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TIRAGEM ESPECIAL | UDF CENTRO UNIVERSITÁRIO

Notícias ao pé Expediente:
Dayse Muniz
Tatianne Gomes
Brasília, 29 de novembro
de 2023. das Letras

AND THE OSCAR GOES TO... A EQUIPE


No decorrer do semestre letivo, seis tiragens do Raícia Basílio, Yassanã do Nascimento,
Notícias ao Pé das Letras vieram a público. Foi um Maria Clara Reis e Isabella Verlindo
trabalho gostoso de corrigir, bacana de discutir e que, foram as divas que nos ajudaram a
esperamos, configurou-se como uma alternativa mais fazer este projeto possível. Elas
prazerosa para os estudos e reflexões do alunado de auxiliaram nos trabalhos de discussão
Letras Português e Inglês do UDF. Esta tiragem de pauta, divulgação, mediação com as
especial tem dois objetivos: agradecer à nossa turmas, organização do leiaute, revisão
querida equipe, essencial para o desenvolvimento das e escrita; além disso tudo, dividiram as
atividades, e reunir os melhores textos que surgiram a preocupações com prazos e resultados.
partir desta proposta pedagógica. Vamos ler um pouco sobre como elas
se sentiram durante todo esse processo
- ou pelo menos o que elas escolheram
nos contar!

E daí que o meu texto Brilha, brilha, Notícias ao Pé


apareceu na tiragem das Letras!
especial? Tatianne Sousa escreve sobre
Para além do reconhecimento, você ganhará
nosso singelo jornalzinho.
mais 0,5 ponto na matéria que cursou com a
professora Dayse neste semestre de 2023. É
isso mesmo: uns 'trocadinhos' a mais para
terminar o ano com mais tranquilidade.

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COM VOCÊS, A EQUIPE


Por Professora Dayse Muniz (UDF / UnDF)

Um trabalho como o Jornal ao Pé das Letras, para tomar forma, precisa da ajuda de muitas
mãos. Pensando que diversos estudantes já haviam manifestado o desejo por transitar em
outros gêneros textuais e que têm afinidade com a área de edição e revisão, pensei na
proposta. Aqui estão os depoimentos das estudantes que colocaram a mão na massa, e
sem as quais o projeto não teria sido possível. Obrigada, garotas!

Fazer parte da edição desse jornal foi uma


amostra do que de fato eu gosto de fazer.
Espero que siga o plano e tenha mais
tiragens e que eu possa ser parte
integrante da equipe.
Yassanã do Nascimento

Participar da edição do Jornal foi muito


divertido, foi uma oportunidade única de
deixar a criatividade florescer e aplicar meus
conhecimentos de revisão de texto. Confesso
que preciso de mais prática na parte do design
em si (risos) mas ainda assim, foi uma ótima
experiência. Por mim, poderíamos continuar
esse projeto nos próximos semestres. Foi
ótimo!
Isabella Verlindo

Fazer o jornal foi muito divertido! Apesar de uns


estresses leves, no fim foi uma ótima experiência e
pude ter contato com mais uma parte do currículo do
curso de Letras, de uma forma nova e que me permitia
usar a criatividade toda semana. Além disso, os
alunos desenvolveram textos interessantes e que
normalmente não teriam tido oportunidade de
escrever, o que também foi ótimo de se ver.
Maria Clara Reis

Umas das experiências mais interessantes e


divertidas que eu tive dentro da minha vida
acadêmica, e que faria de novo, também. Amei
trabalhar com pessoas com quem eu não tinha
contato eFOTO poder
RETIRADA DO
conhecer mais dos talentos dos
colegas de curso, realmente incrível!
https://percursosliterarios
blog.com/
Raícia Basílio
IMPRESSÕES DE UMA LEITORA
CATÓLICA SOBRE O CRIME DO
PADRE AMARO
Por Anna Freire, estudante do 6° semestre do curso de Letras
Recentemente, fui pega de surpresa ao me deparar com
um livro chamado O crime do padre Amaro. Já havia
ouvido falar de Eça de Queiroz, seu autor, porém meu
primeiro contato com sua escrita foi ao ler essa bomba
de livro. Como uma boa e curiosa católica, ao me
deparar com esse título me vi intrigada, um padre? Um
crime? Duas palavras que parecem não conversar entre
si, mas Eça pegou essa diferença e conseguiu juntar tão
“perfeitamente” que o leitor não consegue terminar a
obra sem um sentimento de indignação. Mas não se
Segundo ORLANDI (2003), há uma
assustem, não é um livro ruim. Publicado pela primeira
relação de forças que determina o
vez em 1875, Eça nos traz em sua obra uma crítica ao
peso e a credibilidade do discurso.
clero e aos membros do mesmo que se envolvem com a
Então, de acordo com o lugar ou
vida pública e política.
posição social que a pessoa ocupa, ela
Logo no início do livro, algo de cara me chama atenção, obtém uma maior ou menor resposta
na página 25 o narrador diz: “E o rapaz desejava o ao seu discurso. O Sacerdote,
seminário, como um libertamento. Nunca ninguém portanto, detém a palavra de maior
consultara as suas tendências ou a sua vocação. importância em comparação a dos
Impunham-lhe uma sobrepeliz; a sua natureza passiva, fiéis, além de ele utilizar paráfrases da
facilmente dominável, aceitava-a, como aceitaria uma Bíblia para fundamentar seu discurso e
farda. De resto não lhe desagradava ser padre.” Durante autoafirmar sua posição como
todo o livro refleti nesse parágrafo pois, segundo o representante direto de Deus. Dessa
catecismo da igreja católica, capítulo 8, ponto 823, diz: forma, ele estabelece uma interação
“Quem entrasse para o estado eclesiástico sem ser com os fiéis que espelha a diferença
chamado por Deus faria um mal muito grave e se poria existente entre estes e Deus, pois o
em risco de perder-se.” E, olhando de uma forma cristã emissor (Deus) é considerado superior
(ou não), não é nada mais do que acontece com padre ao receptor (o fiel).
Amaro no livro. Ele se deixa levar por seus instintos e
desejos, fazendo ações completamente contrárias a Se a proposta de Eça era deixar a
moral cristã, e não só isso, contrarias à dignidade igreja católica encolerizada, acertou
humana. precisamente, mas não podemos
mentir em como o livro ajuda a
Um caso é a contradição que existe entre o que os entender que padres são pessoas,
padres pregam e a vida que, na verdade, levam. Ao olhar os padres como pessoas, que
mesmo tempo que Amaro exercia suas atividades não estão imunes a todas as
eclesiais, se relacionava com a personagem Amélia, sua fraquezas, mesmo aqueles que
“amante”, além de se envolver em questões políticas tenham essa bela vocação.
para viver uma vida abastada como clérigo, contrapondo
o voto de pobreza que os sacerdotes fazem no dia de Referências: Catecismo maior de São Pio X: terceiro
catecismo da doutrina cristã. - Niterói, RJ: Permanência:
sua ordenação. Isso nos leva a uma reflexão, até onde Edições São Tomás, 2010. ORLANDI, Eni Puccinelli.
os sacerdotes podem influenciar os leigos? Se um padre Análise de discurso: princípios e procedimentos. 5. ed.
Campinas: Pontes, 2003. QUEIRÓS, Eça de. O crime do
não vive aquilo que se escuta, em vão é sua pregação padre Amaro. São Paulo: Principis, 2020.
sendo que o presbítero é o primeiro a escutar a palavra
que prega. Isso traz outra crítica do livro, o poder
exercido pela religião na vida das pessoas.
TIRAGEM I
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COM O SACRIFÍCIO DA
PRÓPRIA VIDA
Por Márcia Araújo, estudante do 4° semestre do curso de Letras

1º de setembro de 1977. Folha de São Paulo. O cronista


Lourenço Diaféria publica uma crônica intitulada Herói.
Morto. Nós. Esse texto, muito reflexivo para uma época
onde era praticamente proibido pensar contra o Estado,
abalou algumas estruturas do nosso planalto central. O
texto fala da bravura do segundo sargento do Exército
Sílvio Hollenbach, que morreu no ato de salvar um menino
que tinha caído no local onde ficam as ariranhas. O
sargento faleceu após ter levado mais de cem mordidas
dos animais e o zoológico da capital brasileira foi batizado
com seu nome.

A parte mais irônica de todo o episódio é que Diaféria


estava longe de ser politizado, como seus amigos da
redação da Folha de São Paulo, o que me faz pensar
naquele velho ditado sobre Deus escrever certo por linhas
Um sistema que se sente ameaçado por
tortas. Nas palavras do paulistano: “Todavia eu digo, com
suas engrenagens é algo fadado ao
todas as letras: prefiro esse sargento herói ao duque de
fracasso e foi justamente isso que
Caxias. [...] O duque de Caxias é um homem a cavalo
aconteceu. Não demorou muito e aquele
reduzido a uma estátua. O povo está cansado de espadas
que foi o período mais assustador da
e de cavalos. O povo urina nos heróis de pedestal. [...] O
história brasileira finalmente viu seus
povo quer o herói sargento que seja como ele: povo. Um
pilares ruírem.
sargento que dê as mãos aos filhos e à mulher, e passeie
incógnito e desfardado, sem divisas, entre seus irmãos.”
Diaféria, no final de sua crônica, escreve
No final, seiscentas palavras foram suficientes para
também sobre a omissão do povo que
condená-lo a uma prisão infundada. Passou cinco dias
diferentemente do sargento que pulou no
preso e apesar de ter dito que foi tratado “com decência e
local de perigo, ficou inerte mediante tal
dignidade”, Lourenço Diaféria sofreu um trauma
episódio. Realmente, é de se ficar
emocional. Helô Machado, editora da Revista Ilustrada no
imaginando, por que ninguém ajudou o
final da década de 1970 diz que o texto polêmico foi
sargento Sílvio a sair de lá? O povo
escrito sem que ele imaginasse as consequências que
estava tão desesperado por um herói que
poderia gerar. Mas eu vou mais além e pergunto que
ninguém arriscou se meter no caminho?
regime era aquele que se sentiu ameaçado por um dos
Naquele dia, o sargento era apenas mais
seus?
um no meio da multidão mas num bravo
ato mostrou o que é ser patriota e lutar
O sargento é o elo fundamental entre o comando e a
pelos mais fracos ao custo da própria
tropa! Eu sei que essa frase só foi dita em 1979, mas essa
vida. Me pergunto se o Duque de Caxias
é e sempre foi a própria definição de sargento dentro das
teria pulado num local cheio de ariranhas
Forças Armadas, especialmente nas fileiras do Exército
para salvar a vida de um compatriota ao
Brasileiro. Diaféria apenas escancarou um fato
custo da sua própria.
amplamente sabido pelos militares ao público e foi preso
por isso. A Folha de São Paulo publicou, no dia seguinte à Referências: https://www1.folha.uol.com.br/folha-100-
prisão do cronista, sua coluna em branco e isso só anos/2021/01/pacato-lourenco-diaferia-publicou-cronica-
que-gerou-crise-com-militares.shtml.
causou, ouso dizer, mais tempestade no copo d’água. https://www1.folha.uol.com.br/folha/80anos/tempos_cruciais-
02a.shtml

TIRAGEM II
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CRÍTICA
O CRIME DO PADRE AMARO
O MOVIMENTO LITERÁRIO REALISTA E REFLEXOS NA
CONTEMPORANEIDADE
Por Ana Gabriella, estudante do 6° semestre do curso de Letras.

Ao longo da história literária, À medida que confrontamos o abandono


poucas obras portuguesas parental, – a traição e a decadência moral em
desafiaram e perturbaram as nossos próprios tempos – é impossível não
normas sociais e religiosas reconhecer os paralelos desconfortáveis entre
como O Crime do Padre o mundo fictício do romance e o nosso mundo
Amaro (sim… mais uma vez real.
falando desse missionário
imoral). Escrito por Eça de Olhando para as ações do Padre e os
Queiroz, este romance temas explorados por Eça de Queiroz, não
incômodo continua a ecoar, podemos deixar de questionar a
como um eco sombrio, nas integridade moral daqueles que, como ele,
questões que assolam nossa agem egoisticamente em male d’outros.
sociedade contemporânea. Neste século, enfrentamos nossa própria
versão de padres modernos e amantes,
Adentramos o obscuro mundo de Amaro e, como um que continuam a perpetuar um ciclo de
espelho sinistro, examinamos como suas ações e os abandono e hipocrisia. A crítica é
inescapável e, como uma faca afiada,
temas deste romance, cheio de desventuras em série,
penetra em nossa consciência coletiva.
lança uma luz crua sobre nossos próprios problemas
sociais, incluindo o abandono parental e a moralidade
duvidosa que persistem no mundo moderno. O crime do padre Amaro é mais do que um
romance de mil oitocentos e bolinha; é um
Em pleno Realismo, um cenário marcado pela rigidez espelho que reflete nossas próprias falhas
das convenções sociais e religiosas do século XIX, morais e sociais (a safadeza do homem
Queiroz ousou e estava prontíssimo para dar um baile que sempre fica impune, mesmo fazendo a
nos conservadores da época, Padre Amaro e sua maior das atrocidades). Minha crítica ácida
amante, Amélia, protagonizam um escândalo que vai nos lembra de que, assim como a história
além das páginas do romance. Eça de Queiroz não do Padre Amaro que continua a ressoar na
contemporaneidade, também somos
apenas desvenda a hipocrisia moral da Igreja e da
responsáveis por desafiar e superar os
sociedade da época, mas também coloca em foco a
males que persistem em nossa sociedade.
degradação da moralidade individual. Os amantes Que esta reflexão inspire a questionar e
infortunados traçam uma trágica jornada que culmina agir de forma a buscar um mundo melhor,
em um ato horrendo de infanticídio. (uups.. acho que onde a hipocrisia seja exposta e o
isso pode ser um spoiler…) abandono seja substituído pela
responsabilidade e empatia (ou seja, se
Nossa sociedade moderna não está isenta de casos
existem leis elas devem valer a todos,
de abandono parental e moralidade questionável, ao mesmo que sejam enviados de “Deus”).
contrário, somos todos corruptíveis, assim como as
personagens do romace. O relacionamento ilícito de
Amaro e Amélia ressoa de forma perturbadora como a
realidade atual, onde muitos abandonam suas
responsabilidades, deixando uma trilha de corações TIRAGEM II
partidos e vidas ceifadas (claro que hoje em dia é bem
mais “tranquilo”). PÁGINA 5|
FERNANDO PESSOA E A Marcado pela poesia naturalista, Alberto
Caeiro, vive em sintonia com a natureza, quase
GENIALIDADE POR TRÁS como uma simbiose, ele se torna averso ao
DOS HETERÔNIMOS simbolismo e a metafísica. Na escrita, seus
poemas propõem uma linguagem direta, livre
Por Alexander Karon e Isabella Almeida , estudantes do 6° semestre do de “enfeites”, traz nela uma profunda conexão
curso de Letras
com a simplicidade das coisas, valorizando o
presente e transcrevendo de maneira mais
fidedigna possível a realidade. Encarnando a
inocência e a autenticidade.

Álvaro Campos é o poeta da angústia. Ele


personifica a estética vanguardista e a
modernidade, buscando um sentido, uma lógica
em um mundo frequente e metamorfoses. Seus
textos possuem uma densa carga emocional,
marcada pelo uso do verso livre e pela
experimentação linguística, com o intuito de
transmitir ao leitor a perplexidade do homem
moderno em meio ao caos da urbanização,
tecnologia e suas mudanças sociais. Sua
contradição e suas emoções intensas
Fernando Pessoa, famoso poeta português do contrastam de maneira muito clara com a
século XX, foi conhecido por criar heterônimos, ou simplicidade de Alberto Carreiro e a
seja, personas literárias distintas que possuíam centralidade de Ricardo Reis.
personalidades e assinavam as obras. Pessoa
marcou a literatura portuguesa com sua escrita Com uma influência clássica greco-latina,
singular e enigmática e, nesta reportagem, Ricardo Reis encarna o classicismo e o
exploraremos o mundo e a genialidade do autor estoicismo. A poesia é centrada na serenidade
por trás de seus heterônimos. e na busca pelo equilíbrio e aceitação estóica
Pessoa demonstrou, desde cedo, uma habilidade do destino. O heterônimo é cético em relação
extraordinária para a escrita. Trabalhando sobre às enfermidades da vida e suas paixões, é um
diversos heterônimos, provou sua imensa mestre da forma fixa, como o soneto, e busca
capacidade literária ao criar personalidades tranquilidade por meio da razão. Pode ser
únicas, cada qual com sua voz própria, estilo e
visão de mundo. Os principais heterônimos de considerado o fragmento mais controlado e
Fernando Pessoa incluem Alberto Caeiro, Álvaro equilibrado de Fernando Pessoa.
de Campos e Ricardo Reis, formando uma
espécie de “tríade”. Contudo, alguns afirmam que Cada heterônimo representava um aspecto
Pessoa criou mais de 70 heterônimos. A extensão distinto da personalidade de pessoa e oferecia
total de sua criação heteronímica é vasta e um meio de explorar a complexidade da mente
continua a ser objeto de pesquisa e debate
acadêmico. de Fernando Pessoa e suas ideias e estilos,
que eram completamente diferentes entre si.
“Ouvi, dentro de mim, as Eles permitiram que Pessoa escrevesse
discussões e as diversos estilos e gêneros, ampliando seu
divergências de alcance literário modernista. Hodiernamente,
critérios, e em tudo isto Fernando Pessoa segue sendo pauta de
me parece que fui eu, estudos literários nas instituições acadêmicas e
criador de tudo, o
menos que ali houve. entre pesquisas de estudiosos em todo o
Parece que tudo se mundo. Seu legado inspira escritores,
passou acadêmicos e amantes da literatura, pois seus
independentemente de heterônimos são exemplos extraordinários da
mim” (Pessoa, 1986a, p. criatividade humana e da capacidade de um
228). artista explorar múltiplas identidades.

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A IMPORTÂNCIA DE A CRÍTICA À SOCIEDADE
MACUNAÍMA PARA A BRASILEIRA EM CORRUPÇÃO DE
CULTURA BRASILEIRA MACUNAÍMA
Por Ana Júlia, estudante do 4° semestre do curso de Letras Por Felipe Abreu, estudante do 3° semestre do curso de Letras

Macunaíma, obra-prima de Mário de Andrade, Obra-prima do escritor brasileiro Mário de


ergue-se como um monumento na cultura Andrade, Macunaíma é uma das mais
brasileira, tecendo uma tapeçaria rica de emblemáticas representações da literatura
significados e reflexões. Este personagem mítico, modernista no Brasil. Publicado em 1928, o
que surge das páginas do modernismo brasileiro, romance narra as aventuras do protagonista
não é apenas um ícone literário, mas uma homônimo, Macunaíma, um herói preguiçoso e
encarnação da alma do Brasil. antiético que encarna muitos dos aspectos
A importância de Macunaíma para a cultura contraditórios da sociedade brasileira da época.
brasileira reside na sua habilidade única de Embora a obra seja uma comédia rica em
capturar a essência multifacetada da identidade elementos folclóricos e mágicos, ela também
nacional. Por meio das aventuras surrealistas e da contém críticas profundas à corrupção e aos
ironia afiada, o livro traça um retrato complexo do problemas sociais do Brasil.
povo brasileiro, suas contradições, sonhos e lutas. Macunaíma é um anti-herói que simboliza a
Macunaíma personifica a capacidade de falta de caráter e a preguiça que eram
adaptação, a malandragem criativa e a mistura de frequentemente atribuídas aos brasileiros por
culturas que caracterizam o Brasil. escritores da época. Ele é um personagem que
Além disso, a obra exerce um papel crucial ao não hesita em enganar, trair e roubar para
desconstruir estereótipos e desafiar convenções alcançar seus objetivos. Sua busca pelo
literárias. Mário de Andrade subverteu as Muiraquitã, uma pedra mágica, representa a
expectativas ao criar um herói preguiçoso, astuto e obsessão da sociedade brasileira pela busca de
muitas vezes amoral, que foge dos padrões riqueza e poder sem se importar com os meios
tradicionais. Isso não apenas revitalizou a narrativa utilizados para alcançá-los.
brasileira, mas também inspirou gerações de A corrupção é um tema central na obra. O
escritores a explorar novos caminhos na literatura personagem principal tem como principal função
nacional. destacar como a corrupção permeia todos os
Macunaíma é mais do que apenas um livro, é níveis da sociedade brasileira. Macunaíma e
um espelho que reflete a diversidade e a riqueza outros personagens do livro frequentemente se
do Brasil. Sua influência ecoa não apenas na envolvem em atos corruptos, seja subornando
literatura, mas também nas artes, no cinema e na autoridades, trapaceando em negócios ou
cultura popular. Ao celebrar a astúcia e a explorando os mais fracos. Essas ações refletem
criatividade do anti-herói, Mário de Andrade nos a falta de valores éticos e morais que eram uma
lembra da importância de abraçar nossas raízes, preocupação crescente na sociedade brasileira da
por mais complexas que sejam, e encontrar beleza época.
na nossa própria diversidade cultural. Em resumo, Mário de Andrade, ao escrever Macunaíma,
Macunaíma é uma joia literária que continua a estava inserido em um contexto de efervescência
iluminar o caminho da compreensão e apreciação cultural e busca por uma identidade nacional. A
da identidade brasileira. obra é um reflexo do desejo de compreender as
complexidades da sociedade brasileira e suas
contradições. Através da comédia e da sátira, o
autor denuncia os problemas sociais, políticos e
TIRAGEM III morais que estavam presentes na realidade
brasileira da época.
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TIRAGEM III
SARAMAGO E A CEGUEIRA DA SOCIEDADE: UMA OBRA
PERENE E LATENTE AOS DIAS ATUAIS
Uma obra vivida durante a Pandemia
Por Cauane Kelry e Wélida Araújo, estudantes do 6º Semestre de Letras

Publicado em 1995, o romance Ensaio sobre a Mas todos com um desejo em comum: se livrarem
Cegueira emerge como um marco na obra do da morte. 'Eu quero enxergar. Eu quero respirar. Eu
renomado escritor português José De Sousa quero viver.'
Saramago, mais conhecido como José Saramago. Ao longo da obra, nota-se o egoísmo dos
O autor, já consagrado por outras obras personagens, e a partir daí, comparamos a alusão à
igualmente impactantes, como 'Memorial do pandemia. O quanto as pessoas financeiramente
Convento' (1982) e 'O Evangelho Segundo Jesus bem esvaziavam prateleiras de supermercado para
Cristo' (1991), considera este trabalho como o estocar em sua casa, evidenciando a
ápice de sua carreira. Em 1998, José Saramago comercialização mais cara dos produtos, tornando-
foi premiado com o Prêmio Nobel de Literatura, se inacessível aos mais carentes.
uma honra em grande parte atribuída à influência Saramago previu a pandemia de 2020 em 1998.
de "Ensaio sobre a Cegueira". Uma de suas frases na obra é 'Penso que não
No ano de 2020, a obra ganhou um novo fôlego cegamos, penso que estamos cegos' (Saramago,
ao trazer à tona questões profundas relacionadas 1995). O isolamento, a quarentena mostraram como
à pandemia que assolou o mundo. O livro se somos sozinhos. A 'mulher do médico' e os
tornou um espelho da realidade contemporânea, profissionais da saúde, que são tão desvalorizados
reacendendo a discussão sobre os desafios da no nosso país, nos mostra que o que pode nos
cegueira, seja ela metafórica ou literal, que a salvar é o cuidado com o próximo.
sociedade enfrenta. José Saramago, mesmo após
sua morte, continua a impactar leitores ao redor do
mundo, demonstrando a atemporalidade e a
pertinência de sua escrita.
A obra conta a história de uma cegueira que se
espalhou pela cidade, infectando uma população
sem uma causa aparente. Com todo esse colapso,
a doença obrigou a sociedade a viver de forma
isolada. A forma de conter a disseminação da
cegueira seria afastar e internar os infectados em
um lugar semelhante a um 'manicômio', sozinhos
e desolados. Todos estão cegos, exceto a
personagem 'mulher do médico', que vai junto com
o marido interná-lo e presencia as causas da
cegueira: a ganância, o egoísmo, status social e
autoritarismo.
se interessou
pelo livro?
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TIRAGEM IV PÁGINA 8|
CELEBREMOS O BRILHO DO NOTÍCIAS AO PÉ DAS LETRAS!
Por Professora Tatianne Gomes, coordenadora do curso de Letras

O jornal Notícias ao Pé das Letras emerge A equipe de revisão e edição, muitas vezes nos
como um farol de criatividade, destacando-se não bastidores, é um verdadeiro time de heróis da
apenas pela riqueza das narrativas contadas, mas palavra escrita. Foi por meio de seu olhar crítico e
também pelo notável esforço e talento dos habilidade editorial que o jornal atinge os padrões de
estudantes envolvidos. distinção que se tornaram sua marca registrada.
Nesse palco de letras, estudantes-autores têm O trabalho de todos os envolvidos não apenas
brilhado com suas produções, revelando aprimora a clareza e coesão das matérias e artigos,
perspicácia e habilidades de escrita. A cada mas também contribui para a formação acadêmica e
tiragem do jornal, é impossível não se maravilhar profissional do corpo discente, que imagino ter
com a diversidade de vozes e estilos que desenvolvido ainda mais consciência da importância
emergem e transformam páginas em janelas para da revisão e refinamento contínuo. Assim, o Notícias
mundos particulares, reflexões profundas e ao Pé das Letras não é apenas um veículo de
narrativas cativantes. informação ou repositório de produções autorais; é
Essa jornada literária não seria possível sem a um laboratório de aprendizado, no qual cada erro e
inspiração e liderança da professora Dayse Muniz. cada sugestão acolhida são passos em direção à
Sua iniciativa brilhante de fomentar e visibilizar maestria escrita, ao mesmo tempo em que se
produções autorais estudantis tornou-se um incentiva o gosto pela leitura e pelos estudos da
catalisador para o desenvolvimento de área.
competências escritoras e pensamento crítico Neste espaço de expressão e aprendizado, é
essenciais aos futuros profissionais das Letras. inevitável reconhecer que o jornal Notícias ao Pé das
Ao longo das tiragens, é evidente que a Letras se tornou uma verdadeira comunidade de
qualidade das produções cresceu aprendizes, onde os textos e os discursos emergidos
exponencialmente, refletindo não apenas o talento refletem a identidade do nosso curso de Letras.
e o esforço dos estudantes, mas também o Em suma, o sucesso brilhante do Notícias ao Pé
comprometimento da professora em proporcionar das Letras é uma celebração não apenas do talento
oportunidades educativas enriquecedoras. Cada individual, mas também da sinergia entre professora
edição do Notícias ao Pé das Letras é um e estudantes dedicados e comprometidos.
testemunho do empenho da professora Dayse em A todos os envolvidos, em especial à professora
cultivar uma cultura de escrita robusta, crítica, e mentora deste projeto, Dayse Muniz, minha
expressiva. gratidão e admiração. Que o Notícias ao Pé das
Em tempo, não posso deixar de expressar Letras seja uma inspiração para todos que valorizam
gratidão à incansável equipe de revisão e edição, a riqueza dessa iniciativa.
cujo trabalho e dedicação fizeram do jornal uma
obra de arte literária. Se os textos autorais são o
coração do Notícias ao Pé das Letras, os revisores
e editores são as mãos que lapidam e refinam
esse coração.

PÁGINA 9|
O coro imortal: vozes negras na literatura brasileira
Quase dois séculos após a publicação do romance de Maria Firmina dos Reis, escritoras negras
continuam lutando por mais reconhecimento na literatura nacional

Por Maria Eduarda de Souza, Nívia Mara Bizerra Costa, Letícia Dourado, estudantes do 3º Semestre de Letras

Em 1859, Úrsula foi lançado no A falta de espaço na instituição


Brasil. O livro, considerado o literária mais importante do país
primeiro romance abolicionista não é o único desafio
escrito por uma mulher, é de enfrentado pelas mulheres
Maria Firmina dos Reis, negras que se aventuram na
apontada como a primeira arte de escrever. De acordo
escritora negra do país. com um levantamento do Grupo
Professora e escritora prolífica, de Estudos em Literatura
Maria Firmina publicou textos Brasileira Contemporânea da
em diversos jornais literários. Universidade de Brasília, dos
Porém, mesmo com certo livros publicados por editoras
reconhecimento na época, brasileiras renomadas entre
morreu pobre e no ostracismo, 1965 e 2014, 70% tinham
até ter a obra recuperada pelo autores homens e 90% foram
historiador Horácio de Almeida. escritos por pessoas brancas.

Os dados são antigos, mas analisando as prateleiras das


Originalmente publicado em 1960, Quarto de despejo
livrarias e as listas de mais vendidos, até hoje as obras
narra, em forma de diário, a jornada de Carolina
escritas por mulheres negras são minoria.
Maria de Jesus, moradora da comunidade do
Canindé, em São Paulo. É um relato da fome, da
Existem fenômenos que aparecem de vez em quando,
miséria e do cotidiano de uma mulher negra e
como Djamila Ribeiro, que foi a autora mais vendida de
solteira. O livro alcançou sucesso, foi traduzido e
2020, mas, em geral, os escritores brancos ainda
publicado em mais de 40 países e levou à fama a
continuam tendo mais reconhecimento. No entanto,
catadora e doméstica. Hoje, a obra mais famosa da
apesar dos percalços, todos os dias novas vozes se
autora ainda figura nas listas de leituras obrigatórias
juntam ao coro iniciado por Maria Firmina. Lançando mão
de vestibulares, acentuando a importância atemporal,
das publicações independentes ou em conjunto com
mas, assim como Maria Firmina, Carolina também
editoras pequenas e especializadas, como a Editora
morreu pobre e isolada.
Malê, que surgiu com o intuito de dar mais visibilidade
para escritores negros, as mulheres negras continuam
Conceição Evaristo, formada em Letras, Mestre em
galgando espaço na literatura nacional.
Literatura Brasileira e Doutora em Literatura
Comparada, desempenha um papel importante na
Cristiane Sobral é um exemplo. A carioca, que reside em
literatura afro-brasileira, por respeitar e apreciar as
Brasília há mais de trinta anos, além de escritora, é
companheiras ancestrais na posição de mulher e
professora de teatro, atriz e dramaturga. Já lançou onze
negra. Com base na experiência de vida, Conceição
livros, obras poéticas de engajamento crítico e linguagem
escreveu Olhos d'água. Publicado em 2014 e finalista
fluida. Representa a mulher negra de forma subjetiva e,
do Prêmio Jabuti, o livro de contos apresenta
ao mesmo tempo, não deixa de lado as questões sociais
personagens negras que têm sua subjetividade
do país, principalmente as que afetam a comunidade
apagada pelo racismo, pelas imposições econômicas
afro-brasileira. Uma de suas obras mais reconhecidas,
e pelas questões de gênero. Mesmo com toda a
Não vou mais lavar pratos, publicação independente de
relevância, a autora não foi eleita pela Academia
2010, abarca poemas com temáticas sobre racismo,
Brasileira de Letras em 2018, evidenciando o longo
maternidade, negritude e libertação por meio da leitura.
caminho que ainda precisa ser trilhado no
Em 2023, Cristiane fez a 11ª publicação: Caixa preta,
reconhecimento da arte feita por pessoas negras,
vendido por ela no Instagram, é um livro de contos para
principalmente mulheres.
despertar diferentes interpretações e perspectivas a cada
nova leitura.
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Após dois séculos da publicação de Úrsula, as
escritoras brasileiras negras ainda não alcançaram o
devido protagonismo. As dificuldades de publicação e
promoção dos trabalhos são apenas duas das pedras
no caminho. O retorno financeiro, quando o livro é
publicado como e-Book na Amazon, por exemplo, é
ínfimo; há títulos na faixa de R$ 5,99 e até mais
baratos. Se estiverem incluídos no catálogo do Kindle
Unlimited, serviço de assinatura da Amazon, os
autores chegam a receber apenas centavos. A
pirataria também é um grande obstáculo. Quando
existem os exemplares físicos, é comum que as
próprias escritoras tenham que cuidar do envio para
os compradores. Então, escrever não é o único
trabalho, o que complica ainda mais a empreitada.

Iniciativas como a do Centro Universitário UDF, que


contou com a presença de Cristiane Sobral no
encerramento da IV Semana Acadêmica de Letras,
ajudam no processo. Mas é preciso um trabalho
conjunto da sociedade para que a literatura negra
alcance voos mais altos, para que as vozes dessas
mulheres continuem reverberando e inspirando cada
vez mais escritoras, assim como Maria Firmina fez.

Mais autoras para conhecer

Rai Soares, maranhense, professora associada da


Universidade Federal Fluminense, publicou em 2021
A mulher que pariu um peixe e outros contos
fantásticos de Severa Rosa, que aborda elementos
como a ancestralidade, cultura e as memórias do
povo negro brasileiro.

Lavínia Rocha, escritora mineira, palestrante,


professora e criadora de conteúdo sobre feminismo e
protagonismo negro. Escreveu O mistério da sala
secreta, De olhos fechados e a trilogia Entre 3
mundos, com temáticas sobre identidade, fantasia,
mistério e aventura.

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POESIA MARGINAL E A GERAÇÃO MIMEÓGRAFO: A
LITERATURA EM MEIO A DITADURA MILITAR
Por Maria Clara, estudante do 4° semestre do curso de Letras

Em 1986, a bandeira-poema Seja Marginal, Seja


Herói foi produzida pelo artista plástico Hélio
Oiticica. Na bandeira, vemos a imagem do
bandido conhecido como Cara de Cavalo morto
pela polícia. A morte dele não foi tão simples,
após matar o Detetive Le Cocq, conhecido pelo
slogan “bandido que atira em polícia não merece
viver”, foi procurado intensamente, causando até
a morte de pessoas parecidas com ele. O homem
teve 100 tiros direcionados a si, com 62 atingindo
seu corpo. Hélio, que era colega de Cara de
Cavalo, nunca o eximiu de seus erros, mas o
Lendária Rita Lee, uma das representações da contracultura na música.
considerou uma figura que demonstra
perfeitamente o marginal. A obra de Oiticica se As poesias não eram feitas apenas de revolta,
opõe ao tradicionalismo e ao conservadorismo, não seguiam quase nenhum padrão, em sua
não só na sociedade como também na arte. grande maioria, contavam com apoio visual,
ironia, sarcasmo, uma linguagem informal e em
vários casos com traços da oralidade.
Cria da geração mimeógrafo, Ana Cristina César
foi uma das grandes poetas da marginália. Confira
abaixo um dos poemas da autora:

Obra de Hélio Oiticica

Após essa produção artística dar o pontapé inicial


no conceito de marginália em 68, nos anos 70, a
década conhecida como a mais violenta da Ana Cristina César no lançamento do livro A teus pés.
ditadura militar, o movimento marginal se
expandiu na arte atingindo vários ramos, e em casablanca
maior força, na literatura. Os escritores marginais
Te acalma, minha loucura!
eram a poetização do inconformado, aderindo Veste galochas nos teus cílios tontos e
uma literatura que corre do tradicionalismo, habitados!
usando o humor, o cotidiano, e a espontaneidade. Este som de serra de afiar as facas
não chegará nem perto do teu canteiro de
A poesia marginal acompanha tudo citado taquicardias...
anteriormente, se opõe completamente à forma Estas molas a gemer no quarto ao lado
tradicional de se escrever poema e traz estéticas Roberto Carlos a gemer nas curvas da Bahia
O cheiro inebriante dos cabelos na fila em frente
e fluxos narrativos novéis. no cinema...
As chaminés espumam pros meus olhos
Essa mudança, claro, não foi vista com bons As hélices do adeus despertam pros meus olhos
Os tamancos e os sinos me acordam depressa
olhos. Causou o desconforto que foi criada para na madrugada
causar, e até hoje sofre críticas duras em relação [feita de binóculos de gávea e
a tudo que a forma, muitas vezes, chegando a ser chuveirinhos de bidê que escuto rígida nos
negada sua posição como poesia. Além da lençóis de pano
rejeição na academia, seu lugar como
manifestação política também não foi muito bem Outros autores marcantes como Paulo Leminski,
aceito, sendo considerada uma das produções Chacal, Torquato Neto, Francisco Alvim, e muitos
outros, tem uma poesia de fácil acesso e que vale a
que categorizam-se no movimento desbunde, que pena ser lida. Caso nunca tenha lido, um contato
foi além da sua definição inicial de quem novo com uma literatura única é refrescante.
abandonava a mão armada na resistência ao
regime militar, até uma ampla visão de todo hippie Leia mais poesia! Lugar de poesia é na calçada.
que utilizava da contracultura.
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A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA PARA A LUTA CONTRA O SILENCIAMENTO DAS
MINORIAS EM "VÓ, A SENHORA É LÉSBICA?"
Por Maria Eduarda Avelino, estudante do 4° semestre do curso de Letras

A literatura, lugar no qual todos, independente de origem e


experiência, deveriam poder experimentar o sentimento de
identificação ao encontrar a reflexão de suas próprias vozes e
lutas, tem tido, infelizmente, pouco a entregar às minorias que
compõem a sociedade atual. Isso ocorre porque narrativas que
discursam sobre as vivências desse público são, muitas vezes,
negligenciadas, resultando em um silenciamento de parte da
população brasileira. Em meio a esse triste cenário, autores têm
reagido, desafiando os padrões e trazendo a tona narrativas que
são marginalizadas em prol de mais representatividade para que,
no futuro, a sociedade se torne mais justa e igualitária.

Natália Borges Polesso é uma dessas autoras. Seu conto “Vó, a


senhora é lésbica?” é um exemplo notável dentro dessa literatura
de resistência. Tal obra tem como contexto a cozinha de vó
Clarissa que, sentada enquanto divide o momento de refeição
com Joana, Joaquim e Beatriz, recebe a indagação que nomeia
sociedade brasileira. Além
o conto, o que a deixa surpresa e causa, imediatamente, um
disso, a obra de Polesso
constrangimento quase tangível no ambiente. Joana, a
possibilita que os leitores
narradora, demonstra aflição ao ouvir a pergunta, pois ela parte
percebam que a visibilidade de
de Joaquim - que sabe a respeito de sua orientação sexual, o
idosos homossexuais tem um
que a faz considerar que talvez o intuito dele, ao indagar,
papel essencial na vida dos
pudesse ser de “entregá-la” à avó. A história fica mais
jovens participantes desse
interessante, entretanto, quando a narradora mergulha em sua
grupo social, pois esse acesso
memória e percebe que há, sim, possibilidade de sua avó ser
a narrativas de homossexuais
lésbica.
na velhice pode ajudá-los a
Além dos diversos temas de relevância inquestionável levantados conscientizarem-se de que
na obra de Polesso, é interessante perceber também a evidência suas orientações sexuais, ao
que ela dá a um tópico que existe há muito tempo e que ainda contrário do que o discurso
não tem, infelizmente, o espaço necessário para ser discutido: a heteronormativo afirma, não
invisibilidade enfrentada por mulheres lésbicas, principalmente estão reduzidas à jovialidade.
quando estas estão na velhice. Ao trazer em sua trama uma idosa Através disso, se torna claro,
homossexual como personagem, a autora, além de dar voz a consequentemente, o poder
esse grupo, contradiz o dito popular “é só uma fase”, que tende a que a literatura tem para tornar
descredibilizar a identidade homossexual e colocá-la como algo possível a visibilidade e,
passageiro, pertencente apenas a juventude, quando isso está depois, desmarginalização das
longe de ser verdade. minorias.
Para aqueles que vivem numa sociedade na qual os idosos estão
sempre restritos de expressarem sentimentos, desejos e fantasias
– principalmente se estes são homossexuais, e são
frequentemente associados à vivência de um período assexual,
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ver vó Clarissa assumindo sua homossexualidade e abraçando-a
destaca a necessidade de mais uma desconstrução dentro da
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“O FILHO DE MIL HOMENS" & OS AFETOS NA PÓS-MODERNIDADE
Por Gabrielly Padilha, estudante do 6º Semestre de Letras

“Os seus olhos tinham um precipício. E ele estava “O Crisóstomo então levantou-se, atravessou o
quase a cair olhos adentro, no precipício infinito quarto, saiu, foi ver o Camilo deitado e beijá-lo
escavado para dentro de si mesmo. Um menino para dormir e disse-lhe: nunca limites o amor,
carregado de ausências e silêncios.” filho, nunca, por preconceito algum limites o
(Valter Hugo Mãe) amor. O miúdo perguntou: por que dizes isso,
pai? O pescador respondeu: porque é o único
modo de também, tu, um dia, te sentires o dobro
A obra O filho de mil homens, de do que és” (Mãe, 2012, p.179).
Valter Hugo Mãe, conta a história de um
pescador solitário, Crisóstomo, que Ao longo da narrativa são
percebe ser um colecionador de vazios, apresentados diversos personagens
pois aos 40 anos vê a sua vida com um excluídos socialmente, que encaram o
longo fio de relacionamentos abismo da própria existência, que
fracassados. Para ele, o amor não também têm o desejo de serem
vingou. O fato de olhar para a frente o amados e aceitos, que por vezes
deixa mais triste ainda. Pensa que parece impossível. A obra então traz
precisa de um filho, que precisa histórias de pessoas que, ao final,
construir a relação de ser pai. O autor formam uma grande família, moldada
faz o personagem como alguém que cai a partir de diferentes costumes, mas
para dentro de si mesmo. Guiado por também de múltiplos sentimentos
um desejo irredutível, seus dias passam humanos, como a falta, o apego, o
a ser ocupados pela esperança de amor e a empatia. Sobretudo, o que
encontrar uma criança, para então, liga os personagens é a necessidade
formar uma família. de afeto e de amor que o ser humano
procura.
"O Crisóstomo começou a pensar que os filhos
se perdiam, por vezes na confusão do caminho. Para Valter Hugo Mãe, a colocação
Imaginava crianças sozinhas como filhos à de tal afeto dentro do texto se dá na
espera. Crianças que viviam como a forma como os personagens são
demorarem-se na volta para casa por terem sido construídos, tomando cuidado com
enganadas pela vida”(Mãe, 2016, p.20). estereótipos, exotismos e o senso
comum, fazendo cada um deles
Assim, ele “inventa” uma família, para transcender tais aspectos.
mostrar que o amor pode ser, além de
tudo, um ato de vontade. Aquele que
ama só ama esperando a reciprocidade.
As relações com o outro só existem
porque quem ama dá ao outro o sentido
de existência absoluto (Sartre, 1976).
Na busca pelo amor, que é intrínseca a
natureza humana, o pescador acaba por
adotar Camilo, um garoto órfão, que
logo sugere que o pai encontre uma
companheira para compartilhar a vida. O
jovem, na narrativa, é tido como o
futuro, que na perspectiva afetiva
colocada pelo autor, pode ser um tempo
melhor:

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Também é possível perceber o apelo O cuidado de uns com os outros faz
às relações igualitárias a partir da com que ainda que muitas dores se
consciência de igualdade entre os seres façam presentes, a solidariedade vai
humanos. Isso pode ser relacionado com apaziguando os diferentes núcleos.
o sentimento se insegurança que o
“relacionar-se” instaura nas pessoas e, “A constatação de que a família pode ser
ainda, pensar nos laços que se inventada e que, para tanto, só é necessário que
todos os seus membros estejam ligados pelo
estabelecem entre os sujeitos nos pós afeto, independentemente de cerimônias
modernidade, como estes se religiosas e de ligações sanguíneas, revela a
transformam, são rompidos, desfeitos e força política por trás da ficção instaurada pelo
refeitos. romance de Mãe” (Silva, 2016, p.89).
O final feliz é construído a partir da
“O sujeito vive em busca da felicidade, eles abertura para acolher o outro, o que
buscam a felicidade, quem se tornar e
permanecer felizes. Essa busca tem dois lados, torna a história especialmente pertinente
uma meta positiva e uma negativa: quer a quando relacionada aos afetos na pós-
ausência de dor e desprazer e, por outro lado, modernidade, em que indivíduos
a vivência de fortes prazeres” obrigados a se reinventarem diante de
(Freud, 2010, p.20-21). vínculos de trabalho cada vez mais
precários, relações mais fluidas, Estados
Quando os personagens do romance em crise e informações em larga escala
formam uma família, cada um com suas que traduzem suas perplexidades em
faltas e com suas buscas, é viável refletir novos comportamentos. O Filho de mil
sobre o grande encontro que é a vida. Homens mostra que o amor pode ser
Assim, é possível notar neles as construído de várias formas,
características que os fazem ir em busca independente de laços de sangue ou
da solução de suas faltas. qualquer outra amarra imposta pela
sociedade.
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LITERATURA LGBTQIA+:O ESPAÇO QUE FOI
CONQUISTADO, INDEPENDENTE DO
CONSERVADORISMO
Por Luiz Felipe, estudante do 3º Semestre de Letras

Nos últimos dois anos, tenho notado que


livros com a temática LGBTQIA+
ganharam muita popularidade, graças a
divulgação que tem recebido ultimamente
nas mídias sociais, pois o público que está
lendo não se identifica com os
protagonistas “heteronormativos e
cisgêneros”, que seriam o padrão de
leitura no mundo todo. Autores como o
Pedro Rhuas, Clara Alves, Casey
McQuinston, Alice Osemen, entre outros,
ganharam muita notoriedade no cenário
atual, mas alguns livros mais antigos,
quando analisados profundamente, tem
pontos LGBTQIA+ na sua configuração
estrutural, como Cartas de um sedutor
Mesmo que o conservadorismo na
(1991), da paulista Hilda Hilst (1930-
literatura ainda continue presente, o
2004), Berkeley em Belagio (2002) e crescimento exponencial de autores
Acenos e afagos (2008), de João Gilberto LGBTQIA+ nos últimos anos é algo a se
Noll (1947-2017), O amor dos homens comemorar, pois suas múltiplas
avulsos (2016), do carioca Victor Heringer intersecções com raça/etnia , gênero e
(1988-2018), e Controle (2019), da sul-rio- classe social , essas vozes/narrativas
grandense Natalia Borges Polesso (1981). diferentes se avolumam nas páginas de
nossa literatura, contrariando a ortodoxia
heterocêntrica e cisnormativa que
Mas a literatura sempre foi descrita historicamente a constituiu, com o apoio
como excludente, pois os romancistas de editoras independentes, a literatura
preferem protagonistas em sua LGBTQIA+ se consolidou muito bem em
maioria homens brancos, de classe meio a todos os desafios presentes.
média, heterossexuais e nascidos no
meio Rio-São Paulo (ou
estadunidenses-britânicos, se forem
livros estrangeiros), fazendo com que
essa reflexão seja necessária. Um
caso que ilustra e prova o argumento
que apresento aqui, foi o da bienal do
livro do Rio de Janeiro em 2019, onde
o prefeito Marcelo Crivella, tentou
censurar um “livro” específico de
temática LGBTQIA+. Porém o
influenciador digital Felipe Neto e
muitas outras mídias, conseguiram
divulgar para que os esforços de
Crivella fossem em vão.
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CRÔNICA
“POESIA NÃO É UM LUXO", DE AUDRE
UMA JORNADA PELA AUSÊNCIA: UM LORDE, E A IMPORTÂNCIA DA POESIA NA
VÔO À LIBERDADE LITERATURA DE MULHERES NEGRAS
Por Ygor Borges, estudante do 6º Semestre de Letras Por Ana Victoria, estudante do 4º Semestre de Letras

Audre Lorde, uma escritora, poeta,


Manhã acinzentada, tempo chuvoso e
ensaísta e ativista, é conhecida por lutar
rosas. Flores para alguém que, em carne e
por justiça social, igualdade e
osso até se encontra por aqui, mas que, na representação através de suas palavras.
decência, se perdera há muito tempo. Luto Sempre em busca de autenticidade, Audre
forjado para inibir à sociedade a desonra Lorde, declara de forma eloquente em seu
causada por alguém que deixara apenas ensaio “Poesia Não é um Luxo" que a
memórias registradas, outrora, num poesia é essencial, especialmente na
encontro de almas: risos, falas, momentos. literatura de mulheres negras.
Coração despedaçado. Sentimento feroz, Em seu ensaio, Audre deixa claro que a
poesia é uma forma de expressão vital para
hostil e saudosista. Uma vida resumida à
as mulheres negras, deixando que elas
falta.
falem sobre suas vivências e verdades de
Falta de vida, de amor, de alguém que uma forma real, resistindo à opressão e
muito se amara. Falta de um protagonismo encontrando suas autenticidades únicas.
genuíno da própria história; de graça; e de Na literatura de mulheres negras, a
um querer que aguce o levantar diário. No poesia é uma ferramenta vital para quebrar
fogão, água que ferve. Minutos eternos de estereótipos, explorar novas e antigas
um respirar entoado pelo desgosto. No experiências e nela também, encontra-se
cheiro do café que transpassa as finas uma variedade de vozes e perspectivas
que capturam de forma verdadeira as
camadas de um tecido, lembranças afetivas
diversas experiências de uma mulher
de uma chávena marcada com o vermelho
negra. Em “ Poesia não é um luxo”, Lorde
dos lábios. Desencantos que encontraram argumenta que a poesia não é apenas uma
outro alguém a encantar. forma de expressão artística, também é um
À beira da mesa de centro, revistas. ato de resistência, uma comemoração
Artifícios falhos e rasos para distrair o que, cultural. A poesia e literatura negra
sem nunca cessar, persiste. Em pleno ar exploram uma conexão com sua
livre, no exterior da casa, o cultivo de uma ancestralidade, identidade cultural e
liberdade retraída. Uma gaiola, dezenas de explora também temas universais tentando
desconstruir estereótipos raciais e de
pássaros. Asas reprimidas de exercerem
gênero.
sua funcionalidade natural. Afinal, para
A importância da poesia na literatura
onde voar sem antes se livrar das amarras de mulheres negras serve como uma
que, como um calabouço, aprisionam o inspiração para as futuras gerações de
sentido do que é “estar vivo”? escritoras e leitoras, para que elas nunca
deixem morrer o ciclo de resistência e
expressão autêntica.

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MEMÓRIA E DIÁSPORA NA
LITERATURA PORTUGUESA
Por Marcus Vinícius Castro, estudante do 6º Semestre de Letras

Portugal passa por uma transformação após o


balanço que sofreu com as guerras de libertação,
tanto a da ditadura salazarista quanto pelo fim da
colonização do continente africano. Com isso, a
identidade portuguesa precisa se reconstruir,
existindo em duas esferas: os filhos de
portugueses que estavam nas colônias
retornando ao país e os africanos dos países
colonizados indo para Portugal em busca de
condições melhores de vida e se deparando com
o preconceito, o racismo e o desamparo. Yara Nakahanda Monteiro, escritora portuguesa da diáspora.
Tranço o cabelo
Dentro desse processo, falando das gerações de dizem
pessoas que vieram do continente africano, quero parecer mais preta
Biasio coloca que eles “reivindicam um
reconhecimento identitário e de inclusão em um Faço brushing
dizem
espaço geopolítico que, pelo contrário, os rejeita”
quero parecer mais branca
(2022, p. 178). Isso os faz criar um espaço de
combate na memória de um país que se coloca Na frente quente vinda do hemisfério sul
no direito de esquecer os anos de atrocidades os caracóis secam desordenados
cometidas, e essas memórias são compostas de: perguntam
quero parecer de onde?
histórias partilhadas de racismo, exploração,
segregação espacial, genocídio, deslocação, diáspora «Eu sou de onde estou» (Monteiro, 2021, s/p)
e destruição cultural [as quais] fornecem um patamar Monteiro é uma dessas autoras que resistem dentro
comum de memórias de opressão, silenciamento e
de Portugal, tendo como país de origem a Angola.
esquecimento que, ao trazê-las para o debate
contemporâneo, desconstroem as narrativas
Com o poema acima, ela consegue explorar as
hegemônicas que, desde sempre, tentam silenciar e fronteiras do apagamento e da reivindicação da
ignorar aquelas mesmas memórias própria cor evidenciando esses processos identitários
(Biasio, 2022, p.178) . não lineares (Biasio, 2022, p.187) que a libertação
colonial causou nesses sujeitos.
Apenas na literatura essas memórias conseguem ser Ela e outros autores, como Djaimila Pereira e Kalaf
compartilhadas de maneira em que esses corpos não Epalanga, constroem no imaginário simbólico do país
sejam vistos somente como sujeitos em lugar de uma voz que precisa se procurar e se afirmar ao
“alteridade”, ela consegue explicitar essas “narrativas mesmo tempo, fazendo isso conseguem ser
que buscam revisitar as ruínas do Império, “representantes de uma inteira geração de africanas e
reimaginando a nação como um espaço de múltiplos africanos que queriam reconhecida a própria
sujeitos e múltiplas vozes" (Teotônio, 2021, p. 152). dignidade identitária” (Biasio, 2022, p.183).

Os relatos que esses corpos-memória colocam dentro A resistência desses autores é também uma guerra
do imaginário Português carregam uma busca de libertação. Conseguir colocá-los em lugares de
identitária e de pertencimento comum entre elas. No protagonismo significa questionar a identidade
poema Previsão do Tempo (2021), Yara Nakahanda portuguesa e enxergar a colonização através do olhar
Monteiro consegue transportar o leitor para esse lugar do sujeito colonizado. Além de resgatar a importância
quando diz: da cultura africana.

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