Quadro 1, a seguir, é possível compreender como se dá a dinâmica
da matriz de identidade nos seus diferentes momentos e seus universos.

Quadro 1. Compreensão da matriz da identidade total e matriz total dife-


renciada em relação a brecha entre fantasia e realidade

Matriz de identidade
Matriz de identidade total
total diferenciada

O círculo grande representa o O círculo grande representa o


primeiro universo da matriz de primeiro universo da matriz de
identidade, no qual o homem (a identidade, no qual o homem (a
criança), no seu mundo interno, criança), ao passar do tempo, começa
confunde sua existência [círculos a distinguir os objetos [quadrados]
pequenos] com o meio e os objetos das pessoas [círculos pequenos]; os
[representado pelos quadrados], não pontilhados [círculos e quadrados]
diferencia EU – OUTRO, não distingue são a representação da capacidade
a realidade de fantasia. de diferenciação de uma coisa da
outra — mas atribuindo o mesmo grau
de realidade.

(Continua)
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(Continuação)

Brecha entre fantasia e realidade

O retângulo representa o segundo universo da matriz identidade; um é para


os atos de realidade [desenhos sólidos] e outro para os atos de fantasia
[desenhos pontilhados], estereotipando o ponto onde o homem (jovem/
adulto) começa a desenvolver os seus papéis: o social, ligado à realidade, e os
psicodramáticos, ligados à fantasia.

Fonte: Adaptado de Moreno (2011).

O primeiro universo refere-se à não diferenciação das pessoas de objetos,


não distinguindo o que é imaginário (fantasia) de realidade. Já o segundo
universo refere-se ao momento em que, por meio da vivência (experiências),
ocorre a brecha entre a fantasia e a realidade, propiciada pela inserção dos
diferentes papéis constituídos socialmente, se firmando pela distinção entre
EU — TU — NÓS (FONSECA, 2012).
Então, pode-se dizer que a matriz de identidade surge, de fato, quando o
homem enquanto criança constata a si mesmo (EU), o outro (TU) e o coletivo
(NÓS), entendendo primeiro quem você é (EU) e os papéis dos outros ao seu
redor (TU — NÓS).
Desse modo, Moreno (1983) afirma que a matriz de identidade é o lugar
no qual a comunicação entre o sujeito (o homem) e o universo social (a so-
ciedade) ocorre, denominando esse ato como placenta social, apontado
pelo psicodrama como meio de promover a constituição dos papéis sociais,
psicossomáticos e psicodramático.
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Os papéis no psicodrama
A teoria dos papéis de Jacob Levy Moreno é o elemento teórico central no
psicodrama, representada por uma visão bastante otimista de desenvolvi-
mento humano, e se refere a um modelo pluralista da mente, em que cada
indivíduo exerce muitos papéis que podem ser desenvolvidos, alterados,
jubilados e modificados durante a vida (ŽURIĆ JAKOVINA, 2017).
Os papéis são uma convenção de elementos singulares e sociais, em que
cada pessoa é definida por suas experiências individuais e pelas conservas
culturais de uma assentada sociedade. Eles combinam comportamentos e
emoções que são expressões da identidade de uma pessoa e são inseparáveis
de seus contextos. Desse modo, Moreno afirma que o self emerge dos papéis
que desempenhamos (MCVEA; REEKIE, 2007).
Portanto, Moreno acreditava que a criatividade é resultado da necessidade
de mudança, sendo um processo de cooperação entre pessoas que aprimoram
conceitos conservadores e criam novos. Moreno afirmou que a criatividade
está no núcleo do psicodrama, como uma forma de energia inspiradora que
ajuda a sociedade a tomar consciência dos problemas e ajuda o indivíduo a
tomar consciência dos problemas da sociedade, enquanto a espontaneidade
é um processo físico, mental e interpessoal, orientado pela criatividade. A
criatividade é uma forma de ação, o ato da criação, enquanto a espontanei-
dade é a prontidão para criar, operando no aqui e agora (SAROL-KULKA, 2004).
Moreno argumentou que a teoria dos papéis poderia ser a ponte entre a
psiquiatria e a sociologia. Mais particularmente, ele viu a teoria dos papéis,
com seus fundamentos nas ações dramatúrgicas como um poderoso instru-
mento para orientação psicológica, sendo mais inclusiva do que os conceitos
sociológicos ou psiquiátricos, permitindo o crescimento mental e o bem-estar
pessoal, como aspecto terapêutico (MORENO, 2011).
A teoria foi concebida por meio do formato grupal de psicoterapia, com
origem no teatro, na psicologia e na sociologia. Entretanto, enfoca as par-
ticularidades do indivíduo como a interseção de vários papéis relacionais.
Por esse motivo, é uma terapia com foco no individual em formato grupal,
centrada no protagonista, e a ação pode se dar em torno dos diversos papéis
que ele assume ao longo da vida.
Por conseguinte, Moreno atribui a inspiração de sua teoria dos papéis
dando destaque à ação e às funções sociais. O papel é o modo como o ho-
mem assume em dado momento específico de ação e reação na qual outros
homens e objetos estão envolvidos; sendo assim, os papéis podem ser psi-
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cossomáticos, sociais e psicodramáticos. O Quadro 2 apresenta o conceito


de cada um desses papéis.

Quadro 2. Compreensão os tipos de papéis na teoria psicodramática

Tipos de papéis Definição

Papel Está associado à fase total da matriz da identidade —


psicossomático na qual o homem não distingue indivíduos e objetos
reais de imaginários. Podemos dizer que esses
papéis correspondem à dimensão fisiológica do EU —
desempenho das necessidades fisiológicas.

Papel social Está associado à fase de diferenciada da matriz


de identidade — nos papéis sociais opera
predominantemente a função de realidade. Corresponde a
conjuntos diferenciados de unidades de ação em relação à
função específica do papel e da interação do papel. Assim,
pode-se dizer que esse papel corresponde à dimensão
social do EU que o homem desempenha nos diferentes
contextos sociais.

Papel Está associado à fase da brecha da matriz de identidade —


psicodramático é a contrapartida da função da realidade expressada pela
fantasia. Assim pode-se dizer que esse papel corresponde
à dimensão psicológica do EU. Nesse papel, o homem
adquire também a capacidade de iniciar processos de
aquecimento diferenciados, para o desempenho de um
outro tipo de papel. É nesse contexto que o processo
psicoterapêutico reage diante da dinâmica da sessão,
pois as personificações de coisas imaginadas, tanto reais
quanto irreais tomam forma de reflexões e insights do
homem no contexto terapêutico em relação ao papel
social e psicossomático.

Fonte: Adaptado de Moreno (2011).

Desse modo, o homem é um ser que se relaciona, e essa relação resulta em


acontecimentos em que o homem assume um papel, podendo, assim, surgir
outros papéis que complementam o psicossomático, social e psicodramático
e podem ser distinguidos como temporários (surge pela necessidade do am-
biente), pseudo (surge das pressões sociais), permanente (que é estruturado,
por exemplo, pai, filho, profissional) e ancoradouro (aquele que é desenvolvido
onde encontram suas habilidades específicas para seu desempenho).
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Neste capítulo, foi possível compreender os pressupostos teóricos da


teoria psicodramática para compreender as principais concepções sobre o
homem em relação à sua dinâmica em diferentes contextos sociais, a partir
da identificação sobre a matriz de identidade, que é como o homem se desen-
volve, para formar, articular e executar os diferentes papéis explorando sua
espontaneidade e criatividade. Nesse sentido, é essencial para o profissional
da psicologia, ao trabalhar na perspectiva psicodramática, saber que o ponto
alto da terapia está em restabelecer o sujeito no resgaste de sua espontanei-
dade por meio da capacidade criativa de executar seus diferentes papéis na
sociedade, respeitando os momentos a partir da função estabelecida por ele,
compreendendo qual o seu lugar no meio em que está inserido. Além disso,
o terapeuta deve propiciar ao sujeito a possibilidade de assumir o lugar por
meio das ações necessárias percebidas por meio dos insights terapêuticos.

Referências
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BRAGA, R. M. R.; ANTONIASSI JÚNIOR, G. Moreno: encontro existencial com as psicote-
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CONSERVA, N. C. Teatro e psicanálise: uma leitura da obra de Jacob Levy. Revista Cien-
tífica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente, v. 5, n. 1, p. 29-45, 2014.
CONTRO, L. C. Nos jardins do psicodrama: entre o individual e o coletivo contemporâneo.
São Paulo: Alínea, 2004.
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componente%20essencial%20da%20criatividade.&text=O%20objetivo%20é%20a%20
elaboração,a%20própria%20definição%20de%20criatividade. Acesso em: 25 fev. 2022.
FONSECA, J. Onde está o reconhecimento do ele na matriz de identidade? Intersecções
entre Moreno e Lacan. Revista Brasileira de Psicodrama, v. 20, n. 1, p. 115-134, 2012.
GONÇALVES, C. D.; PERES, V. L. O psicodrama na universidade: contribuições morenianas
à psicoterapia em uma clínica-escola. Revista Brasileira de Psicodrama, v. 20, n. 1, p.
71-92, 2012.
GONÇALVES, C. S.; WOLFF, J. R.; ALMEIDA, W. C. Lições de psicodrama: introdução ao
pensamento de J. L. Moreno. 8. ed. São Paulo: Ágora, 1988.
MCVEA, C.; REEKIE, D. Freedom to act in new ways: the application of Moreno's spon-
taneity theory and role theory to psychological coaching. Australian Psychologist, v.
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MESQUITA, A. M. O. O psicodrama e as abordagens alternativas ao empirismo lógico
como metodologia científica. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 20, n. 2, p. 32-37, 2000.
MORENO, J. L. Fundamentos do psicodrama. São Paulo: Summus, 1983.
MORENO, J. L. Psicodrama. 13. ed. São Paulo: Cultrix, 2011.
12 Fundamentos do psicodrama

RAMALHO, C. M. Psicodrama e dinâmica de grupo. Aracuju: Inglu, 2010.


SAROL-KULKA, A. Jacob Levy Moreno and his theory of creativity and spontaneity.
Psychoterapia, v. 4, n. 131, p. 9-15, 2004.
SOEIRO, A. C. Psicodrama e psicoterapia. 2. ed. São Paulo: Ágora, 1995.
ŽURIĆ JAKOVINA, E. T. Role theory and role analysis in psychodrama: a contribution to
sociology. Socijalna Ekologija, v. 26, n. 3, p. 151-169, 2017.

Leituras recomendadas
FONSECA FILHO, J. S. Psicodrama da loucura: correlações entre Buber e Moreno. 3. ed.
São Paulo: Ágora, 1980.
GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 2002.
MORENO, J. L. O teatro da espontaneidade. São Paulo: Summus, 1984.
O ILUMINADO. Direção: Stanley Kubrick. [S. l.]: Warner Bros, 1980. DVD (144 min), son.,
color.
SCHMIDT, M. L. G.; VANIN, M. R. C. L. (org.). Psicodrama, cinema e processos de subjeti-
vação. São Paulo: FiloCzar, 2016.

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