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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CURSO DE HISTÓRIA

DISCIPLINA DE HISTÓRIA MODERNA I

PROF.: ANA AMELIA

AVALIAÇÃO II

ISABEL LETICIA SOARES MELO (485338)


LUIZ FELIPE RODRIGUES DE QUEIROZ (508526)

FORTALEZA
2023
Robert Darnton em seu estudo sobre a Boemia literária, discute o papel dos subliteratos
do séc. XVIII na França, nas origens intelectuais da Revolução Francesa. Desenvolva a
discussão relacionando-a com a questão da censura e controle editorial exposto por
Daniel Roche em seu texto A Censura e a indústria editorial.

Antes de tudo, é importante situarmos o contexto em que vai ser inserido na nossa
discussão. Diante disso, com a obra “Boemia Literária” no capítulo “O alto iluminismo e os
subliteratos”, Darnton se debruça sobre a uma temporalidade que antecede a Revolução
Francesa, o Ancien Régime (Antigo Regime). É o momento exato em que a surgimento de
grandes “philosophes” atrelados ao Iluminismo, contendo alguns nomes como Rousseau,
Voltaire, Diderot. O foco da discussão é analisar e contextualizar os homens que foram
esquecidos pela historiografia tradicional e que fizeram toda a diferença no processo
revolucionário, os habitantes do underground, os subliteratos.

Com isso, o que Darnton faz é buscar compreender a Revolução Francesa através do
submundo das letras do século XVIII, da literatura proibida pelo Antigo Regime e dos
escritores e filósofos que habitavam o underground da França pré-revolucionária. A
linguagem que Darnton adota é simples, na obra não se utiliza de termos tecnicistas, logo não
é preciso uma bagagem cultural para entender a proposta do autor. O público-alvo não está
restrito exclusivamente à academia, qualquer um pode encontrar significado na obra, pois ela
busca através da pesquisa de fontes primárias legitimar que a Revolução se fez através do
descontentamento e do fracasso da população geral e do underground literário, não com os
grandes pensadores iluministas agraciados pela história tradicional tais prerrogativas auxiliam
retratar uma narrativa mais fiel possível do hábito literário francês do Antigo regime.

Ao longo de toda a história dos livros desde a introdução dos tipos móveis por
Gutemberg, sua censura, proibição, apreensão e destruição tem se repetido. A destruição de
livros é também tema para a ficção como no Fahrenheit 451, de Ray Bradbury. Na obra de
Daniel Roche, a censura significava relegar à clandestinidade, não autorizando ou destruindo
a obra, para que ninguém mais pudesse ter acesso a ela. Os censores também tinham
atribuições muito mais amplas do que a crítica pura e simples de uma obra. Seu trabalho era
detectar qualquer ofensa às instituições estabelecidas na sociedade, como, à Igreja, à corte, à
moral vigente. Na prática, os censores passaram a exercer outras atividades colaborativas com
os autores, tornando sua situação bem mais minuciosa, no que se refere à análise de suas
funções.

Na visão do governo francês, o controle do escrito, de seus autores e comerciantes era


indispensável. Assim, foi desenvolvendo-se, na França, um complexo sistema de censura, não
de todo eficiente, para evitar que a literatura considerada ofensiva às principais instituições do
Antigo Regime circulasse livremente no reino, agindo como formadora da opinião pública. Os
“livros filosóficos”, comercializados por meio de catálogos especiais, geralmente eram mais
caros, envolviam riscos na sua produção e distribuição e, frequentemente, tornavam-se “best-
sellers”, ainda mais se queimados no pátio do Palais de Justice em Paris. A curiosidade estava
ligada diretamente à proibição. Os livros proibidos, não autorizados para impressão possuíam
uma série de denominações. Genericamente eram chamados pela população de “maus livros”,
serviam para identificar o que era proibido no campo da impressão das ideias. A expressão
“maus livros”, conhecida por todos, era a preferida da polícia francesa. Roche afirma que a
expressão “obras filosóficas” significava “um termo que acabou por ser aplicado a todo o
texto perigoso, a todos os „maus livros‟.”.

O fascínio trazido pelo o autor é que praticamente faz a história focando as pessoas
por trás dos dados, ele escreve quase que pequenos contos que ilustram o ambiente literário
do Antigo Regime, mesclando o cotidiano do “personagem” com os documentos
históricos. Além disso, o autor busca trazer à tona uma nova forma de se visualizar o
Iluminismo, através do ponto de vista dos homens da camada mais popular, que tinham
família para sustentar e seu “ganha-pão” se restringia a caneta, papel e sua criatividade.
Segundo o autor, durante o século XVIII ocorre certa valorização do status do escritor, de
modo que um número elevado de jovens no final do século passa a almejar a carreira na
república das letras. O resultado disso é o crescente aumento da população de escritores
desempregados nas ruas da França.

Assim como o crescimento da população de escritores, se dá início aos censores, para


compreender o trabalho realizado por esses profissionais, é fundamental conhecer alguns
aspectos de sua identidade. Um censor não se ocupava somente da leitura de textos: eram
professores, médicos, advogados, os quais, também, ocupavam cargos administrativos
importantes. A censura de obras era feita como uma segunda atividade, isto é,
independentemente de sua profissão, visto que a maioria deles não era remunerada por esse
trabalho. No entanto, ser um censor real era sinônimo de status na sociedade, o indivíduo
obtinha certa visibilidade, podendo ascender a cargos mais significativos e,
consequentemente, melhor remunerados. Contudo, não eram todos os censores que faziam
esse trabalho sem nenhum pagamento. Uma pequena parte deles recebia um determinado
valor, ainda que não fosse muito expressivo. Outros poderiam obter uma pensão, após algum
tempo trabalhando com a censura das obras. Os censores não se encontram tão distantes dos
escritores, é possível identificar, frequentemente, um trabalho colaborativo entre censores e
autores. Muitas vezes alguns censores aprovavam a obra, sob a condição de terem alguns
trechos reescritos pelo autor, para que sua reputação como censores reais não fosse
comprometida, assim, pode-se dizer que eles também se tornaram escritores, de certa forma.

Um aspecto interessante na trajetória de Suard é a sua dependência de “proteção”–


diferente da antiga forma de mecenato, nessa nova forma o importante era conhecer as
pessoas certas e cultivar amizades. O mercado é um elemento ausente, Suard vivia de pensões
e sinecuras, não da venda de livros. Darnton chega a ressaltar que ele escrevia muito pouco e
pouco tinha a dizer, nada que ofendesse o regime. Suard acaba por se mostrar um apoiador do
regime, logo embolsava a sua recompensa. O autor deixa bem explícito que não era qualquer
indivíduo que conseguia uma destas tão almejadas pensões do Antigo Regime, era necessário
ter relação com o Le monde, contatos e principalmente opiniões saudáveis. Em alguns casos, o
governo financiava escritores que tivessem feito propaganda a seu favor. Um exemplo é
Voltaire que acreditava que o iluminismo tinha que começar com os Grands, uma vez que a
camada dominante fosse conquistada, poderiam partir para as grandes massas da sociedade,
porém sempre zelando para que não aprendessem a ler.

Podemos então concluir que o mundo literário do século XVIII se dividia entre o Le
monde, onde se encontrava a elite apoiadora do regime e os subliteratos, o underground, a
boêmia literária, constituída por homens que fracassaram na busca do sucesso, logo se tornam
adeptos de uma política contra o regime. Como já foi dito, o autor analisa o século XVIII
através de casos, contextualizando o cotidiano de indivíduos que fizeram parte do processo
revolucionário. A ordem não é cronológica ou linear, mas todo o estudo se passa no período
pré-revolucionário.
Para essa empreitada, Darnton usa como principal fonte documentos da editora de
livros proibidos Société Typographique de Neuchâtel. O autor também se utilizou de fontes
como arquivos da polícia, da Bastilha e da corporação de livreiros para ratificar a sua tese.
Darnton constrói despretensiosamente uma realidade que até então era desconhecida e perdida
nos arquivos negligenciados pelos historiadores, a do submundo literário. Os personagens que
emergem das páginas do livro não são os que habitam as fileiras do Iluminismo e sim seres
comuns como o pauvre diable de Voltaire. São habitantes das sarjetas, excluídos do Le
monde, marginais do Ancien Régime, alguns deles, como Marat e Brissot, mais tarde
protagonistas da Revolução Francesa.

Por fim, Darnton foi impecável em sua análise da revolução através de outra ótica,
pela qual podemos entender melhor a realidade do século XVIII, entendimento que os grandes
clássicos não propiciam. Se o verdadeiro motivo que levou à Revolução Francesa foi o
descontentamento da população carente, o fracasso dos escritores excluídos pelo Le monde,
que atacavam ferrenhamente as instituições oficiais, as quais eram responsáveis pela miséria
do povo francês, podemos observar que a força que desencadeia o processo é econômica.
Devemos lembrar que a grande maioria dos philosophes não visava a uma revolução, eles
atacavam o Regime, pois esse ataque gerava seus subsídios básicos; seu objetivo era o
sustento em tempos difíceis. Logo, mesmo “sem querer” os subliteratos foram agentes
imprescindíveis para a quebra do regime vigente na França do século XVIII.

Vale salientar que muitos dos escritores viviam cheios de dívidas, então, uma parcela
muito significativa dos escritores que ocupavam um lugar obscuro no mundo literário por
contrair dívidas exorbitantes com os editores, de modo que se lançassem a qualquer
empreendimento que considerassem lucrativo, para se livrarem das dívidas e sobreviver.
Outros, porém, desempenhavam papel duplo: denunciavam outros autores e obras subversivas
à polícia, mas continuavam produzindo e fazendo circular as suas, sob um pseudônimo.

Por fim, no desfecho do século XVIII, a censura buscava equilibrar a rigidez e a


flexibilidade. As restrições impostas ao livre pensamento estavam sujeitas a um julgamento
tolerante, contudo cada vez menos efetiva ao longo do tempo. Tanto fatores econômicos
quanto ideológicos adquiriram relevância, objetivando tanto sustentar a indústria editorial
quanto prevenir a disseminação de obras filosóficas. Contudo, o controle e o comércio
enfrentavam desafios, especialmente com a emergência dos adeptos do Iluminismo no
governo monárquico. Por volta de 1789, os censores perderam seu respaldo, mas continuaram
a monitorar e suprimir moderadamente, com o intuito de manter a indústria editorial em
conformidade com a ordem estabelecida e conter a crescente atratividade dos "maus livros"
para o público leitor. Apesar das medidas repressivas, acreditava-se que a repressão total não
era viável.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. DARNTON, Robert. O alto iluminismo e os subliteratos. In: Boemia literária e revolução.


São Paulo, Cia das Letras, 2007. (p. 13-49).
2. ROCHE, Daniel. A censura e a indústria editorial. In: DARNTON, Robert. Revolução
impressa. A imprensa na Franca (1775-1800). São Paulo, Edusp, 1996. (p. 21-48).

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