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FENOLOGIA REPRODUTIVA E VEGETATIVA DA ACROCOMIA ACULEATA (JACQ.

)
LODD. EX MART. (ARECACEAE)
Priscyla Maria Silva Rodrigues1, Yule Roberta Ferreira Nunes1, Gladson Ramon Alves Borges1,
Dario Alves Rodrigues2, Maria das Dores Magalhães Veloso1 (1Laboratório de Ecologia e
Propagação Vegetal, 2Laboratório de Métodos Analíticos, Campus Universitário Prof. Darcy
Ribeiro - Vila Mauricéia - Montes Claros/MG - CP 126 - CEP 39401. e-mail:
priscylamsr@gmail.com)
Termos para indexação: Cerrado, fenologia, palmeira, norte de Minas Gerais

Introdução
O bioma Cerrado é considerado um “hotspot”, foco para a conservação da biodiversidade
mundial, possuindo assim, uma megadiversidade, com alto grau de endemismo (Myers et al., 2000).
Contudo, as taxas de desmatamento no Cerrado têm se mostrado altas, causadas pelo avanço da
fronteira agropecuária e aumento da população humana (Klink e Machado, 2005). Diante destes
fatores, estudos que favoreçam o aumento do conhecimento sobre as estratégias de sobrevivência
das espécies vegetais do Cerrado são extremamente necessários para a determinação de efeitos
futuro. Assim, a fenologia de plantas possui grande importância para a compreensão das dinâmicas
florestais, ajudando na preservação do ecossistema.
A fenologia é o estudo das fases ou atividades do ciclo vital das plantas e sua ocorrência
temporal ao longo do ano, das causas de seu aparecimento em relação aos fatores bióticos e
abióticos, e das interrelações entre as fases caracterizadas por esses eventos na mesma ou em
diferentes espécies. Apesar de sua importância, estudos fenológicos de espécies nativas do Cerrado
são escassos (Nunes et al., 2005), principalmente quando se diz respeito a família Arecaceae.
Segundo Lorenzi (2004), a Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. ex Mart. (Arecaceae),
conhecida popularmente como macaúba, pode ser encontrada normalmente em áreas de vegetação
aberta (cerrados, mata semidecíduas e florestas perturbadas). O Estado de Minas Gerais possui
ocorrência de grandes populações desta espécie, apontada como economicamente promissora
(Motta et al., 2002). A macaúba possui grande importância econômica na área do Cerrado, devido
principalmente a sua grande utilidade ornamental, alimentar, medicinal e industrial. Do ponto de
vista ecológico, também possui enorme valor, produzindo anualmente grande quantidade de frutos,
que são consumidos por várias espécies de animais, além de ser considerada pelos agricultores e
pesquisadores como planta indicadora de terrenos férteis (Motta et al., 2002). Assim, considerando-
se a importância dos estudos fenológicos, associados à escassez de dados sobre a ecologia das
espécies vegetais do Cerrado, principalmente de palmeiras, este trabalho teve como objetivo estudar
as fenofases vegetativas e reprodutivas da macaúba, correlacionando os dados fenológicos com as
variáveis meteorológicas, em quatro populações no Norte do Estado de Minas Gerais.

Material e Métodos
O presente estudo foi realizado em quatro localidades do Norte do Estado de Minas Gerais,
no qual compreende os municípios de Montes Claros (16°44’6” S 43°51’43”W), Brasília de Minas
(16°12’28” S 44°25’44” W), Mirabela (16°15’46” S 44°9’50” W) e Itacambira (17°03’54” S
43°18’32” W). Estas regiões estão incluídas na transição dos Domínios do Cerrado e da Caatinga,
sendo as populações estudadas localizadas, em sua maioria, em áreas de pastagem, excetuando-se a
população de Montes Claros localizada em uma área periurbana.
Para o estudo dos padrões fenológicos foram selecionados 20 indivíduos de A. aculeata em
cada localidade, sendo monitorados mensalmente de setembro de 2006 a agosto de 2007,
totalizando 12 meses de observações. Para a seleção dos indivíduos, foram consideradas a idade
reprodutiva e as boas condições fitossanitárias (ausência aparente de doenças e infestações de
parasitas). Nestas visitas, foram registradas as fenofases de (1) emissão de folhas (quando do
aparecimento de folhas novas); (2) folhas verdes; (3) folhas mortas (quando apresentam 100% de
coloração marrom escura); (4) flores; (5) frutos imaturos (estágio inicial de desenvolvimento); (6)
frutos verdes (coloração verde); (7) frutos maduros (coloração marrom-escuro), sendo que nos
parâmetros 5, 6 e 7 foram considerados os cachos do indivíduo e não propriamente cada fruto, uma
vez que a altura em alguns indivíduos não permitiu a contagem exata dos mesmos.
Assim, foi realizado o cálculo da atividade e intensidade dos vários eventos fenológicos para
as diferentes populações. A atividade foi considerada como a presença ou ausência da fenofase em
um dado intervalo de tempo, em percentual (Bencke e Morelatto, 2002), enquanto que, a
intensidade foi calculada diferencialmente para cada fenofase, com a finalidade de quantificar cada
evento. Em relação à fase vegetativa procedeu-se a contagem do número de folhas para cada
indivíduo. Quanto à produção de frutos, estimou-se o número de frutos em cada cacho, sendo feita
uma média de frutos por indivíduo. Para a fase de floração foi determinada a porcentagem de flores
presente em cada indivíduo. Assim, em cada mês, fez-se a soma dos valores de intensidade obtidos
para todos os indivíduos e dividiu-se pelo número de indivíduos total. O valor obtido foi então
multiplicado por 100, para transformá-lo em um valor percentual. As relações entre as diferentes
variáveis climáticas (precipitação, temperatura e horas de sol) e o índice de atividade e de
intensidade de cada fenofase de A. aculeata, obtidos mensalmente, foram testadas através da
correlação de Spearman. Esta correlação foi escolhida por causas das características dos dados (não-
paramétricos). Os dados climatológicos foram obtidos mensalmente no período de estudo na
Estação Climatológica Principal de Montes Claros, localizada em Montes Claros/MG. Estes dados
climatológicos foram usados para todas as localidades, devido à ausência de estações
meteorológicas nas outras áreas de estudo.

Resultados e Discussão
A relação dos eventos fenológicos entre áreas representa a fenologia da espécie estudada em
diferentes situações ambientais (Gama e Fisch, 2003). Assim, foi observado no presente trabalho
que a macaúba manifestou, simultaneamente, diferentes fenofases do decorrer do ano. A maior
incidência de flores foi observada no mês de novembro em todas as localidades, com índice de
atividade de 90% para Montes Claros, 50% para Brasília de Minas, 20% para Mirabela e 45% para
Itacambira. Em termos de variáveis climáticas, o período de floração caracterizou-se no início da
estação chuvosa, entre outubro e novembro. Scariot et al. (1991) definiu que, esta é a melhor época
para os polinizadores da espécie, pois terão uma menor competição, já que a maioria das espécies
floresce na estação seca, onde a taxa de polinizadores é alta.
Não foi registrada nenhuma correlação entre a floração e as variáveis climáticas, exceto para
a localidade de Montes Claros. Neste local foi observada correlação entre a atividade da floração e
as horas de sol (R = -0,679; p = 0,05) (Tabela 1). Entretanto, Salisbury e Ross (1996) indicam que
este processo de florescimento é regulado por vários fatores ambientais, desde a intensidade de
radiação solar, como a temperatura e a disponibilidade de água.

Tabela 1 – Atividade fenológica de Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. ex Mart. (Arecaceae) em


quatro populações no norte de Minas Gerais.

Localidades Fenofases s o n d j f m a m j j a
Montes Claros Folhas verdes x x x x x x x x x x x x
Folhas mortas x x x x x x x x x x x x
Folhas novas x x x x x x x x x x x x
Frutos imaturos x x x x x
Frutos verdes x x x x x x x x x x x x
Frutos maduros x x x x x x x x x x x
Flores x x x
Brasília de Minas Folhas verdes x x x x x x x x x x x x
Folhas mortas x x x x x x x x x x x x
Folhas novas x x x x x x x x x x x x
Frutos imaturos x x x x x
Frutos verdes x x x x x x x x x x x
Frutos maduros x x x x x x x x x
Flores x x
Mirabela Folhas verdes x x x x x x x x x x x x
Folhas mortas x x x x x x x x x x x x
Folhas novas x x x x x x x x x x x x
Frutos imaturos x x x x
Frutos verdes x x x x x x x x x x x x
Frutos maduros x x x x x x x x x x x
Flores x
Itacambira Folhas verdes x x x x x x x x x x x x
Folhas mortas x x x x x x x x x x x x
Folhas novas x x x x x x x x x x x x
Frutos imaturos x x x x x
Frutos verdes x x x x x x x x x x x x
Frutos maduros x x x x x x x x x x x
Flores x x
Obs: o (x) indica presença do evento

O processo de formação e amadurecimento dos frutos da macaúba estendeu-se por vários


meses. Assim, em quase todas as observações mensais, notou-se a presença de indivíduos com
frutos em diferentes estádios de desenvolvimento (Tabela 1). A intensidade de frutos imaturos
esteve correlacionada positivamente com a precipitação em todas as localidades, excluindo Montes
Claros, indicando assim, que houve uma tendência de se encontrar um maior número de indivíduos
com frutos imaturos quando ocorreram maiores valores de precipitação. Quando correlacionada esta
mesma fenofase com a temperatura, duas localidades obtiveram significância, Brasília de Minas (R
= 0,663; p < 0,05) e Itacambira (R = 0,612; p < 0,05), o que indica que o aumento da temperatura
ocasiona um maior desenvolvimento dos frutos desta espécie. Em Mirabela e Itacambira foi
observada correlação negativa entre a intensidade de frutos imaturos com horas de sol (R = -0,635;
p < 0,05, R = -0,688; p < 0,05, respectivamente). Além disso, foram observadas correlações entre a
atividade de frutos verdes com horas de sol nas localidades de Brasília de Minas (R = 0,756; p <
0,01) e Mirabela (R = 0,782; p < 0,01), e para a fenofase de frutos maduros, houve correlação
negativa da atividade e intensidade com horas de sol, na localidade de Mirabela (R = - 0,614; p <
0,05, R = - 0,713; p < 0,01, respectivamente), portanto, a macaúba apresentou resposta à variação
na duração do dia. Na localidade de Montes Claros foi observada correlação entre a atividade de
números de cachos com as horas de sol (R = 0,642; p < 0,05). Enquanto que, em Brasília de Minas
foi observado correlação negativa da intensidade dos números de cachos com a precipitação (R = -
0,576; p = 0,05).
Na fenologia vegetativa, observou-se correlação negativa entre a intensidade de folhas novas
e a temperatura, em duas localidades: Montes Claros (R = - 0,649; p < 0,05) e Mirabela (R = -
0,717; p < 0,01). Enquanto que para atividade destes mesmos dados foi significativo apenas para a
localidade de Mirabela (R = - 0,840; p < 0,01). Em Itacambira foi observado significância na
intensidade de folhas novas com a precipitação (R = -0,607; p < 0,05). Em Brasília de Minas não se
obteve nenhum resultado significativo entre as fases vegetativas com os dados climáticos. Todavia,
deve-se relembrar que outros fatores como intensidade luminosa e disponibilidade de gás carbônico
também influenciam na fotossíntese e, conseqüentemente, na produção de folhas. Portanto, a
macaúba apresentou correlações entre os padrões fenológicos com as variáveis climáticas,
possuindo algumas exceções. Entretanto, podemos considerar que os padrões fenológicos além de
serem afetados pelos fatores climatológicos, são também influenciados pelas condições endógenas
da espécie (fisiológicas, nutricionais, edáficas, genéticas, modo de reprodução) e pelos vetores
ecológicos (polinização, predação, competição (Alencar, 1994).

Conclusões
A fenologia vegetativa, isto é, o brotamento e a queda foliar, ocorreu durante todo o ano nas
populações de A. aculeata estudada, no qual foi obteve-se correlação entre atividade e intensidade
de folhas novas com temperatura, e intensidade de folhas novas com precipitação. Por outro lado, a
fase reprodutiva foi representada por um rápido processo de florescimento e os frutos apresentaram
diferentes estágios de desenvolvimento em um mesmo indivíduo. As fenofases reprodutivas foram
influenciadas pelas diferentes variáveis climáticas (horas de sol, precipitação e temperatura), de
forma diferenciada para cada população. Sendo assim, para confeccionar um calendário fenológico
da macaúba é importante a observação fenológica desta espécie por um período de tempo maior
(pelo menos alguns anos).

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