Você está na página 1de 13

1

DIREITO DO CONSUMIDOR

1. A NECESSIDADE DE TUTELA LEGAL DO CONSUMIDOR:

Os problemas sociais surgidos da complexidade da sociedade moderna e os reclamos de


indivíduos e grupos indicaram a necessidade de tutelar o consumidor.

É de Cappelletti a observação de que a sociedade contemporânea se caracteriza pelo


“FENÔMENO DE MASSA”, salientando que, do ponto de vista econômico, a produção é de massa, o
comércio é de massa, o consumo, da mesma forma, tipicamente de massa.

Isso significa dizer que o ato de uma pessoa ou de uma empresa envolve efeitos que atingem
uma quantidade enorme de pessoas. No aspecto consumo, por exemplo, basta que um produto
apresente um mínimo defeito e milhares de pessoas sofrerão um dano. O mesmo pode ser dito em
relação à publicidade: uma fraude publicitária poderá afetar milhões de pessoas. Em ambos os casos
haverá um “DANO DE MASSA”, a exigir uma resposta protetiva que efetivamente tutele o
consumidor.

De se atentar que se, historicamente, fornecedor e consumidor já se encontraram em uma


situação de relativo equilíbrio de poder de barganha, agora é o fornecedor (fabricante produtor,
construtor, importador ou comerciante) que, inegavelmente, assume a posição de força na relação
de consumo, sendo o consumidor a parte VULNERÁVEL na relação de consumo.

O mercado, por sua vez, não apresenta mecanismos para superar a vulnerabilidade do
consumidor. Logo, imprescindível a intervenção do Estado nas suas três esferas: o Legislativo,
formulando as normas jurídicas de consumo; o Executivo, implementando-as; e o Judiciário,
dirimindo os conflitos decorrentes das relações de consumo.

2. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR:

A opção por uma codificação das normas de consumo foi feita pela Assembléia Nacional
Constituinte.

Ao cuidar dos Direitos e Garantias Fundamentais, estabelece o artigo 5º, XXXII da


Constituição Federal, que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.

Mais adiante, no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, determina


que o “Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará
Código de Defesa do Consumidor”.

O artigo 170, relativo aos princípios gerais da atividade econômica, prescreve: “A ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, prescrevendo, a seguir, no inciso V,
que seja observada a “defesa do consumidor”.

Além das menções explícitas, existem outras normas na CF que importam para as relações de
consumo. Assim, a dignidade da pessoa humana, fundamento da República (artigo 1º, III). Nesse
sentido o STJ:
2

“Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Direitos fundamentais


de igualdade e liberdade. Cláusula geral dos bons costumes e regra de
interpretação da lei segundo seus fins sociais. Decreto de prisão civil da devedora
que deixou de pagar dívida bancária assumida com compra de um automóvel-táxi,
que se elevou, em menos de 24 meses, de R$ 18.700,00 para R$ 86.858,24, a
exigir que o total da remuneração da devedora, pelo resto do tempo provável de
vida, seja consumido com o pagamento de juros. Ofensa ao princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana, aos direitos de liberdade de
locomoção e de igualdade contratual”. (STJ, HC 12547/2001).

3. SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR:

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi organizado para viabilizar a proteção do


consumidor sob as mais variadas perspectivas e situações nas quais este sujeito se envolve quando
busca adquirir produtos ou serviços no mercado. Constam desta Lei regras e princípios relativos a
práticas comerciais, contratos de consumo, publicidades, tratamento de informações, formas de
cobranças de dívidas, desconsideração da pessoa jurídica, sanções administrativas e penais, além da
exigência de qualidade para produtos e serviços; respeito à vida, à saúde e segurança do consumidor;
atendimento à confiança e boa-fé; dentre outros pontos, todos eles dirigidos e impostos ao
fornecedor.

A matéria tratada nesta Lei tem como característica a multidisciplinaridade. A proteção do


consumidor é feita a partir da intervenção de vários atores e disciplinas como o Direito, o Marketing,
a Psicologia, a Contabilidade, etc.

O mesmo ocorre no âmbito da Administração Pública: cada órgão ou repartição tem


diferentes e específicas atribuições legais e deverá defender os consumidores dentro de suas
competências e especialidades.

O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC – está regulamentado pelo Decreto


Presidencial nº 2.181, de 20 de março de 1997, integrando órgãos federais, estaduais e municipais,
incluindo ainda as entidades civis de defesa do consumidor sem que haja, entre eles, hierarquia ou
subordinação (artigo 105, CDC: “Integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), os
órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais e as entidades privadas de defesa do
consumidor”). Todavia, como conjunto de estruturas interligadas, cuidou o CDC de estabelecer um
órgão responsável pela sua coordenação, o que se faz através do Departamento de Proteção e
Defesa do Consumidor (DPDC) (artigo 106, CDC: “O Departamento Nacional de Defesa do
Consumidor, da Secretaria Nacional de Direito Econômico (MJ), ou órgão federal que venha substituí-
lo, é organismo de coordenação da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor...”).

A atuação conjunta de todos os órgãos integrantes do SNDC fundamenta-se em três


premissas: Cooperação (operar junto), na qual os órgãos integrados se somam na promoção da
defesa do consumidor; Solidariedade, para que as atividades não sejam exercidas isoladamente, mas
em grau de auxílio mútuo; e sinergia, para que haja intercâmbio de experiências, ensinamentos,
informações e forças.

3.1 PRINCIPAIS ÓRGÃOS QUE ATUAM NA DEFESA DO CONSUMIDOR:

a. DEPARTAMENTO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DPDC:


3

É órgão responsável pela coordenação do SNDC, vinculado à Secretaria de Direito Econômico,


do Ministério da Justiça, sediado em Brasília, com suas atribuições estabelecidas no CDC (artigo 106)
e no Decreto 2.181/97.

Cumpre ao DPDC planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a Política Nacional de


Proteção e Defesa do Consumidor. Nesse sentido o artigo 106, CDC e o artigo 3º do Decreto
2.181/97:

Artigo 106, CDC: “O Departamento Nacional de Defesa do Consumidor, da Secretaria


Nacional de Direito Econômico (MJ), ou órgão federal que venha substituí-lo, é organismo de
coordenação da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, cabendo-lhe:

I - planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política nacional de proteção ao


consumidor;

II - receber, analisar, avaliar e encaminhar consultas, denúncias ou sugestões apresentadas


por entidades representativas ou pessoas jurídicas de direito público ou privado;

III - prestar aos consumidores orientação permanente sobre seus direitos e garantias;

IV - informar, conscientizar e motivar o consumidor através dos diferentes meios de


comunicação;

V - solicitar à polícia judiciária a instauração de inquérito policial para a apreciação de delito


contra os consumidores, nos termos da legislação vigente;

VI - representar ao Ministério Público competente para fins de adoção de medidas


processuais no âmbito de suas atribuições;

VII - levar ao conhecimento dos órgãos competentes as infrações de ordem administrativa


que violarem os interesses difusos, coletivos, ou individuais dos consumidores;

VIII - solicitar o concurso de órgãos e entidades da União, Estados, do Distrito Federal e


Municípios, bem como auxiliar a fiscalização de preços, abastecimento, quantidade e segurança de
bens e serviços;

IX - incentivar, inclusive com recursos financeiros e outros programas especiais, a formação


de entidades de defesa do consumidor pela população e pelos órgãos públicos estaduais e
municipais;

X - (Vetado).

XI - (Vetado).

XII - (Vetado)

XIII - desenvolver outras atividades compatíveis com suas finalidades.

Parágrafo único. Para a consecução de seus objetivos, o Departamento Nacional de Defesa


do Consumidor poderá solicitar o concurso de órgãos e entidades de notória especialização técnico-
científica.”

Artigo 3º do Decreto 2.181/97:


4

“Art. 3o Compete à Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça, a


coordenação da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, cabendo-lhe: (Redação dada
pelo Decreto nº 7.738, de 2012).

I - planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política nacional de proteção e defesa


do consumidor;

II - receber, analisar, avaliar e apurar consultas e denúncias apresentadas por entidades


representativas ou pessoas jurídicas de direito público ou privado ou por consumidores individuais;

III - prestar aos consumidores orientação permanente sobre seus direitos e garantias;

IV - informar, conscientizar e motivar o consumidor, por intermédio dos diferentes meios de


comunicação;

V - solicitar à polícia judiciária a instauração de inquérito para apuração de delito contra o


consumidor, nos termos da legislação vigente;

VI - representar ao Ministério Público competente, para fins de adoção de medidas


processuais, penais e civis, no âmbito de suas atribuições;

VII - levar ao conhecimento dos órgãos competentes as infrações de ordem administrativa


que violarem os interesses difusos, coletivos ou individuais dos consumidores;

VIII - solicitar o concurso de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, bem como auxiliar na fiscalização de preços, abastecimento, quantidade e segurança
de produtos e serviços;

IX - incentivar, inclusive com recursos financeiros e outros programas especiais, a criação de


órgãos públicos estaduais e municipais de defesa do consumidor e a formação, pelos cidadãos, de
entidades com esse mesmo objetivo;

X - fiscalizar e aplicar as sanções administrativas previstas na Lei nº 8.078, de 1990, e em


outras normas pertinentes à defesa do consumidor;

XI - solicitar o concurso de órgãos e entidades de notória especialização técnico-científica


para a consecução de seus objetivos;

XII - provocar a Secretaria de Direito Econômico para celebrar convênios e termos de


ajustamento de conduta, na forma do § 6º do art. 5º da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985;

XII - celebrar convênios e termos de ajustamento de conduta, na forma do § 6o do art. 5o da


Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; (Redação dada pelo Decreto nº 7.738, de 2012).

XIII - elaborar e divulgar o cadastro nacional de reclamações fundamentadas contra


fornecedores de produtos e serviços, a que se refere o art. 44 da Lei nº 8.078, de 1990;

XIV - desenvolver outras atividades compatíveis com suas finalidades.”

O DPDC é órgão de consulta e apuração quanto a questionamentos que lhe sejam


encaminhados, devendo prestar constante e permanente orientação em matéria de consumo.
5

O DPDC fiscaliza as práticas comerciais, cumprindo-lhe, se apuradas irregularidades, aplicar


as sanções administrativas contidas no CDC. Para melhor exercer esta atividade o Departamento age
em parceria com outros órgãos, como por exemplo, a ANVISA.

b. PROCON:

O Procon é órgão do Poder Executivo municipal ou estadual destinado à proteção e defesa


dos direitos e interesses dos consumidores. É ele que mantém contato mais direto com os cidadãos e
seus pleitos.

A criação de um Procon demanda previsão legal (leis ou decretos estaduais ou municipais) na


qual serão estabelecidas suas atribuições tomando-se como referência o artigo 4º do Decreto
2.181/97.

Artigo 4º, Decreto 2.181/97:

“Art. 4º No âmbito de sua jurisdição e competência, caberá ao órgão estadual, do Distrito


Federal e municipal de proteção e defesa do consumidor, criado, na forma da lei, especificamente
para este fim, exercitar as atividades contidas nos incisos II a XII do art. 3º deste Decreto e, ainda:

I - planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política estadual, do Distrito Federal e


municipal de proteção e defesa do consumidor, nas suas respectivas áreas de atuação;

II - dar atendimento aos consumidores, processando, regularmente, as reclamações


fundamentadas;

III - fiscalizar as relações de consumo;

IV - funcionar, no processo administrativo, como instância de instrução e julgamento, no


âmbito de sua competência, dentro das regras fixadas pela Lei nº 8.078, de 1990, pela legislação
complementar e por este Decreto;

V - elaborar e divulgar anualmente, no âmbito de sua competência, o cadastro de


reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e serviços, de que trata o art. 44 da
Lei nº 8.078, de 1990, e remeter cópia ao DPDC;

V - elaborar e divulgar anualmente, no âmbito de sua competência, o cadastro de


reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e serviços, de que trata o art. 44 da
Lei no 8.078, de 1990 e remeter cópia à Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça;
(Redação dada pelo Decreto nº 7.738, de 2012).

VI - desenvolver outras atividades compatíveis com suas finalidades.”

Cumpre ao Procon dar atendimento aos consumidores, o que deve ocorrer


preferencialmente de modo pessoal/presencial. Nada impede, todavia, que o PROCON disponibilize
telefone ou endereço eletrônico para atendimento.

Entre outras atividades, o Procon funciona como instância de instrução e julgamento, no


âmbito de sua competência e da legislação complementar, a partir de regular procedimento
administrativo.
6

O processo administrativo no âmbito do Procon é um conjunto de atos ordenados e


estabelecidos em lei com o objetivo de subsidiar uma decisão motivada que conclua pelo
acolhimento ou não de reclamação fundamentada por consumidor.

Na oportunidade de intermediação dos conflitos, e dentro do processo administrativo,


cumpre ao Procon a busca de acordos entre consumidor e fornecedor. Por acordo entende-se a
concessão recíproca de direitos e interesses patrimoniais disponíveis (ou seja, os que tenham
possibilidade de apreciação econômica) convergindo para um ponto comum que ponha fim ao
desentendimento das partes.

Se descumprido o acordo ou caso ainda existam outros direitos violados, o consumidor pode
ir ao Poder Judiciário para que a lesão ou ameaça sofrida seja examinada.

O Procon tem poderes legais para convocar o fornecedor a comparecer em audiência, com
data e hora agendadas, conforme preceitua a Nota Técnica 220/2003 do DPDC.

No âmbito de suas atribuições, deve o Procon fiscalizar estabelecimentos comerciais


aplicando as sanções administrativas contidas no CDC (artigo 56).

O SNDC conta com o Sistema Nacional de Informações e Defesa do Consumidor – SINDEC –


que reúne informações elaboradas, tratadas e enviadas pelos Procons estaduais e municipais.

c. MINISTÉRIO PÚBLICO:

O Ministério Público tem legitimidade exclusiva para promover ação penal pública relativa às
infrações penais de consumo que, se não efetivada no prazo legal, autorizará a oferta de ações
penais subsidiárias por parte de órgãos públicos de defesa do consumidor (artigo 80, CDC: “No
processo penal atinente aos crimes previstos neste código, bem como a outros crimes e
contravenções que envolvam relações de consumo, poderão intervir, como assistentes do Ministério
Público, os legitimados indicados no art. 82, inciso III e IV, aos quais também é facultado propor ação
penal subsidiária, se a denúncia não for oferecida no prazo legal.”).

Quando houver lesão a direitos coletivos dos consumidores, o Ministério Público deverá
ajuizar Ação Civil Pública (o MP não possui atribuição para representar, perante no Poder Judiciário,
casos individuais, diferentemente da Defensoria Pública).

O MP tem o poder de firmar termos de ajustamento de conduta (Lei 7.347/85) e instaurar


inquérito civil para apuração de infrações à legislação de consumo e, para tanto, pode requisitar
informações e auxílio de outros órgãos integrantes do SNDC.

d. DEFENSORIA PÚBLICA:

A Defensoria Pública é instituição do Poder Público com a função de prestar assistência e


orientação jurídicas em todas as instâncias, às pessoas necessitadas, assim consideradas as pessoas
que não possuem recursos econômicos para contratar advogado particular.

Quanto à defesa do consumidor, a defesa dos interesses dos necessitados será efetivada no
âmbito judicial, eis que perante os Procons o atendimento dos consumidores dispensa o
acompanhamento de advogado ou defensor.
7

A defesa dos direitos dos consumidores pode ocorrer individualmente ou de modo coletivo.
A defesa coletiva dos consumidores foi inovação da Lei Federal 11.448/07, autorizando que as
Defensorias Públicas possam ajuizar ações coletivas.

e. DELEGACIA DE DEFESA DO CONSUMIDOR:

Inicialmente, cabe esclarecer que nem toda violação a direito do consumidor caracteriza
infração penal.

A criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de demandas de


consumidores está expressamente indicada no artigo 5º, III, do CDC e faz parte dos instrumentos que
o Poder Público tem para executar a Política Nacional das Relações de Consumo. Entretanto, a
inexistência de delegacia especializada não retira a obrigação da delegacia geral.

Artigo 5º, III, CDC: “Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o
poder público com os seguintes instrumentos, entre outros:

I - manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente;

II - instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério


Público;

III - criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas


de infrações penais de consumo;

IV - criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a solução


de litígios de consumo;

V - concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de Defesa do


Consumidor”.

Se um agente do Procon, em ato de fiscalização ou a partir de informações recebidas pelos


consumidores, toma conhecimento do fato ou denúncia que configura crime contra o consumidor,
deve noticiá-lo à delegacia para abertura de inquérito ou ao MP para que seja ofertada denúncia
contra o fornecedor.

f. JUIZADOS ESPECIAIS:

Boa parte das lesões sofridas pelos consumidores importa em prejuízos econômicos de
pequena monta que, anteriormente à criação dos Juizados Especiais, passariam despercebidas à
apreciação do Poder Judiciário.

Se for órgão federal (a exemplo da Caixa Econômica Federal), a demanda cujo valor não
exceda a sessenta salários mínimos, será submetida aos Juizados Especiais Federais; em se tratando
de órgãos municipais ou estaduais, aos Juizados Especiais Estaduais.

g. ENTIDADES CIVIS DE DEFESA DO CONSUMIDOR:

As entidades civis de proteção e defesa do consumidor podem ser estruturadas sob as mais
variadas formas: organizações não governamentais – ONG, organizações da sociedade civil de
interesse público – OSCIP, associações, fundações.
8

Representam o conjunto organizado de cidadãos em torno de uma instituição devidamente


registrada e com função estatutária de proteção e defesa dos consumidores, preferencialmente sem
fins lucrativos.

O CDC conferiu poderes especiais para as associações regularmente constituídas há um ano


ou mais de existência para representar os consumidores em juízo coletivamente: artigo 82, IV, CDC.

O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – LEI 8.078/1990:

4. CARACTERÍSTICAS DO CDC:

a. NORMAS PRINCIPIOLÓGICAS:

São frequentes no CDC as chamadas normas principiológicas, isto é, normas que veiculam
valores, estabelecem fins a serem alcançados. Aliás, o Direito atual se caracteriza por utilizar, cada
vez mais, conceitos abertos, também chamados de conceitos jurídicos indeterminados.

Como exemplo, podemos apontar o artigo 4º, III, CDC, que estabelece que:

“A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus
interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia
das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e


compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e
tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da
Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e
fornecedores”.

Mais: o CDC é permeado por normas que estabelecem fins. Ultrapassa-se, com isso, a técnica
de legislar exclusivamente o binômio hipótese-sanção, ou causa-consequência. Quando fins são
definidos, a liberdade do interprete é maior, diminuindo o formalismo, impondo-se o respeito a
certos conteúdos normativos tidos como relevantes.

b. MICROSSISTEMA JURÍDICO:

Sistema é um conjunto de partes, coordenadas entre si, objetivando um fim.

O CDC constitui um microssistema jurídico multidisciplinar na medida em que possui normas


que regulam todos os aspectos da proteção do consumidor, coordenadas entre si, permitindo a visão
de conjunto das relações de consumo.

Por força do caráter interdisciplinar, o CDC outorgou tutelas específicas ao consumidor nos
campos civil (artigos 8º a 54), administrativo (artigos 55 a 60 e 105/106) e jurisdicional (artigos 81 a
104).

c. DIÁLOGO DAS FONTES:


9

O diálogo das fontes consiste em utilizar, para resolver conflitos, normas variadas, que
“dialogam” em busca do melhor resultado, do resultado mais justo, mais conforme a Constituição da
República.

O CDC é explícito ao estabelecer esse diálogo, em seu artigo 7º:

“Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou
convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de
regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que
derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade”.

5. PRINCÍPIOS DO CDC:

a. VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR:

A vulnerabilidade do consumidor fundamenta o sistema de consumo. É em razão dela que foi


editado o CDC, que busca retornar o equilíbrio da relação desigual entre consumidor e fornecedor.

O CDC parte do pressuposto que o consumidor é um sujeito vulnerável ao adquirir produtos


e serviços ou ao se expor a práticas do mercado. A vulnerabilidade traduz-se na insuficiência, na
fragilidade de o consumidor se manter imune a práticas lesivas sem a intervenção auxiliadora de
órgãos ou instrumentos para a sua proteção.

São múltiplas as menções à vulnerabilidade do consumidor no CDC. A Política Nacional das


Relações de Consumo está fundada, inicialmente, no “reconhecimento da vulnerabilidade do
consumidor no mercado de consumo” (artigo 4º, I).

Tal princípio tem como desdobramento o fato de a elaboração das normas jurídicas ser feita
no sentido de manter ou ampliar o conteúdo protetivo ao consumidor, bem como o fato da aplicação
e interpretação de tais normas objetivar alcançar a situação mais favorável para o consumidor.

Aplicação pelo STJ:

“O ponto de partida do CDC é a afirmação do Princípio da Vulnerabilidade do


Consumidor, mecanismo que visa a garantir a igualdade formal-material aos
sujeitos da relação jurídica de consumo, o que não quer dizer compactuar com
exageros que, sem utilidade real, obstem o progresso tecnológico, a circulação de
bens de consumo e a própria lucratividade dos negócios”. (STJ, REsp 586316/MG).

b. TRANSPARÊNCIA:

A Política Nacional das Relações de Consumo busca, dentre outros objetivos, assegurar a
transparência nestas relações (artigo 4º). Conduta transparente é a conduta não ardilosa, conduta
que não esconde, atrás do aparente, propósitos pouco louváveis.

O CDC, prestigiando a boa-fé, exige transparência dos atores do consumo, impondo às partes
o dever de lealdade recíproca, a ser concretizada antes, durante e depois da relação contratual.

c. INFORMAÇÃO:
10

A informação é fundamental no sistema de consumo. Informação falha ou defeituosa gera


responsabilidade.

É dever do fornecedor fazer chegar ao consumidor, de forma simples e acessível, as


informações relevantes relativas ao produto ou serviço.

Aplicação pelo STJ:

“Não é razoável que se exclua do conceito de serviço adequado o fornecimento


de informações suficientes à satisfatória compreensão dos valores cobrados na
conta telefônica. Consectário lógico da consagração do direito do consumidor à
informação precisa, clara e detalhada é a impossibilidade de condicioná-lo à
prestação de qualquer encargo. O fornecimento da fatura há de ser, portanto,
gratuito”. (STJ, REsp. 684712/2006).

Estabelece o CDC que o consumidor tem direito “a informação adequada e clara sobre os
diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características,
composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” (artigo 6º, III). Na
mesma linha, o artigo 8º obriga “os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações
necessárias e adequadas” a respeito dos produtos e serviços colocados no mercado de consumo.

O dever de informar será mais severamente analisado quando disser respeito a produtos
cujo uso possa por em risco a integridade física do consumidor. Nesse sentido, o artigo 9º: “ O
fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança
deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade,
sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto”.

d. EQUILÍBRIO NAS PRESTAÇÕES:

O artigo 4º, III, alude ao “equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”.

Serão inválidas as disposições que ponham em desequilíbrio a equivalência entre as partes.


Se o contrato situa o consumidor em situação inferior, com nítidas desvantagens, tal contrato poderá
ter sua validade judicialmente questionada, ou, sendo possível, ter apenas a cláusula que fere o
equilíbrio afastada.

Há uma relativização do pacta sunt servanda, do princípio da força obrigatória dos contratos,
em homenagem a um real equilíbrio material entre as prestações, considerados os princípios da boa-
fé objetiva e da justiça contratual.

e. REPARAÇÃO INTEGRAL:

Trata-se de um princípio relativo à reparação dos danos causados. Se o consumidor sofre um


dano, a reparação que lhe é devida deve ser a mais ampla possível, abrangendo efetivamente, todos
os danos causados.

Dentre os direitos básicos do consumidor, consagrada no artigo 6º, VI, está “efetiva
prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.

f. INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR:

Estatui o artigo 47, CDC: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais
favorável ao consumidor”.
11

O intérprete, diante de um contrato de consumo, deverá atribuir às suas cláusulas sentido


que atenda, de modo equilibrado e efetivo, aos interesses do consumidor, parte vulnerável da
relação.

Tal princípio é aplicado também nos contratos de adesão (artigo 54, CDC), conforme
preceitua o artigo 423, do Código Civil.

g. BOA-FÉ OBJETIVA:

A boa-fé objetiva estabelece um dever de conduta entre fornecedores e consumidores no


sentido de agirem com lealdade e confiança na busca do fim comum, que é o adimplemento do
contrato, protegendo, assim, as expectativas de ambas as partes. A boa-fé objetiva constitui um
conjunto de padrões éticos de comportamento, aferíveis objetivamente, que devem ser seguidos
pelas partes contratantes em todas as fases da existência contratual, desde a sua criação, durante o
período de cumprimento e, até mesmo, após a sua extinção.

Observação: Pesquisar sobre a boa-fé objetiva.

ANÁLISE DO CDC:

6. ARTIGO 1º:

Art. 1° “O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de


ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição
Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias”.

Como se observa, o enunciado do artigo 1º do CDC, sua promulgação se deve a mandamento


constitucional expresso.

6.1 NORMAS DE ORDEM PÚBLICA:

As normas do CDC são de “ordem pública”, o que equivale a dizer que são inderrogáveis por
vontade dos interessados, embora se admita a livre disposição de alguns interesses de caráter
patrimonial.

Em outras palavras, as normas do CDC possuem caráter cogente, não tolerando renúncia,
estando o juiz autorizado a conhecer das normas do CDC de ofício.

Aplicação pelo STJ:

“CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NORMA DE ORDEM PÚBLICA.


DERROGAÇÃO DA LIBERDADE CONTRATUAL. O caráter de norma pública atribuído
ao Código de Defesa do Consumidor derroga a liberdade contratual para ajustá-la
aos parâmetros da lei (...)” (STJ, REsps 292942/MG).
12

“As normas de proteção e defesa do consumidor têm índole de ordem pública e


interesse social. São, portanto, indisponíveis e inafastáveis, pois resguardam valores
básicos e fundamentais da ordem jurídica do Estado Social” (STJ, REsp 586316/MG).

Aplicação em concurso:

MP/SC 2000: “As matérias tratadas no CDC são de ordem pública, de sorte que ao
magistrado é dado reconhecer esta incidência de ofício”. Gabarito: ____________

Importante:

O STJ não vem aceitando a decretação de ofício das CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS
BANCÁRIOS, sob o argumento de ofensa ao princípio tantum devolutum quantum appelattum. Nesse
sentido:

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO


MERCANTIL. DESCARACTERIZAÇÃO. EXAME DE OFÍCIO. JUROS REMUNERATÓRIOS.
CAPITALIZAÇÃO MENSAL. Descaracterização do contrato. Incidência do verbete nº
293 da Súmula STJ. Exame de ofício de cláusulas contratuais pelo Tribunal de
origem. Impossibilidade, por ofensa ao artigo 515 do CPC. Princípio tantum
devolutum quantum appelattum. Não estando as instituições financeiras sujeitas à
limitação da Lei de Usura, a abusividade da pactuação dos juros remuneratórios
deve ser cabalmente demonstrada em cada caso, com a comprovação do
desequilíbrio contratual ou de lucros excessivos, sendo insuficiente o fato de a
estipulação ultrapassar 12% ao ano. (REsps 271.214/RS, 407.097/RS e 420.111/RS).

Esse entendimento foi sumulado em abril de 2009 pelo STJ:

Súmula: 381, STJ: Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de


ofício, da abusividade das cláusulas.

Aplicação em concurso:

TJMG/Juiz/2009: Nas ações referentes a contratos bancários é correta a


afirmação:

a) O juiz pode e deve, por se tratar de matéria de ordem pública, apreciar, de


oficio, toda a matéria referente à regularidade do contrato.

b) É vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.

c) O juiz só está autorizado a examinar, de ofício, questões relativas às condições


da ação.

d) O juiz deve aplicar, analogicamente as disposições pertinentes às relações de


consumo.

6.2 NORMAS DE INTERESSE SOCIAL:

As normas do CDC são de “interesse social”: O CDC visa a resgatar a coletividade de


consumidores da marginalização não apenas em face do poder econômico, como também dotá-la de
instrumentos adequados para o acesso à justiça do ponto de vista individual e, também, coletivo.
13

Você também pode gostar