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UMA HIPÓTESE DIAGNÓSTICA: Elementos de um Informe

Psicopedagógico
Seilla Carvalho*
O Informe Psicopedagógico, Informativo ou Laudo é um documento
organizado por escrito, comunicando o desenvolvimento de determinado
processo de análise e avaliação diagnóstica. Nele é registrado o motivo da
avaliação (encaminhamento), período e número de sessões, instrumentos
utilizados, descritivo das dimensões do sujeito, síntese dos resultados, o
prognóstico, recomendações e as indicações de atendimentos
(Psicopedagogia, Fonoaudiologia, Clínica Pediátrica, Neurologia,
Psicoterapia).
Após a finalização do processo diagnóstico e já com a Hipótese Diagnóstica
formulada é feito o agendamento da reunião destinada à devolutiva. Este
documento é entregue à pessoa/pessoas ou equipe que encaminhou,
apontou, discorreu, ilustrou, ou apresentou a “queixa” da dificuldade de
aprendizagem do educando, criança ou jovem.
É importante salientar que o processo de avaliação psicopedagógica
implica numa tentativa de compreender a dificuldade de aprendizagem ou
o fenômeno do fracasso escolar em sua pluricausalidade, de forma
sistêmica, dentro de uma visão gestáltica, contextualizando as “facetas” de
determinado comportamento ou sintoma apresentado pela criança/jovem.
E para tanto se utiliza de uma metodologia que objetiva analisar os
resultados considerando os aspectos: orgânico/corporal, cognitivo, social,
emocional e pedagógico.
As etapas a serem cumpridas e abordagem utilizada para se estruturar uma
Sequência Diagnóstica passa por variações a depender da linha de atuação
do profissional e segundo a necessidade de cada caso. Conforme WEISS
(2004), “existem pacientes que não aceitam sessões diagnósticas formais.
Tornando-se necessário, então, fazer uma avaliação ao longo do próprio
processo terapêutico.” (...) “ao final do diagnóstico psicopedagógico, o
terapeuta já deve ter formado uma visão global do paciente e sua
contextualização na família, na escola, no meio social em que vive”.
A título de socialização das informações segue abaixo o exemplo de um
Informativo Psicopedagógico resultante na análise e avaliação de um
cliente/criança do sexo masculino:

Informativo Psicopedagógico
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx(nome cliente)xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, nascido
em __/__/__, atualmente com dez anos e seis meses de idade. Foi
encaminhado para avaliação psicopedagógica pela Escola X. O
encaminhamento psicopedagógico partiu da queixa de que o sujeito em
questão tem um comportamento agressivo, não atende às regras, é
desinteressado pelas atividades escolares e tem limitações quanto à
socialização.
A avaliação se deu no período de __/__/__ a __/__/__, com dois
encontros semanais de com duração de 60minutos totalizando 32 horas
de análise diagnóstica. Na consecução do diagnóstico foram utilizados os
seguintes recursos avaliativos:
- Entrevista de Aproximação com a professora;
- Entrevista Exploratória com a responsável (neste caso, a tia) pela criança;
- Contato de Estabelecimento Vincular (CEV);
- Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (EOCA);
- Observação de algumas aulas;
- Verificação das atividades pedagógicas;
- Observação da criança durante o recreio;
- Testagem com Arranjo de Figuras;
- Desenho Projetivo: HTP-F (Casa, Árvore, Figura Humana, Família);
- Saco Psicopedagógico: Trabalho Operativo Centrado no Aprendizado e
no Desenvolvimento da Ação (TOCADA);
- Provas Projetivas: Parelha educativa, O Plano da sala de aula, Os quatro
momentos de um dia, O dia do meu aniversário;
- Quebra-Cabeça Projetivo “Eumundo”;
- Organização de Historietas;
- Jogo de Memória;
- Testes de Psicomotricidade: Posição no Espaço, Relações Espaciais,
Coordenação Visual Motora;
- Provas Operatórias: Conservação da Quantidade de Matéria;
Conservação de Pequenos Conjuntos Discretos de Elementos;
Quantificação da Inclusão de Classes;
- Anamnese.
Após a análise dos dados obtidos durante o processo de investigação foi
possível constatar que o comportamento apresentado até então pela
criança reflete questões múltiplas resultantes da construção e
constituição do sujeito e das relações estabelecidas com os seres e com o
mundo. Observando as áreas específicas que compõem o ser em sua
totalidade, foi identificado que:

No aspecto orgânico e corporal o analisado apresentou dificuldades


quanto à psicomotricidade e coordenação motora fina, bem como no que
tange à lateralização e relações espaciais. Apresenta alterações na visão
visto que a criança tem dificuldades nas visualizações gráficas à distância e
apresenta o incômodo com uma insistente coceira nos olhos. Sua
alimentação é deficitária para suprir as carências nutricionais e a recusa da
alimentação salgada pode indicar uma infestação por verminoses.

Na área cognitiva detectou-se alterações importantes quanto à atenção,


memória, antecipação, classificação e percepção dificultando as
globalizações visuais; Dificuldades nas relações espaço-temporais, de
causalidade além limitações quanto as operações de cálculo mental e
conceito de número – que evidencia um estágio de pensamento
operacional-concreto inicial com predomínio no intuitivo; Deficiências
quanto à competência lingüística, pois identifica as vogais, reconhece
algumas consoantes, mas não faz a relação entre grafema e fonema,
apresentando leitura e escrita no nível silábico além de sérias limitações
na interpretação de fatos e na associação de idéias.

No nível emocional foi percebido sentimentos de desconfiança,


desproteção, abandono, medos generalizados e baixa auto-estima, além
de insegurança nas relações familiares e sociais impedindo assim, vínculos
importantes para o seu desenvolvimento afetivo; a angústia, o medo e as
tensões são direcionadas para área corporal nos arroubos de impaciência,
agressividade e na enurese noturna.

A construção de baixa auto-estima como elemento marcante do meio em


que está inserido tem sido um ponto que limita este sujeito no aspecto
social, pois, o contexto em si assinala carências e dificuldades estruturais
minimizando-lhe as potencialidades. Essas dificuldades têm sido
pontuadas e reforçadas pela instituição escolar que ainda expressa seus
rituais excluindo o diferente, classificando-o como ‘menos apto’ e
desconsiderando a singularidade do ser em permanente construção. Daí é
percebido o distanciamento e a inércia do sujeito nas ações operativas
que são de suma importância para a autonomia e liberdade de
pensamento.

No aspecto pedagógico apresenta uma modalidade de aprendizagem


marcada pelo aparecimento de condutas dependentes. Ele não toma
iniciativa, é queixoso e precisa ser conduzido nas suas produções bem
como necessita de aprovação constante no trabalho que realiza. Esse
comportamento representa ser o fruto dos constantes fracassos no seu
processo de conhecimento, sendo um tipo de conduta que representa
obstáculos quanto à construção dos vínculos com as primeiras
aprendizagens e a relação estabelecida com os ensinantes.
Em síntese, estes aspectos, ao serem analisados separadamente configura
um quadro com pistas que podem explicitar mais claramente as causas do
comportamento apresentado pelo analisado. Ao integrar os resultados
obtidos durante todo o processo de investigação à queixa inicial podemos
entender o que sinaliza o sintoma – um comportamento expresso pela
agressividade, desinteresse, indisciplina. Sendo assim, perceber o ser
integral possibilita entender o que ele traz em sua superfície, o que ele
apresenta como comportamento destoante e que surpreende a escola e a
família. O indivíduo em estudo traz um histórico de vida marcado por:
- Debilidade do vínculo materno e familiar bem como carências quanto ao
suprimento de suas necessidades básicas no que diz respeito ao orgânico
e psicoafetivo;
- Um meio familiar e social que não possibilitou construções
enriquecedoras quanto ao seu conhecimento de mundo;
- Construção de baixa auto-estima produzida pelo recorrente fracasso
escolar;
- Inadequação pedagógica favorecida por um modelo de aprendizagem
limitado ao princípio de acomodação cognitiva, descontextualizado e
pautado no estímulo à dependência e nos recursos básicos da
memorização.
Em suma a hipótese diagnóstica evidencia obstáculos que diz respeito à
falta de conhecimento de determinados conteúdos que permita ao sujeito
novas elaborações do saber. E revela obstáculos relacionados à vinculação
afetiva que se estabelece com as situações de aprendizagem, podendo se
apresentar de diferentes formas e múltiplas motivações. A criança
apresenta uma modalidade de aprendizagem em desequilíbrio quanto aos
movimentos de assimilação e acomodação; sintomatizada na
hiperacomodação. Visto que evidencia pobreza de contato com o objeto
necessitando em todo momento de aprovação e de modelos a serem
seguidos.
Faz-se necessário que tenha a oportunidade de se sentir como alguém
capaz de conhecer e que sejam estabelecidas novas vinculações com a
aprendizagem escolar. Cabendo a família e a escola gerarem estímulos
significativos para que se estruturem nesse indivíduo novas formas de
pensar o mundo. Dando condições de uma aprendizagem que o realize
como cidadão capaz de ler e saber interpretar o mundo a partir do seu
desejo de conhecer e de crescer.
Pois, caso contrário, o resultado poderá ser configurado nas constantes
reprovações ou em possíveis aprovações compulsórias diante do avançar
cronológico da idade, porém, sem evolução quanto à construção de
saberes e ressignificação de conhecimentos. E teremos mais um indivíduo
talhado para fazer parte de um contingente de “fracassados
institucionalizados” pelo estigma do aluno problemático, socialmente
carente e com limitações cognitivas incapacitantes para o aprendizado.
Portanto, quanto às recomendações necessárias ao desenvolvimento
deste indivíduo/criança considera-se:
- Intervenção psicopedagógica com inclusão de jogos terapêuticos,
técnicas projetivas psicopedagógicas que viabilizem a ressignificação das
primeiras modalidades de aprendizagem;
- Vivências de movimento e percepção a fim de favorecer a assimilação do
esquema corporal;
- Atividades contextualizadas de escrita e leitura com a utilização de
variados portadores de textos para que a construção das hipóteses
lingüísticas possa ser elaborada com segurança;
-Troca de professora a fim de que os vínculos afetivos com os elementos
da aprendizagem possam ser estabelecidos;
- Trabalho pedagógico que considere a singularidade do sujeito dentro do
grupo e valorize seu conhecimento de mundo, realizado a partir de um
planejamento flexível, com objetivos claros e estratégia metodológica
criativa e desafiadora que combine os diferentes estilos de aprendizagem:
Sinestésico, Visual, Auditivo;
- Diagnóstico clínico com pediatra a fim de investigar os níveis de
vasopressina produzidas durante o sono, exame parasitológico e avaliação
oftalmológica.
Referências Bibliográficas:
BARONE, L. M. C. E Ler o Desejo ao Desejo de Ler. Petrópolis, Vozes, 1993.
HAMMER, Emanoel F. Aplicações Clínicas dos Desenhos Projetivos. Rio de
Janeiro. Interamericana, 1981.
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conhecimento e o saber. Petrópolis. Vozes, 1993.
LOWEN, Alexander. O Corpo Traído. São Paulo, Summus Editorial, 1979.
LUQUET, G. H. O Desenho Infantil. Trad. Maria Teresa Gonçalves de
Azevedo. Porto: Livraria Civilização, 1979.
LUZ BORGES A. Te – Sendo Fios de Conhecimento: o paradigma a
construção do ser e do saber. Rio de Janeiro. Uapê, 2005.
MAC DONNEL, J. J. C. Manual das Provas de Diagnóstico Operatório.
Tradução: Simone Carlberg. Apostila, 2006.
PAIN, Sara. A Função da Ignorância. Porto Alegre. Artes Médicas,1988, Vol
1.
_________. Diagnóstico e Tratamento dos Problemas de Aprendizagem.
Porto Alegre, Artes Médica, 1986.
PIAGET, Jean. A Equilibração das Estruturas Cognitivas. Trad. Marion
Merlone dos Santos Penna. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
WEISS, M. L. L. Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica dos
problemas de aprendizagem escolar. Rio de Janeiro, DP&A, 2004.
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*Seilla Regina Fernandes de Carvalho – Pedagoga (UNEB-BA),
Psicopedagoga Clínica e Institucional (FAP-PR), com Formação na Docência
do Ensino Superior, Mediadora em Cursos de Aperfeiçoamento e
Formação Continuada dos Profissionais de Educação; Orientadora em
Projetos de Educação Sexual de Crianças e Adolescentes; Consultora
Educacional e Co-autora, com João Beauclair, do livro “Sinergia: aprender
e ensinar na magia da vida” (no prelo).

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