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A responsabilidade do sócio em nome

colectivo em face do Código das Sociedades


Comerciais*

JOSÉ LOBO MOUTINIIO

INTRODUÇÃO

1. Âmbito do presente estudo


O presente estudo vai dedicado, como o próprio título indica, à
responsabilidade do sócio em nome colectivo.
O Código das Sociedades Comerciais, no seu artigo 175.°, n.° 1,
procede a uma análise da responsabilidade do sócio em nome colectivo
em responsabilidade pela entrada e responsabilidade pelas obrigações
sociais, análise a que anda, por vezes, aliado um certo pressuposto

‘ O presente estudo é uma versão correcta e aumentada do relatório apresentado,


em Outubro de 1987, na disciplina de Direito Comercial da fase lectiva do Mestrado em
Ciências Jurídicas (menção Ciências Jurídico-Criminais), sob a orientação do Senhor
Prof. Doutor Pessoa Jorge. A revisão a que submeti esse trabalho só me foi possível em
virtude de fazer parte, como investigador, do Núcleo de Estudos de Direito Financeiro e
Fiscal do Centro de Estudos Aplicados da Universidade Católica Portuguesa.
m DIREITO E JUSTIÇA

teórico: o de que a responsabilidade do sócio além da entrada (a chamada


responsabilidade pelas obrigações sociais) éuma garantia pessoal prestada
por terceiro (o sócio) que o vincula directamente para com os credores
sociais.
O estudo a que procedemos indica que o fosso assim cavado entre
os dois aspectos da responsabilidade dos sócios não corresponde ao
respectivo regimelegale, desde logo, da própria redacção do artigo 175.°,
n.° 1 está longe de se depreender um tal afastamento. Responsabilidade
“pelaentrada”,porumlado,eresponsabilidade “pelas obrigações sociais”,
por outro, acham comum enquadramento na responsabilidade pelas
perdas, como se verá.
Não obstante a similitude, ambos os aspectos da responsabilidade
do sócio em nome colectivo se diferenciam e autonomizam, tornando
possível um tratamento em grande medida — embora não total mente —
distinto.
Optámos, por isso, por pressupor o estudo da responsabilidade pela
entrada, excepto quanto aos aspectos em que ele directamente contende
com a responsabilidade “pelas obrigações sociais”. E fizémo-lo por duas
razões fundamentais: à uma, porque concordamos com a construção
dogmática corrente de tal responsabilidade; à outra, porque tem sido a
responsabilidade “pelas obrigações sociais” o centro de mais fundas e
graves hesitações, fruto, em grande medida, das tentativas de enquadrar
a responsabilidade do sócio em nome colectivo como uma garantia
pessoal à semelhança da fiança. É, assim, esta última que preferentemente
nos vai ocupar.

2. Sua estrutura

O entendimento da responsabilidade do sócio em nome colectivo


como uma garantia pessoal prestada por terceiro explica, em grande
medida, a estrutura do estudo que agora se publica.
Em primeiro lugar, impõe-se recortar o que resulta dos textos legais
vigentes acerca da responsabilidade do sócio em nome colectivo além da
entrada. Trata-se tarefa verdadeiramente indispensável em virtude de, a
nosso ver, aquele entendimento ter criado dificuldades interpretativas
relativamente às disposições legais pertinentes, tornando, por vezes,
difícil perceber o próprio significado originário dos textos. A essa tarefa
— a que, por essa mesma razão, não deixa de inerir a crítica do referido
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 173

entendimento e a busca de soluções alternativas — dedicamos o primeiro


capítulo que se divide em duas partes fundamentais: na primeira, visa-se
apreender o regime da responsabilidade do sócio tal como ele é, em geral,
descrito na lei; na segunda, analisam-se um por um os casos possíveis de
efectivação da responsabilidade do sócio em nome colectivo.
Só na posse dos elementos assim recolhidos estaremos em condições
de tentar identificar a natureza jurídica da responsabilidade do sócio e
indagar o modo pelo qual esta se articula com a personalidade jurídica da
sociedade, questão a que se dedica o segundo capítulo. Importa começar
por tentar surpreender a raiz última do entendimento da responsabilidade
do sócio em nome colectivo como uma garantia pessoal prestada por
terceiro e questionar nesse nível a sua validade. Em seguida, importará
reverificar a personalidade jurídica da sociedade, tema ao qual não
podemos fugir já porque a responsabilidade do sócio em nome colectivo
se conta entre os argumentos com base nos quais Guilherme Moreira
contestou a personalidade jurídica das sociedades deste tipo, já porque a
negação da personalidade jurídica da sociedade em nome colectivo traz
consigo a afirmação uma certa natureza e estrutura relativamente à
responsabilidade do sócio em nome colectivo.
Finalmente, porque a tanto obriga a rejeição de uma e outra,
dedicamos a última parte desse capítulo, à exposição da nossa opinião
sobre a questão.

CAPÍTULO I

A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO


PELAS OBRIGAÇÕES SOCIAIS

1. Razão de ordem

“Na sociedade em nome colectivo o sócio, além de responder


individualmente pela sua entrada, responde pelas obrigações sociais
subsidiariamente em relação à sociedade e solidariamente com os outros
sócios”. É assim que o Código das Sociedades Comerciais descreve a
responsabilidade do sócio em nome colectivo como elemento (ou
“característica”) do tipo legal da sociedade em nome colectivo.
174 DIREITO E JUSTIÇA

Já em sede introdutória ficou referido que iríamos seguir no presente


estudo a bipartição a que procede alei entre a responsabilidade pela entrada
e aquilo que ela refere como responsabilidade “pelas obrigações sociais”.
Ainda em relação a esta última, vamos seguir a sugestão da lei, a qual,
em dois lances sucessivos, afirma queo sócio responde subsidiariamente em
relação à sociedade e solidariamente com os outros sócios. Vamos, deste
modo, tentar desenvolver essas referências adverbiais da lei, tratando
sucessivamente da responsabilidade pelas obrigações sociais enquanto
subsidiária em relação à da sociedade e enquanto solidária com a dos outros
sócios. Concluiremos esta secção com uma sintética referência às
especialidades da responsabilidade do sócio de indústria.
A exposição do regime legal não estaria, porém, completa se não
olhássemos ao modo como se efeeli va a responsabilidade do sócio em nome
colecti vo. É o que tentamos fazer na segunda secção deste pri meiro capítulo.

2.0 âmbito da responsabilidade do sócio

Um problema se afigura, no entanto, prévio: o do âmbito da


responsabilidade do sócio. A lei trata-o como consistindo na questão de
saber por que obrigações sociais responde o sócio. Dispõe o artigo 175.°,
n.° 2 que o sócio não responde pelas obrigações sociais contraídas
posteriormente à data em que dela sair, mas responde pelas obrigações
contraídas anteriormente à data do seu ingresso.
Ultrapassou-se, assim, a redacção, de sabor histórico mas
injustificadamente restritiva, do artigo 153.° do Código Comercial. Na
verdade, este, literalmente, parecia limitar a responsabilidade solidária
dos sócios às obrigações resultantes de convenção assinada (c, portanto,
escrita) por sócio representante. Mas desde cedo se entendeu que não só
a obrigação não precisava de ser derivada de convenção escrita (podia-
o ser de convenção verbal, por exemplo), como não precisava esta de ser
concluída por sócio representante (podi a-o ser por u m gerente, auxiliar ou
caixeiro), como, finalmente, nem sequer era necessário que derivasse de
contrato ou, até, mais latamente, de negócio jurídico (podia derivar de
outra fonte das obrigações, nomeadamente de responsabilidade civil
extra-obrigacional — por facto ilícito ou pelo risco)1. Ponto era que fosse

1 Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, I, Lisboa, 1914,


pág. 343.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 175

uma obrigação social, ou seja, que vinculasse, com qualquer fundamento,


a própria sociedade.
Tal é a doutrina que se desprende do Código das Sociedades
Comerciais (art. 175.°, n.° 2) que, além disso, dá solução directa e
expressa a um problema que a não tinha no Código Comercial e que era
o de saber se o sócio admitido em data posterior ao nascimento da dívida
(o chamado sócio ulterior) respondia ou não “por ela”.
Perante o silêncio do Código Comercial, José Tavares defendeu a
responsabilização do sócio pelas obrigações nascidas antes do seu
ingresso na sociedade2. A solução — que ele fundava positivamente
apenas nos trabalhos preparatórios e no artigo 219.°, relativo às sociedades
cooperativas — viria a achar um elemento adicional de apoio no Código
Civil de 1966 (art. 997.°, n.° 4) e, mais ainda, no Decreto-Lei n.° 368/77,
de 15 de Setembro, que aproximou o regime da sociedade em nome
colectivo ao da sociedade civil.
Nem toda a doutrina concordava, porém, ao menos de jure
constiluendo, com a solução e isso vir-se-ia a reflectir nos trabalhos
preparatórios do Código das Sociedades Comerciais quesecaracterizaram,
neste aspecto, por uma certa hesitação.
Assim, no seu Ensaio de Anteprojecto, Fernando Olavo optava
decididamente pela não responsabilização (art. 1.°, n.° 2)3 mas o Projecto
de Código das Sociedades Comerciais fazia já alguma concessão ao
estabelecer que o sócio que ingressasse na sociedade por facto diferente
da transmissão da parte social não respondia pelas obrigações da sociedade
contraídas anteriormente à data do seu ingresso (art. 174.°, n.° 2, II)4.
Era uma solução de compromisso mas cujo sentido predominante
era o da exclusão dessa responsabilidade. Daí que se lesse na Nota
Preambular ao Projecto que era alteração digna de registo preceituar-se
que o sócio não respondia pelas dívidas contraídas anteriormente à data
em que tivesse entrado5.
Causa, pois, alguma perplexidade o facto de, na versão final do
Código das Sociedades Comerciais, se optar, sem qualquer justificação6,
por solução precisamente oposta à do Projecto.

1 Sociedades e Empresas Comerciais, 2' ed., Coimbra, 1924, págs. 529 e segs..
3 Cfr. BMJ n.° 179, pág. 15.
4 Cfr. BMJ n.° 327, pág. 149.
5 Cfr. n.° 4, al. c), BMJ n.° 327, pág. 47.
6 Cfr. relatório do Dec.-Lei n.° 262/86, de 2 de Setembro, n.° 18.
176 DIREITO E JUSTIÇA

De todo o modo, talvez mais do que a história do preceito, importa


explicar quer a alternativa responsabilizar-não responsabilizar, quer as
hesitações doutrinárias que, neste ponto, se notam.
E aqui topamos, pela primeira vez com um aspecto de construção
doutrinária a que dedicaremos o segundo capítulo do presente estudo e
que é a harmonização da responsabilidade do sócio com a personalidade
jurídica da sociedade. É corrente tentar fazer esta harmonização através
da figura da fiança (ou, pelo menos, de uma espécie de garantia pessoal,
ao lado da fiança)7. Ora, essa aproximação conduz à não responsabilização
do sócio em nome colectivo pelas dívidas nascidas antes do ingresso do
sócio na sociedade. Não sendo esta um corolário logicamente necessário
daquela construção é, sem dúvida, o regime que com ela melhor se
coaduna.
A fiança é um instituto regulado no Código Civil no pressuposto da
unidade da dívida e, por força do princípio da acessoriedade (arts. 627.°,
n.° 1 e2 e 634.° desse Código), o fiador nunca pode estar obrigado a mais
ou em condições mais onerosas do que aquelas que concretamente previu
ou podia com segurança ter previsto e querido. É isso que se desprende
do artigo 631.°, n.° 1 do Código Civil. Pretende-sc assegurar que nunca
o fiador seja surpreendido pelo montante ou onerosidade das condições
da dívida. Assim se harmonizam de forma inteiramente justa as
expectativas do fiador (em não ser obrigado senão nas condições em que
se quis obrigar) e do credor, que não pode legitimamente pretender ser
garantido pelo fiador para além daquilo que este aceitou garantir. E é tal
a força do princípio que o n.° 2 do artigo 631.° prevê a redução da fiança
aos precisos termos da dívida afiançada.

7Cfr., entrenós, por exemplo, Cunha Gonçalves, Comentário...,1 cit., págs. 207,
242 e Mário de Figueiredo, Direito Comercial, prelecções ao curso do 3.° ano jurídico
de 1935-36, recolhidas por J. Miranda, A.Vazc A.Quciró, Coimbra, 1937, pág. 118c nota
(2); J. G. Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, I, 3" ed., Lisboa, 1957, págs.200 e
segs. c III, fase. 1,2" ed., Lisboa, 1952, pág. 200; A. Ferrer Correia, Lições de Direito
Comercial, I, Coimbra, 1973, pág. 152 ell — Sociedades Comerciais. Doutrina Geral,
Coimbra, 1968, pág. 63; J. Pinto Furtado, Código Comercial Anotado,. I — Das
Sociedades Comerciais, I, reirnpr., Coimbra, 1986, págs. 135-136; A. Anselmo de
Castro, AcçãoExecutiva, Singular, Comum e Especial, 3‘cd., Coimbra, 1977, pág. 110,
Castro Mendes, Direito Civil. Teoria Geral, I, Lisboa, 1978, pág. 618, nota (1); Raul
Ventura, Sociedades Comerciais: Dissolução e Liquidação, II, Lisboa, 1960 págs. 91 e
92 c Comentário ao Código das Sociedades Comerciais. Dissolução e Liquidação de
sociedade, Coimbra, 1987, pág. 375.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 177

Ora, estas considerações são concretamente inservfveis à


responsabilidade do sócio em nome colectivo; esta tem de si própria um
âmbito genérico e imprevisível para o sócio. É esta distorção ao esquema
da fiança — e, está-se em crer, genericamente ao esquema da garantia
pessoal — que a doutrina pretende mitigar mediante a restrição da
responsabilidade do sócio pelas dívidas anteriores ao seu ingresso na
sociedade. Diz-se, então, que, como o credor não pode ter tido em vista
a garantia pessoal do sócio em nome colectivo ulterior, nem este conhecia
(ou controlava) os actos de que nasceram as dívidas sociais anteriores, o
sócio em nome colectivo não responde por elas8.
Mas nem mesmo esta restrição, derivada, como se vê, de argumentos
próprios do entendimento da responsabilidade do sócio como garantia
pessoal, a lei aceitou.

SECÇÃO I

AS CARACTERÍSTICAS DA RESPONSABILIDADE DO
SÓCIO EM NOME COLECTIVO

§1.°
A responsabilidade do sócio
como responsabilidade subsidiária

I. Evolução histórica do problema

1. Génese

Existe, como é sabido, uma certa divergência quanto à origem


histórica da sociedade em nome colectivo. Enquanto uns pretendem vê-
la na figura de origem germânica da Gemeinshaft zur gesamten Hand
(comunhão de mão comum ou colectiva), outros preferem vê-la como um
desenvolvimento simples e natural das sociedades familiares de merca-

8 Cfr. Fernando Olavo, «Sociedades em Nome Colectivo. Ensaio de Anteprojecto»,


í/iBMJ, n.° 179, pág. 16.
178 DIREITO E JUSTIÇA

dores do final da Idade Média, o que, como afirma Veiga Beirão9, é mais
provável, até pelos exemplos das primeiras sociedades em nome colecti vo
surgidas nessa época, que eram constituídas, primeiro que tudo, por
familiares ou afins.
E esta divergência quanto à origem histórica destas sociedades é
acompanhada por semelhante divergência ao nível do seu enquadramento
doutrinário, podendo dizer-se que surgiram e permanecem hoje em dia
fundamentalmente duas orientações: a primeira tende a caracterizá-las
<3
como pessoas jurídicas; a segunda tende a negar-lhes essa personalidade,
fazendo-se então sentir a influência da mão comum para as explicar. As
duas tendências permanecem lado a lado no direito comparado e, mesmo
dentro de cada sistema jurídico (desde logo, no nosso) ambas coexistem
ou podem coexistir como formas jurídicas correspondentes a diferentes
sociedades.
De qualquer forma, entre nós, pelo menos desde o Código Comercial
de 1888, predominou a primeira orientação e as leis deste século (o
Código Civil e o Código das Sociedades Comerciais) não inverteram,
como sucedeu em Itália com o Código Civil, essa tendência.*
Talvez não seja descabido lembrar que a personalidade jurídica das
sociedades em nome colectivo foi pela primeira vez atribuída a estas
sociedades pelosjuristas italianos do final da Idade Média. As contribu ições
dos sócios para sociedade foram consideradas como constituindo um
património distinto do dos sócios e, para marcar essa separação de
patrimónios, começaram esses juristas a afirmar que a sociedade formava,
ela própria, um corpus mysticum diferenciado das pessoas dos sócios10.
O carácter subsidiário da responsabilidade dos sócios é também
documentável no Direito Intermédio. Em Siena, a necessidade de prévia
excussão do património social, não prevista no Constituto de 1262, foi
introduzida em 1303 (Et.se li bem de la compagnia a la intera satisfatione
non bastassero, è quali la podeslà sia tenuto reducere a le sue mani et
invenire,pillinsilibenepropiideciscuno de 'compagni de lacompagnia)".
A Ordonnance francesa de 1673 chamava a estas sociedades,
“sociedades gerais” mas era também comum a designação de sociedades
’ Direito Comercial Português, Coimbra, 1912, págs. 64 No mesmo sentido, cfr.
José Tavares, Sociedades... cit., págs. 274 e segs..
10 Cfr., entre nós. Cunha Gonçalves, Comentário. I cit., págs. 232 e segs. e José
Tavares, Sociedades... cit., págs. 275 e segs..
“Cfr.,F.GALGANO,«L’iniziativadeldcbitorenc]fallimentodcllesocietàpersonali»,
inRiv. Dir. Civ., V, P. I, págs. 289 e segs. e, especialmente, pág. 327 c nota (141).
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 179

“ordinárias” ou “livres”. Foram Pothier e Savary que estiveram na


origem da sua actual designação (por intermédio do Code de Commerce),
ao afirmar que as associações exerciam o comércio “sob nome colecli vo”.
No entanto, no mesmo Código, a subsidiariedade desaparecia em face do
artigo 22, que declarava todos os associados indefinida e solidariamente
obrigados com os seus bens ao pagamento dp passivo social.

2. O Código Comercial de 1833

O Código Comercial de 1833 (Fcrreira Borges) chamava-lhes


“sociedades com firma” (2a secção do tít. XII — “associações mercantis”
—do livro II—“Das obrigações sociais”), abrangendo nelas as chamadas
“sociedades de capital e indústria” (arts. 562.° e 563.°).
Nos seus termos, “a sociedade em geral é um contrato, pelo qual
duas ou mais pessoas se unem pondo em comum bens ou indústria, com
o fim de lucrar em todas ou algumas das espécies das operações mercantis
e com o ânimo positivo de se obrigar pcssoalmente como sócios e
voluntariamente. Quando os sócios convencionam comerciar debaixo de
uma firma que abrace a collecção dos respeclivos nomes, esta sociedade
chama-se ordinária ou em nome collcctivo ou com firma. Mas desta só
podem fazer parte os nomes dos sócios, ou alguns, ou só um deles
contanto que contenha a fórmula — e companhia.
Todos e cada um destes sócios da firma d’esta sociedade responde
solidariamente por todas e quaisquer convenções da sociedade, posto que
só um deles assignasse, uma vez que que assigne com a firma social,
salvas as restições adiante legisladas12.
Todo o sócio mercantil é solidariamente obrigado pelos contratos
sociais. Todas as vezes que a convenção entre os associados limita a sua
responsabilidade social para com terceiros, o contrato deixa de ser
contrato de sócio e torna-se parceria ou outro segundo as circunstâncias”
(art. 663.°).
Estas disposições ainda prolongavam a antiga maneira de ver as
sociedades em nome colectivo: punham o acento tónico na firma como
característica da sociedade e obrigavam pessoal e sol idariamente todos os
sócios pelas obrigações sociais.

12 Arts. 547.° a 549.°. Cfr. ainda o art. 558.°, que estabelecia regime idêntico para
os sócios capitalistas da sociedade de capital e indústria.
180 DIREITO E JUSTIÇA

Veiga Beirão, por um lado, criticaria a denominação da sociedade


(no que seria acompanhado por outros Autores) por entender que “o
critério fundamental da constituição desta sociedade não é a firma, que
é comum a mais sociedades comerciais, mas a responsabilidade solidária
e ilimitada dos sócios”13; por outro lado, introduziria no seu projecto de
Código Comercial a disposição que viria a constituir o § l.° do artigo
153.°, que analisaremos em momento oportuno.

3. O Código Civil de 1867

Na nossa evolução legislativa, o marco seguinte seria o Código Civil


de 1867 que, entre as disposições relativas às sociedades, incluía as
seguintes:
“Os sócios não são obrigados solidários pelas dívidas da sociedade,
nem além da sua parte no fundo social excepto havendo convenção
expressa em contrário” (art. 1272.°).
“Os sócios são responsáveis para com os seus credores por quotas
proporcionais às suas respectivas partes na sociedade, excepto havendo
convenção em contrário” (art. 1273.°).
Os textos legais não eram, como é bom de ver-se, totalmente claros.
Desde logo, ficava a dúvida de saber se os sócios eram responsáveis
“além da sua parte no fundo social” ou se, afinal, a sua responsabilidade era
limitada ao valor desta tal como nas sociedades anónimas, por exemplo.
No entanto, viria a entender-se que, da conjugação de ambos os
preceitos resultava que os sócios da sociedade civil respondiam além da
respectiva entrada, pelas dívidas sociais; mas, em vez de serem
solidariamente responsáveis, seriam apenas responsáveis por quotas
proporcionais às suas partes14.
Uma outra dúvida que se levantou foi a de saber se os credores sociais
podiam penhorar os bens particulares sem excutirem, antes, os bens da
sociedade. A essa questão respondia-se pela negativa: só pelo saldo que
ficasse após aexcussão dos bens sociaisé queos sócios seriam responsáveis15.

13 Direito Comercial Português cit., págs. 63 e segs..


14 Cfr., por exemplo, Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, VII, Coimbra,
1933, n.° 987, págs. 299 e segs.. Quanto ao último aspecto, cfr. Dias Ferreira, Codigo
Civil Portuguez Annotado, II, 2* ed., Coimbra, 1895, pág. 494-495.
13 Cfr. José Tavares, Sociedades... cit., pág. 200, Cunha Gonçalves, Tratado..., VII
ciL, n.° 988, pág. 301.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 181

A responsabilidade do sócio da sociedade civil particular, na vigência


do Código de Seabra era, por isso, semelhante à responsabilidade do
sócio em nome colectivo no domínio do Código Comercial de 1888,
como se irá ver, à exccpção do seguinte aspecto: enquanto, na sociedade
em nome colectivo, os credores sociais podiam exigir a totalidade do
saldo de qualquer dos sócios, na sociedade civil particular, cada sócio só
era responsável por parte desse saldo, proporcional à sua entrada. Numa
palavra, a responsabilidade subsidiária16 era num caso solidária e no outro
conjunta ou parciária17, de acordo, aliás, com o âmbito da solidariedade
passiva no Direito Comercial e no Direito Civil.

4. O Código Comercial de 1888

O Código Comercial de 1888 caracterizava a sociedade em nome


colectivo pela “responsabilidade solidária e ilimitada de todos os asso­
ciados” (art. 105.°, § l.°)Eno artigo 153.° dispunha: “cada sócio respon­
derá solidariamente por todas as convenções sociais, posto que só um
deles assinasse, uma vez que o houvesse feito com a firma social e para
isso, tivesse poderes”. Mas o § 1.° esclarecia que “os credores, porém, de
uma sociedade em nome colectivo não serão recebidos a fazer-se pagar
pelos bens particulares dos sócios enquanto se não achar excutido o
capital social”.
A doutrina posterior viria a corrigir a deficiente utilização da noção
de sol idariedade, enquanto aplicada à relação intercedente entre a responsa­
bilidade da sociedade e a dos sócios. Veio, assim, a afirmar-se que, não
obstante a expressão legal, se não tratava aí de verdadeira ou própria
solidariedade, de solidariedade em sentido técnico-jurídico, mas sim de
subsidiariedade”.

16 Essa a expressão que então foi utilizada para a caracterizar. Cfr., por exemplo,
José Tavares, Sociedades... cit., pág. 200 e Cunha Gonçalves, Tratado..., VII ciL, n.°
988, pág. 301.
17 Embora se admitisse convenção em contrário.
11 Cfr. JoséTavares, Sociedades... cit., n.° 30, págs. 273 e segs.; Cunha Gonçalves,
Tratado..., VII cit., n.° 988, págs.301, quanto às sociedades civis, e Comentário..., I cit,
n.° 111, págs. 207 e segs., quanto às sociedades em nome colectivo; Jaime de Gouveia,
Da responsabilidade contratual, Lisboa, 1933, pág. 326 e Das Obrigações, Lisboa, pág.
153 e segs.; Pires de Lima-Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, I,
Coimbra, pág. 434 e nota (1); Raul Ventura, Sociedades Comerciais: dissolução e
liquidação, II, Lisboa, 1960, págs. 98 e segs..
182 DIREITO E JUSTIÇA

José Tavares expunha com clareza o entendimento geral: “quando


se diz que nestas sociedades os sócios são solidária e ilimitadamente
responsáveis pelas obrigações sociais quer-se significar apenas que os
sócios são subsidiàriamenie responsáveis pelas obrigações da sociedade
e que nessa responsabilidade subsidiária é que os sócios estão ligados por
um vínculo de solidariedade que abrange todos os seus bens.
A responsabilidade pessoal dos sócios só aparece quando a sociedade
já não tem no seu património bens suficientes para pagamento das suas
dívidas. E por isso é necessário, para que os credores sociais possam
demandar pessoalmente os sócios, que eles provem, mediante completa
excussão do património social, não haver no património social bens
suficientes para se fazerem pagar. Quando façam essa prova podem então
exigir o pagamento integral ou a parte que fal lar a qualquer dos sócios”l9.

5.0 Código de Processo Civil de 1939

O Código de Processo Civil de 1939 dispunha, no seu artigo 825.°:


“Na execução movida contra a sociedade não podem penhorar-se Os
bens particulares dos sócios, quando estejam sujeitos ao pagamento da
dívida, senão depois de excutidos todos os bens sociais”.
Tal preceito achava-se claramente em correspondência com o § 1.°
do artigo 153.° do Código Comercial e, como tal, era claramente aplicável
às sociedades em nome colectivo e às sociedades em comandita (quanto
aos sócios comanditados).
Mas já não era claro se se aplicava ainda a outras sociedades,
noemadamente às sociedades irregulares (ou às sociedades por quotas
não registadas)20, assim como às sociedades civis. Quanto a estas últimas,
em relação às quais o problema mais nos interessa, vinham a suscitar-se
aqui, uma vez mais, as dúvidas sobre o regime previsto no Código de
Seabra quanto à responsabilidade do sócio. Uma vez admitido, com
19 Ob. e loc. cits. na nota anterior. Ver ainda a lúcida exposição de Barbosa de
Magalhães, Direito Comercial Português, lições esc. por José Lourenço Jr., Lisboa,
1936, págs. 277 e segs.. Deve ainda anotar-se a jurisprudência, pacífica durante longos
anos, no sentido de que a responsabilidade do sócio só se podia efectivar quando a
sociedade jã não tem, no seu património, bens suficientes para pagamento das suas
dívidas; caso assim se não fizesse haveria ilegitimidade das partes. Cfr. Gaz. da Rei. de
Lisboa, ano 43.°, pág. 140.
20 Claro que só podia defender-se tal opinião na medida em que se entendesse que
o Código de Processo tinha alterado a lei substantiva anterior.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 183

Cunha Gonçalves, que o regime, em termos de subsidiariedade, era


idêntico ao da responsabilidade do sócio em nome colectivo, é evidente
que idêntica seria também a forma processual de a efectivar, pelo que o
artigo 825.°, acima transcrito, também se lhe aplicaria. E a evolução
legislativa viria a confirmar esse entendimento, na medida em que a
alteração do regi me subst anti vo da responsabi lidade do sócio na sociedade
civil (operada pelo Código de 1966) viria a ter como consequência a
alteração correspondente da disposição que, no Código de Processo de
1961, sucedeu ao artigo 825.°.

6. O Código de Processo Civil de 1961

No Código de Processo Civil de 1961, o preceito correspondente


àquele que acabamos de analisar (o art. 826.°, n.° 1) passaria a dispor:
“Na execução movida contra a sociedade e o sócio como tal
responsável, não podem penhorar-se os bens particulares dos sócios,
quando estejam sujeitos ao pagamento da dívida, senão depois de
excutidos todos os bens sociais21.”
Alterava-se, assim, a primeira parte da disposição—como se irá ver
melhor adiante — mas deixava-se intacto o aspecto do funcionamento
processual da subsidiariedade tal como decorria das leis substantivas.

7. A reforma de 1966

Aconteceu, porém, queo Código Civil de 1966, sob directa influência


do Direito italiano, veio alterar profundamente os princípios do Código
de Seabra referentes à responsabilidade do sócio da sociedade civil22, ao
dispor, no artigo 997.° que “pelas dívidas sociais respondem a sociedade
e, pessoal e solidar iamente, os sócios” (n.° 1). “Porém, o sócio demandado
para pagamento dos débitos da sociedade pode exigir a prévia excussão
do património social” (n.° 2).
Duas foram as alterações que importa agora salientar.
Em primeiro lugar, em vez de se manter a subsidiariedade com o
significado que era tradicional entre nós, substituiu-se-lhe uma acesso-

21 O sublinhado é nosso.
22 Pires de Lima-Antunes Varela, Código Civil Anotado, n, 3.° ed., Coimbra,
1986, pág. 331.
184 DIREITO E JUSTIÇA

riedade, semelhante à da fiança e traduzida no “benefício da prévia


excussão”. A responsabilidade dos sócios, escrevem Pires de Lima e
Antunes Varela, embora pessoal e solidária, não deixa de ser subsidiária23,
pois é facultado ao sócio demandado a préviaexcussão do património social.
E acrescentam, em consonância com o que haviam defendido relativamente
à legislação anterior: “a solidariedade não funciona, pois, plenamcnte, aliás
comoresultajá,eem termos maisexigentes, do § l.° do artigo l.° do Código
Comercial, em relação às sociedades em nome colectivo”24.
Em segundo lugar, estabelece-se a solidariedade entre os sócios, ao
arrepio da orientação do Código de Seabra e em excepção à regra geral
da conjunção ou parciariedade passiva estabelecida nos artigos 513.° e
535 ° do Código Civil25.
Estes aspectos têm um interesse mais do que puramente sistemático
de confronto entre o regime da sociedade civil e o da sociedade cm nome
colectivo. É que, por força do Decreto-Lei n.° 47.690, de 11 de Maio de
1967, que adaptou o Código de Processo Civil ao novo Código Civil, foi
alterada a redacção do artigo 826.°, n.° 1 do primeiro, que passou a dispor:
“Na execução movida contra a sociedade e o sócio como tal
responsável, não podem penhorar-se os bens particulares dos sócios,
quando estejam sujeitos ao pagamento da dívida, senão depois deexcutidos
todos os bens sociais, se o sócio exigir a prévia excussão deles”26.
A alteração justificava-se perfeitamente desde que o preceito era
aplicável às sociedades civis e, nestas, a excussão dos bens sociais deixou
de se impor aos credores sem necessidade de invocação dos sócios para
passar a ser um benefício de uso facultativo, de que estes podem usar ou
não perante a demanda do credor social.
Mas veio a suceder, um tanto inexplicavelmente, que, sendo o
mesmo artigo de lei aplicável às sociedades civis e as sociedades em
nome colectivo, houve quem viesse a defender a total equiparação de
regimes entre umas e outras27.

23 Sobre a qualificação desta responsabilidade como subsidiária, cfr. infra.


24 Código..., II cit., pág. 332.
25 Que, entretanto, no domínio das associações sem personalidade jurídica, seria
parcialmente mantida (cfr. art. 198.°, n.° 1, in fine e 2, in fine).
26 O sublinhado é nosso.
27 Cfr., por exemplo, Pinto Furtado, Das Sociedades..., I cit., págs. 37 e segs.;
também pressupõe semelhante equiparação e fala indistintamente em benefício de
excussão J. Lebre de Freitas, Direito Processual Civil II (Acção Executiva), 3* ed.,
Lisboa, s.d., págs. 135 e segs..

—— 1
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 185

Tal solução pressupunha que o referido Decreto-Lei tinha revogado


o § l.° do artigo 153.° do Código Comercial: o novo regime do Código
de Processo teria vindo a substituir o regime do Código Comercial pelo
do Código Civil, que, deste modo, vigorava desde 1967, quer para as
sociedades civis, quer para as sociedades comerciais (em nome colectivo
e em comandita).
A verdade, porém, é que isto era insustentável. O citado Decreto-Lei
visava apenas adaptar o Código de Processo ao novo regime susbstantivo
estabelecido para as sociedades civis e não alterar o regime substantivo das
sociedades comerciais. Daí que o não tenha feito, nem expressa, nem
tacitamente (o que pressuporia que a uniformidade de regime entre as
sociedades civis e as sociedades em nome colecti vo é necessária e não o é)28.
Somos, por isso, da opinião de que o § l.° do Código Comercial se
encontrava em vigor à data da publicação do Código das Sociedades
Comerciais: a excussão prévia dos bens sociais não era um benefício que o
sócio podia ou não exercer. Era algo que se impunha ao credor para poder
agir am face daquele e que lhe competia, nos termos gerais, alegar e provar.

8. O Código das Sociedades Comerciais

Pode perguntar-se qual éo interesse destes problemas interpretativos


da lei revogada se temos uma nova lei.
É que a nova lei, embora, a nosso ver, clara, não o é excessivamente
neste particular aspecto.
O artigo 175.° do Código das Sociedades Comerciais limita-se a
dizer, muito singelamentc, que o sócio responde pelas obrigações sociais
subsidiariamente em relação à sociedade e solidariamente com os outros
sócios. Ora, esta disposição, assim, singela, é suficientemente clara no
sentido de que o sócio só responde pelas obrigações sociais após a
completa excussão do património social. Não houve, por isso, alteração
do regime constante do § l.° do artigo 153.° do Código Comercial e, na
interpretação correcta, do artigo 826.°, n.° 1, na parte aplicável, do
Código de Processo Civil29.

21 Não existe, desde logo, no Direito Italiano, sob cuja influência se alterou o Código
Civil.
25 Neste sentido, cfr. Raul Ventura, Comentário ao Código das Sociedades
Comerciais. Sociedades por quotas, I, Coimbra, 2* ed„ Coimbra, 1989, púg. 66 e
Dissolução... cit., pág. 374.
186 DIREITO E JUSTIÇA

Isto significa que o credor não pode demandar o sócio em nome


colectivo antes de excutido o património da sociedade. E essa prévia
excussão não é, ainda hoje, um benefício que o sócio tenha de invocar; é
algo que se impõe ao credor social e sem o qual ele “não será recebido a
fazer-se pagar pelos bens particulares dos sócios”, como dizia o Código
Comercial. Tal é o que a lei singelamente exprime com a declaração de
que o sócio responde subsidiariamente.
Éoqueseconcluidumacuidadosainterpretaçãoda actual legislação.
Desde logo, cumpre salientar a dl ferença gritante entre as disposições
legais que se referem à responsabilidade do sócio cm nome colectivo e à
do sócio civil. Assim, nos preceitos relativos às sociedades está, de todo
ausente a expressão “subsidiariedade”. Em vez disso, no n.° 1 do artigo
997.° do Código Civil, estabelece-seque pelas dívidas sociais respondem
a sociedade e, pessoal e solidariamente, os sócios. E, no n.° 2 do mesmo
artigo, prevê-se muito claramente (e, pois, expressamente se admite) a
possibilidade de o credor social demandar o sócio antes de excutidos qs
bens sociais, conferindo-se, no entanto, a este a possibilidade de recusar
o pagamento dos débitos sociais antes daquela excussão. Tudo isto está,
por seu turno, completamente ausente do Código das Sociedades
Comerciais.
Acrescem a estes aspectos, argumentos interpretati vos retirados do
próprio Código das Sociedades Comerciais. Várias vezes, na verdade,
esse Código opõe subsidiariedadeasolidariedade para exprimir adiferença
que existe entre, por um lado, a situação em que uma pessoa só pode ser
demandada depois de se verificar não ter sido suficiente a efeclivação de
uma certa responsabilidade e que, como tal, supõe a inexistência, pelo
menos antes disso, de qualquer vínculo entre o titular acti vo e o responsável
subsidiário e, por outro lado, a situação em que uma pessoa está, desde
logo, obrigada perante o titular activo e que, a acontecer em relação ao
sócio, o tornaria um co-obrigado ou co-responsável, ainda que acessório,
com a sociedade (à semelhança do que acontece na fiança). Estão, entre
esses preceitos, além, evidentemente, do n.° 1 do artigo 175.° (que
também opõe subsidiariedade e solidariedade), os artigos 179.° e 198.°,
n.° 1, in fine.
Em terceiro lugar — como se verá com mais detalhe adiante — o
sentido que julgamos ter a referência legal à subsidiariedade é ainda,
neste aspecto, correspondente a outra utilização que a lei faz do vocábulo
em matéria de responsabilidade. Estamos a pensar no artigo 1696.° do
Código Civil.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 187

E, finalmente, acresce a isto tudo um argumento histórico: é que o n.°


1 do artigo 175.° provém do n.° 1 do artigo 174.°doProjecto30eeste,porsua
vez, reproduziu quase ipsis verbis o n.° 1 do artigo l.° do Ensaio de
Anteprojecto de Fernando Olavo onde se aponta, como suas fontes, os
artigos 153.° do Código Comercial e 826.° do Código de Processo Civil31.
Assentamos, pois, em que, quando a lei estabelece que o sócio cm
nome colectivo responde pelas obrigações sociais subsidiariamente em
relação à sociedade não pretende alterar aquilo que se estabelecia no
Código Comercial ou seja, que os credores sociais não serão recebidos a
fazer-se pagar pelos bens particulares do sócio enquanto se não achar
excutido o património social. Antes dessa excussão, que, dir-se-ia, se lhe
impõe automaticamentee não por efeito do exercício de um benefício que
caiba ao sócio, o credor não pode demandar o sócio32.
O regime da responsabilidade do sócio em nome colectivo é, assim,
diferente daquele a que está submetida responsabilidade do sócio da
sociedade civil, o qual, neste aspecto, ésemelhante ao da responsabilidade
do fiador.
Sem prejuízo de ulterior desenvolvimento, indique-se desde já em
que consiste essa diferença. Em todos estes casos se fala, e em idêntico
sentido, em excussão prévia dos bens sociais ou do devedor. Nesse
aspecto nenhuma diferença existe. Todavia, enquanto para o sócio civil
(assim como para o fiador) a excussão prévia dos bens sociais ou dos bens
do devedor) constitui um beneficio, um direito que assiste ao responsável
e que este e só este pode exercer ou não, para o sócio em nome colectivo
não o é; é, digamos assim, mais do que isso.
É este um aspecto de fundamental importância mas que, bem vistas
as coisas, se reduz a uma questão de regime legalmentc estabelecido. A
sua importância vê-se, de resto, nisto: é que, ao contrário do que sucede
na fiança e na sociedade civil, nenhum direito susceptível de exercício
pelos credores sociais se descobre antes da excussão ou esgotamento do
património social.
“Cfr. BMJ, n.° 327, pág. 149.
31 Cfr.BMJ, n.° 179, pág. 15.
33 Nesse sentido pode invocar-se o n.° 18 do relatório do diploma que aprovou o
Código das Sociedades Comerciais, o qual inicia pela afirmação de que o regime
estabelecido no Código não se afasta grandemente doconsagrado no Código Comercial,
tendo em conta as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.° 363/77, de 2 de Setembro. Cfr.
ainda, no mesmo sentido, L. BritoCorreia, Direito Comercial,2°,Sociedades Comerciais,
Lisboa, 1989, págs. 231-232 e 301 apesar de, neste último local, o Autor se referir ao
privilégio de excussão.
188 DIREITO E JUSTIÇA

Situando um pouco mais a diferença, que, em face das dúvidas


surgidas no domínio da legislação anterior, nunca é demais repetir, dir-
se-ia que a excussão prévia é, nos casos da sociedade civil e da fiança, um
poder que inere ou compõe o vínculo jurídico que, ab initio, liga o sócio
ou o fiador ao credor e que lhe confere uma certa acessoriedade; no caso
dos sócios em nome colectivo, a excussão ou esgotamento do património
social é um pressuposto do direito que o credor exerce em relação ao sócio
no sentido de que este direito não pode ser exercido pelo credor sem
prévia excussão ou esgotamento dos bens da sociedade.
Não deixa de ser expressivo dizer, com Brunetti, que, enquanto ali
a excussão prévia é um contra-direito do fiador, aqui constitui uma
conditio juris do direito do credor33. Oportunamente se analisará melhor
esta doutrina porque ela contende com a parle final do nosso estudo,
relativa à harmonização dogmática da responsabilidade subsidiária do
sócio com a personalidade jurídica da sociedade. Por agora, pretendemos
apenas deixar claro o sentido da expressão “responsabilidade subsidiária”,
enquanto aplicada ao sócio cm nome colectivo, o qual podemos
comodamente fazer dizendo que tal expressão não altera, antes resume,
o regime constante do § l.° do artigo 153.° do Código Comercial.
As confusões surgidas no domínio da legislação anterior, menos da
interpretação atenta das disposições legais do que das implicações
dogmáticas da construção da responsabilidadedo sócio em nomecolectivo
como uma fiança à sociedade34 (e ainda da aproximação, que nada
legitimava, ao regime constante do n.° do artigo 997.° do Código Civil),
devem, por isso, ter-se por superadas e no melhor sentido35.

9. Breve nota de Direito Comparado

O regime da responsabilidade do sócio em nome colectivo tal como


o julgamos encontrar no Código das Sociedades Comerciais é semelhante

33 Traltato dei Diritto delle Società. Parte Generale — Società Personali, Milão,
1946, n.° 304, págs. 517 e segs. Cfr. ainda jurisprudência referida em G. Pescatore-C.
Ruperto, Códice Civile, Milão, 1978, pág. 2348.
34 Basta ver a exposição, neste aspecto paradigmática, de Pinto Furtado, Das
Sociedades..., I ciL, pág. 37 c segs..
35 Não podemos deixar de anotar que, na esperada reforma do Código de Processo
Civil não se prevê a alteração dos dados legislativos pois o art. 677.° do Anteprojecto
mantém ipsis verbis a disposição do artigo 826.°, n.° 1 do actual Código. Cfr. Código de
Processo Civil (Anteprojecto), Lisboa, 1988, pág. 285.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 189

ao adoptado na generalidade dos países latinos nomeadamente no Brasil


(art. 350.° do Código Comercial), em Espanha (art. 237.° do Código de
Comércio), em Itália (art. 2304.° do Código Civil) e na Argentina (art.
443.° do Código de Comércio)36.
Interessa-nos, de modo especial, o caso italiano, já pela grande
atenção dada pela doutrina italiana a este ponto, já pela semelhança entre
os regimes estabelecidos, já pela iniluência que teve nas últimas alterações
legislativas portuguesas (por exemplo, em matéria de sociedades civis,
no nosso Código Civil).
O artigo 106.° do Código de Comércio dispunha que os sócios em
nome colectivo eram obrigados solidariamente (in sollido) pelas operações
feitas em nome e por conta da sociedade sob a firma social usada pelas
pessoas autorizadas à administração. Todavia, acresentava, os credores
da sociedade não podem pretender o pagamento de cada um dos sócios
antes de terem exercido a acção contra a sociedade.
A doutrina posterior criticaria esta disposição legal e Vivante diria
dela que se tratava de “uma fórmula descolorida e ambígua na qual se
adivinhavam todas as vacilações da doutrina francesa de que foi tomada”37.
E, de um modo geral, viria a fechar os olhos à expressão legal para
defender que os credores sociais apenas se poderiam dirigir aos sócios
depois de haverem exercido infrutiferamente acção judicial (tanto
declarativa como executiva) contra a sociedade38, orientação que se
manteria no Código Civil, cujo artigo 2304 dispõe que os credores
sociais, ainda que a sociedade esteja em liquidação não podem exigir
(pretendere)o pagamento dos sócios, individualmcntefí/rn singolisocii),
se não após a excussão do património social.
Diversamente se passam as coisas, quer em França, quer na Alemanha.
Na verdade, a nova Lei das Sociedades Comerciais francesa exige
apenas, para que o credor social possa demandar o sócio em nome
colectivo, que coloque a sociedade em mora por interpelação ou outro
acto (art. 10.°, n.° 2), com o que veio consagrar uma jurisprudência firme
e criativa da Courde Cassation, atenuando o rigor do artigo 22 do Código

36 Cfr. Solà CaNizares, Tratado de Derccho Comercial Comparado, III, Barce­


lona, 1963, págs. 127 e segs.. Semelhante mas não idêntico é ainda o regime vigente na
Suiça (art. 568.° do Código das Obrigações).
31 Tratatto di diritto comerciale, II, 5’ ed., Turim, 1923, n.° 389, pág. 122.
31 Era, segundo Vivante, a opinião quase concorde da doutrina. Cfr. Tratatto..., II
cit., pág. 123, nota (24), com indicação bibl. coeva.
190 DIREITO E JUSTIÇA

deComércio, ao declarartodosos associadosem nomecolec ti vo solidários


nas obrigações (engagements) da sociedade39.
Na Alemanha, os sócios respondem pessoal mente como devedores
solidários em face dos credores sociais, sendo nulo o pacto em contrário
(§ 128 do Código Comercial)40.

II. A exigência de esgotamento dos bens sociais como conteúdo próprio


da subsidiariedade

Já por diversas vezes falámos em “excussão”, “esgotamento” e


“exaurimento” dos bens sociais ou do património social sem, todavia,
termos tido o cuidado de precisar tais expressões e de as conjugar, entre
si ecomo carácter subsidiário que alei aponta à responsabilidade do sócio
em nome colectivo.
O Código Comercial dispunha que os credores de uma sociedade em
nome colectivo não seriam recebidos a fazer-se pagar pelos bens
particulares dos sócios enquanto se não achasse excutido o capital social.
O Código das Sociedades Comerciais omitiu esta precisão para selimitar
a afirmar que o sócio responde pelas obrigações soei ais subsidiariamente
em relação à sociedade. Esse diferente modo de dizer, pelas razões atrás
expostas, não trouxe consigo nenhuma alteração do regime da
responsabilidade do sócio em nome colectivo.
Mas teve, sem dúvida, alguma justificação, a que importa agora
atender.
O que é verdadeiramente essencial à responsabilidade do sócio em
nome colectivo, tal como existe no Direito portugês, é que ela só pode ser
efectivadaapóso exaurimento dos benssociaisou seja, numa situaçãoem

” Escarra-Escarra-Rault, Traité Théoríque et Pratique de Droit Coniiiiercial.


Les Societés Commerciales, I, Paris, 1950, n.° 244; Ripert, Traité Élémentaire de Droit
Commercial, 12* ed., por René Roblot, Paris, 1986, n.° 832, pág. 610; Hémard-Terré
Mabilat, Societés Commerciales, I, Paris, 1972, págs. 222 e segs..
40 E em outros pontos fundamentais se aparta o Direito alemão do português nesta
matéria, sendo de salientar que a personalidade jurídica c quase unanimemente negada
pela doutrina às sociedades de pessoas e, à cabeça, às sociedades em nome colectivo. É
o chamado sistema dualista de reconhecimento das sociedades comerciais, ao qual viria
a aderir adoutrina italiana, sobretudo após o Código Civil que só reconhece expressamente
personalidade jurídica a algumas sociedades. Neste aspecto e como se verá melhor
adiante, seguimos o sistema francês que reconhece personalidade jurídica a todas as
sociedades.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 191

que sociedade tenha ainda dívidas mas j á não encontre, no seu patri mónio,
bens com que as possa cumprir.
Por outra palavras: a efectivação da responsabilidade subsidiária,
no seu significado mais profundo, exige apenas que a sociedade não ache,
no seu património, qualquer bem para satisfazer os seus compromissos41.
Tal situação pode verificar-se, sem dúvida, por efeito de uma
execuçãojudicial total ou parcialmenteinfrutíferaenãoé isso senão oque
se designa por excussão dos bens ou património social. A completa
excussão dos bens sociais (do latim excussere, despojar) corresponde ao
esgotamento destes através do processo executivo e implica, por isso, a
penhora e subsquente venda judicial ou adjudicação de todos os bens
sociais. Neste aspecto42, o significado fundamental da expressão
“excussão” (ainda hoje usada pelo artigo 826.° do Código de Processo
Civil) corresponde àquele que lhe é atribuído, no âmbito da fiança, pelos
artigos 638.° e seguintes do Código Civil e, no âmbito das sociedades
civis, pelo n.° 2 do artigo 997.° do mesmo Código.
No entanto, não há dúvida de que a lei pode não exigir que a falta de
bens sociais para suportar as dívidas da sociedade seja verificada por uma
execução infrutífera de bens e assim sucede na liquidação da sociedade
(excepto em caso de falência desta). Então não cabe, por assim dizer, falar
em “excussão” dos bens sociais mas no seu exaurimento ou esgotamento
já que o liquidatário não está a executar a sociedade; o que aí sucede é que
a efectivação da responsabilidade do sócio depende de já ter sido
efectuado o pagamento aos credores e materialmente nada mais restar
para satisfazer as dívidas remanescentes43.
Estamos agora cm condições de compreender qual o motivo que se
pode assinalar à substituição do § 1.° do artigo 153.° do Código Comercial

41 Poderia falar-se em “falta ou insuficiência dos bens sociais” como a lei faz
noutros lugares, de algum modo paralelos, se esta expressão não fosse perigosamente
equívoca. É que, nesse âmbito, a insuficiência é uma falta parcial e, por outro lado,
importa deixar claro que não basta a mera insuficiência verificada, digamos assim, ab
initio para que o sócio seja responsabilizado, sendo necessário o efectivo exaurimento do
património social, geralmente cm execução (singular ou universal) da própria sociedade.
Dessa forma, apenas a falta de bens sociais (maior ou menor) pode justificar a efectivação
da responsabilidade do sócio.
42 E não já, como já se referiu, no modo como ela se apresenta, pois no caso da
sociedade civil c da fiança ela representa um direito do sócio ou do fiador, enquanto que
na sociedade em nome colectivo se impõe automaticamente.
4J Cfr. neste sentido, embora com a divergência adiante referida, Raul Ventura,
Dissolução...cit., pág. 365.
192 DIREITO E JUSTIÇA

pelo aparentemente magro 175.° do Código das Sociedades Comerciais.


É que a primeira disposição, sendo expressiva, era não propriamente
incorrecta mas parcial: definia a subsidiariedade, sim, mas em termos que
rigorosamente apenas eram aplicáveis à efectivação da responsabilidade
do sócio antes da liquidação da sociedade ou então na liquidação em
virtude da falência. Nesses dois casos, a subsidiariedade traduz-se na
necessidade da excussão dos bens sociais ou seja, na necessidade de uma
execução (judicial) mediante a qual se esgote todo o património social.
Já assim não é na efectivação da responsabilidade do sócio no âmbito da
liquidação fora do caso de falência muito embora, como adiante se verá,
se mantenha aí a subsidiariedade no sentido de que apenas pode efectivar-
se tal responsabilidade após o esgotamento do activo social e para suprir
a insuficiência deste.
Daí que, e muito bem, tenha permanecido o n.° 1 do artigo 826.° (na
parte aplicável), lado a lado com os artigos 195.°, n.° 2 do Código das
Sociedades Comerciais e 1295.° e seguintes do Código de Processo Civil
e se tenha incluído, para designar a característica ou elemento do tipo
legal de sociedade em nome colectivo uma expressão que a todos
singelamente resume: o sócio responde subsidiariamente em relação à
sociedade. Todos aqueles preceitos concretizam o conteúdo da
subsidiariedade (ou seja, a exigência do esgotamento ou exaurimento do
património social) para os específicos casos em que regem.

§2.°
A responsabilidade do sócio
como responsabilidade solidária

1. Sentido geral

O n.° 1 do artigo 175.° dispõe ainda que o sócio em nome colectivo


responde pelas obrigações sociais solidariamente com os outros sócios.
Tal significa que, uma vez esgotado o património social, o montante
correspondente ao saldo total dos débitos sociais pode ser exigido a cada
um dos sócios sem que a este seja lícito opor que a dívida que tem aquele
montante por objecto lhe não pertence por inteiro.

J
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 193

2. O direito de regresso

O n.° 3 do mesmo artigo acrescenta que o sócio que assim satisfizer


obrigações da sociedade tem direito de regresso contra os outros sócios,
na medida em que o pagamento efectuado exceda a importância que lhe
caberia suportar segundo as regras aplicáveis à sua participação nas
perdas.
A cl areza do preceito torna dispensáveis grandes desenvol vimentos.
No entanto, é iniludível a questão de saber se o sócio que suportou
a responsabilidade não terá, além de regresso contra os outros sócios,
nenhum direito contra a sociedade. Concretizando, e considerando que o
sócio está pessoalmente vinculado ao lado da sociedade (se bem que
numa posição especial), pergunta-se: não terá ele direito de regresso
(também) contra esta? ou, considerando o facto de este preceito falar,
como, de resto faz o n.° 1, em satisfação, pelo sócio, de dívidas da
sociedade (e, pois, alheias) não ficará ele legalmente sub-rogado nos
direitos do credor (art. 592.°, se é que não mesmo 644.° do Código Civil)?
A esta dúvida é de responder pela negativa.
Por razões de ordem prática, primeiro que tudo: para actuar a
responsabilidade subsidiária do sócio é necessário que se não ache no
património social qualquer outro bem que lhe possa servir de suporte
material. Desta forma, que utilidade prática teria um tal regresso ou uma
tal sub-rogação? Só se os sócios realizassem novas entradas; mas então
seria absurdo que, após a realização de novas entradas, os sócios viessem
como que a desfazê-las, exigindo à sociedade os montantes das dívidas
pagas aos credores.
Mas outras razões depõem nesse sentido.
Concluimos já que a excussão ou esgotamento do património social
é um pressuposto do direito que o credor exerce em relação ao sócio no
sentido de que este direito não pode ser exercido pelo credor sem prévia
excussão ou esgotamento dos bens da sociedade. Tal impossibilita, por
si só, a existência de um verdadeiro direito de regresso.
Mas, além disso, o confronto entre os artigos 175.°, n.°3e 198.°, n.°
3 é suficientemente claro no sentido de que o sócio não tem qualquer
direito em face da sociedade pelas quantias que pagou ao suportar a
responsabilidade subsidiária. A lei manteve, nesse aspecto, o regime que
já constava do artigo 160.° do Código Comercial.
Mais uma vez, e num ponto essencial, a responsabilidade do sócio
em nome colcctivo se afasta decisivamente da garantia pessoal prestada
194 DIREITO E JUSTIÇA

por terceiro e, em especial, da fiança. Nesta, o garante que cumpre a


obrigação fica legalmente sub-rogado nos direitos do credor contra o
devedor. Para aludir à exigência destes fala-se por vezes em regresso44
mas a expressão é usada impropriamente pois o regresso, em sentido
próprio, designa as relações internas da solidariedade e um garante —
desde logo, um fiador, ainda que não goze do benefício da prévia
excussão — não é, como o devedor solidário, titular de uma obrigação
pessoal, antes garantindo uma obrigação alheia45.
A sub-rogação do garante nos direitos do credor contra o devedor é,
escusado será dizê-lo, algo de indispensável à elementar justiça do
funcionamento de uma garantia pessoal; algo, dir-se-ia, dircctamente
postulado pela índole desta (atente-se, por exemplo, nos artigos 644.°,
648.° e 653.° do Código Civil) e, por isso, é extremamente significativo
que o sócio não fique sub-rogado nos direitos do credor contra a
sociedade, gozando apenas de um verdadeiro e próprio direito de regresso
contra os consócios. E vamos mais longe: tendo presente o disposto no
artigo 592.° do Código Civil, conclui-se que a inexistência de um tal
direito inculca que quando se efectiva a responsabilidade do sócio este
não está verdadeiramente a responder por obrigações alheias (mais
precisamente, sociais), antes estando a cumprir uma obrigação que
pessoalmente lhe compete, aparecendo, por isso, ao lado dos consócios,
não como garante solidário, mas como devedor solidário46.

3. Desvios às regras enunciadas

A solidariedade entre os sócios tal como ficou desenhada é apenas


um regime geral que comporta derrogações.
A primeira grande derrogação veri fica-se na dissolução da sociedade
por causa diferente da falência pois, como veremos melhor adiante, na
subsequente liquidação, a responsabilidade dos sócios é conjunta ou
parciária e não solidária.
Mas outras derrogações surgem ou podem surgir em relação ao
direito de regresso.
44 Assim faz, por exemplo, o já citado n.° 3 do artigo 198.° do Código das
Sociedades Comerciais.
45 O mesmo se exprime dizendo que o garante (nomeadamente o fiador) está
pessoalmente vinculado perante o credor mas não é devedor.
46 Esta conclusão pode iluminar ainda o disposto no artigo 175.°, n.° 4 do Código
das Sociedades Comerciais.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 195

Assim, em primeiro lugar, cumpre destacar o caso das chamadas


cláusulas de limitação da responsabilidade do sócio. São estas convenções
segundo as quais os sócios participam nas perdas em proporção diferente
daquela que existe entre os valores nominais das rcspccti vas participações
(no fundo, trata-se das convenções em contrário expressamente previstas
no artigo 22.°), o que vem a afectar, não a solidariedade, mas a medida
do direito de regresso entre os consócios.
Por outro lado, também o sócio de indústria, quando concorre com
sócios de capital, não responde pelas perdas sociais nas relações internas,
o que tem o duplo efeito de lhe atribuir um direito de regresso por inteiro
ou de excluir o direito de regresso em relação a ele, consoante seja ele ou
o sócio de capital a suportar a responsabilidade.

§3.°
Especialidades da responsabilidade do sócio de indústria

1. Caracterização geral

A particular índole da entrada de indústria (unia “prestação de


serviços à sociedade” a que o sócio se obriga, por oposição a “bens
susceptíveis de penhora”47) introduz algumas especialidades no regime
da sua responsabilidade.
Tais especialidades são, à primeira vista, paradoxais. Por um lado,
apenas se admite a contribuição de indústria por parte daquele que, do
mesmo passo, assuma responsabilidade subsidiária (sócio em nome
colectivo ou comanditado)48; por outro lado, vem a estabelecer que, nas
relações internas, o sócio de indústria não responde pelas perdas, salva
convenção em contrário.
O paradoxo é meramente aparente.
Não seria justo vedar a via societária à colaboração de pessoas
dotadas de poucos meios económicos na actividade mercantil. E, assim,
não só são admitidos sócios de indústria ao lado de sócios de capital como

47 Cfr. arts 186.° e 20.°, al. a) do Código das Sociedades Comerciais.


41 Cfr. arts. 20.°, al. a), 176.°, n.° 1, ais. a)e b) e 178.°, 202.°, n.° 1,277.°, n.° 1 e 468.°
do Código das Sociedades Comerciais.
196 DIREITO E JUSTIÇA

é expressamente admitida a sociedade de indústria ou seja, a sociedade


cujos sócios sejam todos sócios de indústria (artigo 9.°, n.° 1, al. f)).
Mas essa admissão não pode significar a admissão de sociedades
que, de todo em todo, não tenham qualquer possibilidade material de
suportar as suas responsabilidades. Daí que se obrigue os sócios de
indústria a assumir responsabilidade subsidiária49.
Na verdade, nestes casos, a sociedade não tem capital social mas...
significará isso que ela se constitui, em absoluto, sem património, com o
qual possa fazer face às obrigações nascidas do exercício do comércio?
Não há como negar o que este regime sugere. Na verdade, crê-sc que não
custa admitir que estamos perante um sinal muito claro de que a
responsabilidade subsidiária do sócio em nome colectivo (ou melhor, a
correspondente posição activa) se conta, de algum modo, no activo da
própria sociedade ao lado, evidentemente, de um mínimo de bens
imprescindível à actividade social e de que, em virtude de estes, dada a
sua pequena importância prática pouca garantia darem ao cumprimento
das obrigações sociais, assume aí decisiva relevância50.

2. As relações entre os sócios de indústria e os de capital

Por seu turno, a admissão de sociedades de capital e indústria51 traz


consigo o problema das relações entre os sócios de indústria e de capital.
E aqui intercede a consideração da diferente natureza do risco
inerente à participação social. Atente-se, na verdade, em que, enquanto
o sócio decapitai, na liquidação da sociedade, pode ai nda ser reembolsado
do montante das entradas efecti vamente real izadas (cfr. art. 15 6.°, n.° 2),
o sócio de indústria perde necessariamente os serviços prestados ao longo
da vida social e nos quais se traduziu a sua entrada. E a contrapartida desta
necessária perda por parte do sócio de indústria cifra-se precisamente na
isenção de suportar as eventuais perdas que vão além dela. E assim,
embora ele continue externamente responsável52, tem regresso por inteiro
ou não está obrigado em regresso, consoante tenha sido ele ou o sócio de
capital a suportar a responsabilidade subsidiária.
49 E assim, as sociedades de indústria são obrigatoriamente em nome colectivo (art.
9.°, n.° l.al. f).
50 O que, de algum modo, ainda pode explicar ainda a não exigênciade capital social
mínimo nas sociedades em nome colectivo.
31 Que tanto podem ser em nome colectivo como em comandita.
32 Perante quem se apurar que seja o titular activo, o que é questão diferente.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 197

O desvio relativamente ao regime geral centra-se, assim, no regresso


que não se dá nos mesmos termos, desta feita por força de disposição
legal, para usar os termos do artigo 22.°53.

3. A estipulação de responsabilidade do sócio de indústria

Finalmcnte, cumpre salientar que este regime das sociedades de


capital eindústriaésupletivo, sendo expressamente admitida aconvenção
pela qual o sócio responda, nas relações internas (ou seja, nas relações
com os consócios), pelas perdas sociais.
Nesse caso e para usar dos expressivos termos do artigo 178.°, o
sócio de indústria “por esse motivo” contribui com capital54, pelo que lhe
é composta uma parte neste, por compressão das demais. Nesse caso,
estar-se-á de volta ao regime geral da responsabilidade do sócio em nome
colectivo.

SECÇÃO II
A EFECTIVAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM
NOME COLECTIVO

1. Os casos possíveis

Como se efectiva a responsabilidade do sócio em nome colectivo?


Há fundamentalmente que distinguir três hipóteses: ou ela se
efectiva na fase da liquidação da sociedade (arts. 195.°, n.° 2, 152.°, n.°
3e 153.°) ou se efectiva antes dessa liquidação (art. 175.°,n.° l)ou depois
dela (art. 163.°).

53 É evidente que este regime é inaplicável às sociedades de indústria, que, neste


aspecto, são regidas pelos termos gerais do artigo 175.°.
54 Não se pode deixar de anotar que também aqui se sugere que a responsabilidade
subsidiária do sócio é uma relação directa entre ele e a sociedade.
198 DIREITO E JUSTIÇA

2. Verificação da possibilidade de efectivação da responsabilidade


antes da liquidação da sociedade

A primeira questão que se suscita é a de saber se é real mente possível


a efectivação da responsabilidade do sócio em nome colectivo antes da
liquidação da sociedade.
O problema importa não só para acorrecta análise da responsabilidade
do sócio como ainda para a interpretação do artigo 198.°, in fine que atrás
foi alegado como argumento em favor do sentido atribuído à
responsabilidade subsidiária do sócio.
Tratemos, antes de mais, de o esclarecer. Disse-se que o credor
social não pode fazer-se pagar pelos bens particulares dos sócios antes de
esgotados os bens da sociedade. Tal o sentido que se deu à subsidiariedade
com que a lei caractcriza a responsabilidade do sócio. Pode, no entanto,
perguntar-se se, para tanto, não será ainda necessário que tal esgotamento
se verifique na liquidação da sociedade.
A questão é mais facilmente discernível com relação ao artigo 198.°
que, na parte final do seu n.° 1, fala numa responsabilidade subsidiária em
relação à sociedade e a efectivar apenas na fase de liquidação. É este o
conteúdo próprio da subsidiariedade? Ou trata-se, pelo contrário, de dois
requisitos, neste caso cumulativos, e que dão à responsabilidade
(subsidiária) que aí se refere uma configuração especial e mais exigente
do que aquela que ela assume na sociedade em nome colectivo?
Repita-se: o problema não contende com o sentido atrás dado à
responsabilidade subsidiária do sócio (a exigência de prévio esgotamento
dos bens sociais); apenas está em causa saber se tal esgotamento se tem
de verificar na liquidação da sociedade.
A circunstância de, por outra forma, além de se afastar, sem
qualquer indicação em contrário, a solução tradicional, termos de
reconhecer que ou o artigo 175.° é deficiente ou o artigo 198.° é
pleonástico leva-nos a concordar com Raul Ventura quando escreve que
os dois requisitos constantes do artigo 198.°, n.° 1 in fine — responsabi­
lidade subsidi ária e a efectivar na fase de liquidação—são cumulativos35.
Desta forma, a responsabilidade do sócio em nome colectivo
pressupõe o exaurimento dos bens sociais mas este tanto pode dar-se

55 Sociedades por Quotas, I cit., pág. 65. Nas palavras do Autor, a responsabilidade
que aí está prevista, embora subsidiária (no sentido de que pressupõe o prévio excutimento
do património social) só pode ser efectivada na fase de liquidação.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECT1VO 199

antes como durante a liquidação, denotando, neste caso, algumas


especialidades derivadas do condicionalismo próprio dessa fase.
Surge, no entanto, uma outra dificuldade. Se a efectivação da
responsabilidade do sócio pressupõe uma situação em que o passivo é
superior ao aclivo (pois só assim os bens sociais serão insuficientes para
pagamento das dívidas sociais), não estará a sociedade já as mais das
vezes dissolvida, quer em virtude da perda do capital social, quer mesmo
em consequência da falência?
Separemos ambos os aspectos não sem antes lembrar que se é certo
que a sociedade cm nome colectivo tem, em regra56, um capital social, a
verdade é também que, ao contrário do que sucede com as sociedades de
outro tipo não tem um capital social mínimo.
Vejamos então a primeira questão que identificámos.
O caso de perda de metade do capital ou, por outras palavras, a
descida do património social líquido a montante inferior a metade do
capital social está previsto no artigo 35.° onde se estabelece, no fundo,
uma forma de dar conhecimento de tal situação aos sócios, a fim de estes
poderem prover à sua superação seja deliberando a dissolução da sociedade,
seja reduzindo o capital social, seja ainda realizando novas entradas de
capital.
Assim, como resultacom todaaevidênciadestc preceito, adissolução
da sociedade neste caso não é automática mas potestativa ou seja,
depende sempre de deliberação social ad hoc tomada, a qual nem sequer
é necessária pois os sócios podem preferir-lhe ou a redução do capital
social ou a realização de novas entradas. E mais: diferentemente do que
sucede noutras ordens jurídicas, a dissolução automática nem sequer é
supleli vamente estabelecida para o caso de os sócios não deliberarem em
nenhum dos sentidos previstos no n.° 1 do artigo 35.°57.
Tal passividade derivará certamente da esperança que os sócios
possam ter de que os negócios sociais se venham a recompor após o mau
bocado que estão a passar.
Por outro lado, também os credores, que nessas circunstâncias têm
direito a provocar, eles próprios, adissolução da sociedade (a não ser que
os sócios realizem novas entradas), podem, como é evidente, não querer
exercê-lo, já porque a responsabilidade subsidiária dos sócios aligeira as
suas preocupações, já porque também podem ser opinião dos sócios
36 Salvo, como já ficou dito, se for sociedade de indústria (art. 9.°, n.° 1, al. f)).
57 Cfr., a este propósito, Raul Ventura, Dissolução... cit., págs. 134 e segs..
200 DIREITO E JUSTIÇA

quanto à transitoriedade das perdas sociais58, já, ainda, porque preferem,


em vez de requerer a dissolução da sociedade, executá-la singularmente
evitando a consideração dos outros credores sociais ou, pelo menos,
conquistando preferência sobre estes.

3. Responsabilidade do sócio e falência da sociedade; observações


prévias

Que dizer quanto ao segundo aspecto atrás identificado, ou seja, a


declaração de falência da sociedade?
O objecto do presente estudo não consente senão uma referência
incidental e, em larga medida, pressuponente à questão dos pressupostos
da declaração de falência, cuja discussão retomou novo vigor nos últimos
anos a propósito da conversão da execução em falência prevista no n.° 1
do artigo 870.° do Código de Processo Civil59.
Vamos, por isso, desdejá tomar posição quanto aos aspectos gerais
que mais nos interessam para depois nos limitarmos à investigação dos
aspectos particulares da falência da sociedade em nome colectivo.
Como é sabido, já antes das alterações legislativas de 1986 se
discutiu, perante o artigo 1174.° do Código de Processo Civil, em que
termos eram de entender os factos nele indicados como pressupostos da
declaração de falência.

51É de sublinhar que os credores sociais, no seu grosso, são-no profissionalmente,


como fomecedoresou clientes ou, ainda, como financiadores da vida comercial societária
e, como tal, interessados na actividade social na qual, a seu modo, colaboram, não sendo
lícito presumir que eles estão mais interessados na dissolução da sociedade do que na sua
continuação.
59 Cfr. Ruy de Albuquerque e Maria dos Prazeres P. Beleza, «Considerações
sobre a conversão da execução em falência», in Col. deJur., Ano XI (1986), t. 4, págs.
15 e segs.; Rita Amaral Cabral, «Pressupostos materiais da falência. Anotação ao
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 1986», inRev. Ord. dosAdv.,
Ano 47 (1987), págs. 935 e segs.; Oliveira Ascensão «Acção executiva a pressupostos
da falência», in Ciênc. e Téc. Fisc., Jan.-Mar. de 1987, n.° 337/339, págs.33 e segs.;
Menezes Cordeiro, «Daconversão da execução em falência. Subsídios para a interpretação
do artigo 870.°/l do Código de Processo Civil, à luz das tendências actuais do direito
falimentar», inTrib. daJust.,n.° 34 (1987), págs. 1 e segs. e Teixeira de Sousa, «Algumas
notas sobre a conversão da execução em falência», inRev. Ord. dosAdv., Ano 50(1990),
págs. 459 e segs.. À excepção deste último, todos os estudos referidos foram publicados
in AA.VV., Estudos de Direito Comercial, I, Das falências, Coimbra, 1989, obra a que,
por comodidade, se passarão a referir as citações dos mesmos.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 201

Substancialmente, tais factos não descreviam, nem nas suas arestas


mais salientes, o estado de falência, o qual era e ainda é definido, de modo
geral60, pelo Código de Processo Civil como a impossibilidade, para o
comerciante, de cumprir as suas obrigações (art. 1135.°). Antes se
reconduziam a factores ou sintomas de tal impossibilidade, elevados pela
própria lei a pressupostos legais da declaração desse estado. E, no fundo,
a discussão girava em torno de saber como se conjugava a definição legal
da falência com os pressupostos legais que a própria lei indicava. Estaria
estabelecido um sistema de falência ope legis — em que os pressupostos
funcionavam como prova legal do estado de falência — ou um sistema,
impuro embora61, de falência ope judieis — cuja declaração estava, é
certo, dependente da verificação de certos pressupostos necessários mas
não suficientes de modo que estes se limitavam praticamentc a permitir,
e, como tal, não dispensavam, ulterior apreciação directa do estado de
falência por parte do tribunal competente?62
A alteração introduzida no artigo 1174.° do Código de Processo
Civil pelo artigo 50.° do Decreto-Lei n.° 177/86, de 2 de Julho, foi, como
escreve c justifica Oliveira Ascensão, limitadamente embora ao facto
previsto na alínea a), uma indiscutível vitória da tese segundo a qual não
bastava a mera verilicação da cessação de pagamentos para declaração de

“ Importa ter presente que, como deriva do art. 1136.° do Código de Processo Civil,
a declaração de falência pode dar-se em consequência não só de requerimento dos
credores c do Ministério Público, como ainda de apresentação do próprio comerciante
(ou, após a sua morte, dos seus herdeiros) e também neste caso a falência é definida da
mesma forma, como se vê pelo n.° 1 do art. 1140.° quccomeça assim: “todo ocomerciante
que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações comerciais deve, antes de
cessar efectivamente pagamentos...”.
61 O puro sistema de falência ope judieis traduzir-se-ia em limitar-se a lei a uma
definição substancial do estado de falência, deixando ao tribunal o encargo de a
reconhecer em concreto e independentemente de quaisquer pressupostos que limitassem
o seu arbítrio.
62 Aproveitamos os sucintos mas expressivos termos da doutrina exposta, a
propósito de idênticas possibilidades na regulamentação do estado de perigosidade
criminal, por Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal. Parte Geral. II. Penas e
Medidas de Segurança, Lisboa, 1989, págs. 19 e 24. No mesmo sentido fundamental, cfr.
Rita Amaral Cabral já que, embora diferencie apenas duas vias (o sistema de definição
e o sistema de enumeração — cfr. ob. e loc. cits., pág. 153) vem a esclarecer que razões
de certeza podem justificar a exigência, no sistema de definição, de elementos necessários
mas não suficientes à declaração de falência (ibidetn, págs. 157 e 164). Cfr. ainda, embora
com diversa sistematização inicial, Pedro Albuquerque, «Falência por cessação de
pagamentos», in Estudos... cit„ págs. 182 e 183 e 210 e segs..
202 DIREITO E JUSTIÇA

falência63, já que a “incapacidade financeira” exigida apenas naquela


alínea nada mais é do que a impossibilidade, para o comerciante, de
cumprir as obrigações de que falam os artigos 1135.° e 1140.°, posta em
veste mais actual.

4. (cont.) A falência da sociedade em nome colectivo

A responsabilidade do sócio em nome colectivo é subsidiária no


sentido de que pressupõe, para surgir, o completo esgotamento dos bens
sociais e isso, como já se teve o ensejo de sublinhar, implica neces­
sariamente que só irá surgir numa situação tal que o passivo da sociedade
seja superior ao valor dos bens sociais.
Ora, do regime dos artigos 175.°, n.° 1 e 195.°, n.°2eaindado artigo
826.°, n.° 1 do Código de Processo Civil (na parte aplicável) deduz-se
com mediana clareza que de modo algum a verificação da insuficiência
dos bens da sociedade em nome colectivo importa a declaração'da
falência desta. Muito ao contrário, tal situação, mesmo que verificada em
processo executivo, leva antes à efectivação da responsabilidade, assim
subsidiária, dos sócios, a qual é característica típica das sociedades em
nome colectivo.
A confirmação disto obtém-se mediante a leitura do n.° 2 do artigo
1174.° do Código de Processo Civil. Nos termos desta disposição, nas
sociedades de responsabilidade limitada, a falência pode ser decretada
com fundamento na insuficiência manifesta do acti vo para a satisfação do
passivo64. Ora, a restrição do preceito às sociedades de responsabilidade
limitada foi propositada65, o que legitima a sua interpretação a contrario,
de outro modo muito falível nos seus pressupostos, como nos seus

63 Embora, mesmo por ser uma vitória limitada à al. a), e no dizer do mesmo Autor,
paradoxalmente, aconsagração legislativa alcançada trouxesse simultaneamente, em tese
geral, a sua denota («Acção executiva...» cit., pág. 51). No mesmo sentido mas
relativamente a todos os pressupostos legais, incluindo o exigido pelo n.° 2 do art. 1174.°,
cfr. Ruyde Albuquerquec Maria dos Prazeres P. Beleza,ob. e loc.cits.,pág. 79 esegs.e,
sobretudo, pág. 80, Rita Amaral Cabral, ob.eloc. cits.,pág. 157 a 161,164e 165e 175-
176 e, quanto à al. a), Pedro Albuquerque, ob. e loc. cits., págs. 210 a 213.
64 Cfr. ainda o art. 1184.°, n.° 1, al. i) e n.° 2.
65 Neste sentido, cfr. n.° 4 do relatório do Decreto-Lei n.° 25.981, de 26 de Outubro
de 1935 (Código das Falências), da autoria de Manuel Rodrigues, que J. Alberto dos
Reis transcreve (Processos Especiais, n, ed. póst., reimpr., Coimbra, 1982, pág. 319).
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 203

resultados66. Desta forma, é seguro que, em face da lei portuguesa, a


“mera” insuficiência dos bens da sociedade para suportar o seu passivo
não legitima de modo algum a declaração de falência da mesma67 mas
antes e “apenas” a normal e típica efectivação da responsabilidade do
sócio. Para declarar a falência da sociedade em nome colectivo é
necessário algo mais embora não seja fácil precisar o quê.
Isto faz interceder uma particular relação entre o artigo 826.°, n.° 1
eo actual mente problemático artigo 870.°, n.° 1 que se pode aceitavelmente
exprimir por “precedência”. As normas constantes de um e de outro não
“ É certo que, segundo a doutrina corrente, a interpretação a contrario só é
admissível no domínio das normas excepcionais (cfr., neste sentido, I. Galvão Telles,
Introdução ao Estudo do Direito, I, reimpr., Lisboa, 1990, pág. 187, Oliveira Ascensão,
O Direito. Introdução e Teoria Geral. UniaPerspectiva Luso-Brasileira, 6" ed., Coimbra,
1991, págs. 446 e segs. e J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso
Legitiniador, reimpr., Coimbra, 1987, págs. 187 e segs.) e, admitindo essa base, haveria
que colocar a questão da natureza exccpcional desta regra, questão à qual, sobretudo se
se aceita um conceito restrito de regra exccpcional, como regra que se apresenta em
contraste mais ou menos estridente com o princípio (I. Galvão Telles, Introdução ao
Estudo do Direito, II, reimpr., Lisboa, 1989, pág. 458) ou que vai contra os princípios
gerais informadores de certo sector do sistema jurídico (Oliveira Ascensão, ob. e loc.
cits., pág. 428) não se pode responder pela positiva, pelo menos sem grandes dúvidas. Já
Baptista Machado põe sobretudo o acento tónico no estabelecimento de “um regime
oposto ao regime-regra e directamente determinado por razões indissoluvelmente ligadas
ao tipo de casos que a norma exccpcional contempla” (pág. 95), o que lhepermite defender
a admissibilidade da interpretação a contrario “designadamenle” quando a hipótese legal
é constituída por uma enumeração taxativa e o caso em apreço não caiba decididamente
em nenhuma das hipóteses que constituem o elenco legal ou sempre que seja possível
demonstrar que a norma cm causa exprime deveras um jus singulare (págs. 187-188).
Cremos que o fundamental será o aspecto da aplicabilidade da norma cxclusivamente aos
casos nela previstos, que bem pode aparecer perante normas simplesmente especiais
(desde que, evidentemente, o sentido da regulamentação só admita, como alternativa o
seu oposto).
67 Conforme já ficou referido, cremos que, como ensina Oliveira Ascensão, a
reforma de 1986 trouxe consigo a derrota, em tese geral (e, portanto, também quanto ao
n.° 2 do art. 1174.°), da opinião segundo a qual os pressupostos legais são necessários mas
não suficientes para a declaração de falência. Podem levantar-se dúvidas sobre a
justificação de um tal regime (assim, Oliveira Ascensão, «Acção executiva...» cit., pág.
49 cTeixeira de Sousa ob. e loc. cits., pág. 461) mas essa é questão diferente. Desta forma,
pelo menos desde a reforma de 1986, basta a manifesta insuficiência do activo para a
satisfação do passivo para que as sociedades de responsabilidade limitada sejam declaradas
falidas. Mesmo que, todavia, com Ruy de Albuquerque e Maria dos Prazeres P. Beleza
e Rita Amaral Cabral (obs. e loes. cits.) assim se não entenda, não fica em causa o que
vai exposto no texto. Nessa base, sempre terá de se dizer que a manifesta insuficiência do
activo para a satisfação dopassivo só indicia a falência das sociedadesde responsabilidade
limitada e não também a das sociedades de responsabilidade ilimitada.
204 DIREITO E JUSTIÇA

incidem sobre o mesmo qtiid, isto é, não convergem ou não concorrem de


forma a que tenha de se colocar a questão de saber se ambas se aplicam
cumulativamente (e em que termos) ou se, pelo contrário, a aplicação de
uma afasta a aplicação de outra (e qual a que deve prevalecer). Sucede
antes que, neste caso particular de início do processo de falência, tal como
na generalidade dos casos, a insuficiência do património da sociedade cm
nome colecti vo para ressarcimento dos credores sociais dá lugar, antes de
mais, à efectivação da responsabilidade dos sócios e, assim, a norma
constantedon.01 dosartigo826.°estádestinadaaaplicar-scefcctivamente
antes da segunda e, pois, esta prevê e regula uma situação ulterior àquela
que está prevista e é regulada por aquela, ou seja, a situação em que não
apenas o património da sociedade enquanto tal mas ainda os patrimónios
dos sócios são insuficientes para pagamento dos créditos verificados. O
mesmo se pode ainda exprimir dizendo que, no caso de execução da
sociedade em nome colectivo, a insuficiência patrimonial do devedor a
que se refere o artigo 870.° não se cinge à excussão de todos bens sociais ■
de que fala o n.° 1 do artigo 826.°, abrangendo ainda a insuficiência dos
patrimónios dos sócios subsidiariamente responsáveis68’69.
Em suma: pode verificar-se, e isso era o que importava agora apurar,
uma situação em que o activo da sociedade em nome colectivo é inferior
“ Essa relação aflorava no artigo 833.° do Código de Processo Civil de 1939 (em
conjugação com o qual, tinha, neste aspecto, de ser lido o artigo 870.° do mesmo Código)
ao ressalvar o “meio de obter, por outra via” a totalidade do crédito. Por todos, cfr. J.
Alberto dos Reis, Processo de Execução, II, Coimbra, 1956, rcimpr., Coimbra, 1984,
pág. 289. Nas palavras de Cunha Gonçalves, enquanto os sócios tiverem bens com que
possam ser integralmente pagos os débitos sociais, não poderá ser declarada falida a
sociedade (Comentário..., I cit., pág. 290).
w Não é necessária, no âmbito do presente estudo, a análise da delicada e complexa
questão do sentido actual do art. 870.°, n.° 1. Ruy de Albuquerque e Maria dos Prazeres
P. Beleza (ob. e loc. cits., págs. 78 e segs.), Rita Amaral Cabral (ob. e loc. cits., págs.
172 e segs.), Oliveira Ascensão(ob. e loc. cits., págs. 47 e segs.), Menezes Cordeiro (ob.
e loc. cits., págs. 11 Oe segs.), e, excepto se se tratar de uma sociedade de responsabilidade
limitada, Teixeira de Sousa (ob. c loc. cits., págs. 462 e segs.) pronunciaram-sc no sentido
de que, uma vez remetidos os autos para o tribunal competente para a declaração de
falência, este teria de proceder a apósita apreciação do estado de falência, a realizar nos
termos gerais dos arts. 1135.° e 1174.°. Na verdade, mesmo sendo assim, mantém o seu
rigor o exposto no texto enquanto, nas sociedades em nome colectivo, a responsabilidade
dos sócios faz com que a insuficiência do património da sociedade de que fala o art. 870.°
(seja qual for o sentido adar-lhe) é algo de diferentee posterior à excussão dos bens sociais
de que fala o n.° 1 do art. 826.°, na parte aplicável. E assim os credores não podem requerer
a conversão da execução em falência (seja qual for o sentido a dar-lhe) pela simples
excussão de todos os bens sociais.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 205

ao seu passivo (e, pois, uma situação susceptível de conduzir à cfecti vação
da responsabilidadedo sócio) sem quehajalugaràconcomitantedeclaração
de falência da sociedade e consequente dissolução e liquidação desta.

5. Sequência

Uma vez se confirma que a responsabilidade do sócio pode ser


efectivada quer na fase da liquidação, quer depois dela (art. 163.°), quer
ainda antes dela, importa atentar no concreto modo da sua cfectivação
nesses casos. A isso vai dedicada a parte final da presente secção, que
tratará, succssivamentc, da cfectivação da responsabilidade naliquidação
da sociedade (§ l.°), quer em geral (I), quer no caso particular de
declaraçãodefalênciadasociedade(II),daefectivaçãodaresponsabilidade
depois da liquidação da sociedade (§ 2.°) e, final mente, daefectivação da
responsabilidade do sócio antes da liquidação da sociedade (§ 3.°).

§1.°
A responsabilidade do sócio na liquidação da sociedade

I. LIQUIDAÇÃO EM GERAL

1. A questão da relação entre a responsabilidade subsidiária do


sócio e o dever a que se refere o n.° 2 do artigo 195.°

O n.° 1 do artigo 175.° declara que na sociedade em nome colectivo


o sócio, além de responder individualmente pela sua entrada, responde
pelas obrigações sociais subsidiariamente em relação à sociedade e
solidariamente com os outros sócios. Esta responsabilidade, assim descrita,
é “característica” típica das sociedades em nome colectivo.
Todavia, no capítulo dedicado à dissolução e liquidação destas
sociedades encontramos uma outra disposição que importa conjugar
devidamente com esta. É o n.° 2 do artigo 195.°, que reza assim: “Nos
termos e para os fins do artigo 152.°, n.° 3, os liquidatários devem
reclamar dos sócios, além das dívidas de entradas, as quantias necessárias
206 DIREITO E JUSTIÇA

para satisfação das dívidas sociais, em proporção da parte de cada um nas


perdas; se, porém, algum sócio se encontrar insolvente, será a sua parte
dividida pelos demais, na mesma proporção”.
A questão que se levanta é a de saber como se conjugam estas
disposições.
Para a resolver, importa antes de mais atentar cuidadosamente no
sentido do n.° 2 do artigo 195° e isso envolve, por sua vez, a sua
conjugação com o estabelecido não só no n.° 3 do artigo 152.°, nele
expressamente referido, como ainda nos artigos 153.° e 154.°70.
O que resulta dessa conjugação?
Resulta que o liqudatário só tem o dever de exigir dos sócios as
quantias necessárias para a satisfação dos débitos sociais após o completo
exaurimento dos bens sociais e a integral realização de todas as entradas
em dívida. Na verdade, uma vez esgotado o activo social, os liquidatários
podem e devem exigir (i) aos sócios devedores71, as entradas ainda não
intergalmente realizadas e (ii) além dessas, a todos os sócios, as quantias
que se revelarem (ainda) necessárias para a completa satisfação dos
credores sociais, na proporção da parte de cada um nas perdas sociais.
A circunstância de estarem sujeitas ao mesmo condicionalismo e,
como tal, poderem ser simultaneamente exigidas, não confundem a
obrigação de entrada e a obrigação referida no n.° 2 do artigo 195.°72. Ao
70 Não esquecendo, ainda, o estabelecido, quanto às operações de liquidação, no
artigo 1125.° do Código de Processo Civil.
71 Raul Ventura parece defender que o total das quantias em dívida deve ser
reclamado de todos os sócios na proporção da parte de cada um nas perdas, aplicando,
assim, por analogia, o disposto no artigo 195.°, n.° 2. E tal aplicação estender-se-ia,
mesmo, à parte final deste preceito, de forma que se algum dos sócios se encontrasse cm
situação de insolvência, seria a sua parte dividida pelos demais (Dissolução... cit., pág.
370). Cremos, todavia, que semelhante opinião não é de acolher, pelo menos com a
largueza que o Autor lhe confere. Sucederá assim nas sociedades por quotas c ainda nas
sociedades em nomecolectivo no caso, desse modo, especial, previsto no artigo 179.°. Em *
todos os outros casos, a responsabilidade pelas entradas cabe cxclusivamentc ao sócio
devedor. Como se deduz dos seus próprios termos, o art. 195.°, n.° 2 visa apenas as
quantias necessárias “além das entradas devidas pelos sócios”. Na generalidade das
sociedades em nome colectivo (salvos, portanto, os casos previstos no artigo 179.°) essas
e só essas é que são devidas por todos os sócios e, como tal, repartidas proporcionalmcnte
por todos eles pois, como o próprio artigo 175.° refere, o sócio em nome colectivo
responde individualmente pela sua entrada. A solução inversa, além do mais, seria injusta
pois conduziria ao locupletamento do sócio que não realizou integralmente a sua entrada.
72 Embora, anote-se, do mesmo passo, o mesmo condicionalismo torne clara a
íntima conexão intcrcendente entre uma e outra e entre ambas e a responsabilidade pelas
perdas sociais.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECITVO 207

contrário, esta só pode ser exigida se, tendo em conta as entradas a


realizar, subsistirem credores por satisfazer.
Desta forma, a obrigação de prestação das quantias referidas no n.°
2 do artigo 195.° é subsidiária, usando esta expressão em sentido
essencialmente idêntico àquele em que o n.° 1 do artigo 175.° a usa.
Em face desta conclusão, apresenta-se-nos com toda a clareza a
questão atrás suscitada: qual é a relação entre o n.° 1 do artigo 175.° e o
n.° 2 do artigo 195.°? Ou, vistas as coisas noutra perspectiva, qual é a
relação entre a responsabilidade subsidiária, de que fala aquele, e o dever
subsidiário a que este se refere? São a mesma coisa? São diferentes? E,
neste caso, cumulam-se? Em que termos?
Várias são as opiniões sobre este problema o qual não se levanta
apenas entre nós. Analisemos as principais.

2. (cont.) A doutrina segundo a qual o poder reconhecido aos


liquidatários pelo n.° 2 do artigo 195.° é inadmissível; crítica

A primeira opinião a analisar, pelo nível a que se move, é aquela


segundo a qual o poder reconhecido aos liquidatários pelo n.° 2 do artigo
195.° é inadmissível.
A base doutrinária dessa opinião é a natureza de garantia assacada
à responsabilidade subsidiária do sócio: não se encontrou, escreve
Sraffa, uma base teórica para a resolução da controvérsia sobre os
poderes dos liquidatários que não seja aquela, ditada pelo bom senso, pela
qual um devedor garantido não pode demandar o seu garante para pagar
os débitos assumidos por ele em face de terceiros”.
Em resposta às justificações apontadas pela doutrina para aquele
poder dos liquidatários, e que andavam em torno do fim da liquidação74,
71 «11 iquidatori di società a responsabilità illimitata c i loro poteri di fronte ai socii»,
inRiv.Dir. Com., XXXIV, P.II, 1936, págs. 193esegs..No mesmo sentido, cfr.VtVANTE,
Trattato..., I cit., págs. 510 e segs.
’■* G. Ferri tinha sido o grande defensor do poder reconhecido pela jurisprudência
aos liquidatários com base no fim próprio da liquidação: esta visava a definição final dos
negócios sociais, a sua conclusão, acabando, de uma vez por todas, com todas as relações
entre os sócios; ora, estas não se podem considerar ultimadas enquanto permanecer viva
a responsabilidade subsidiária e esta, por sua vez, só desaparece com a própria extinção
das obrigações sociais. Daí deriva para os liquidatários o direito-dever de receber dos '
sócios as somas necessárias para a extinção do passivo social. Isto defendera Ferri num '
artigo do Foro Italiano que está, no fundamental, resumido em Brunetti, ob. e loc. cits.,
págs. 537 e segs., assim como no citado artigo de Sraffa. Uma justificação viria /
208 DIREITO E JUSTIÇA

aduz o mesmo Autor que, se a liquidação lem como fim ideal o completo
termo das relações sociais, o certo é que a lei não as extingue comple­
tamente, deixando a possibilidade de subsistirem obrigações capazes de
criar situações anormais e, quanto a estas, a lei não soube encontrar outro
remédio senão o de abreviar a prescrição em matéria de sociedades75.
Mas Sraffa põe ainda um problema teórico e prático à tese de G.
Ferri, jurisprudcncialmente dominante: é o mesmo o direito que exercem
os credores sociais e aquele que se permite exercer aos liquidatários? É
diferente? Quem tem preferência no seu exercício?76
Que se pode dizer desta tese, defendida entre nós, no domínio do
Código Comercial por Raul Ventura77?
A primeira coisa a notar é que ela é inquestionavelmente lógica.
Partindo do pressuposto de que a responsabilidade do sócio em nome
coleclivo é uma garantia pessoal prestada por terceiro, é totalmente
inconcebível que o devedor possa, através de órgão seu78, voltar-se para
o garante (o sócio) e exigir-lhe somas para efectivação de uma respon­
sabilidade assumida por este directamente em face dos credores sociais79.
Muito justamente consideram os Autores que defendem esta opinião
o dilema assim criado inultrapassável e daí que tentem a sua superação,
a qual inevitavelmente se tem de buscar através da inutilização de um dos
seus pressupostos. Ej á que o devedor nunca pode exigir ao garante somas
para efectivação de uma responsabilidade directamente assumida por
estes perante os credores sociais, nega-se o poder reconhecido aos liqui­
datários.
ulteriormentcG. Ferri a acrescentar a tal poder: a conveniência de os sócios ilimitadamente
responsáveis evitarem a falência da sociedade, que acarretaria, no Direito italiano, como
no nosso, a sua própria falência (cfr. Le Società, in AA.VV., Tratlalo di Dirilto Civile,
dirig. por Vassalli, volX, t. in, 3*cd., reimpr., Turim, 1989, n.° 95, págs.335 e segs.).
75 Ob. e loc. cits., pág. 194.
KIbidem, pág. 196. A jurisprudência já tinha topado com o problema e falava numa
concentração eliminatória da acção dos credores, o que, nisso terá razão o Autor, nada
explica.
77 Em face da falta de referência expressa do art. 136.° do Código Comercial (cfr.
Sociedades..., II, págs. 91 e segs.).
71 Pois não se pode esquecer que o liquidatário & órgão da sociedade em liquidação.
79 Na exposição paradigmática de Raul Ventura, a propósito do artigo 198.° do
Código das Sociedades Comerciais, a responsabilidade subsidiária de que fala este
preceito “é uma responsabilidade directa do sócio perante os credores sociais. Só estes
podem exigir a sua efectivação; por exemplo, o liquidatário nomeado pelos sócios ou pelo
tribunal, nada pode reclamar àquele título, nem mesmo para, com os meios assim
conseguidos, pagar as dívidas sociais” (Sociedades por Quotas, I cit., págs. 65 c segs.).
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 209

Todavia, estranhamente, em Portugal, como noutros países (desde


logo, a Itália) a legislação não se deixou impressionar pela inquestionável
lógica desta opinião e viria a reafirmar, em reformas posteriores, aquele
poder dos liquidatários e tanto basta para ser inaceitável. É, assim, o outro
pressuposto que fica em cheque...

3. (cont.) A doutrina segundo a qual os liquidatários representam os


credores sociais; crítica

Outras opiniões tentam salvar a natureza de garantia da


responsabilidade do sócio, não obstanteo referido poder dos liquidatários.
Alguns pretendem conseguir ultrapassar o dilema atrás enunciado
com a doutrina segundo a qual o liquidatário age em representação do
credor. Seria, assim, na qualidade de representantes dos credores que
assiste aos liquidatários o poder de pretender tais somas aos sócios80.
No fundo, esta doutrina segue-se, de forma directa e natural, à não
admissão daquela que referimos no número anterior e como forma de
superarodilemaqueaquelaresolviasuprimindoopoderdosliquidatários.
Desta feita, aceita-se, realisticamente, que os liquidatários têm esse
poder; mas, concomitantemente, não se recusa que esse poder traduz a
responsabilidade subsidiária dos sócios, a qual é directamente
responsabilidade perante os credores sociais. Numa palavra, verifica-se,
como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela embora a respeito das
sociedades civis, que os liquidatários se substituem aos credores, na
exigência dos seus créditos aos sócios81. Porisso se fala em representação.
Todavia, trata-se de doutrina que topa com obstáculos insuperáveis.
Como poderia, na verdade, o próprio devedor agir como representante do
credor perante um garante? É como é que os efeitos jurídicos dos actos
praticados se produziriam na própria esfera jurídica do representante e
não exclusivamente na esfera jurídica do representado?82 E, finalmente,

” Cfr., entre nós mas quanto às sociedades civis, Pires de Lima-Antunes Varela,
Código Civil Anotado, II cit., pág. 356. Foi doutrina defendida em Itália por L. MOSSA,
Società Coinmerciali Personali, Vol. II do Trattato del Nuovo Diritto Coininerciale,
Pádua, 1951, pág. 717.
“ Código Civil Anotado, II cit., pág. 356.
12 É que é o património da sociedade em liquidação que, antes de mais, se
acrescenta.
210 DIREITO E JUSTIÇA

como podem os liquidatários actuar como representantes dos credores


“embora os seus direitos sejam diferentes”, como realmente são83?

4. (cont.) A segundo a qual há cumulação de responsabilidades (Raul


Ventura); crítica

Comentando o n.° 2 do artigo 195.° a propósito do artigo 153.°,


Raul Ventura segue uma outra via.
Na justificação do poder dos liquidatários, o Autor, tal como G.
Ferri, invoca, por um lado a vantagem de os sócios evitarem a falência
da sociedade e, por outro, o fim da liquidação. É ideal, afirma, que durante
a fase de liquidação, fiquem extintas as relações entre os credores e a
sociedade, os credores e os sócios, e entre os sócios84.
Quando trata da conjugação do n.° 2 do artigo 195.° com o n.° 1 do
artigo 175.°, defende a distinção e cumulação, na fase de liquidação, das
duas responsabilidades, cumulação essa que, no entanto, não impede “o
pleno exercício dos direitos dos credores contra os sócios, os quais nem
sequer poderão opor que, por força do artigo 195.°, n.° 2, já entregaram
à sociedade importâncias destinadas à satisfação total ou parcial do
credor peticionário, se por qualquer motivo, a sociedade não satisfez o
credor.
Ao pedido da sociedade o sócio poderá opor o pagamento efectuado
a um credor visto que, quanto a este, foi reduzido o passivo social”85.
E quais são os argumentos em que se esteiam estas conclusões?
O Autor começa por asseverar que “é pacífico que este regime se
aplica tanto antes como depois da dissolução da sociedade; nada impede
que o credor social execute c excuta os bens sociais durante a fase de
liquidação e subsidiariamente accione todos ou alguns dos sócios,
conforme as regras da solidariedade. O disposto no artigo 195.°, n.° 2 não
derroga estas normas mas apenas coloca à disposição da sociedade,
através dos liquidatários, um meio de evitar a acção dos credores sociais
contra os sócios; meio que pode ser infrutífero ou porque o liquidatário
” A expressão é de Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II cit.,
pág. 356, mas quanto às sociedades civis. Nomeadamente, e como os mesmo Autores
escrevem, “enquanto que, em relação a terceiros, os sóciossão solidariamente responsáveis
(art. 997.°), os liquidatários não podem exigir dos sócios senão a sua quota de
responsabilidade pelas perdas”.
M Dissolução... cit., pág. 370 e segs..
*’ Ibidem, pág. 374.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 211

não cumpre esse dever ou porque os credores não esperam — e nada os


força a esperar — por tal cumprimento”86.
Daqui retira Raul Ventura a existência, por parte dos sócios em
nome colectivo, de duas responsabilidades distintas: uma cm face da
sociedade—que tem como correspcctivo um direito desta a exercer pelos
seus órgãos na fase de liquidação: a prevista no n.° 2 do artigo 195.° —
e uma outra em face dos credores sociais — a exercer por estes ainda que
a sociedade se encontre em liquidação: a prevista no n.° 1 do artigo 175.°.
Por detrás desta duplicação está ainda a consideração de que “os
sócios são garantes solidários da sociedade e nenhuma lei deu alguma vez
ao devedor garantido uma acção para forçar o garante a pagar por ele ao
terceiro garantido”87, ou, vistas as coisas noutra perspectiva, que a
sociedade não pode exercer contra os sócios as aeções que aos credores
sociais competem.
Nesta ordem de ideias, aenumeração de caractcrísticas da sociedade
em nome colectivo feita no n.° 1 do artigo 175.° é muito logicamente
criticada por “incompleta”88, já que a responsabilidade dos sócios é mais
vasta do que a ali enunciada: “os sócios das sociedades em nome
colectivo respondem: para com a sociedade pelas suas contribuições
(entradas) e pelas importâncias necessárias para a satisfação do passivo
social e das despesas de liquidação, nos termos do artigo 175.°, n.° 2; para
com os credores sociais, subsidiariamente em relação à sociedade e
solidariamente com os outros sócios”8’.
Que dizer?
Diversas razões obstam ao acolhimento desta opinião.
Toda a fundamentação prática se resume a estas afirmações: nada
impede que o credor execute os bens sociais durante a fase de liquidação
e subsidiariamente accione todos, alguns ou um dos sócios, conforme a
regra da solidariedade.
É de aceitar que, como afirma o Autor, não é pelo facto de a
sociedade estar em liquidação que o credor fica impedido de executar a
sociedade90.
86 Ibidem, pág. 375.
*’ Ibidem.
’* Ibidem.
•’ Ibidem, págs. 375 e 376.
” Não é totahnente clara a afirmação, atrás transcrita, segundo a qual “nada impede
que o credor social execute e excuta os bens sociais durante a fase de liquidação e
subsidiariamente accione todos OMa/jjMnrr/ossdcior.confonneasregrasdasolidariedade”.
212 DIREITO E JUSTIÇA

Mas a verdade é que essa execução irá provocar, antes de mais, a


exigência, pelo liquidatário, das quantias referidas no n.° 2 do artigo
195.°;
Equeosliquidatários, órgãos administrativos da sociedade dissolvida
a quem compete também a sua representação em juízo, têm o dever de
pagar as dívidas para as quais seja suficiente o activo social (art. 154.°,
n.° 1), podendo ainda proceder à consignação em depósito do objecto da
prestação (art. 154.°, n.° 2) e devendo acautelar, por meio de caução, os
eventuais direitos do credor relativamente a dívidas litigiosas (art. 154.°,
n.° 3).
Interpretando essa disposição, Raul Ventura afirma que ela deve
ser esclarecida quanto a esse ponto e corrigida quanto a outro. E mais
adiante afirma: “acorrecção torna-se necessária por causa do disposto no
artigo 195.°, n.° 2; nas sociedades em nome coleclivo, o activo social não
constitui limite ao dever de satisfação do passivo, visto que, esgotado
aquele, devem ainda os liquidatários reclamar dos sócios ilimitadamente
responsáveis, as importâncias necessárias para satisfação do passivo”91.
Desta forma, de duas uma: ou o credor fica satisfeito, ou, se não
ficou, é porque nenhum dos sócios (nem todos em conju nto) têm as somas
necessárias à sua satisfação; caso contrário, teriam vindo pela via da
obrigação dos sócios. Não restará, então, ao credor senão optar pela via
da falência da sociedade, adiante analisada.
Mas além de afastada na prática disso, ou talvez por isso mesmo,
esta opinião não acha base legal segura.
Ainda teria algum argumento interpretativo em face de um preceito
que, como faz o artigo 2304 do Código Civil italiano, expressamente
admitisse a possibilidade de a responsabilidade subsidiária do sócio se
efectivarnafasedeliquidação.Seriaum argumento literal, embora, como
se verá, meramente aparente. Mas nem mesmo esse argumento tem a seu
favor, em face da redacção do n.° 1 do artigo 175.° que Raul Ventura
sente a necessidade de corrigir, a fim de o adaptar à sua construção, não
olhando, sequer, para a sua posição sistemática enquanto repositório das
“caracteríslicas” legalmcnte típicas das sociedades em nome coleclivo
(tenha-se presente, a propósito, o disposto no artigo l.°, n.° 1 e 2)92’93.
Se bem interpretamos o pensamento do Autor, a expressão por nós sublinhada pretende
referir-se ao regime do artigo 826.°, na parte aplicável, a queoportunamente atenderemos.
’* Ibidein, pág. 381.
92 Cfr., a este propósito, o artigo 1016.° do nosso Código Civil, do qual resulta com
toda a evidência, que é a responsabilidade do sócio enquanto tal que aí está em causa.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 213

Ao que ainda resta acrescentar que, na mesma base, teria pelo menos
de se suscitar a questão de saber porque razão a previsão, nos dois
preceitos referidos, de uma reponsabilidade pela entrada (art. 175.°, n.°
1) e de um poder, por parte dos liquidatários, de reclamar as dívidas da
entrada (art. 195.°, n.° 2) não gera, quanto à entrada, uma distinção (e
consequente cumulabilidade) paralela àquela que se julga encontrar entre
a responsabilidade subsidiária “pelas obrigações sociais” (art. 175.°, n.°
1) e de um poder, por parte dos liquidatários, de reclamar as quantias
necessárias para a satisfação das dívidas sociais (art. 195.°, n.° 2).
A nosso ver, este entendimento representa ainda uma tentativa de
superar o dilema atrás referido não abdicando do axioma indemonstrado
de que a responsabilidade do sócio em nome colectivo é uma garantia
pessoal prestada por terceiro à sociedade e que, enquanto tal, o vincula
directamente perante os credores sociais.
Sensível à impossibilidade lógica de, com base neste pressuposto,
justificar o poder reconhecido aos liquidatários pelo n.° 2 do artigo 195.°
de exerceram direitos dos credores sociais, Raul Ventura tenta resolver
o problema defendendo que não é aquela responsabilidade que é exercida
pelos liquidatários mas uma outra, distinta e a cumular com ela.
Mas ainda que o fosse — e não o é — a justificação última dessa
obrigação resssuscitaria as perplexidades a que se pretende fugir.
Como se justificaria, na verdade, que uma garantia pudesse fazer
surgir, entre devedor e garante uma nova obrigação, a cumular com ela,
que vincule o garante a adiantar àquele as somas necessárias para
pagamento das somas garantidas? E como se explicaria que a satisfação
do credor pelo garante, o desvincule de uma obrigação para com o
devedor tão independente como aquela que se julga encontrar no n.°2 do
artigo 195.°?94 E, mais ainda, que justiça haveria cm, com base,
simultaneamente, na responsabilidade subsidiária95 e na finalidade da

93 Sintomaticamente, de resto, o Prof. Raul Ventura não consegue abster-se da


afirmação de que é a responsabilidade ilimitada do sócio que está prevista no n.° 2 do art.
195.°. Assim, acerca da relação entre a obrigação aí prevista e a obrigação de entrada,
escreve: “ficou também resolvido um problema que os preceitos civis italiano e português
deixavam em aberto: o da prioridade entre a reclamação da dívida de entrada e a
reclamação da responsabilidade ilimitada do sócio” (Dissolução... cit., pág. 372).
w Nem vale a pena perguntar se há ou não e porquê a sub-rogação (legal) do garante
ao credor.
95 Lembre-se que esta obrigação, embora seja considerada independente da
responsabilidade, só pesaria sobre sócios que sejain subsidiariamente responsáveis.
214 DIREITO E JUSTIÇA

liquidação96, obrigar o garante (o sócio) a prestar ao devedor (através dos


seus órgãos, os liquidatários) as quantias necessárias para a satisfação do
credor (social), salvando, assim a própria sociedade da falência, para
depois o sócio não poder opor ao credor que já adiantou as somas
necessárias para a sociedade satisfazer este último?97

5. (concl.) Posição adoptada

Parece-nos suceder neste ponto algo de semelhante ao que anotámos,


a propósito do sentido da referência à responsabilidade subsidiária no n.°
1 do artigo 175.° De alguma forma, torna-se necessário evitar que a
construção dogmática exceda a sua própria índole, passando, de estrutura
conceituai que, através da redução à unidade de uma pluralidade de dados
jurídicos reais98, confere iluminabilidade ou inteligibilidade à realidade
jurídica (e que é, sem dúvida, indispensável ao estudo e à própria praxe)99,
a uma espécie de jugo da realidade jurídica, amoldando-a, directamente
ou através da sua interferência na exegese que logicamente a precede
quando a fonte primacial das normas jurídicas é a lei, às necessidades da
sua lógica interna.
Ora a nosso ver, as normas constantes do n.° 1 do artigo 175.° e do
n.° 2 do artigo 195.° estão, como se pode verificar numa leitura da lei não
comprometida com a construção da responsabilidade do sócio como uma
garantia pessoal prestada por terceiro, em relação de especialidade.
Que diz o primeiro? que “na sociedade em nome colectivo, o sócio,
além de responder individualmente pela sua entrada, responde pelas
obrigações sociais subsidiariamente em relação à sociedade e
solidariamente com os outros sócios”, o que significa, conforme já
expusémos, que ele só responde “pelas obrigações sociais” uma vez
esgotados ou exauridos os bens da sociedade.
Que diz o segundo? Que, “nos termos e para os fins do artigo 152.°,
n.° 3 [ou seja, para cumprir as obrigações sociais], os liquidatários devem
reclamar dos sócios, além das dívidas de entradas, as quantias necessárias

56 Lembre-se que esta obrigação só surgiria na fase de liquidação.


” Para evitar injustiças facilmente previsíveis, a melhor — se não mesmo a única
— solução seria excluir o poder dos liquidatários de que se tem vindo a falar.
” Oliveira Ascensão, O Direito... cit., pág. 457.
"Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal Português. Parte Geral, 1,2’ed., Lisboa/
S.Paulo, 1982, pág. 67.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 215

para satisfação das dívidas sociais, em proporção da parte de cada um nas


perdas; se, porém, algum sócio se encontrar insolvente, será a sua parte
dividida pelos demais, na mesma proporção”. E, como vimos, os
liquidatários apenas o podem fazer uma vez esgotado o activo social.
Ora, da simples leitura destas disposições legais resulta
imediatamente que entre as normas que contêm existe uma relação de
especialidade, forma por excelência, do concurso (aparente) de normas.
O n.° 1 do artigo 175.° refere-se à responsabilidade do sócio em nome
colectivo em geral, como “característica” típica da sociedade em nome
colectivo; o n.° 2 do artigo 195.°, desenha-a na circunstância especial da
liquidação da sociedade, onde aquela assume particularidades advindas
precisamente de tal circunstância.
A responsabilidade a que se referem uma e outra disposições legais
é a mesmíssima e tem o mesmo alcance essencial, apenas sucedendo que,
no artigo 195.°, ela se deixa ver com as alterações sofridas cm virtude de
a sociedade se encontrar em liquidação. A obrigação de entregar aos
liquidatários, além das dívidas de entrada, as quantias necessárias para a
satisfação das dívidas sociais (art. 195.°, n.° 2) é a concreta configuração
que a responsabilidade do sócio pelas obrigações sociais para além da
entrada (art. 175.°, n.° 2) assume na fase de liquidação, tal como a dívida
de entrada a que se refere o n.° 2 do artigo 195.° é a concreta configuração
quearesporisabilidadeindividualpelaentradadequefalaon.01 do artigo
175.° assume na fase de liquidação. Não há, na passagem de uma a outra
(e, corrcspeclivamente, de uma norma a outra) modificação essencial e
muito menos são elas distintas por forma a permitir a sua cumulação100.

6. Especialidades da responsabilidade subsidiária na fase de liquidação


da sociedade; a pessoa que a exerce

Que alterações soire a responsabilidade subsidiária do sócio na fase


de liquidação e, naturalmentc, em virtude dessa alteração?
À primeira vista, seriamos levados a identi ficar, à cabeça, a mudança
do titular da pessoa que aparece a exercer a situação jurídica activa
correspectiva.
Na verdade, afirma-se correntemente e talvez nesse sentido vá a
própria lei ao falar em responsabilidade “pelas obrigações sociais”, que
100 Cfr., neste sentido, perante o artigo 136.° do Código Comercial, Cunha
Gonçalves, Comentário..., I cit., pá. 312 e José Tavares, Sociedades... cit., pág. 674.
216 DIREITO E JUSTIÇA

a responsabilidade subsidiária do sócio éuma responsabilidade directa do


sócio para com o credor, que estes, naturalmente, podem exercer. E, dessa
forma, é-se levado a afirmar que, diferentemente, na liquidação, são os
liquidatários a exigir dos sócios as quantias necessárias à satisfação dos
credores.
Todavia, como já se explicou atrás, dado que a responsabilidade do
sócio é a mesmae única, não há justificação possível para o aparecimento
dos liquidatários a exercê-la.
O liquidatário é um órgão da sociedade dissolvida e dado que esta
mantém a sua personalidade jurídica após a dissolução, ela própria
continua a ser titular do seu património e sujeito das suas situações
jurídicas, mormente das suas obrigações. Assim, nada pode explicar que
ela exerça, perante os sócios, direitos que originariamente competem aos
(seus) credores sociais em face daqueles. Não adquire os seus direitos,
não os representa, como pretende Mossa, nem, tão-pouco, se lhes pode
sub-rogar no exercício dos seus direitos pois ela é devedora e não credora
dos credores sociais.
O carácter directo da responsabilidade do sócio quanto aos credores
sociais é, assim, incompatível com o seu exercício pela sociedade (e
através de órgão seu) como bem consideram aqueles que defendem a
supressão de tal exercício, assim como aqueles que opinam estarem em
jogo duas responsabilidades diferentes e não uma só e que, como tal, se
podem mesmo cumular.
No entanto, em face da actual lei portuguesa, é claro, não somente
que os liquidatários têm tal dever, como ainda que é a mesma a responsa­
bilidade a pesar sobre o sócio.
Vejamos em que medida é que o outro pressuposto deste inultra­
passável resiste à dúvida: é indiscutivelmente claro que os sócios são
directamente responsáveis perante os credores sociais? E somos levados,
com toda a sinceridade, a responder que não.
Desde logo, porque é que esse aspecto não está claramente expresso
no n.° 1 do artigo 175.°, como não o estava no Código Comercial?101
Trata-se, segundo cremos, de algo mais intuído do que demonstrado.
E essa intuição assenta no facto de ser claro que os credores podem,
nomeadamente antes da liquidação, exercer essa responsabilidade.
101 Sintomaticamente, o Prof. Raul Ventura, limita-se a afirmar que no art. 175.°,
n.° 1, “a responsabilidade pelas obrigações sociais é responsabilidade para com os
credores sociais” e a invocar a lição de um Autor italiano para demonstrar a
inadmissibilidade do seu exercício pela sociedade (Dissolução... cit., pág. 375).
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 217

Todavia, é claramente admissível que o credor social apareça a


exercer um direito da sociedade, sua devedora, em face dos sócios.
Assim, em vez de ser a sociedade, na fase de liquidação (e através dos
liquidatários), a exercer um direito dos credores em face dos sócios, são
os credores sociais que, nos outros casos, exercem direitos da sociedade,
sua devedora, perante os sócios. Ao contrário daquele, este exercício
nada tem de admissível e, em face da largueza com que é admitido (cfr.
art. 606.° do Código Civil), não hesitamos mesmo em qualificá-lo como
perfeitamente normal.
Assim se explica, na verdade, que a liquidação, porque tem como
finalidade fechar os negócios sociais, importe ainda, se disso fôr caso, o
cumprimento desta obrigação dos sócios para com a sociedade. E assim
se explica ainda que, à semelhança do que faz G. Ferri em Itália, Raul
Ventura afirme que entre as relações sociais que liquidação visa fechar
defini livamente se conta aresponsabilidadesubsidiária. Ambosos Autores
falam expressamente de relações entre os sócios mas, ao contrário do que
defende G. Ferri no Direito Italiano, em Portugal, o Código das Sociedades
Comerciais é claro no sentido de que a sociedade, ainda que dissolvida,
é pessoa jurídica, pelo que se tratará, mais exactamente, de uma relação
entre a sociedade e os sócios102.

6. (conl.) A conjunção

Já atrás se fez referência ao regime geral estabelecido nos n.° 1 e 3


do artigo 175.°. Importa agora conjugá-lo com o disposto, para o caso
especial da liquidação, no n.° 2 do artigo 195.°.
Nos termos já por diversas vezes citados deste, os liquidatários
devem reclamar dos sócios as quantias necessárias para a satisfação das
dívidas sociais em proporção da parte de cada um nas perdas. Todavia,
acrescenta-se, se algum dos sócios se encontrar insolvente, será a sua
parte dividida pelos demais, na mesma proporção.
Significa isto que, embora com uma nuance, adiante referida, na
fase de liquidação, a responsabilidade subsidiária dos sócios não é
solidária mas pro parte: a cada um dos sócios só pode ser exigida uma
parte do montante total dos débitos insatisfeitos.
102 Já José Tavares afirmava, a propósito do artigo 136.° do Código Comercial, que
a responsabilidade ilimitada do sócio “derivava da sua qualidade de sócio” (Sociedades...
cit., pág. 674).
218 DIREITO E JUSTIÇA

Já atrás se anotou que, no domínio do Código Civil anterior e do


Código Comercial, a responsabilidade do sócio da sociedade particular
era conjunta e a responsabilidade do sócio em nome colectivo era
solidária, o que estava em consonância com o âmbito da solidariedade
passiva no Direito civil e no Direito comercial, situação que o Código
Civil de 1967 viria alterar (art. 1016.°). Todavia, aquela verificação
permite-nos colocar em sede própria o problema de saber como se
justifica que, pelo facto de ser efectivada durante a liquidação, a
responsabilidade deixe de ser perfeitamente solidária e passe a ter as
características atrás assinaladas.
Assume aqui relevância o fim próprio da liquidação, tantas vezes
invocado aeste propósito. Na verdade, visando esta o fecho definitivo dos
negócios sociais, não se compreenderia que permanecessem vivas as
relações de regresso entre os sócios.
No entanto, o simples facto de a sociedade estar.em liquidação não
justifica a protecção do credor, fim último da solidariedade passiva. Daí
que não esteja ausente um resquício importante de solidariedade: o
acrescer (ou melhor, o não decrescer) entre co-rcsponsáveis no caso de
insolvência de um deles (cfr. n.° 2 do artigo 195.°, n.° 2, em confronto
com o artigo 526.° do Código Civil). Daí, também, que, no caso de
dissolução em virtude de declaração de falência da sociedade, ressurja a
solidariedade (cfr. art. 1296.° do Código de Processo Civil), como se verá
já de seguida.

II. FALÊNCIA DA SOCIEDADE EM NOME COLECTIVO

1. Relações entre a falência da sociedade e a falência ou insolvência


do sócio

Antes de entrar propriamente no estudo do modo como se efectiva


a responsabilidade subsidiária do sócio em caso de falência da sociedade,
convém traçar uma breve panorâmica das relações entre a falência da
sociedade em nome colectivo e a falência ou insolvência do sócio103.

103 A alternativa justifica-se na medida em que, como adiante se referirá, o sócio em


nome colectivo não é necessariamente ou por essa qualidade um comerciante mas isso não
quer dizer que o não possa ser.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 219

Deixou-se dito que a insolvência da sociedade em nome colectivo


ou seja a “mera” insuficiência dos bens da sociedade para suportar o seu
passivo não legitima, de modo algum a falência desta mas “apenas” a
efectivação da responsabilidade subsidiária do sócio. Invocou-se, para
tanto, o confronto entre o n.° 1 do artigo 826.° e o n.° 2 do artigo 1174.°,
ambos do Código de Processo Civil.
Disse-se ainda que, da mesma forma, e por idêntica razão, os
credores não podem requerer a conversão da execução da sociedade em
nome colectivo em falência (art. 870.°, n.° 1 do Código de Processo Civil)
se antes se não demonstrar que os patrimónios dos sócios não chegam
para pagamento dos créditos verificados.
É, de resto, esse o pressuposto do argumento invocado cm favor do
poder dos liquidatários a que se refere o n.° 2 do artigo 195.° e segundo
o qual se trataria de obstar à declaração de falência da sociedade
dissolvida.
A declaração de falência da sociedade em nome colectivo só pode
dar-se, por isso, em virtude da demonstração de um dos pressupostos
previstos no n.° 1 do artigo 1174.°. Interessa-nos de modo especial o
primeiro, ou seja, a cessação de pagamentos, desde que suficientemente
significativa de incapacidade financeira.
Para apurar a incapacidade financeira da sociedade em nome
colectivo é necessário entrar em linha de conta com a responsabilidade
subsidiária dos seus sócios e a possibilidade de, por via desta; a sociedade
ultrapassar o momento difícil que atravessa sem, sequer, correrem sério
risco os credores sociais. Nas palavras já citadas de Cunha Gonçalves,
enquanto os sócios tiverem bens com que possam ser integralmente
pagos os débitos sociais, não poderá ser declarada falida a sociedade104.
Desta forma, a incapacidade financeira da sociedade em nome colectivo
supõe ou envolve a incapacidade financeira dos sócios para suportarem
a responsabilidade subsidiária que eventualmente pesará sobre eles, de
modo que sempre que esta não exista, aqucl a, ainda que a sociedade eslej a
em situação de insolvência,.também não existe.
Tal é o sentido substancial a retirar do n.° 2 artigo 1174.° do Código'
de Processo Civil se, como é legítimo, lido a contrario e se devidamente
conjugado com o n.° 1 do artigo 826.° do mesmo Código. A lei fornece,
uma vez mais, uma indicação subtil mas real de que a responsabilidade
subsidiária do sócio em nome colectivo é algo de interno às suas relações
104 Comentário..., I cit., pág. 290.
220 DIREITO E JUSTIÇA

com a sociedade e que, de algum modo, está envolvido no seu activo, na


sua possibilidade de cumprir as suas obrigações ou, ainda, na sua
capacidade financeira.
O que vai dito é susceplível de explicar a disposição, tradicional
entre nós e segundo a qual “a sentença que declare a falência da sociedade
declarará igualmente a de todos os sócios de responsabilidade ilimitada”
(art. 1291.°, n.° 1 do Código de Processo Civil). Repete-se: é assim
precisamente porque a responsabilidade subsidiária se comporta como
um dos elementos activo do património da sociedade, um direito desta em
face dos sócios e, como tal, o juízo de incapacidade financeira da
sociedadeem nome coleclivo cnvolveum juízo de incapacidade financeira
dos sócios para cumprirem aquela obrigação, aliviando a sociedade do
peso do seu passivo.
Por outro lado, o juízo de incapacidade financeira da sociedade em
nome colectivo, se não se reduz à mera insolvência, não deixa de a supor
e, como tal, traz consigo a eventual efectivação da responsabilidade
subsidiária dos sócios. E também isso justifica a declaração de falência
destes.
Convém, no entanto, ter presente que a inversa já não é verdadeira,
ou seja, que a insolvência ou falência do sócio não implica um juízo de
incapacidade financeira da sociedade. É certo que esta declaração verifica
a impossibilidade, por parte desse sócio, para suportar a responsabilidade
subsidiária. Mas a sociedade não se resume àquele sócio, de modo que a
sua incapacidade financeira não fica só por isso comprometida. Daí que
a declaração de falência ou insolvência de um sócio não implique a
falência da sociedade (arts. 1288.°e 1315.° do Código de Processo Civil).
Isto, por sua vez, não obsta que tal falência ou insolvência tenha
reflexos ao nível das relações entre a sociedade e os sócios. E assim, para
além de ficar o falido proibido de desempenhar as funções de gerente da
sociedade (art. 1191.° do Código de Processo Civil105), o facto de ficar
declarado impossibilitado de suportar a sua responsabilidade subsidiária
justifica que a sociedade o possa excluir (art. 186.°, n.° 1, al. b) do Código
das Sociedades Comerciais). E, uma vez mais, não pode deixar de se
105 O que leva à conclusão de que a regra segundo a qual a declaração de falência
ou insolvênciade um sócio não implica a falência da sociedade não pode ser absoluta pois,
como escreveu Barbosa de Magalhães, não se compreende que existam e possam
funcionar sociedades em nome colectivo cujos sócios estejam todos individualmcnte
falidos visto não haver, então, quem as administre c represente (Código de Processo
Comercial Anotado, II, 3' ed„ Lisboa, 1912. pág. 494 e segs.).
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 221

anotar como é significativo, para a questão da natureza jurídica da


responsabilidade do sócio em nome colcctivo este poder de exclusão,
pelo confronto que oferece entre os factos que lhe dão origem e que
correspondem à violação ou impossibilidade de cumprimento, pelo
sócio, das suas obrigações para com a sociedade (cfr. as diversas alíneas
do n.° 1 do artigo 186.°).

2. As características gerais da responsabilidade do sócio em nome


colectivo na falência da sociedade: a) Subsidiariedade;

Passando agora à análise da efectivação da responsabilidade do


sócio em nome colectivo na liquidação em consequência da declaração
de falência, cabe dizer que ela, como decorre, de resto, do que já se foi
dizendo, se dá através da cumulação, no mesmo processo de falência, da
falência da sociedade e de todos os sócios. As relações entre essas várias
falências, em grande medida independentes, são reguladas
fundamental mente nos artigos 1160.°, n.° 3 (e 1272.°), 1290° a 1293.°
e 1295.° a 1299.0106 do Código de Processo Civil.
Não cabe, no objecto do presente estudo a exposição detalhada dos
aspectos em que se desdobra essa cumulação107 mas apenas tocar os
pontos que mais directamente interessam ao nosso tema.
Nos termos do n.° 1 do artigo 1296.°, “quando a massa social não
chegue para integral pagamento dos credores sociais, concorrem estes a
todas as massas particulares, e em cada uma pela totalidade do seu
desembolso, para aí entrarem em rateio com os respectivos credores
particulares comuns”.
Significa isto que ainda em sede de falência da sociedade (e embora
importando esta a falência de todos os sócios), a responsabilidade dos
sócios se apresenta como subsidiária pois só pode serefectivada quando
a massa falida da sociedade não chegue para integral pagamento dos
credores e estes só concorrem às massas particulares dos sócios pelo
saldo dos débitos.

106 Anote-se, todavia, que o artigo 1298.° é ainda aplicável a sociedades de


responsabilidade limitada.
107 Apresenta especial interesse, quanto a esta, o artigo 1293.°.
222 DIREITO E JUSTIÇA

3. (cont.) b) Solidariedade

Na falência, ao contrário do que sucede em todos os outros casos de


liquidação, a responsabilidade é solidária e não conjunta ou parciária: os
credores sociais concorrem, uma vez esgotada a massa social, a todas as
massas particulares dos sócios, e em cada uma pela totalidade do seu
desembolso, como diz o n.° 1 do artigo 1296.°.
Isto explica-se pela circunstância de a solidariedade passiva se
justificar pela protecção do credor que, ao contrário do que sucede nos
outros casos de liquidação, ficari a decisivamente posta em causa mediante
a supressão, mitigada embora, da solidariedade precisamente pelo facto
de estarem declarados falidos, ao lado da sociedade, todos e cada um dos
sócios. E é ainda essa protecção que justifica a solução especial que
consta do artigo 1297.°.
Todavia, essa mesma protecção não pode ir e não vai ao ponto de
permitir aos credores sociais locupletarem-se injustamente à custa dos
sócios e daí o regime que consta dos n.°s. 2 e 3 do mesmo artigo 1296. °108.
Também quanto ao regresso entre os sócios, a única solução
plausível é diferente à que é de dar em sede de liquidação por outra causa
e traduz-se em admitir que este permanece após a liquidação. É, na
verdade, solução preferível a desproteger o credor. De todo o modo,
admitir que o regresso se verifique ainda na falência conjunta mediante
o concurso dos sócios às massas particulares uns dos outros é que não é
possível pois a determinação daquilo que levantam os credores sociais da
massa de cada sócio não leva em conta o possível regresso que outros
sócios tenham contra ele.

4. Concordata

Cabe ainda fazer uma breve referência às diversas possibilidades de


concordata (quer preventiva, quer suspensiva) e suas consequências no
âmbito da falência da sociedade em nome colectivo.
Uma vez que a sentença que declara a falência da sociedade declara
igual mente a de todos os sócios de responsabilidade ilimitada compreende-
se que os credores sociais possam conceder concordata ou só à sociedade
ou só a um ou mais sócios (art. 1299.°, n.° 1).
IM O qual adapta a este caso as normas constantes dos artigos 1219.° e 1257.° quanto
aos condevedores solidários falidos.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 223

No primeiro caso, os credores sociais só têm acção contra os bens


pessoais dos sócios pela parte dos créditos que exceder a percentagem
aceita através de concordatas tal direito lhes fôr expressamente assegurado
no instrumento concordatário (1160.°, n.° 3. Cfr. ainda o art. 1272.°).
No segundo diz a lei, algum tanto confusamcnte, que “os bens não
sociais do sócio concordado saem da massa social, não respondendo esta
pelas obrigações da concordatae ficando aquelelibcrto de responsabilidade
solidária para com os credores da massa” (art. 1299.°, n.° 2).
Importa fazer algumas observações que a interpretação das
disposições que acabamos de citar suscita.
Começamos por precisar o sentido do n.° 1 do artigo 1299.°
esclarecendo algo que a lei deixa implícito mas não afirma: é que a
concessão de concordata à sociedade produz efeitos em relação aos
sócios enquanto que, pelo contrário, a concessão de concordata a algum
ou alguns deles não produz efeito, pelo menos directo e semelhante, em
relação àquela.
Relativamenteaoprimeiroaspecto.lembre-seoqucatrás concluímos:
o juízo de incapacidade financeira da sociedade envolve umjuízo de igual
teor em relação aos sócios, de tal modo que aquele se não pode fazer
independentemente deste o que deriva do facto de a responsabilidade dos
sócios estar incluída no património da sociedade como seu elemento
activo.
Por outro lado, não pode deixar de se salientar a profunda diferença
entre as consequências da concessão de concordata à sociedade
relativamente aos sócios e as consequências da concessão de concordata
ao devedor tendo este garantes pessoais109.
Neste último caso, os credores podem, como é natural, exercer
contra o devedor os seus direitos rei at i vos à parte dos créditos que exceder
a percentagem aceita através de concordata mas, por esta última, só o
podem fazer se tiverem subordinado a concordata à cláusula salvo
regresso de melhorfortuna. Em qualquer caso, porém, conservam todos
os direitos contra os garantes do devedor (art. 1160.°, n.° 2 e 1153.°, n.°
4 do Código de Processo Civil).
Ora, é certo que também no caso de concessão de concordata à
sociedade em nome colectivo os credores podem exercer contra ela os

109 Para além, obviamente, do facto de, neste último caso, nunca a declaração de
falência do devedor poder envolver, necessariamente e por si só, a declaração de falência
dos seus garantes.
224 DIREITO E JUSTIÇA

seus direitos relativos à parte dos créditos que exceder a percentagem


aceita através de concordata e, por esta última, só o podem fazer se
tiverem subordinado a concordata à cláusula salvo regresso de melhor
fortuna. Todavia, ao contrário do que sucede relativamente aos garantes,
os credores, como diz a lei, “não têm acção” contra os bens particulares
dos sócios pela parte dos créditos que exceder a percentagem aceita
através de concordata e mesmo pela pela parte incluída na precentagem
aceita só atêm se tal lhes for expressamente assegurado pelo instrumento
concordatário (1160.°, n.° 3).
Passando agora à concessão de concordata só a um ou alguns dos
sócios, importa atentar nos termos algum tanto obscuros do n.° 2 do artigo
1299.°, atrás transcrito.
Por um lado, parece haver contradição na afirmação de que “os bens
não sociais do sócio saem da massa social".
Por outro lado, embora seja claro o significado da afirmação de que
a sociedade não responde pelas obrigações da concordata, já assim não
sucede com a que se lhe segue, como seu reflexo: o sócio concordado
“fica liberto de responsabilidade solidária para com os credores da
massa”.
Para compreender esta disposição é necessário ter presente, em
primeiro lugar, que a massa social inclui, nos termos do Código de
Processo, o conjunto de todos os bens pertencentes a cada um dos sócios.
É o que se retira dos termos do artigo 1293.° que se refere a uma única
massa falida (a “massa social”), de administração unitária, mas em que
o inventário, conservação e liquidação se faz separadamente: de um lado
os “bens sociais” e de outro os “bens pertencentes a cada um dos sócios”
(cfr. ainda o n.° 2). Estes últimos são os “bens não sociais” a que se refere
o n.° 2 do artigo 1299.°: nos termos desta disposição, são retirados
daquela massa (social) unitária os bens particulares (não sociais) do sócio
não concordado.
A segunda parte da disposição tem o sentido de que a sociedade e os
restantes sócios continuam falidos eprossegue a liquidação quanto a eles,
o que se explica facilmente se nos lembrarmos que a falência ou
insolvência do sócio não gera, por si só, a falência da sociedade.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 225

5. A discussão sobre a qualidade de comerciante do sócio em nome


colectivo

A declaração de falência dos sócios cm nome colectivo nos termos


expostos motivou, entre nós e não só110, um vivo debate àccrca não tanto
da sua admissão — a discussão seria estéril dada a clareza dos textos
legais—mas àccrca da sua ratio e, mais precisamente, do seu significado
quanto à qualificação do sócio em nome colectivo como comerciante.
O problema era normalmcnte posto assim: nos termos da lei, o
comerciante impossibilitado de cumprir as suas obrigações considera-se
em estado de falência (art. 1135.01"); por seu turno, o devedor não
comerciante pode ser declarado em estado de insolvência quando o activo
do seu património seja inferior ao passivo (art. 1313.°).
Como compreender que a sentença que declare a falência da
sociedade declare igualmente a falência de todos os sócios cm nome
colectivo (art. 1291.°)?

6. (cont.) Opinião segundo a qual o sócio em nome colectivo é


comerciante
Para uns esta disposição compreende-sc na medida em que o sócio
cm nome colectivo é, pelo simples facto de ser sócio em nome colectivo,
um comerciante.
Duas linhas se seguiram na justificação desta opinião.
A primeira é a que nega verdadeira personalidadejurídica à sociedade
em nome colectivo. Guilherme Moreira defendeu, isolado mas convicto,
que a sociedade cm nome colectivo não era uma verdadeira pessoa
jurídica, antes correspondendo a uma certa unificação de um património
colectivo. Nesta base, é óbvio que sãoos sócios, únicas pessoas envolvidas,
o suporte da qualidade de comerciante.
Criticar-se-á adiante a negação da personalidade jurídica da
sociedade. Diga-se, poróm, desde já que, alóm de rejeitada pela restante
doutrina, dificilmente se mantinha se confrontada com o artigo 108.° do
Código Comercial. E o Código das Sociedades Comerciais teve a preocu­
pação de fechar a única porta de saída literal que essa opinião encontrava,
110 Cfr., no Direito italiano A. Jorio, //falliniento, IV parte, III vol. da Giurisprudenza
sistemática Civile e Cominerciale, dirig. por W. BAGIAVI, Turim, 1972, págs. 2315 e
segs..
ni Cfr. ainda arts. 1140.°, n.° 1 e 1174.°.
226 DIREITO E JUSTIÇA

isto é, o facto de literalmente a lei se referir apenas à individualidade


jurídica face a terceiros.
No entanto, no aspecto que agora nos interessa, topa com um
obstáculo insuperável: a falência da própria sociedade enquanto diferen­
ciada da falênciade todos os sócios. Essa partição era apenas o afloramento
de outra mais funda: a partição da qualidade de comerciante de cada
sócio, dado que também a sociedade era dada como comerciante.
Como explicá-lo então?
Ainda no sentido do reconhecimento da qualidade de comerciante
aos sócios em nome colectivo, e depois de afirmar o maior rigor lógico
da opinião contrária, J.G. Pinto Coelho"2 aduzia a realidade de observação
constante, para concluir pela qualidade de comerciantes pelo menos por
parte daqueles sócios que têm participação pessoal e directa no exercício
mercantil da sociedade. Citando Marghieri, alega que raramente pessoas
que não tenham já a qualidade de comerciante ou não se disponham a
adquiri-la, entrarão numa sociedade comercial assumindo responsa­
bilidade ilimitada; que o contrato social nada mais representa do que um
meio de exercer coleclivamente o comércio; e finalmente — e aqui há
alguma concessão às teses de Guilherme Moreira) — que “os negócios
em que se desenvolve a actividade social interessam à sociedade apenas
porque no fundo e verdadeiramente, são do interesse dos sócios que
empenham na sua realização, não simplesmente com o capital que
puseram em comércio, constituíndoofundo social, mas também, subsidià-
riamente, todos os seus haveres”113’"4.

7. (cont.) Opinião segundo a qual o sócio em nome colectivo não é


comerciante

A refutação desta opinião baseia-se correntemente no f


reconhecimento da personalidade jurídica das sociedades em nome
colectivo assim como na natureza de garantia pessoal da responsabilidade
do sócio.
Nessa base, até J. G. Pinto Coelho reconhecia o rigor até “excessiva­
mente lógico” da opinião contrária e as “razões jurídicas” que militavam
por ela.
112 Lições... I, cit, págs. 202 e segs..
113 Ibidem, pág. 200.
1HO SUBLINHADO É NOSSO.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 227

É que, sendo a sociedade cm nome colectivo pessoa jurídica


diferenciada dos próprios sócios, e sendo-lhe, por isso, imputáveis os
aclos praticados pelos seus órgãos (e respectivos efeitos), ela é que é
comerciante e não também os sócios. É certo que estes vêm ou podem ver
tais actos reflectidos nos respectivos patrimónios porque são
subsidiariamente responsáveis. Todavia, diz-se, “o sócio não é mais do
que um fiador solidário das obrigações sociais e garantir as obrigações
dum comerciante não constitui profissão115.

8. (concl.) Posição adoptada: o sócio em nome colectivo não é


comerciante

Perpassa esta discussão, como é bom de ver, o problcmada construção


dogmática da sociedade em nome colectivo. Este problema tem dois
pressupostos: de um lado, a personalidade jurídica da sociedade; do
outro, a responsabilidade subsidiária do sócio.
Enquanto a doutrina corrente tende a aceitar ambos esses pressupostos
e a conjugá-los através da figura da fiança, Guili erme Moreira, criticando
tal construção, opta porinutilizar o primeiro pressupostode modo que, no
lugar da socidedade, aparecem, na realidade, todos e cada um dos sócios.
A tudo isso nos referiremos mais tarde.
Por agora repita-se apenas que a personalidadejurídica da sociedade
em nome colectivo foi indubitavelmente confirmada e até sublinhada
pela nova lei das sociedades e, nesse aspecto, não pode deixar de se
entender que reconheceu razão àqueles que entendi am que esse autónomo
centro de imputação de direitos e deveres que respeitam aos vários sócios
nessa sua qualidade é também, nessa medida, o centro de imputação da
qualidade de comerciante.
Para compreender a situação importa partir da seguinte base: não se
vê que outras consequências, para além da submissão à falência, possam
retirar-se da suposta qualidade de comerciante do sócio em nome
colectivo116. Basta pensar na obrigação de escrituração mercantil ou de
registo comercial...

115 Cfr. C. Vivante, Trattato... cit., aptid Mário de Figueiredo, Direito... cit., pág.
118 e nota (2) e A. Ferrer Correia, Lições,..., I cit., pág. 152. Invocando ainda o
argumento, J. G. Pinto Coelho, Lições..., I, 3* ed., Lisboa, 1957, págs. 200 e segs.
116 Era aspecto a que J. Gadriel Pinto Coelho não deixava de aceitar (cfr. Lições...,
I cit., págs.204 e segs.). Na realidade, porém, as obrigações gerais dos comerciantes,
228 DIREITO E JUSTIÇA

Por isso não custa aceitar que a afirmação de um estado de falência


por parte do sócio cm nome colectivo e sua declaração concomitante à
declaração de falência da própria sociedade sirva um fim de ordem
puramente pragmática c se explique por razões de ordem histórica de
forma que, embora seja certo que a lei declara os comerciantes em estado
de falência (e sujeitos ao processo de falência), aquela afirmação não
impõe o reconhecimento da qualidade de comerciantes aos sócios cm
nome colectivo pelo simples facto de o serem'17.
Comecemos pelo fim pragmático a que aludimos. Por um lado, o
juízo de incapacidade financeira da sociedade envolve juízo sobre a
capacidade financeira dos sócios para suportarem a sua responsabilidade
subsidiária; por outro lado, torna-se necessário organizar uma única
massa falida sobre a qual se efectivará o concurso dos credores sociais,
massa essa que abrange todos os bens particulares dos sócios para
efeclivação dessa mesma responsabilidade subsidiária.
A efeclivação da responsabilidade subsidiária impõe uma excepção
ao princípio quot causae, lot processas que, no âmbito do processo
executivo, apenas torna admissível o cúmulo de execuções (com ou sem
pluralidade de exequentes118) contra o mesmo executado.
No entanto, admitida uma tal excepção, pode accitar-sc que não
seria necessário admitir a declaração de falência dos sócios. Na verdade,
a solução mais natural seria a de que, consoante os sócios, por outro facto,
fossem ou não comerciantes seriam declarados falidos ou insolventes
procedendo-se à cumulação de todas as falências c insolvências dos
sócios com a falência da sociedade. E, na verdade, ó isso que parece
suceder.
Expliquemo-nos: impõe-sc, cm qualquer caso, um desvio à regra
segundo a qual se não podem cumular execuções a que corresponda
processo especial diferente daquele que deva corresponder à outra"9,
descritas no artigo 18.° do Código Comercial, são-lhes de todo inaplicáveis (Oliveira
Ascensão, Direilo Comercial. Parte Geral, I, Lisboa, 1988, pág. 254).
117 Não está evidentemente excluído que o sócio em nome colectivo adquira a
qualidade de comerciante antes ou depois do seu ingresso na sociedade mas por facto
distinto da sua participação social. O que está em discussão, desde o início, ó a questão
de saber se o sócio em nome colectivo é comerciante pelo simples facto de ser sócio em
nome colectivo isto é, se pela simples participação na sociedade em nome colectivo se
torna comerciante.
111 Assim, respectivamente, na coligação de exequentes e na cumulação de
execuções, nos termos dos art. 58.° e 53.° e 54.° do Código de Processo Civil.
"’Cfr.arts. 53.°,n.° l,al. c),54.°mpiee58.°,n.° 1 in/J/icdoCódigodeProcessoCivil.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 229

desvio esse que 6 possibilitado pela circunstância de a marcha do


processo de i nsol vencia ser, cm grande medida, moldada sobre a marcha
do processo de falência120.
Mas se assim é, ou seja, se, nessa medida, se tem de reconhecer que
a declaração de insolvência e não de falência dos sócios não comerciantes
em nada alteraria a marcha do processo que hoje se segue não será porisso
mesmo significativa a expressa afirmação legal no sentido de que eles
podem encontrar-sc cm estado de falência c como tal podem c devem ser
declarados?
É aqui que intercede a razão histórica que atrás referimos. Importa
não esquecer que a disposição em causa veio, nessa parte inalterada, do
Código Comercial (art. 746.°) e, nessa altura, o Direito português
desconhecia o instituto da insolvência121. Foi pela sobredita necessidade
prática de organizar uma massa falida única que englobasse, embora em
planos diversos (dando realização prática à subsidiariedade) os bens
sociais e os bens particulares dos sócios que se sujeitaram os sócios
dircctamente à falência (do mesmo passo que se declaravam sujeitos a ela
os comerciantes).
A confusão só foi possível porque, ató 1939, a matéria da falência
esteve fora do Código de Processo Civil (succssivamcnte, no Código
Comercial, no Código das Falências de 1899 no Código de Processo
Comercial e no Código das Falências de 1935), tendo o capítulo relativo
às disposições especiais aplicáveis às sociedades permanecido quase
idêntico122. A insolvência viria a ser consagrada pelo Decreto n.° 21.758,
de 23 de Outubro de 1932, e o legislador de 1939, cm vista da origem
recente de ambos os diplomas (o Código das Falências de 1935 c o
Decreto n.° 21.758) limitou-se a reproduzi-las sem qualquer alteração.
120 Note-se que é a diversidade qualitatitiva que distingue as formas especiais de
processo entre si e em relação às formas comuns, enquanto a diferença entre as várias
formas de processo comum c quantitativa, uma diferença de grau, podendo dizer-se que,
no primeiro caso, os termos são diferentes', no segundo são inais ou menos solenes. Tal
é o que toma a unificação processual impossível no primeiro caso e possível no segundo.
Cfr., por todos, M. Dias da Silva, Processos Civis Especiaes Civis e Commerciaes e
Processo Penal, I, Coimbra, 1905, págs. 16 e 17 e J. Alberto dos Reis, Processos
Especiais, I, reimpr., Coimbra, 1982, págs. 1 e 2.
121 Cfr. J. Alberto dos Reis, Processos Especiais, II, cit., pág. 349.
122 A disposição segundo a qual a sentença que declare a falência da sociedade em
nome colecti vo declara também a dos sócios em nome colectivo transitou sucessivamente
do Código Comercial — art. 746.° — para o Código das Falências de 1899 — art. 162.®
— para o Código de Processo Comercial — art. 340.’ — c para o Código das Falências
de 1935 —art. 219.°.
230 DIREITO E JUSTIÇA

Hoje, a questão encontra-se superada (e no bem sentido) porque o


Código das Sociedades admite expressamente que o sócio em nome
colectivo pode ser declarado insolvente.(art. 186.°, n.° 1, al. b)). A sua
qualidade de comerciante não lhe advóm, assim, da sua qualidade de
sócio em nome colectivo.

§2.°
O passivo superveniente

1.0 problema

Uma última hipótese cabe referir ainda de certo modo relativa à


liquidação: a que respeita ao passivo superveniente à liquidação (art.
163.°) ou, como mais propriamente se lhe costuma chamar em doutrina,
aos débitos subsistentes.
Nos termos do artigo 163.°, encerrada a liquidação e extinta a
sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito
ou acautelado até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo
do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.
O que significa isto?

2. A sucessão nas situações jurídicas da extinta sociedade

Melhor será, como em tudo, começar pelo princípio.


Estamos perante uma situação em que a sociedade já não existe, já
está extinta, permanecendo apenas antigos sócios, verdadeiros e próprios
titulares dos bens ou melhor das situações jurídicas activas que lhes
couberam na partilha.
Dá-se, assim, nesta altura uma vicissitude paralela mas de sentido
inverso àquela que ocorre na constituição da sociedade.
Então, concomitantemente com a constituição da sociedade esta
adquire dos sócios determinadas situações jurídicas, necessárias à
actividade social e que, no seu conjunto, irão constituir o património da
própria sociedade123.
123 Deve notar-se que nem sempre a aquisição assume a mesma natureza, podendo
ser uma aquisição derivada translativa—parte em que analiticamente se pode cindir uma
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTTVO 231

Agora, concomitantcmentc com a extinção da sociedade, as situações


jurídicas que sc achavam nesse momento no seu património passam para as
esferas jurídicas dos ex-sócios, numa vicissitude que não custa qualificar,
como defendeu e defende entre nós Raul Ventura, como sucessão124.
transmissão, em sentido próprio — (assim na generalidade das entradas em espécie, e,
bem assim, nas entradas cm dinheiro imediatamente realizadas) ou uma aquisição
derivada constitutiva (quanto a algumas entradas cm espécie como, por exemplo, a
constituição, a favor da socedade de um usufruto de uma coisa de um dos sócios). E pode
ainda verificar-se a constituição de um crédito a favor da sociedade (como sucede quanto
às entradas cm dinheiro parcialmentc diferidas e às entradas de indústria).
124 Dissolução... cit., págs. 470 e segs.. A complexa questão da natureza da
sucessão, que não podemos versar aqui, impõe-nos algumas prevenções. Antes de rnais,
importa dizer que a qualificação da vicissitude que sc dá por ocasião da extinção de uma
sociedade como sucessão pode suscitar objecções por parte daqueles que autonomizam
sucessão c transmissão como faz Oliveira Ascensão (Direito Civil. Sucessões, 4‘ ed.,
Coimbra, 1989, págs. 460 e segs. e. sobretudo, 461 e segs.). O Autor expressamente
admite que nada força à restrição da sucessão à sucessão por morte mas apenas refere
como verosímil a extinção de uma pessoa colectiva quando o património de uma pessoa
reverte cm globo para outra pessoa como, por exemplo, na fusão (Ibidem, págs. 468-469).
Não se vê, no quadro do pensamento do Autor, razão decisiva para tal restrição. Uma vez
admitido que a diferença entre sucessão e transmissão, no que respeita à identidade de
posições jurídicas (c, correlativamcnte, à transparência do facto e à identidade do título)
é de grau e portanto que aquela identidade é de carácter relativo (cfr. ob. e loc. cits.,
pág.464, no sentido já defendido por I. Galvão Telles, Teoria Geral do Fenómeno
Jurídico Sucessório, Lisboa, 1944, págs. 22 e segs. e M. Gomes da Silva, Direito das
Sucessões, apud Oliveira Ascensão, ob. e loc. cits., pág. 463 e segs.; cfr., no entanto, do
primeiro, Direito das Sucessões. Noções fundamentais, 6" ed., Coimbra, 1991, págs. 41
e segs.), o problema evolui para a questão de saber sc, no caso de extinção da sociedade,
sc pode ainda encontrar, utilizando /nidarírninrandísosmesmoscritérios, umeontinuador
pessoal para a sociedade. Não se vê que tal só possa acontecer quando seja um só a
beneficiar do património da pessoa colectiva por ocasião da extinção desta. Mas importa
ainda fazer três outras observações. Está claro, em primeiro lugar, que a extinção de uma
sociedade (e, em geral, das pessoas colectivas) não equivale à morte de uma pessoa: a
vicissitude que então se verifica não é mortis causa mas inter vivos e isso impõe todo o
cuidado na investigação do seu regime, sendo de evitar analogias injustificadas com a
primeira. Por outro lado, a vicissitude que se dá por ocasião da extinção de uma sociedade
não é gratuita e sim onerosa pois é o correspcctivo de paralela vicissitude que se dá no
momento da constituição da sociedade, como ficou dito no texto. Assim, não sc lhe aplica
a fundamental regra invito benefteium non datur (Paulo, D, 50,17,69), o que a simplifica
extraordinariamente. Finalmcnte, nem sempre haverá uma transmissão como se pode
ilustrar pensando na hipótese de um sócio ter entrado com um usufruto de coisa sua, assim
como nas entradas em dinheiro diferidas e não integralmente realizadas e nas entradas de
indústria. Podemos falar aqui, como I. Galvão Telles faz relativamente à sucessão por
morte (Direito das Sucessões cit., págs. 84 e segs.), em "sucessão em sentido económico"
com as reservas, já feitas, de que o enriquecimento se não dá nem a título gratuito nem
por morte de uma pessoa.
232 DIREITO E JUSTIÇA

Só não o seria, como muito bem afirma o mesmo Autor, se se


admitisse que, antes de extinta a sociedade, tais situações jurídicas já
pertenciam aos próprios sócios, ou seja, se se desprezasse a personalidade
jurídica da sociedade125.
Falou-se em situações jurídicas em geral sem distinguir as situações
activas e passivas e, na realidade, não há lugar para distinguir. Apenas
sucede que, para protecção dos crodres sociais, se faz preceder a partilha
dos haveres sociais da sua liquidação. Em grande medida, é isso que
justifica o instituto da liquidação. Daí que, embora, em termos normais,
o passivo socialjádeva estar completamcnte liquidado após aliquidação,
tal pode muito em não acontecer. E, quando assim seja, a sucessão
vcrifica-sc ainda em relação a ele.
I
3. A justificação dessa sucessão i

É, assim, uma sucessão que subjaz à responsabilidade dos antigos


sócios referida no artigo 164.°.
Cabe agora refieclir sobre a justificação dessa sucessão e esta
inevitavelmente tem de se ir buscar à sua qualidade de sócio e, cm última
análise, ao próprio pacto social. É que o desenho que atrás se fez do que
se passava na constituiçãoe na extinção dasociedade não está obviamente
completo pois falta acrescentar que, na constituição da sociedade, nasce
ou autonomiza-se no património do sócio um direito complexo que
resume os seus direitos e deveres sociais: a sua participação social (parte,
quota ou acção, consoante os casos)126. Com a extinção da sociedade
125 Ibitiem. O argumento é tecnicamente conecto e procedente mas não devemos
esquecer que onde falte a personalidade jurídica se verifica uma vicissitude distinta mas
substancialmente contígua: à comunicação de bens que ocone num momento inicial
contrapõe-se então a separação ou partilha de bens. Assim se verifica, por exemplo, nas
associações sem personalidade jurídica.
126 Aparticipação social—cuja unidade scmanifesta.porexemplo, na circunstância
de sobre ela poderem recair negócios jurídicos únicos mas que não impede a diversidade
de destino das partes em que se pode decompor — apresenta uma estrutura complexa,
sendo, por isso, analisável numa pluralidade de situações jurídicas com fisionomia
peculiar que as apartam, quer dos direitos de crédito, quer dos direitos reais (I. GalvãO
Telles, Introdução...,, II cit., págs. 497 e segs.). Fundamentalmentc, podem distinguir-
se a participação na vida social (mormente a participação nas deliberações dos sócios —
mediante discussão e votação — e na administração e fiscalização da sociedade) e a
participação nos haveres sociais de algum modo presente na participação nos lucros e nas
perdas e sobretudo patente quando a sociedade se dissolve ou o sócio dela se exonera ou
é excluído.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 233

também este se extingue. Também neste aspecto as vicissitudes que se


verificam nos dois momentos são paralelas mas de sentido inverso: ali há
como que uma duplicação de situações jurídicas; aqui há como que uma
confusão.
É cm virtude desta peculiar situação jurídica que se opera a sucessão
a favor do sócio, o que se costuma exprimir dizendo que o sócio tem, entre
as situações jurídicas que compõem a sua participação social, um direito
à quota de liquidação127.
Ora, em relação aos sócios em nome colectivo, a sua posição ou
qualidade de sócios inclui a própria responsabilidade subsidiária. É esta
que explica, quer a sucessão do sócio à sociedade, quer ainda a sua
extensão. Explicando: quando os credores se dirigirem contra os sócios
nos termos do artigo 164.°, não estão a efectivar a responsabilidade
subsidiária destes; estão a dirigir-sc-lhcs na qualidade de sucessores da
sociedade. Apenas sucede que estes sucedem no passivo social para além
dos bens que receberam na partilha (figurativamente pode dizer-se ultra
vires hereditalis). E tal aconteceporqueéissoquederiva da suaqualidade
de sócios (que incluía a sua responsabilidade subsidiária). Numa palavra,
a sucessão dos sócios em nome colectivo, na sua subsistência, como na
sua extensão, explicam-se pela índole da sua sua qualidade de sócios em
nome colectivo.

4. (cont.) Posição de Raul Ventura; crítica

Afastamo-nos, assim, da opinião de Raul Ventura segundo a qual,


para os sócios cm nomccolectivo.aresponsabilidade não deriva do artigo
164.°, n.° 1 mas do próprio contrato de sociedade e mantém-se depois de
extinta a sociedade128.
Na verdade, não há nada que possa explicar esta diferença entre
sócios de rcsponsabilidadelimitadaesóciosde responsabilidade ilimitada
quanto ao passivo superveniente. E, quanto ao sócio em nome colectivo,
tão-pouco é compreensível a desarmonia na explicação do regime do
passivo superveniente e do activo superveniente (arts. 163.° e 164.°).

127 Ein última análise, a justificação desse direito reside nas características do
próprio contrato de sociedade. É a esse propósito elucidativo o art. 188.° do Código das
Sociedades Comerciais.
121 Dissolução... cit., pág. 484.
234 DIREITO E JUSTIÇA

Por outro lado, conforme já se referiu, a própria sucessão do sócio


deresponsabilidadelimitadatemelaprópriadescjustificar, em si mesma
como nos seus limites, através da sua qualidade de sócio e, afinal, do
próprio contrato de sociedade12’.
A parte final do n.° 1 do artigo 163.° não tem o sentido de excluir do
âmbito desse preceito o sócio em nome colectivo (de resto, o preceito
aplica-se-lhe inquestionavelmente) mas apenas o de ressalvar, quanto ao
sócio em nome colectivo, o que nele vai disposto relativamente ao
montante ou à extensão da responsabilidade.

§3.°
Efectivação da responsabilidade do sócio
antes da liquidação da sociedade

1. Evolução histórica e posição dos problemas que suscita

Quando a responsabilidade do sócio se efectiva antes da liquidação


da sociedade, o seu carácter subsidiário traduz-se na necessidade em que
se encontram os credores de “excutirem todos os bens sociais”, como diz
o Código de Processo Civil.
A efectivação da responsabilidade do sócio independemente da
liquidação anda há muito singularmente embrulhada em torno da
interpretação da disposição que hoje consta do n.° 1 do artigo 826.°
daquele Código.
Daí a conveniência de, à guisa de introdução, passar sumariamente
em revista a sua conturbada evolução.
Já conhecemos a redacção inicial do artigo 825.° do Código de 1939.
Esse preceito parecia admitir que o credor social instaurasse a execução
contra a sociedade e, uma vez cxculidos todos os bens desta, continuasse
a mesma execução provocando a penhora dos bens particulares dos
sócios.
Assim mesmo o entenderam J. Alberto dos Reis e Barbosa de
Magalhães, segundo os quais a execução podia ser instaurada apenas
119 Como justificação desta o Autor aponta “a extensão do direito de cada sócio
relativamente ao património cx-social” (Dissolução... cit., pág. 480) mas essa explicação
é parcial pois não chega a explicar de onde vem (e como se coordena com a sucessão) esse
direito do sócio ao património ex-social.

A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 235

contra a sociedade'30 e se a dívida não ficasse integralmente satisfeita


podia, em seguida, o credor fazer penhorar os bens particulares dos
sócios, o que impunha, no entanto, a citação dos sócios a fim de serem
colocados na posição de executados c poderem, dessa forma, pagar ou
deduzir a oposição que tivessem131. Numa palavra, após a excussão dos
bens sociais, a instância continuava contra os sócios indicados pelo
exequente, os quais eram citados ainda no mesmo processo.
Não era, entretanto, líquida a questão de saber o que sucedia se fosse
instaurada execução cxclusivamente contra o sócio. J. Alberto dos Reis
é, a este respeito, extremamente vago afirmando que os sócios podem
deduzir a oposição facultada por lei mas não explica que oposição pode
ser essa; afirma que se terá promovido uma execução sem resultado
prático, pois chegado ao momento da penhora o credor se verá na
necessidade de voltar ao princípio fazendo citar a sociedade, mas não
explica qual o destino da execução iniciada contra os sócios132. E tão
pouco era clara a questão de saber como se processava a execução se,
como se admitia133, fosse instaurada, logo de início, contra a sociedade e
os sócios. J. Alberto dos Reis basta-se com a afirmação de que “então é
que, excutido o património social, se segue imediatamente a penhora dos
bens particulares dos sócios”134.
Finalmente, um problema fundamental dividiu adoutrina: enquanto
uns entendiam que o título executivo (incluindo a sentença condenatória)
contra a sociedade estendia a sua eficácia contra os sócios135, outros
defendiam solução oposta. Os sócios, escrevia Barbosa de Magalhães,
têm o direito de discutir a existência da dívida; e não se pode dizer que a
sociedade os representa na acção contra ela intentada e que, portanto, a
sentença nela proferida os obriga. E acrescentava: a sociedade, conluiada
ou não com o credor, pode não ter contestado; pode ter-se defendido mal;
pode ató ter confessado a acção; os sócios não podem estar sujeitos a todas

130 Cfr. J. Alberto dos Reis, Processo de Execução, I, cit., págs. 253 e 254 e
Barbosa de Magalhães, Gaz. Rei. Lisb., ano 54.°, pág. 65, apud Lopes Cardoso, Manual
da acção executiva, ed. póstuma da 3* cd., Lisboa, 1987, pág. 365.
131 J. Alberto dos Reis, ibidem.
132 Ibidem.
133 J. Alberto dos Reis, Processo de Execução, I cit., pág. 254 c Barbosa de
Magalhães, ob. e loc. cits..
134 Neste sentido, cfr. Cunha Gonçalves, Comentário..., I cit., pág. 344 e J. Alberto
dos Reis, Processo de Execução, I cit., pág. 254.
135 Processo de Execução, I cit., pág. 253 e segs..
236 DIREITO E JUSTIÇA

estas contingências; e só no caso de conluio teriam o direito de usar do


recurso de oposição de terceiro nos termos do artigo 778.° do Código de
Processo Civil — o qual importaria para eles dispêndio de tempo,
trabalho e dinheiro e seria de êxito difícil e muito incerto136.
Na evolução legislativa subsequente viria a revelar-se decisiva a
intervenção de Lopes Cardoso pelo que importa expor sintética mas
autonomamente as opiniões que defendeu ainda no domínio do Código
de 1939137.
Quanto ao primeiro problema, fundado na diminuição das garantias
de defesa do sócio—al guém que, sem ser executado e sem ter oportu nidade
de se defender da acção executiva veria, sem mais, penhorados os seus
bens — afirmava: “o princípio da imutabilidade da instância quanto às
pessoas, princípio expresso no artigo 286.°, não sofre outras cxccpçõcs
além das previstas de modo taxativo nos artigos 269.° e 270.°, para todos
os processos e no artigo 864.° para o processo executivo”138. Desta forma,
seria proibido desviar para o sócio acção executiva que se instaurou
contra a sociedade: à penhora que se tentasse fazer poderia o sócio (ainda
que os bens sociais se achassem cxcutidos) embargar de terceiro.
Assim, a execução deveria ser logo inicialmente movida contra a
sociedade e o sócio em litisconsórcio, podendo este opor-se à penhora dos
seus bens particulares antes da excussão dos bens sociais, quer através de
recurso do despacho que ordenara a penhora, quer ainda de embargos de
terceiro.
Por outro lado, a responsabilidade do sócio era inexigível antes da
completa excussão dos bens sociais uma vez que estava sujeita a uma
condição139. Daí que afirme expressamente que incumbe ao exequente
provar que tal condição se verificou pela forma prevista no artigo 804.°.
Se o não fizer, o juiz deve indeferir in limine o requerimento inicial e se
assim não acontecer, o executado podeagravardo despacho decitação ou
embargar fundado na inexigibilidade da obrigação exequenda (art. 813.°,
al. í))140. Eis as consequências que aponta à interposição da execução
apenas contra os sócios.
13í Gaz. Rei. de Lisboa, 54.°, pág. 65. No mesmo sentido se pronunciara já, embora
não muito claramente, Adriano Antero, Comentário ao Codigo Cominercial, I, Porto,
1913, pág. 289
137 Cfr. Manual da Acção Executiva, 2* cd., Coimbra, 1949, págs. 311 e segs..
134 Correspondentes, respectivamcnte, aos atrs. 268.°, 270.° e 864.° do actual
Código.
139 Ob. c loc. cits., págs. 194 e segs.. Cfr. ainda ed. póst., pág. 218.
140 Ob. e loc. cits., pág. 194. Cfr., ainda, da 3"ed., págs. 218 e 219.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 237

Quanto ao terceiro problema, Lopes Cardoso seguiu convictamcnte


a opinião de Barbosa de Magalhães e, embora as suas considerações
fossem especialmcnte feitas tendo presente a sentença condenatória141,
afirmava de um modo geral que “a acção executiva só pode ser movida
contra a sociedade c qualquer dos seus sócios quando ambos tenham sido
condenados ou figurem pcssoalmcnte no título executivo”142.
A Reforma de 1961 viria consagrar expressamente a opinião de
Lopes Cardoso quanto ao primeiro problema, sendo devida a essa
consagração a única alteração que o preceito então sofreu. Mas já quanto
aos outros problemas, nenhuma indicação suplementar foi dada; quanto
a estes, por isso, tudo ficou como estava.

2. Contra quem pode ser interposta a execução?

A corrccta perspcctivação do problema impõe que se comece por


precisar o significado da lei quando faz anteceder a penhora dos bens
pessoais do sócio da excussão de todos os bens sociais.
Como já ficou referido, a completa excussão dos bens sociais (do
latim excussere, despojar) corresponde ao esgotamento destes através do
processo executivo e implica, por isso, a penhora e subsequente venda
judicial ou adjudicação dc todos os bens sociais143. Como escreve
Anselmo de Castro, a impenhorabilidade subsidiária não se projecta na
execução com regime igual em todos os casos: ora a penhorabilidade dos
bens só sucessivamente responsáveis é subordinada à prévia excussão
dos bens primeiramente obrigados (isto é, à prévia venda desses bens),
ora tem lugar concomitantemente, pela verificação da sua insuficiência.
E o caso do sócio em nome colecti vo (tal como o do fiador) conta-sc entre
os da primeira espécie e, pois, torna necessária a prévia venda dos bens
da sociedade não sebastando, mesmo quando seja manifesta a insuficiência
deles, com a determinação ad hoc da insuficiência mediante os valores a
tomar em conta na futura venda judicial144.

141 Alegava nomeadamente que nenhuma lei dava força de caso julgado contra os
sócios à sentença proferida contra a sociedade e, de um modo geral, afirmava que a
opinião de J. Alderto dos Reis contrariava flagrantemcnte a regra peremptória do art.
55.°, não cabendo cm nenhum dos casos dos arts. 56.® e 57.°.
142 Ob. e loc. cits., ed. póst., pág. 366.
143 Por todos, cfr. J. Alderto dos Reis, Processo de Execução, I cil., págs. 242 e 243
144 Acção Executiva... cit., págs. 110 e 111.
238 DIREITO E JUSTIÇA

Antes dessa excussão, fora ou independentemente da liquidação, os


credores sociais nada podem exigir dos sócios.
Mas o caminho já percorrido fornece-nos ainda um outro elemento:
é que, diferentemente do que sucede com o fiador e, desde 1966, com o
sócio civil, a excussão dos bens sociais não é um contra-direito dos sócios
em nome colcctivo, mas algo que, como pressuposto do direito exercido
pelo credor, se impõe automaticamente a este.
Isto lança alguma luz sobre a questão que nos parece ser de abordar
em primeiro lugar e que é a de saber o que sucede se o credor instaura a
execução exclusivamente contra o sócio, antes de executada a sociedade
e de excutidos os bens sociais.
O artigo 826.° não lhe responde. Incluído na subsecção I—bens que
podem ser penhorados — da secção relativa à penhora no processo ordi­
nário para pagamento de quantia certa'45, limita-se a declarar, na parte que
interessa às sociedades em nome colcctivo, que na execução movida
contra a sociedade e o sócio,como tal responsável, não podem penhorar-
se bens particulares deste, senão depois de excutidos todos os bens
sociais.
Relativa a um momento lógica e cronologicamente posterior à
citação para a execução, nada dispõe directamente quanto a esta questão,
limitando-se a pressupô-la, muito embora, precisamente porque o faz,
deixe ou possa deixar ver alguma coisa sobre a sua solução146.
Os termos literais e sistemáticos do n.° 1 do artigo 826.° suscitam a
questão de saber se a execução do sócio antes da execução da sociedade
e completa excussão dos bens desta consubstancia um caso de
inexigibilidade, como sustenta Lopes Cardoso, ou um simples caso de
suspensão da execução antes da realização da penhora e até àquela
excussão, como sustenta Lebre de Freitas'47, porventura na sequência de
J. Alberto dos Reis.
Colocada a questão em face do artigo 825.° do Código de 1939,
daríamos razão a Lopes Cardoso, não nos parecendo decisiva a contra
argumentação expendida em contrário por Anselmo de Castro e por
Lebre de Freitas.
O primeiro destes Autores escreve que se o devedor subsidário
(categoria em que engloba tanto o sócio em nome colcctivo como o

145 Cfr., no entanto, o disposto no art. 466.°.


146 E foi precisamcntc isso que suscitou o problema com que nos debatemos.
147 Cfr. Direito... cit., nota (1) à pág. 136.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 239

fiador148) goza do benefício de excussão, apenas a invocação deste


determinará a necessidade da demanda sucessiva do devedor principal,
não podendo, por isso, com propriedade, ser o caso considerado como o
de inexigibilidade da obrigação149. Ora, pode discutir-se se o simples
facto de a excussão dos bens do devedor ser um benefício a exercer pelo
fiador impede em absoluto que haja aí um caso de inexigibilidade150, mas,
de todo o modo, a excussão dos bens sociais não é um benefício para o
sócio e sim algo que automati camente se i mpõe ao credor como pressuposto
da sua exigência àquele.
Por seu turno, Lebre de Freitas contesta a qualificação escrevendo
que a obrigação tanto é exigível ao sócio que, se houver, por exemplo,
lugar a juros de mora, ele está obrigado subsidiariamente a pagá-los151. A
objecção não procede pois, em primeiro lugar, a inexigibilidade, no
sentido amplo em que a expressão é usada na al. 1) do artigo 813.° do
Código de Processo Civil corresponde à falta de exigibilidade a que se
refere o artigo 802.° e esta inclui, alóm do caso das obrigações a prazo não
vencidas, o caso das obrigações sujeitas a condição suspensiva (art.
804.°). Isto mesmo reconhece o próprio Autor ao escrever que “quando
a obrigação está dependente de condição suspensiva, ela só será exigível
depois de a condição se verificar”152. Ora, a responsabilidade do sócio em
nome colectivo é, numa pcrspectiva processual, equiparável ao de uma
obrigação sujeita a condição, uma vez que o credor social só se pode
dirigir aos sócios depois da completa excussão dos haveres sociais e para
exigir o saldo dos seus créditos que, apesar daquela, ficou por satisfazer.
Em segundo lugar, aquilo a que Lopes Cardoso refere a inexigibi­
lidade não é à dívida social em si mesma considerada — a mora no
cumprimento desta pode, evidentemente, dar lugar ao pagamento de
juros — mas à responsabilidade subsidiária do sócio (a qual só pode ser
efectivada pelos credores sociais após a completa excussão dos bens da
sociedade e pelo saldo de crédito insatisfeito).
148 Cfr. ob. c toe. cits., pág. 110 e 111.
149 Ob. e loc. cits., pág. 86.
150 Nos termos do artigo 638.° do Código Civil, ao fiador ó lícito recusar o
cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter
a satisfação do seu cródito. É certo que verdadeiramente, o credor pode exigir-lhe o
cumprimento c por isso compreende-se a afirmação de Anselmo de Castro. Mas não
menos certo é que ao fiador é lícito recusar o cumprimento coisa que ó incompatível com
a verdadeira e própria exigibilidade.
131 Ob. e loes. cits..
152 Ob. e loc. cits., pág. 48.
240 DIREITO E JUSTIÇA

Após a refomia de 1961, porém, algumas dúvidas nos ficam sobre


a solução uma vez que não parece admissível que o facto de o sócio ser
citado logo de início conjuntamente com a sociedade faça variar a sua
situação153. E a verdade é que o artigo 826.° pressupõe claramcnte essa
possibilidade admitindo expressamente que o sócio seja citado para a
execução antes da efectiva cxcussão dos bens sociais.
No entanto, o carácter puramente formal desta execução ab initio
conjunta torna mais razoável entender que aquela solução se mantém
convivendo, algum tanto incoercntcmcntc, com esta última do que aceitar
a deturpação daquela por mero reflexo desta.
Analisando o processamento desta execução logo deentrada dirigida
contra a sociedade e o sócio, verificamos que a execução deste fica
completamente parada desde a citação até à completa excussão dos bens
sociais.
Na verdade, ele não pode ser citado para pagar logo ou para nomear
logo bens à penhora uma vez que ele só é responsável após a excussão dos
bens sociais e apenas pelo montante que, apesar da excussão dos bens
sociais, fique por ressarcir.
Desta forma, uma citação pura e simples seria completamcntc escu­
sada pois suscitaria oposição com ume outro fundamento. Assim, o sócio
terá de ser citado como responsável subsidiário que é, o que implica que
a sua execução vai ficar completamcnte parada, suspensa, enquanto não
se proceder à completa excussão dos bens sociais e só após esta terá ele
de pagar ou nomear bens à penhora (o que parece impor a sua notificação
para o efeito)154.
Bem melhor — e mais prático e mais condizente com aquilo que
verdadeiramente se passa na marcha do processo ainda hoje — era a
solução que literalmcnte resultava do Código de 39 tal como a entendiam
J. Alberto dos Reis c Barbosa de Magalhães, ou seja, que a execução
seria proposta unicamente contra a sociedade e, uma vez excutidos os
bens sociais, seriam citados os sócios que o exequente indicasse para
pagar ou nomear bens à penhora. Estes teriam nesse momento ao seu
alcance todos os meios de defesa admitidos no nosso processo executivo,
podendo embargar de executado ou agravar do despacho de citação,
contanto que não reproduzissem num os fundamentos invocados no
outro._______
153 Essa uma crítica certeira a fazer à opinião que Lopes Cardoso defendeu no
domínio do Código de 1939.
154 Parece ser de aplicar analogicamcnte o arl. 828.°, n.° 2.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 241

A mesma inutilidade se mostra se se atentar que a alteração de 1961


não criou um litisconsórcio necessário e, por isso, ainda hoje pode a
execução ser instaurada apenas contra a sociedade153, podendo seguir-se-
lhe nova execução contra os sócios. E, neste caso, a principal diferença
relativamente ao regime do artigo 825.° do Código de 1939 estaríem que
o requerimento inicial do credor contra os sócios terá de ser
processualmente autónomo e, pois, de ir novamente à distribuição. E,
pergunta-se, qual a vantagem dessa nova distribuição? Não haveria, pelo
contrário, vantagem em enxertar a execução dos sócios na execução
contra a sociedade?156 Basta pensar na prova da excussão dos bens
sociais.
Mas ainda não está tudo dito. É que o fundamento último em que
Lopes Cardoso assentou a sua doutrina, ulteriormente consagrada na lei,
não procede. Não é verdade que o princípio da estabilidade da instância
impeça que se enxerte numa execução movida contra uma pessoa, uma
execução movida contra outra pessoa. Assim sucede na execução por
dívida provida de garantia real que pode seguir directamente contra o
possuidor dos bens onerados e, se estes não chegarem, pode a acção
executiva prosseguir no mesmo processo contra o devedor para completa
liquidação do crédito insatisfeito (art. 56.°, n.° 2). Assim sucede ainda no
caso de execução de dívida provida de fiança em que até se permite uma
dupla alteração subjcctiva na instância: a execução pode ser intentada
apenas contra o fiador157, seguir (após a fundada invocação do benefício

155 Neste sentido, cfr. além do próprio Lopes Cardoso Manual da acção executiva,
ed. póst. cit., pág. 366, Anselmo de Castro, ob. e loc. cits., págs. 84 a 86 e J. Lebre de
Freitas, ob. e loc. cits., pág. 135 e 136.
156 Da falta de justificação dacitação inicial de todosos responsáveis retira Anselmo
de Castro a admissibilidade da aplicação do princípio geral que vê aflorado no art. 56.°,
n.°2 (ob. e loc. cits., pág. 85). Sobre esta questão, cfr. infra.
157 Este preceito não sofreu em 1961 alteração correpondenteàdon.01 do art. 826.°,
como anota J. Lebre de Freitas, ob. e loc. cits., nota (1) à pág. 138. A analogia das duas
situações conduz, no entanto, segundo o mesmo Autor, à aplicação ao caso do fiador, dos
princípios que regem as relações entre a sociedade e o sócio. Discordamos. A alteração
do artigo 826.°, como o mesmo Autor ainda reconhece (ibidem), cingiu-se a pretender
resolver a questão das relações entre sócio e sociedade. Como deriva claramente do artigo
638.° do Código Civil, nada pode impedir o credor de demandar (e, se tiver título contra
ele, de o fazer executivamente) apenas o fiador. Este é que, se ti ver o benefício da excussão
e se o pretender exercer, se pode opor a tal execução. Neste caso, será citado, no mesmo
processo, o afiançado para pagar ou nomear bens à penhora. De resto, aquela doutrina
contraria o princípio geral que o mesmo Autor vê aflorado no n.° 2 do artigo 56.° (cfr. ob.
c loc. cits., págs. 78 e 79 e nota (1) à pág. 79).
242 DIREITO E JUSTIÇA

da excussão)'58 contra o afiançado e (após a excussão dos bens deste)


pode regressar ao fiador (que goza então da faculdade prevista no n.° 2
do art. 828.°). Perante estas regras não custa mesmo admitir que estamos
perante o afloramento de um princípio geral159, ao qual foge, sem
qualquer razão, o n.° 1 do artigo 826.°160.
Eis, em suma, a complexa situação em que, a nosso ver, nos
encontramos: a execução do sócio antes da execução da sociedade está
destinada a malograr-se já porque antes da excussão dos bens sociais nada
pode ser exigido ao sócio já porque este só responde pelo saldo que após
aquelaexcussão ficar porressarcir;ocredortem,porisso, duas alternativas:
ou instaura a (mesma) execução logo de entrada contra a sociedade e o
sócio (caso em que o processo, quanto a este, se suspende até à excussão
dos bens sociais e só então lhe pode ser exigido o pagamento ou a
nomeação de bens à penhora) ou instaura sucessivamente duas execuções
(distintas), uma contra a sociedade e outra contra o sócio.

3. O problema da extensão aos sócios da exequibilidade dos títulos


contra a sociedade

Mas ainda mais delicada se mostra a terceira questão que tem sido
discutida: a de saber se sim ou não o título executivo contra a sociedade
é éxtensi vo aos sócios em nome colectivo.
Como se sabe e já ficou referido, Autores há que negam essa
extensão161.

151É de recordar, no entanto, que esta citação inicial do fiador não é desnecessária
porque, ao contrário do que sucede com o sócio em nome colectivo ele pode gozar ou não
do benefício da prévia excussão e, gozando dele, pode exercê-lo ou não.
159 Neste sentido, cfr. Anselmo de Castro, ob. e loc. cits., págs. 85 e segs. e J. Lebre
de Freitas, ob. e loc. cits., págs. 78 e 79 e nota (1) à pág. 79.
160 Não pode admitir-se, com Anselmo de Castro (ob. e loc. cits., pág. 80 e segs.)
e, mais claramente, Lebre de Freitas (ob. e loc. cits., pág. 136), que ainda hoje é possível,
por aplicação de um princípio geral aflorado no art. 56.°, n.° 2 (Anselmo de Castro) ou,
o que no caso é o mesmo, por analogia com o art. 56.°, n.°2 (Lebre de Freitas) se pode
fazer citar no mesmo processo o sócio após a excussão do património social. Embora a
distorção ao princípio se reconheça e a analogia exista, não se pode considerar haver
lacuna mas diversa e incoerente regulamentação. Aplicar directamente o princípio ou
aplicar analogicamente aquela disposição seria fazer tábua rasa da reforma de 1961 que
mal ou bem, e antes mal que bem, pretendeu afastar esse regime, conforme ficou referido.
161 Cfr. Lopes Cardoso, Manual..., ed. póst. cit., págs. 364 e segs., Anselmo de
Castro, ob. e loc. cits., pág. 78 e Pinto Furtado, ob. e loc. cits., págs. 49 c segs..
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 243

Mas, e apesar da generalidade aparente de algumas afirmações, a


argumentação restringe-se quase sempre à sentença condenatória, o que
é uma significativa restrição, e nem mesmo af ela se mostra insusceptível
de sérias dúvidas.
Não é decisiva, e por af temos de começar, a argumentação no
sentido de que permitir a execução contra o sócio com base numa
sentença em que só foi condenada ou só figura como devedora a
sociedade seria contrariar frontalmente a disposição expressa do artigo
55.°, n.° 1, a qual só admite as exccpções restritas dos artigos 56.° e 57.°,
como pretende Lopes Cardoso162.
Não é necessário que as exccpções ao que consta do artigo 55.°, n.°
1 se encontrem referidas nos artigos seguintes c, aliás, o artigo 57.°, se
bem se reparar, admite que a execução seja promovida contra as pessoas
em relação às quais a sentença tenha força de caso julgado, questão que
ele próprio não resolve. Tudo fica, por isso, em aberto.
Pretende-se que, para plena possibilidade de defesa dos sócios, o
credor tenha que demandar, em acção declarativa, os sócios ao lado ou
independentemente da sociedade.
Mas como há-de o credor demandar os sócios?
Não vemos que o possa fazer senão depois da excussão do património
social. Antes disso, e em virtude do modo como se configura a
responsabilidade do sócio, não o pode demandar nem ao lado da sociedade
— por não caber na definição nem do litisconsórcio nem da coligação163
— nem, tão pouco, independentemente da excussão daquela por se tratar '
de pedido manifestamente improcedente, já que a responsabilidade do
sócio só pode ser efectivada após a excussão dos haveres sociais e para
suprir a insuficiência destes para o ressarcimento dos credores sociais164.
Não pode, por isso, provocar a intervenção principal, nos termos do
artigo 351.°. Mas também não pode evidentemente usar do chamamento
à autoria, da nomeação à acção ou da oposição dado que não só o caso não
142 Cfr. Manual..., ed. póst. cit., págs. 364 e segs..
143 Não é o mesmo pedido (ou, como querem alguns, a mesma relação jurídica) nem
um pedido conexo com o formulado contra a sociedade, nos termos do artigo 30.°,
nomeadamente um pedido dependente uma vez que a sua procedência não depende
apenas da procedência do pedido declarativo formulado contra a sociedade mas, além
dela, da completa excussão dos bens sociais. Tão-pouco é um pedido subsidiário uma vez
que não seria formulado para valer apenas em caso de não poder proceder o pedido
formulado contra a sociedade.
144 Cfr. arts. 474°, n.° 1, al. c) e 510.°, n.° 1, al. a). Sobre o alcance do caso julgado,
cfr. art. 673.°.
244 DIREITO E JUSTIÇA

vem previsto nos artigos 325.°, 330.° e 342.°, respectivamcnte, como,


muito principal mente, lhe é de todo inadequado por ser o réu e não o autor,
como é sabido, que pode provocar a i ntervenção de outrém através desses
incidentes.
Também não é lícito invocar, a este respeito, on.° 1 do artigo 8.° do
Código de Processo que permite propor a acção contra a pessoa colectiva
ou sociedade irregularmente constituída ou só contra as pessoas que,
segundo a lei, tenham responsabi 1 idade pelo facto que serve de fundamento
à demanda, ou simultaneamente contra uma e outras como faz Anselmo
de Castro, para depois retirar desta premissa a conclusão de que, se assim
é, não tem sentido que a sentença de condenação da sociedade faça caso
julgado para os sócios'65. Essa disposição é aplicável às sociedades em
nome colectivo, é verdade, mas apenas quando não estejam legalmente
constituídas. Por isso mesmo, não permite a instauração da acção (nem
isoladamente nem conjuntamente) contra os sócios irregulares só porque
o são mas apenas contra as pessoas (sócios ou não sócios) responsáveis,
não pela irregularidade da constituição, mas pelo facto que serve de
fundamento à demanda, isto é, pela causa de pedir do autor (cfr. art. 498.°,
n.° 1 e 4). E é também pela mesma razão que apenas se permite que a
pessoa colectiva ou sociedade que não se ache legalmente constituída
demande em reconvenção (art. 8.°, n.° 2). Ora nada disto se passa com a
sociedade em nome colectivo regularmente constituída.
Teríamos, então, de concluir que só após a excussão dos bens da
sociedade estariam os credores em condições de proccdentcmcnte ou,
pelo menos, utilmente demandares sócios, o que deixaria completamente
sem explicação que a lei falasse em permitir, desde logo, a penhora dos
bens particulares dos sócios.
Por outro lado, assinale-sc que toda a argumentação se baseia no
pressuposto segundo o qual o caso julgado contra a sociedade se não
estende aos sócios: estes têm o direito de discutir a dívida, não se podendo
dizer que a sociedade os representa e que, portanto, a sentença proferida
os obriga. A sociedade, conluiada ou não com o credor, pode ter-se
defendido mal e os sócios não podem estar sujeitos a essas contingências,
sendo certo que só teriam ao seu dispor a oposição de terceiros.
Que dizer?
Primeiro que tudo, importa sublinhar que, por força do carácter
subsidiário da responsabilidade do sócio em nome colectivo, a situação
165 Anselmo de Castro, Acção Executiva... cit., pág. 78.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 245

não apresenta a índole dramática que se lhe aponta. Na verdade, basta


pensar que a responsabilidade do sócio só pode ser efectivada após a
completa excussão dos bens sociais para compreender que o risco de uma
defesa negligente é aqui, quando muito, o normal (é sobretudo
incomparavelmente menor do que na fiança ou na solidariedade) sendo
mesmo inverosímil o conluio com os credores tendo em vista defraudar
os sócios.
De todo o modo, é iniludível que, com aquela argumentação é o tema
dos limites subjectivos do caso julgado que se repropõe surgindo aqui e
além para justificar a solução dada à responsabilidade do sócio o regime
da fiança166 e, até, o da solidariedade passiva167.
Não podemos, como facilmente se compreenderá, entrar nesta sede
em grandes desenvolvimentos àcerca de tão vasto e duvidoso problema.
Chama-se apenas a atenção para dois aspectos que se revestem de
extrema importância: por um lado, a afirmação segundo a qual não se
pode dizer que a sociedade representa os sócios (e de que, consequen­
temente, a sentença contra aquela proferida os não obriga), segundo
cremos, repete mas não explica a afirmação de que o caso julgado se não
estende aos sócios; por outro lado, o regime do caso julgado actualmente
vigente quer no domínio da fiança quer no domínio da solidariedade, do
mesmo passo que ilustra precisamente a extensão (limitada embora) do
caso julgado a terceiros, suscita, com grande acuidade a questão de saber
se constituem ailoramento, especialização ou excepção a regras mais
gerais sobre a matéria, pelo que a sua invocação a propósito de outros
casos se sujeita a fundadas dúvidas.
Nunca a eficácia relativa do caso julgado foi princípio absoluto. Não
o foi no direito romano, onde primeiramente se afirmou168, não o foi ao

*“ Cfr., por exemplo, Lopes Cardoso, Manual..., ed. póst. cit., págs. 366.
167 Anselmo de Castro, Acção Executiva... cit., pág. 78. Este Autor invoca ainda
o art. 8.°, conforme ficou já referido. Mas não se aplicando essa disposição senão às
pessoas colectivas ou sociedades irregulares não se podetn dela retirar as ilacções
pretendidas quanto ao caso julgado.
*“ É o que se depreende dos fragmentos pertinentes e, desde logo, do famoso texto
de Paulo “...nec inter alios res judicata aliiprodesse aut nocere solct" (D,20,4,16). Da
mesma forma, lê-se no Código “res interaliosjudicatae neque enioluinentunt adferre his,
qui judiciuin non interfuerunt, neque praejudiciuin solent inrogare" (C, 7,64,2). Essa
falta de carácter absoluto é ainda ilustrada por Macro no fragmento recolhido em
D,42,l,63 onde, depois de referir o princípio (“saepe constitutum est res inter alios
judicatas aliis non praejudicare") admite exprcssamentequeuinasentença pode prejudicar
terceiros que não intervieram na causa mas tiveram conhecimento do litígio. Cfr. ainda
246 DIREITO E JUSTIÇA

longo dos séculos169 e não o é ainda hoje, podendo dizer-se, com J.


Alberto dos Reis, que o caso julgado deu sempre provas de uma grande
força expansiva170.
A doutrina aceitou e continua a aceitar a existência destes casos em
que o caso julgado se projecta para além do restrito círculo dos litigantes
e entre os quais se aponta quase sempre a fiança e muitas vezes a
solidariedade, muitoemboradivirjanasuaexplicaçãoe, corrclativamente,
nos termos em que a admite. Ora, uma das doutrinas que surgiu para o
efeito foi a da representação e nesse sentido apontou entre nós Mello
Freire171. É nessa linha, em geral criticada172, que se insere a referida
afirmação de Barbosa de Magalhães173 de que a sociedade não representa
os sócios e por isso crê-se que, se bem entendida, se reduz à mera
reafirmação, por outras pal avras, de que o caso julgado contra a sociedade
não se estende aos sócios.
Esta não extensão, porém, nada tem de evidente e com isto passamos
ao segundo aspecto. É que uma vez que se admita que há casos em que

a respeito da legitimidade de terceiros para apelar Marciano em D,49,1,5 que estaria na


origem de semelhante regulamentação nas nossas Ordenações.
IM Suficiente ilustração fomeccm-na as nossa Ordenações as quais, admitindo
embora o princípio da eficácia relativa do caso julgado, lhe apresentavam como cxccpção
a legitimidade para apelar reconhecida, de um modo geral, a quem ficasse afectado pela
sentença. Um dos casos apontados excmplificativamente era o do fiador relativamente à
sentença dada contra o devedor na contenda entre este e o credor. Cfr., com indicação da
origem do princípio, Ord. Afonsinas, liv. 3, t. 85, pr. e §§ 1 e 4 e ainda Ord. Filipinas, liv.
3, L 81, pr. e §§ 1 e 4; O texto correspondente das Ord. Manuelinas deixa-nos dúvidas
sobre a aceitação do referido princípio — cfr. liv. 3, t. 67, pr. c §§ 1 e 4.
170 «Eficácia do caso julgado em relação a terceiros», in Boi. Fac. Dir., vol. XVII,
pág. 211.
171 Vale a pena, pela largueza dos seus termos, reproduzir na íntegra a opinião de
Mello Freire "...res judicata cuin jus tantumfacial interlitigantes, sequitur, ut aliis nec
noceat, necprosit (...) Excipiunturii, quiabeo, qui vistus est, causam habent, vel quorum
jus ab eo dependei, vel qui persentenliam perconsequentiam necessariam excludentur,
vel quorum causa indivídua est: qui omnes hac in rc non alii a litigatoribus haberi debent;
adeoque res inter alios acta, et judicata eisdem nocet, vel prodest". Cfr. Institutinoes
Juris Civilis Lusitani, 2* ed„ Coimbra, 1828, liv. IV, tit. XXI, § XVI.
172 Apresentada esta doutrina como enqudramento geral dos casos de extensão do
caso julgado o dilema de BEm é, como anota J. Alberto dos Reis, irrespondível: ou se
toma a palavra representação no sentido rigorosamente teórico, e neste caso é falsa, ou se
toma em sentido figurado e extra-jurídico, e então a doutrina reduz-sc a uma metáfora que
nada explica. Cfr. «Eficácia...» cit., pág. 231.
173 Assim como PAULOCuNHA.SwmZafão Processual e Anulação do Caso Julgado,
Lisboa, 1935, pág. 253.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 247

o caso julgado sc estende a terceiros174 é inevitável a questão de saber qual


o âmbito dessa admissão.
Cingindo a análise ao nosso país, importa muito notar que ainda no
domínio do Código Civil anterior era correntemente admitida a extensão
do caso julgado aos titulares de situações jurídicas dependentes daquela
que foi indiscutivelmente definida, apresentando-se invariavelmente
como um dos casos em que tal ocorria a fiança175. A explicação apresentada
entre nós por Manuel de Andrade consistia em dizer que a sentença
favorável proferida sobre a relação principal aproveita certamente ao
terceiro, porque a relação de que este é sujeito não pode existir ou manter-
se sem a relação litigada e definida pelas partes. Mas semelhante
justificação, denotando algum resquício da teoria material do caso
julgado176, deixava nadúvida a solução a adoptar rclati vamente àextensão
do caso julgado desfavorável ao titular da situação jurídica principal.
Manuel de Andrade escrevia que já não era forçoso que tivesse de
prejudicar o terceiro a sentença desfavorável ao titular da situação
174 Antunes Varela procedeu recentemente à crítica da doutrina da eficácia reflexa
do caso julgado mas não deixa, em boa verdade, de admitir que, em casos excepcionais,
a decisão proferida numa acção em que os terceiros não intervieram lhes seja oponível
com força de caso julgado (Cfr. Manual de Processo Civil, 2" cd., Coimbra, 1985,
pág.721).
175 Cfr. J. Alberto dos Reis, «Eficácia...» ciL, pág. 245-246 e 266 e segs.;
Guilherme Moreira Instituições de Direito Civil, vol. I, Coimbra, 1907, pág. 748 e 749
e Manuel de Andrade Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1963, pág. 290.
Nomcsmo sentido, perante o actual Código, cfr. Manuel de áhoradeNoçõcs Elementares
de Processo Civil, Coimbra, 1979, págs. 313-314, Castro Mendes Direito Processual
Civil, n, Lisboa, 1987, págs. 779 e segs. e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil
Declaratório, III, Coimbra, 1982, pág. 387. Outro caso apontado era e é o da hipoteca
constituída por um terceiro (cfr. Manuel de Andrade e Anselmo de Castro, obs. e loes.
cits. nesta nota).
176 Como escreve Cavaleiro deFerreira, “a resignação forçada perante a necessidade
de dar valor definitivo à sentença judicial não equivale a proclamar uma misteriosa
transubstanciação em ordem jurídica de todos os erros jurisprudenciais, como se de nova
e contraditória fonte de direito de tratasse. É melhor aceitar, como ónus da imperfeição
humana, a existência de decisões injustas do que escondê-las, para salvaguardar um
prestígio martelado sobre a infalibilidade do juízo humano c sob a capa de uma
juridicidade directamente criada pelos tribunais” (Curso de Processo Penal, 2.°, Lisboa,
1986, pág. 25). No domínio do processo civil pronunciaram-se pela doutrina processual
J. Alberto dos Reis («Eficácia...» cit., págs. 218-219), c Castro Mendes (Manual do
Processo Civil, Lisboa, 1963, pág. 460 e Limites Objectivos do Caso Julgado, Lisboa,
1968, pág. 41). Teixeira de Sousa, «O objecto da senntença e o caso julgado (o estudo
sobre a funcionalidade processual)», in Boi. Min. Just., n.° 325, págs. 184 e segs. e
Antunes Varela (cfr. Manual... cit., págs. 707 e segs.) assumem posições particulares.
248 DIREITO E JUSTIÇA

principal porque a existência da relação principal não implica a


subordinada177.
A esta justificação, porém, é de responder, com J. Alberto dos Reis:
“E certo. Mas ninguém pretende que o caso julgado formado sobre a
existência da obrigação principal tenha como consequência necessária a
condenação do fiador: o que se afirma é que o julgamento da existência
da obrigação do devedor deve valer não só entre o credor o devedor, senão
também entre credor e fiador. De-sorte-que se o credor, depois de obter
asentença de condenação do devedor, demandar o fiador, este já não pode
alegar a inexistência da obrigação principal; o que pode é basear a sua
defesa na arguição da inexistência, da nulidade ou da extinção da
fiança”17’.
No artigo 635.° do Código Civil de 1966, porém, a solução dada à
fiança é outra e baseia-se em diferente princípio: o do caso julgado
seciuidum eventum litis, podendo resumir-se dizendo que o caso julgado
se estende ao titular da situação jurídica conexa que não interveio no
processo (fiador, no n.° 1, e devedor, no n.° 2) se lhe for favorável e não
se lhe estende se lhe for desfavorável179.
Se o caso julgado não traduz uma alteração da ordem jurídica substantiva mas a
indiscutibilidade futura da questão que foi decidida não é verdade que resulte do caso
julgado contra o devedor que há ou que não há dívida mas apenas que a existência ou
inexistência desta se tomou indiscutível. Consequentemente, a extensão dos efeitos do
caso julgado não decide da subsistência ou insubsistência da situação dependente no
plano material mas da sua discutibilidade ou indiscutibilidade na parte cm que depende
da situação principal. E pode admitir-se que uma dívida existente seja declarada
indiscutivelmente inexistente mas que essa indiscutibilidade abranja apenas o devedor e
não também o fiador. É esse o alcance da questão e portanto coloca-sc em termos de todo
em todo semelhantes quer se declare a existência quer se declare a inexistência da dívida.
Cfr. Noções Elementares..., 1963, pág. 290. A mesma doutrina é, nas edições
ulteriores ao Código Civil de 1966, apresentada no sentido de explicar o regime do artigo
635.°.
1” «Eficácia...» cit., pág. 269.
*” O que, em qualquer caso, pressupõe que diga respei to a aspecto comum a ambos.
No âmbito da refutação a que procede da doutrina da eficácia reflexa, Antunes Varela
escreve que também nos casos de relações ou posições dependentes se tem entendido,
contra o ensinamento da doutrina da eficácia reflexa, que o terceiro (seguradora ou fiador)
não interveniente na acção não está vinculado pela decisão transitada, podendo opor ao
devedor ou ao credor todos os meios de defesa que lhe seria lícito de duzir em acção contra
ele proposta, antes de proferida aquela decisão (vide, aliás, o disposto no art.n° 635.°, /I
e 2, do Cód. Civil)” (Manual... cit., pág. 728). É certo mas não menos o é que até da
disposição citada decorre, simultaneamente, que o terceiro (o fiador) não interveniente na
acção é prejudicado (em sentido etimológico: deprae + judicare) por ela uma vez que,
caso seja favorável ao terceiro, vincula o credor perante ele.
A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM NOME COLECTIVO 249

Porque assi m é, a clara solução dada neste caso particular não é apta
a dissolver a controvérsia anterior sobre a solução a dar, cm geral, às
situações jurídicas dependentes180 tanto mais que permanccesem resposta
a crítica que lhe moveu ainda J. Alberto dos Reis181 e a que se pode
acrescentar que, por virtude de tal doutrina, o credor, interpondo a acção
contra o devedor, arrisca ganhar apenas contra ele ou perder contra ele e
o fiador e, interpondo a acção contra este, arrisca ganhar contra ele ou
perder contra ele e o fiador.
De forma que, dando já de barato que a responsabilidade do sócio
em nome colecti vo é uma situação dependente da dívida social no exacto
sentido em que o é a fiança”2, é tudo menos clara a solução a dar ao
aspecto da extensão do caso julgado contra ou a favor desta aos próprios
sócios.
E o mesmo se há-de dizer relativamente à questão da aplicabilidade
de idêntica solução que foi consagrada também em 1966 relativamente
à solidariedade (artigos 522.° e 531.° do Código Civil)183.
Se a solução corrente topa com todos estes embaraços no que
respeita à scntcnçacondenatória, em relação aos restantes títulos executivos
ela é, pode dizer-se, quase catastófrica.

1,0 E assim, por exemplo. Castro Mendes (Direito..., II cit., págs.779 e segs.) e
Anselmo de Castro (Direito..., UI cit., pág. 387) limitam-se a indicar o regime da fiança
como caso, ainda que “caso característico” (Castro Mendes), das relações subordinadas
sem entrarem na questão de saber se, nesse âmbito, aquele regime i geral, especial ou
excepcional.
1.1 “Ou há ou não há fundamento para, em determinadas situações jurídicas,
estender o caso julgado a terceiros; se há o caso julgado voincula-os, quer lhes seja
favorável, quer lhes seja prejudicial; porque a razão do vínculo não pode estar na
circunstância acidental e extrínseca de a sentença ter decidido em certo sentido; só pode
estar numa causa mais íntima e profunda; a conexão ou dependência em que a relação
jurídica em que o terceiro é interessado se encontra para com a relação jurídica apreciada
e definida pela sentença” («Eficácia...» cit., págs. 222-223).
1.2 Recorde-sc, a este respeito o que se disse supra sobre o dramatismo da extensão
do caso julgado aos sócios.
1,5 Não se esconde que o Código Civil na generalidade dos preceitos que inclui
sobre a oponibilidade do caso julgado (cfr. arts. 522.°, 531.°, 538.°, n.° 2 e 2290.°), o
Código Civil adopta sempre o mesmo critério, o que levanta a dúvida sobre se não
corresponderá a solução geral, como anota Manuel de Andrade (Noções Elementares...
cit., pág. 313 e nota (1)). Todavia, o restrito âmbito de aplicação de tais disposições não
dissolve ainda o problema: resta saber se a tais regras correspondem ao princípio ou o
cxceptuam c, neste caso, se a excepção está na extensão do caso julgado favorável ou na
não extensão do caso julgado desfavorável.
250 DIREITO E JUSTIÇA

É que, perante a corrente realidade de que desses títulos não consta


como obrigada senão a sociedade e não ainda todos os sócios, como é
próprio de uma pessoa jurídica deles diferenciada, só são possíveis duas
alternativas:
Ou se entende que o sócio está obrigado ao título de que consta como
obrigada a sociedade — e então fica neste aspecto inexplicavelmente
assimétrica a solução dada quanto à sentença: ali, diferentemente do que
acontece aqui, já a sociedade os “representaria”;
Ou, para dar uma solução coerente a ambos os casos, se exige que
o sócio conste pessoalmente dos títulos extrajudiciais como responsável
subsidiário ao lado da sociedade.
Esta última solução, que nunca vimos defendida, balança entre a
inutilização, de um só golpe, de todos os títulos executivos correntes
contra a sociedade (a dos quais apenas consta como obrigada a sociedade)
e a própria diluição da personalidade jurídica da sociedade em nome
colectivo (com as características que lhe aponta o artigo 175.° do Código
das Sociedades Comerciais) ante a necessidade de os credores fazerem
intervir em todos os negócios sociais todos os sócios.
E este o mais grave problema que se depara à doutrina em crítica
mesmo no que respeita às sentenças condenatórias: para a sociedade
alcançar a característica que lhe é própria — e que os credores têm em
conta — impõe-se a diluição da própria sociedade ante a necessidade da
presença de todos os sócios em todos os assuntos sociais e a consequente
contitularidade (ou uma compl içada e estranha forma desta) das si tuações
jurídicas sociais184.
Em face das coordenadas apontadas para a solução do problema ele
é, tem de reconhecer-se, pouco menos que insolúvel mas o certo é que a
solução criticada, que nem conta sequer com grandes bases, é de rejeitar
pelas explosivas consequências que ficam esboçadas.

( Continua')

IM Não é, assim, por acaso que Anselmo de Castro invoca o artigo 8.° do Código
de Processo Civil, conforme já ficou referido.

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