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Teoria da Cognição Judicial

I - Conceito de cognição
Cada tipo de processo (conhecimento ou execução) estrutura-se a partir do grau
de cognição judicial que se estabelece em cada um deles.
Portanto, a análise da cognição judicial é o exame da técnica que o magistrado
tem acesso e resolve as questões que lhe são postas para apreciação.
Frise-se, ainda, que, nas palavras do autor em tela, “a cognição não é atividade
solitária do órgão jurisdicional. Ela se realiza em um procedimento estruturado em
contraditório e organizado segundo um modelo cooperativo, o que torna a participação
das partes na atividade

II - Conceito de questão
O termo “questão “ apresenta, na dogmática jurídica processual, ao menos dois
significados. Questão pode ser qualquer ponto de fato ou de direito controvertido, que
dependa o pronunciamento judicial. Esse é o significado utilizado no inciso II do artigo
489 do CPC. O vocábulo também assemelha-se a "mérito", que nada mais é do que a
"questão principal" do processo, o seu objeto litigioso. Essa é a acepção utilizada no
inciso III do dispositivo processual citado.

III - Resolução das questões


Segundo nos explica o autor, “há questões que são postas como fundamento
para a solução de outras e há aquelas que são colocadas para que sobre elas haja
decisão judicial. Em relação a todas haverá cognição; em relação às últimas, haverá
também julgamento. Todas compõem o objeto de conhecimento do magistrado, mas
somente as últimas compõem o objeto de julgamento ou objeto da declaração” (obra
citada).
As primeiras são as questões resolvidas incidenter tantum (forma de resolução
não se presta, de regra, a ficar imune pela coisa julgada). Portanto, deve o juiz resolvê-
las antes de seu julgamento, sua solução comporá a fundamentação da decisão. Sobre
essa resolução, não recairá a imutabilidade da coisa julgada. Os incisos do artigo 504
do CPC elucidam o problema, ou seja, não fazem coisa julgada os motivos da sentença
nem a verdade dos fatos.
Note, porém, que há um caso em que a resolução de uma questão incidental
pode, preenchidos alguns pressupostos, tornar-se indiscutível pela coisa julgada
material. Preenchidos os pressupostos dos §§1º e 2° do artigo 503 do CPC, a resolução
da questão prejudicial incidental fica imunizada pela coisa julgada material.
Há, contudo, questões que devem ser decididas, não somente conhecidas. São
as questões postas para uma solução principaliter, que compõem o objeto do
julgamento. É o que se retira do artigo 503, caput, do CPC, ou seja, a decisão judicial
tem força de lei, nos limites da questão principal decidida. Isto significa que a resolução
da questão principal submete-se ao regime comum da coisa julgada.
IV - Objeto do processo e objeto litigioso do processo
Distinguir o que é a questão principal e a questão incidental é importante para
os conceitos de objeto do processo e objeto litigioso do processo. Nas palavras do autor,
“objeto do processo é conjunto do qual o objeto litigioso do processo é elemento: esse
é uma parcela daquele. Enquanto o objeto do processo abrange a totalidade das
questões que estão sob apreciação do órgão julgador, o objeto litigioso do processo
cinge-se a um único tipo de questão, a questão principal, o mérito da causa, a pretensão
processual. Enquanto o primeiro faz parte apenas do objeto da cognição do magistrado,
o segundo é o objeto da decisão” (obra citada). A demanda introduz o objeto litigioso e
define o objeto do ato final do procedimento. Ela pode ser inicial (petição inicial) ou
ulterior (demandas recursais, incidentais, reconvencionais, deduzidas através de pedido
contraposto, incidente de falsidade, denunciação da lide etc.).

V - Objeto da cognição judicial


a) Questões de fato e questões de direito
Fato e norma são elementos essenciais ao fenômeno jurídico. O fato jurídico é
o fato ou conjunto de fatos aptos a produzir efeitos jurídicos, em razão da incidência; o
efeito jurídico é a consequência normativa que decorre do fato jurídico.
O requerente, em qualquer postulação judicial, deve descrever os fatos e o
enquadramento normativo do seu pleito.
Na aplicação do direito, o julgador examinará as questões de fato e questões de
direito. O primeiro critério distintivo entre estas questões baseia-se no objeto da questão,
na matéria sobre a qual versa. Será fática a questão que tiver por objeto um fato, será
jurídica, por sua vez, aquela que tiver por objeto uma norma, um fato jurídico ou um
efeito jurídico.
Segundo o autor, “considera-se questão de fato toda aquela relacionada aos
pressupostos fáticos da incidência; toda questão relacionada à existência e às
características do suporte fático concreto, pouco importa se, examinada pela
perspectiva do objeto, é questão de fato ou questão de direito. Por exemplo: toda
questão relacionada à causa de pedir será considerada questão de fato. Será questão
de direito toda aquela relacionada com a aplicação da hipótese de incidência no suporte
fático; toda questão relacionada às tarefas de subsunção do fato (ou conjunto de fatos)
à norma ou de concretização do texto normativo. Esta distinção é fundamental do ponto
de vista prático. As questões de direito podem ser apreciadas de ofício pelo magistrado”.
E continua, “do direito cuida o juiz; o magistrado não fica adstrito à iniciativa da parte
para identificar a norma jurídica que lhe caiba aplicar - embora isso deva ser feito em
respeito ao princípio da cooperação (art. 6°, CPC) e à regra que veda decisão surpresa
(art. 10, CPC)” (obra citada).
b) Questões prévias: questões preliminares e questões prejudiciais
Existem questões que a sua solução precede logicamente à de outra (denominadas
questões prévias). Quando entre duas ou mais questões houver relação de
subordinação, dir-se-á que a questão subordinante é uma questão prévia. As questões
prévias dividem-se em prejudiciais e preliminares. Além do mais, entre duas ou mais
questões, pode existir uma relação de coordenação, isto é, as duas questões, ou as
soluções dadas a elas, estão ordenadas a um fim comum.
Para a distinção entre prejudicial e preliminar é importante o teor de influência
que a questão vinculante terá sobre aquela (vinculada), ou seja, a distinção baseia-se
na relação que mantêm as diversas questões postas à cognição judicial. Nesse sentido,
o autor explica que a concepção de José Carlos Barbosa Moreira é a adotada. Portanto,
“considera-se questão preliminar aquela cuja solução, conforme o sentido em que se
pronuncie, cria ou remove obstáculo à apreciação da outra. A própria possibilidade de
apreciar-se a segunda depende, pois, da maneira por que se resolva a primeira. A
preliminar é uma espécie de obstáculo que o magistrado deve ultrapassar no exame de
uma determinada questão” (obra citada).
Diz, mais, que José Carlos Barbosa Moreira identifica três tipos de questões
preliminares. Vejamos a sua classificação.
“a) Preliminares ao conhecimento do mérito da causa. Os pressupostos de
admissibilidade do exame do mérito (pressupostos processuais) são questões
preliminares, na medida em que, a depender da solução que se lhes dê, podem impedir
o exame do objeto litigioso do processo. Essas preliminares são questões processuais.
b) Preliminares de recurso: ‘ ... questões de cuja solução depende a possibilidade de
julgar-se o mérito da impugnação ... ". São preliminares de recurso todos os seus
requisitos de admissibilidade: cabimento, legitimidade, interesse, inexistência de fato
impeditivo ou extintivo do direito de recorrer, tempestividade, regularidade formal e
preparo.
c) Preliminares de mérito: ‘ ... as questões já situadas no âmbito do meritum causal, mas
suscetíveis, se resolvidas em certo sentido, de dispensar o órgão julgador de prosseguir
em sua atividade cognitiva” (obra citada).
c) A questão prejudicial, por sua vez, é aquela que a solução dependerá do teor do
pronunciamento sobre a outra questão, ou seja, a segunda questão depende da primeira
no seu modo de ser. São exemplos de questões prejudiciais:
- a validade do contrato, na demanda em que se pretende a sua execução;
- a filiação, na demanda por alimentos;
- a inconstitucionalidade da lei, na demanda em que se pretenda a repetição do indébito
tributário etc.
A questão prejudicial pode ser interna (surge no mesmo processo em que está a questão
subordinada) ou externa (discutida em outro processo).
Tratando-se de questão prejudicial interna, é possível que sua resolução (como questão
principal) não seja da competência do juízo do processo. Nesse caso, são as possíveis
soluções:
“a) remessa de todo o processo para o juízo competente para o julgamento da questão
prejudicial, que também teria a competência para o julgamento da prejudicada (como
pode ocorrer com a aplicação do art. 947, do CPC);
b) atribuição de competência ao juízo da causa para, incidentalmente, resolver a
questão prejudicial (por exemplo: art. 93, §1º, do Código de Processo Penal);
c) cisão de julgamento, com a remessa do exame da questão prejudicial para a
resolução pelo juízo com competência exclusiva para a matéria tratada nesse
julgamento incidental, retornando o processo, a seguir, ao juízo originário para a
resolução da questão principal, de acordo com o que se houver decidido no incidente”
(obra citada).
A questão prejudicial pode ser homogênea (quando integra ao mesmo ramo do Direito
da questão subordinada) ou heterogênea (quando pertencem as questões a ramos
distintos do Direito). Se heterogênea e externa, dificilmente será possível a reunião dos
feitos como efeito da conexão, por força da incompetência absoluta em razão da
matéria, a determinar, por isso mesmo, a suspensão de um dos processos (art. 313, V,
"a", do CPC). Quando, não obstante a heterogeneidade, o juízo tiver competência
material para conhecer ambas, a reunião das causas se impõe, em razão da conexão.

VI - Pressupostos processuais e mérito: questões de admissibilidade e questões de


mérito
Em razão do desenvolvimento dos estudos processuais, difundiu-se a distinção
entre ação, processo e mérito, passando a classificar as questões de acordo com os
pressupostos processuais, condições da ação e questões de mérito. No entanto, o CPC
atual não mais menciona a categoria "condição da ação".
Portanto, o mais correto, conforme o entendimento do autor em tela, é dividir as
questões em questões de mérito e questões de admissibilidade, sendo que os
pressupostos processuais são as questões de admissibilidade.
Os juízos que o magistrado pode fazer em um procedimento são: o juízo de
admissibilidade (validade do procedimento; aptidão para a prolação do ato final) e o
juízo de mérito (juízo sobre o objeto litigioso).
Há requisitos de admissibilidade do procedimento principal, em que a falta
compromete todo o processo, e requisitos de admissibilidade de cada procedimento
incidente/ recursal que componha a estrutura da relação jurídica processual, em que a
falta inviabiliza apenas o procedimento a que se relaciona.
O juízo de admissibilidade do procedimento consiste na verificação da
possibilidade de o objeto litigioso do procedimento ser apreciado.
Por sua vez, as questões de mérito (lato sensu) devem ser divididas:
“a) Há as questões de mérito (lato sensu) que serão resolvidas pelo magistrado como
simples fundamento: algumas defesas do réu, o exame da questão incidental de mérito
etc. -a doutrina geralmente designa apenas essas como questões de mérito;
(b) E o mérito propriamente dito, que é a questão principal, o objeto litigioso. Chama-se
de juízo de mérito a decisão sobre a questão de mérito principal, em que se examinam
as outras questões de mérito (fundamentos)”.
É possível que algumas questões sejam de admissibilidade, em relação a um
dado procedimento, e de mérito, em relação a outro, mas jamais uma mesma questão
pode ser de admissibilidade e de mérito em relação a um mesmo procedimento.
O órgão jurisdicional realiza dois juízos no processo: admissibilidade e mérito. O
primeiro é preliminar ao segundo. Em cada um deles, há questões incidentes e
questão(ões) principal(is). A questão principal do juízo de admissibilidade é a validade
do procedimento. A questão principal do juízo de mérito é o pedido e a sua causa de
pedir. Todas as questões que devem ser examinadas para a solução dessas questões
principais são questões incidentais.

VII - Espécies de cognição


A cognição pode ser visualizada em dois planos, de acordo com o estudo de
Kazuo Watanabe.
O plano horizontal (extensão) diz respeito à extensão e à amplitude das questões
que podem ser objeto da cognição judicial. A cognição, assim, pode ser:
a) plena: não há limitação ao que o juiz conhecer;
b) parcial ou limitada: limita-se o que o juiz pode conhecer.
A limitação da cognição normalmente favorece à razoável duração do processo.
Em segundo lugar, o plano vertical (profundidade), que refere-se ao modo como
as questões serão conhecidas pelo magistrado. A cognição poderá ser exauriente ou
sumária, conforme seja completo (profundo) ou não o exame. Apenas as decisões
fundadas em cognição exauriente podem estabilizar-se pela coisa julgada.
Combinam-se estas modalidades de cognição para a formação dos
procedimentos. Há, portanto, procedimentos de cognição plena e exauriente, que são a
regra. A cognição também pode ser parcial e exauriente.
Ao estabelecer as limitações, o legislador leva em conta as peculiaridades do
direito material e/ou a necessidade de tornar o processo mais célere.
Pode-se vislumbrar, ainda, a cognição eventual, plena ou limitada, e exauriente
(secundum eventum defensionis): somente haverá cognição se o demandado tomar a
iniciativa do contraditório, porque eventual.
A cognição sumária (decisão sem exame profundo) é permitida, normalmente,
em razão da urgência e do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, ou da
evidência (demonstração processual) do direito pleiteado, ou de ambos, em conjunto.
No plano vertical, a diferença entre as modalidades de cognição está apenas na
maneira como o magistrado enxerga as razões das partes.

Referência bibliográfica
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual
civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. v.1. Salvador: Ed. Jus Podivm,
2015.

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