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“A crença principal – diria mesmo, fundamental – que embasa uma sociedade livre é a de
que o homem é receptivo à razão e suscetível aos reclamos de sua consciência.” (Michael Polanyi)
Nascido em 1891 em Budapeste, Michael Polanyi vinha de uma família de ilustres cientistas,
e ele mesmo acabou se especializando em química. Seu interesse por política se intensificou, no
entanto, durante as décadas de 30 e 40, com o mundo vivendo sob intensa incerteza acerca do futuro.
Fundou em 1947, ao lado de figuras como Hayek, Popper, Milton Friedman e George Stigler, a
Sociedade Mont Pelerin, uma das mais renomadas defensoras do liberalismo no mundo.
Polanyi depositou uma relevância enorme na necessidade da ciência pura – ciência pela
ciência, como busca pela verdade – ser mantida, enquanto muitos defendiam na época que a ciência só
era válida se tivesse uma utilidade social clara ou até imediata. Foi bem claro ao escrever: “Temos que
reafirmar que a essência da ciência está no amor ao conhecimento e que a utilidade desse último não é
nossa preocupação primordial”.
Tal visão batia de frente com o marxismo de seu tempo, que tratava da ciência apenas como
um instrumento para o bem-estar material, que seria antes utilizado pela burguesia de acordo com
interesses de classe. Ele não aceitava essa imagem da ciência, e lutou para desvincular a atividade
científica criativa de uma visão determinista do mundo.
De forma espontânea ocorre uma coordenação das atividades individuais, sem a necessidade
de intervenção de qualquer autoridade coordenadora. Como analogia, Polanyi oferece o exemplo da
montagem de um quebra-cabeça, sendo impossível planejar antecipadamente seus passos. Uma
administração centralizada teria que criar uma estrutura hierarquizada e dirigir as atividades a partir de
um centro. Cada um teria que esperar a orientação do chefe e tudo ficaria num compasso de espera. Os
participantes deixariam de prestar qualquer contribuição apreciável para a sua montagem, e o efeito
cooperativo seria quase nulo. A base lógica para a coordenação espontânea dos cientistas na busca da
ciência seria tão simples quanto a que opera a autocoordenação de uma equipe engajada na montagem
de um quebra-cabeça.
Na verdade, três pilares seriam necessários para a ciência: os cientistas individuais, o corpo
de cientistas e a opinião pública. Polanyi diz: “A afirmação da paixão pessoal é a marca registrada do
grande pioneiro, aquele cujas qualidades são muito valiosas para a ciência”. Ao mesmo tempo, a
tradição científica, o rigor do método científico, impõe um grau excepcional de rigor crítico, que é
extremamente importante.
Por fim, a ciência só pode continuar a existir na escala moderna “se a autoridade que pleiteia
é aceita por vastos grupos da população”. Se as opiniões anticientíficas predominarem, se as pessoas
escolherem o misticismo em vez da ciência para tentar explicar o universo material que as circunda, é
porque a ciência fracassou em sua tarefa crucial de ser aceita como fonte de conhecimento. Cada um
dos três pilares desempenha uma determinada função no processo do desenvolvimento científico e
nenhum deles pode ser delegado a uma autoridade superior.
Quando o Estado se imiscui na ciência, os riscos destes fundamentos serem destruídos e
corrompidos são enormes. Um dos motivos, como lembra Polanyi, é que sendo os acadêmicos
recompensados pelo Estado, o governo pode muito bem exercer uma pressão que os desvie dos
interesses e padrões acadêmicos. Os casos do nazismo alemão e comunismo soviético são sintomáticos
disso.
Outro ponto é que existem muitas oportunidades de conflito entre os interesses imediatos do
Estado e aqueles do aprendizado e da verdade, “cultivados por amor à ciência e à própria verdade”.
Quando as descobertas científicas iam à contramão do marxismo, eram simplesmente descartadas na
União Soviética. Polanyi conclui: “O Estado deve encarar a vida acadêmica independente da mesma
forma que o faz com a administração independente da justiça”.
O foco de Polanyi não fica restrito ao campo da ciência, mas é extrapolado para todos os
demais. Ele diz que “é evidente que a liberdade acadêmica não é jamais um fenômeno isolado”, e que
“ela só pode existir numa sociedade livre, porque os princípios em que se baseia são as mesmas
fundações sobre as quais repousam as liberdades essenciais da sociedade”. Desta forma que ele chega
até a defesa da liberdade econômica: “Encaro a liberdade econômica como uma técnica social
adequada, quase indispensável, para a administração de uma determinada técnica produtiva”.
Em resumo, Polanyi defendeu veementemente a liberdade, limitada por certas regras básicas
necessárias para o próprio funcionamento desta liberdade. Ele acreditava muito na ordem espontânea,
na livre coordenação dos indivíduos. Fez oposição à planificação científica, baseando a epistemologia
da ciência na crença na natureza individual dos descobrimentos, livre de interferências dogmáticas ou
oficiais. A liberdade científica que defendeu é fundamental para as demais liberdades, e ele mesmo
compreendeu isso. Resta trabalhar para que as demais pessoas também possam compreender.
https://www.gazetadopovo.com.br/rodrigo-constantino/artigos/a-liberdade-cientifica-
michael-polanyi-e-a-defesa-da-ciencia-pura/?ref=busca