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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

Bacharelado em Relações Econômicas Internacionais

RESENHA DO LIVRO 1984 - GEORGE ORWELL

Gustavo Pereira da Silva

Mateus Máximo Dutra

João Pedro Maia Franca

Lucas Gomes Ramalho de Oliveira

Maicon Gomes Augusto

Rodrigo Lima Oliveira

Belo Horizonte -

MG 2023
1984 – a aversão ao(s) extremo(s)

Autor - George orwell

George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, foi um proeminente ensaísta, soldado da
Coroa, romancista e jornalista inglês da primeira metade do século XX. Caracterizado por sua
esposa, Eileen Blair, como um Tory, ou seja, um conservador britânico, pode-se presumir, apenas
com essas informações, que suas principais obras - "A Revolução dos Bichos" e "1984" -
criticariam abertamente o socialismo, explicando, em ambos os livros, como e por que o aparato
estatal, não apenas autoritário, mas também totalitário marxista, impede a plena liberdade da
população.
Nascido em 1903 na Índia Britânica, mudou-se para a Inglaterra ainda criança, onde teria
sofrido violência psicológica em seu internato, o que contribuiu para o desenvolvimento de sua
personalidade introspectiva e antissocial, características típicas de um bom inglês. Mais tarde,
como um verdadeiro britânico, tornou-se um soldado da Coroa na Birmânia, um país na Ásia, e
sua experiência genuinamente britânica serve de base para seu primeiro livro, "Dias na Birmânia"
(que narra a história de um jovem comerciante inglês que abandona sua amante nativa em favor
de uma esposa branca), publicado em 1934.
Seria inadequado prosseguir com esta narrativa tendenciosa da vida de Orwell sem
explicar a razão pela qual o que foi exposto acima não só é impreciso, mas também está longe do
que o autor buscava com suas obras. Sua experiência colonial o tornou um crítico contundente do
imperialismo racista europeu. Além disso, em 1936, o escritor procurou ingressar nas Brigadas
Internacionais durante a Guerra Civil Espanhola; ele entrou em contato inicialmente com o
Partido Comunista Inglês, mas obteve o apoio necessário do Partido Trabalhista Independente.
Ele se alistou no Partit Obrer d'Unificació Marxista (Partido dos Trabalhadores de Unificação
Marxista), um partido anti-stalinista, e em 1941, escreveu seu ensaio mais famoso, "O Leão e o
Unicórnio", no qual clamava pelo fim do imperialismo, pela independência das colônias, pela
nacionalização de terras, indústrias e bancos britânicos, além de defender o fim da aristocracia e
da nobreza como proprietárias de terras e a manutenção da Coroa apenas como uma figura
simbólica e cultural.
Por fim, Orwell não critica apenas sua própria nação, mas também direciona grande parte
de seus esforços contra o fascismo. Em seu importante ensaio de 1941, ele afirma: "Enquanto
escrevo, seres humanos extremamente civilizados estão sobrevoando-me, tentando me matar",
explicando posteriormente como o patriotismo nazifascista aliena o cidadão a ponto de cometer
atos malignos: "Se um deles conseguir me explodir em pedaços com uma bomba bem mirada, ele
não perderá o sono com isso". Orwell era invariavelmente contra sistemas autoritários
concentrados nas mãos de um pequeno grupo sanguinário, como o nazismo e o stalinismo,
autodeclarando-se um democrata socialista. Em 1946, afirmou: "Tudo o que escrevi desde 1936
foi contra o totalitarismo e a favor da democracia socialista, assim eu penso".
Com isso, "1984" não é apenas uma crítica superficial ao socialismo usada por aqueles
que consideram qualquer intervenção estatal como uma ameaça à liberdade individual, como a
ex-primeira-ministra britânica Thatcher. É uma crítica ao sistema imperialista britânico, à
perseguição do Departamento de Censura inglês e, é claro, ao nazifascismo e a outros regimes
autoritários, como o stalinismo e, postumamente, o maoísmo.

Economia Planificada

Mesmo não sendo um defensor do liberalismo clássico, Orwell mantinha críticas


significativas ao sistema planejado do socialismo ortodoxo. Em seu livro "Homenagem à
Catalunha", ele afirmou que preferia o anarquismo ao socialismo marxista antes de se identificar
com o socialismo democrático. Assim, não é difícil perceber como o autor, mesmo sendo de
vertente socialista, critica, em "1984", o totalitarismo por meio da inventada ideologia do IngSoc,
o "Socialismo Inglês". Afinal, ele era anti-stalinista, e Stalin era, na época, um dos principais
representantes do socialismo internacional. Além disso, o livro foi escrito em 1949, poucos anos
após a queda dos dois maiores regimes fascistas da história da humanidade, mas durante a
expansão do comunismo no leste europeu. Por fim, a democracia socialista prega a manutenção de
um mercado autônomo responsável pela alocação de recursos, com intervenção do Estado e com a
propriedade das empresas distribuída entre os trabalhadores. Sua ideologia, portanto, é em partes
significativas oposta à economia planificada.
No livro, a economia centralizada é mencionada logo na terceira página, quando o
personagem principal, Winston, fala sobre os apagões diurnos na cidade devido à necessidade de
economizar energia elétrica para um evento público. Esse tipo de acontecimento, ordenado
conscientemente pelos governantes, faz parte do primeiro tipo de relação entre economia e
Estado. Da mesma forma, outras menções à economia de Oceania, o território que abrange a
Grã-Bretanha, as Américas e o Estado-nação do livro, são feitas através do Ministério da Fartura,
claramente uma referência ao Gosplan soviético. Assim como nas economias planificadas da vida
real, Orwell busca exemplificar como bens comuns são mal alocados devido a uma direção
centralizada. No livro, os exemplos são lâminas de barbear e cadarços. Na vida real, entretanto,
durante os anos 1930 na União Soviética, logo após as primeiras grandes medidas de
coletivização agrícola promovidas por Stalin, quase cinco milhões de ucranianos morreram devido
à fome causada pela má distribuição dos grãos produzidos no país. Além disso, países com
grandes populações nômades, como Cazaquistão e Mongólia, sofreram com a perda de seu gado
tradicional e com a promoção da agricultura sedentária, resultado de políticas pensadas a milhares
de quilômetros de distância.
Ironicamente, Mao Zedong consolidou a Revolução no mesmo ano de publicação do
livro. Uma década depois, o Grande Salto para Frente resultou na maior fome e escassez da
história da humanidade: aproximadamente 55 milhões de pessoas morreram entre 1958 e 1962
devido a políticas econômicas planificadas. Entre essas políticas estava o cultivo próximo, uma
prática errônea de plantar as sementes muito próximas umas das outras, o que resultava no
sufocamento das mudas e na diminuição das colheitas. Mao liderava essa iniciativa, afirmando
que os vegetais possuíam um "espírito coletivo revolucionário" e se fortaleceriam ao serem
plantados juntos. Além disso, houve uma tentativa de aumentar a produção de aço industrial para
maquinário pesado por meio da produção artesanal de ferro em fornalhas caseiras instaladas em
todas as casas das vilas rurais. Isso resultou no aumento da produção de ferro-gusa, mas também
na perda das colheitas devido à obrigatoriedade do trabalho nas fornalhas, que tirava as mãos das
pessoas dos campos.
Dessa forma, percebe-se que o livro busca destacar como um governo tirânico,
concentrado nas mãos de poucos planejadores, é incapaz de lidar com o complexo processo de
tomada de decisões envolvendo bilhões de indivíduos e milhões de residências e empresas em
suas medidas econômicas. No entanto, é interessante pensar que os indivíduos não abrem mão de
suas propriedades facilmente. Afinal, seja por herança ou por conquista através do próprio
trabalho, uma vez adquirida, a propriedade aumenta a qualidade de vida e a riqueza do
proprietário. Portanto, é necessário mais do que diálogo para permitir a expropriação de terras e a
coletivização do capital. No livro, como em outros ensaios, Orwell, como já mencionado, defende
a nacionalização do capital como algo crucial para a sobrevivência da Inglaterra e a derrota do
Eixo fascista. Isso diferencia, portanto, a ideologia do autor da distopia retratada no livro.

Totalitarismo – o controle do povo por um

Se Orwell era um Democrata Socialista e critica o Socialismo Ortodoxo, Marxista


Stalinista, cujas diferenças já foram devidamente explicitadas, a conclusão lógica esperada é que
o autor segue uma vertente diferente da do ditador soviético, o que permite a contundência de
suas críticas. Como mencionado anteriormente, Mao Zedong implementou políticas
governamentais flagrantemente equivocadas, simplesmente desacreditando o conhecimento
milenar dos camponeses agricultores e se considerando superior. Por quê? O Estado descrito em
1984, juntamente com seus paralelos na realidade, era baseado em um governo de partido único,
com uma ideologia bem definida e uma oposição pouco clara, conquistado por meio de um grupo
minoritário em um contexto violento. O Grande Irmão, Stalin, Hitler, Mao Zedong... todos
participaram de suas guerras de libertação e se tornaram líderes de seus partidos únicos. Todos,
devido às suas conquistas militares em prol da causa, eram considerados dignos de confiança e
estavam acima do restante do partido, personificando os ideais corretos. Não é surpreendente que
o poder eventualmente se concentrasse em suas mãos. Quem poderia impedi-lo? Um
recém-chegado? Um membro antigo, mas covarde, que não lutou na guerra?
Após o processo natural de concentração de poder em um partido único, a opinião do
Líder se torna superior à do restante devido à hierarquia imposta. Hitler era o líder por ter
liderado o Partido Nazista por anos e ter a sagacidade para assumir o poder (e para colocar todos
os opositores de seu regime em campos de trabalho forçado e extermínio desumanos). Stalin
sabia mais porque havia derrotado os czaristas na guerra e porque Trotsky, Kamenev e Zinoviev
foram mortos como opositores da revolução. Mao sabia mais porque ele era "a personificação da
verdade" (segundo Zhou Enlai, seu assistente pessoal, que quase foi perseguido como direitista
por não elogiar Mao como um colega de partido fez). E o Grande Irmão sabe mais porque ele
criou o IngSoc, destruiu os capitalistas na guerra e perseguiu qualquer forma de oposição, sendo
Goldstein a personificação da não-ortodoxia. Críticas ao líder são entendidas como uma crítica ao
sistema e, portanto, como oposição a todo o castelo construído em nome do bem e do progresso.
Por que a perseguição política é relevante no âmbito econômico? Essa pergunta dá origem
a um campo de estudo por si só, mas, resumidamente, os seres humanos têm a infeliz tendência de
serem falíveis, e a concentração de poder nas mãos de um indivíduo ou de um pequeno grupo com
a mesma ideologia, sem qualquer forma legal (e segura) de crítica, abre as portas para um sistema
falho. No livro, reclamar da escassez de chocolate ou da má qualidade dos alimentos resultava em
um caminho rápido para a tortura. Na vida real, chineses que buscavam criticar o Grande Salto
para a Frente como a causa da fome (ou nos estágios iniciais, reconhecer que havia fome nos
campos) eram "denunciados como reacionários e sabotadores", levando os médicos a fingir que o
acúmulo de líquidos em indivíduos de uma comunidade pobre não era um sintoma evidente de
fome, prescrevendo antibióticos para uma suposta "doença contagiosa", com medo de serem
rotulados como direitistas. Seja por uma infeliz coincidência ou por conhecer profundamente o
funcionamento dos governos totalitários, Orwell descreve em seu livro uma catástrofe que ocorre
uma década após sua publicação.

A subversão liberal ao extremo

Finalmente, vamos abordar o considerável elefante na sala: se Orwell era um Democrata


Socialista, por que a maioria dos leitores atuais de seus livros é antagônica à ideologia do autor?
A resposta é dupla: ele era menos prejudicial à ideologia capitalista do que um socialista
ortodoxo, e suas duas obras mais famosas criticavam, à primeira vista, os regimes totalitários dos
inimigos do Ocidente. No entanto, a realidade é mais complexa: Eileen Blair, primeira esposa de
Orwell, trabalhava no Departamento de Censura do Ministério da Informação. Além de basear
todo o livro em seu poema "End of the Century, 1984", o escritor concebeu o Ministério da
Verdade a partir dos relatos de sua esposa, que afirmava que o órgão utilizava as mesmas táticas
da Gestapo para espionar a população britânica e manter a coesão nacional através de propaganda
e censura para garantir a vitória na guerra.
Além disso, Orwell era um crítico da URSS de Stalin devido ao Tratado de
Molotov-Ribbentrop de 1939, o Pacto de Não Agressão entre a União Soviética e a Alemanha
Nazista. O autor era, acima de tudo, um inimigo do fascismo, e considerava uma traição ao
movimento socialista ser aliado do Terceiro Reich. Ribbentrop, ministro das Relações Exteriores
da Alemanha, escreveu um "elaborado e entusiástico preâmbulo para o rascunho original
soviético do tratado, repleto de referências à 'amizade natural' entre a União Soviética e a
Alemanha", contra o Ocidente democrático, mesmo após Hitler criticar os "tiranos judeus" e
rotular o bolchevismo de "crime infame contra a humanidade" e "aborto infernal". Orwell tinha,
inicialmente, um forte descontentamento com os nazistas, que, após a aliança com a URSS,
também abrangia o império bolchevique.
No entanto, nada disso era relevante no contexto da Guerra Fria. No Brasil, o Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais (IPÊS) foi responsável pela produção de filmes, livros e propaganda
anticomunista favoráveis ao novo regime de 1964. Entre os livros distribuídos, estava
"Continuísmo e Comunismo", de Glycon Paiva; "Como os Vermelhos Preparam uma Arruaça",
de Eugene Metherin; "As Defesas da Democracia", de Gustavo Corção; e "1984", de George
Orwell. Percebe-se que o papel da Ditadura Militar na divulgação seletiva de Orwell foi
fundamental para consolidar o autor no projeto golpista.
Para concluir essa história amarga, em 1852, Euzébio de Queirós discorreu sobre a
escravidão, afirmando: "Senhores, se isso fosse um crime, seria um crime generalizado no Brasil;
mas eu sustento que, quando em uma nação todos os partidos políticos ocupam o poder, quando
todos os seus homens políticos têm sido chamados a exercê-lo e todos eles estão de acordo com
uma conduta, é preciso que essa conduta seja apoiada em razões muito fortes; é impossível que
ela seja um crime, e seria temerário chamá-la de erro!" Saquarema, um conservador defensor da
liberdade econômica, defendia a liberdade dos escravocratas para comprar seres humanos, mas
não defendia a liberdade desses mesmos indivíduos. Pouco surpreende que as obras de Orwell, no
Brasil, sejam conhecidas por criticar o Estado grande, mas não por defenderem uma gestão justa e
forte. O escritor sempre foi avesso à extrema direita e, posteriormente, passou a criticar a extrema
esquerda.

Referências bibliográficas:

BLAIR, E. A. England, Your England. Página 1.


BLAIR, E. A. England, Your England. Página 1.
DIKÖTTER, F. A Grande Fome de Mao. Páginas 39 e 40.
DIKÖTTER, F. A Grande Fome de Mao. Página 57.
DIKÖTTER, F. A Grande Fome de Mao. Página 20.
DIKÖTTER, F. A Grande Fome de Mao. Página 33.
MOORHOUSE, R. O Pacto do Diabo. Página 55.
MOORHOUSE, R. O Pacto do Diabo. Página 31.
CARVALHO, C. H. A REVOLUÇÃO DOS BICHOS, DE GEORGE ORWELL: TRADUÇÃO E MANIPULAÇÃO
DURANTE A DITADURA MILITAR NO BRASIL. Página 48.
BOSI, A. A escravidão entre dois liberalismos. Página 1.

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